WIE 2003 – Workshop de Informática na Escola - Campinas
Algaroba: um projeto para integrar pesquisa e ensino
André Santanchè1, Maria Carolina Santos de Souza1, Christianne Orrico Dalforno2
1
Instituto de Informática – Universidade Salvador – UNIFACS
Rua Dr. José Peroba, nº 251, Stiep – 41770-235 – Salvador – BA – Brasil
2
Departamento de Informática – Universidade Católica do Salvador – UCSal
Avenida Cardeal da Silva, nº 205 – Federação – 40220-140 – Salvador – BA – Brasil
{santanche,mcarol}@unifacs.br, [email protected]
Abstract. This work presents an attempt to provide an infrastructure which
will automatically support production of educational software. The project
“Algaroba” is associated to “Casa Mágica”, an environment used in
supporting the development of educational contents based on software
components. The principal characteristic of Algaroba is the integration of
research and teaching through adoption of research products as objects of
study.
Resumo. Este trabalho propõe uma iniciativa para definir uma infra-estrutura
que forneça suporte para a produção de software educacional. A proposta
chamada “Algaroba” está associada ao “Casa Mágica”, um ambiente para
suporte ao desenvolvimento de conteúdo educacional baseado em
componentes de software. A principal característica do Algaroba é a
integração do ensino e da pesquisa através da adoção de produtos de
pesquisa como objetos de estudo.
1. Introdução
Na medida em que a educação interage de forma crescente com as novas tecnologias,
aumenta também uma relação de dependência entre os caminhos pelos quais estas e
aquela se desenvolvem. Ao mesmo tempo em que se concebem novas metodologias de
ensino-aprendizagem, afinadas com o atual mundo tecnológico, é também importante a
atuação no processo de construção das novas tecnologias em si.
O software assume um papel central nesse contexto. A construção de novas
concepções de software educacional e o aperfeiçoamento daquelas já estabelecidas têm
sido alvo de uma quantidade significativa de pesquisas realizadas no Brasil, resultando
em muitos produtos de software cujo acabamento varia de protótipos a produtos
acabados e estáveis. Em contrapartida, grande parte desses produtos carece de uma
infra-estrutura que garanta sua manutenção e evolução, tornando-se, assim, defasados e,
com freqüência, incompatíveis com novas plataformas de software.
Tal fenômeno se deve em parte ao modo como as instituições de pesquisa
organizam seus projetos, em que o software implementado cumpre a função de
demonstrar-se concretamente uma inovação, colocando aspectos ligados à sua difusão,
uso e atualização em plano secundário.
Este trabalho apresenta uma proposta com o objetivo de buscar caminhos para a
criação de uma infra-estrutura que possibilite a evolução e atualização de um sistema de
software educacional, dentro de uma instituição de ensino e pesquisa, através da
inserção de tal sistema como objeto de estudo coletivo. Apesar de partirmos de uma
experiência pautada sobre um sistema específico – o sistema Casa Mágica – realizou-se
uma análise que destaca princípios aplicáveis a outros sistemas de software educacional
e que, por este motivo, pode contribuir para o desenvolvimento de outros projetos.
1.1. O sistema Casa Mágica
Em 1994, iniciou-se o projeto de desenvolvimento de um ambiente para a construção,
edição, execução e compartilhamento de aplicações educacionais, denominado Casa
Mágica [Santanchè 1999]. Tal ambiente passou, durante anos por vários testes e
aplicações práticas, sofreu grandes modificações, conforme as observações em campo,
sugestões de usuários e de outros pesquisadores. Em 1997, iniciou-se a construção de
uma nova versão do sistema, a partir da estaca zero, devida à forte necessidade de uma
nova concepção para o mesmo, e ao mesmo tempo a mudança para uma nova linguagem
de programação, independente de plataforma e sistema operacional.
O sistema Casa Mágica vem evoluindo durante estes anos e dando origem a
diversos projetos a ele associados, dentre os quais destacamos: o uso de componentes de
software que simulam máquinas para o ensino de matemática [Santanchè 2002], o uso
de metáforas no ambiente do sistema para o desenvolvimento de atividades de ensinoaprendizagem, a construção da infra-estrutura Anima [Santanchè 2000], que permite a
integração entre aplicações educacionais e, finalmente, o projeto mais recente – do qual
trataremos em detalhes neste artigo – que é a introdução do software Casa Mágica como
tema de estudo em disciplinas na área de computação.
Atualmente o software se configura como um sistema de grande porte. Nele
estão reunidas diversas tecnologias agregadas ao sistema durante a sua evolução; entre
elas está a linguagem Java e tecnologias emergentes, tais como: XML [Bray 2000],
RDF [Lassila 1999], XSL [Adler 2001], além de ferramentas especializadas para a
construção de partes do sistema, como a montagem do analisador léxico e analisador
sintático – dado que o sistema possui uma linguagem de programação própria. Dentro
do universo Java o sistema faz uso de diversos pacotes adicionais para tratamento de
gráficos, suporte a multimídia, etc.
Este breve histórico tem a função de caracterizar a complexidade que tem
envolvido, de forma crescente, o sistema Casa Mágica. Esta complexidade está
associada ao porte do sistema, como também, à combinação de múltiplas tecnologias,
que lhe conferem, por um lado diversas vantagens em termos de portabilidade,
facilidade de integração, suporte para Web, etc, mas, por outro exigem o domínio de tais
tecnologias daqueles envolvidos em seu processo de construção e modificação.
O sistema é fruto da colaboração de diversas pessoas que se empenharam em
maior ou menor grau e de maneiras diferentes. A experiência demonstrou que,
especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento do sistema, para que um novo
componente da equipe possa dar uma contribuição significativa, precisará investir
grande parcela de tempo na aprendizagem das tecnologias envolvidas no Casa Mágica,
além de um tempo adicional para se situar dentro da estrutura do sistema.
Isso conduz a uma reflexão, quanto ao futuro do sistema, no que diz respeito à
sua evolução e manutenção, especialmente tendo em vista a colaboração de outros
interessados, externos à equipe principal de desenvolvimento, através de uma política de
software de fonte aberto (open source). Esta observação sobre o sistema Casa Mágica,
pode ser ampliada para sistemas de grande porte ou complexidade, cuja evolução e
manutenção estejam associadas a essa mesma política.
1.2. Tratando o software como a Algarobeira
A reflexão apresentada deu origem a uma iniciativa que pode ser compreendida a partir
de uma analogia com a Algarobeira (árvore da Algaroba). A Algarobeira é uma planta
conhecida por seus múltiplos usos. O seu fruto – a vagem da algaroba – é utilizado para
alimentação animal e para a produção de café, melaço, farinha, aguardente, entre outros.
Ela produz madeira de boa qualidade. Sua floração intensa favorece a produção de mel.
Sua folhagem é sempre verde, proporcionando sombra o ano todo, mesmo em clima
semi-árido [Drumond 1992].
Durante muitos anos, a produção do software Casa Mágica visou
principalmente, seus frutos, ou seja, a sua aplicação como ambiente para o
desenvolvimento de aplicações educacionais. No entanto, a avaliação quanto ao futuro
desenvolvimento e manutenção do sistema, exigiu uma atenção à questão de como
preparar um sistema de grande complexidade, apto a ser incrementado e modificado de
forma colaborativa por muitas pessoas, eventualmente dispersas geograficamente. Isso
implica também a possibilidade de participação de indivíduos que desejam contribuir
para o desenvolvimento de um aspecto específico do sistema, sem que necessariamente
tenham conhecimento e domínio sobre toda a estrutura do software e das tecnologias
empregadas no mesmo.
Tudo isso conduz a uma nova perspectiva sobre o sistema, que surge da
percepção de que, tal como a Algarobeira, o mesmo pode ser explorado e aproveitado,
não apenas através de seus frutos, como também em todo o restante. O sistema Casa
Mágica reúne uma grande quantidade de conceitos e tecnologias, que o tornam um rico
território de estudo na área de computação. Foram observadas três vantagens em
transformá-lo em tema de estudo:
Disciplinas escolares relacionadas à computação são enriquecidas com a
inserção de um objeto de estudo concreto.
O esforço empenhado no desenvolvimento do sistema é aproveitado de
forma mais completa.
Os alunos se inserem no contexto do sistema e podem, se assim desejarem,
contribuir futuramente para o seu desenvolvimento.
Transformar o sistema em objeto de estudo não se mostrou uma tarefa trivial,
que implicasse em, simplesmente, entregar o software para que os alunos ou professores
o utilizassem. Até então, a pesquisa, no tocante à construção do software Casa Mágica,
tinha especial preocupação com o produto final, relegando a segundo plano cuidados
importantes ligados ao processo de produção, tal a metodologia de construção e
documentação do sistema. Estes cuidados se tornam de vital importância quando o Casa
Mágica passa a ser objeto de estudo.
O software precisa estar bem documentado, ter codificação limpa e clara.
Adicionalmente são necessários manuais e textos que expliquem como sua estrutura foi
concebida e alguns guias que orientem atividades de construção e modificação dentro do
ambiente. É necessário um planejamento na disciplina que for adotar o sistema, quais
aspectos do software se pretende explorar e como isto será feito. O aspecto especificado
a ser estudado deve ser adequadamente implementado no projeto.
Nos últimos dois anos foram desenvolvidos trabalhos no sentido de inserir o
sistema Casa Mágica em disciplinas de um curso de Ciência da Computação,
transformando-o em objeto de estudo. Esta experiência será apresentada nos tópicos 2 e
3, na forma de relatos, no entanto, o principal objetivo desses relatos não é de tratar,
apenas, de aspectos relacionados com a metodologia de ensino das disciplinas, mas
estabelecer as bases do nosso argumento principal, onde defendemos a inserção de
projetos práticos de pesquisa na esfera do ensino, como aliança que fortalece tanto o
ensino quanto a pesquisa. Este assunto é o tema do tópico 4. Finalmente apresentamos
nossas considerações finais e perspectivas para projetos futuros no tópico 5.·
2. Casa Mágica e Engenharia de Software
Em 2002, com o objetivo de introduzir os conceitos de educação à distância em um
curso de graduação em Análise de Sistemas, optou-se por um modelo de aprendizagem
semipresencial para a disciplina de “Metodologia de Programação e Engenharia de
Software”. Para isso, foi selecionada uma série de conteúdos, relacionados a esta
disciplina, para serem trabalhados à distância. Dentre eles, a tecnologia dos
componentes de software (CSw) foi escolhida, principalmente por representar,
atualmente, uma tendência na área de desenvolvimento de projetos de sistemas.
[Presman 2000].
O Casa Mágica foi a plataforma adotada para a implementação desses
componentes. Este sistema possui um ambiente para construção de aplicações baseado
em componentes de software, que podem ser integrados e reutilizados através de um
ambiente visual, dotado de uma interface projetada para tornar este processo simples e
intuitivo. Além disso, tal ambiente foi desenhado para permitir fácil acréscimo de novos
componentes codificados.
Para a realização das atividades com o Casa Mágica, os alunos receberam o
programa, juntamente com o seu código fonte, para ser instalado localmente em suas
máquinas. Foi, também, disponibilizado no fórum, do ambiente de aprendizagem, que
será brevemente descrito a seguir, um roteiro de orientação para o desenvolvimento dos
componentes no sistema. As dúvidas relacionadas a essa implementação foram tiradas
no próprio fórum, ou através do correio eletrônico, diretamente com o professor ou
algum responsável pelo desenvolvimento do sistema.
Como o objetivo primordial dessa experiência era incentivar o trabalho
colaborativo em rede, o desenvolvimento dos componentes de software foi realizado por
grupos, utilizando um ambiente de aprendizagem virtual. Nesse ambiente, existiam
basicamente dois espaços: Conteúdo e Comunicação. Na área de Conteúdo estavam
disponíveis a bibliografia e links relacionados com engenharia, incluindo apontadores
específicos para o tema de CSw. Já no espaço Comunicação, os alunos e o professor
poderiam tirar suas dúvidas, apresentar os componentes produzidos e trocar informações
através de ferramentas como: fórum, chat e correio eletrônico. Ver Figura 1.
Link para o
espaço Conteúdo
Link para o
espaço Comunicação
Link para o
espaço – Sala de
Produção
Figura 1. Tela inicial do ambiente de aprendizagem de Engenharia de Software.
Além dessas duas grandes áreas, o ambiente também apresentava um espaço
chamado Sala de Produção onde os grupos disponibilizaram todos os trabalhos da
disciplina, incluindo o código do seu CSw. Este espaço de acesso público foi essencial
para que um grupo visse o que o outro havia produzido e, pudesse, inclusive, padronizar
seu CSw, a fim de integrá-lo aos componentes produzidos por outro grupo.
A partir do acesso ao ambiente de aprendizagem – e com o sistema Casa Mágica
instalado – iniciou-se a atividade de desenvolvimento dos componentes. Inicialmente, o
professor da disciplina e seus alunos selecionaram um tema para exploração. De acordo
com esse tema, cada grupo escolheu um CSw para ser implementado.
O tema escolhido nessa primeira experiência foi Circuitos Eletrônicos. Então,
cada grupo ficou responsável pelo desenvolvimento de pelo menos uma parte do
circuito. Por exemplo, um grupo desenvolveria uma porta OR e a outra equipe a porta
AND. O objetivo final seria montar circuitos maiores, neste caso, formados por portas
OR e AND.
Nesta atividade, para que o CSw de um grupo pudesse ser interligado ao de
outro grupo, foi necessária uma interação entre as equipes, para se definirem padrões de
implementação dos mesmos. Assim, depois que um CSw estivesse implementado, o
grupo responsável deveria disponibilizá-lo na sala de produção do ambiente de
aprendizagem, para que os outros grupos pudessem utilizá-lo.
Em 2003, as atividades estão sendo propostas utilizando-se novamente o Casa
Mágica como plataforma para que novos CSw sejam implementados. A idéia agora é
que seja criado um repositório de componentes organizado por temas. Esse repositório
será alimentado pelos CSw que forem construídos pelos grupos a cada ano letivo e
poderão ser utilizados por professores de outras disciplinas, inicialmente, dos cursos de
Sistemas de Informação e Ciências da Computação.
Com o objetivo de organizar a forma como essa atividade de desenvolvimento
do repositório de CSw será executada a cada ano, foi proposta uma estratégia (guia)
mais abrangente. Essa estratégia, que será descrita no tópico 2.1., sugere um modelo de
interação dos grupos e professores, de acordo com espaços de trabalhos virtuais.
2.1. Desenvolvendo Componentes de Software (CSw) de forma colaborativa
A estratégia sugerida a seguir baseia-se na formação de uma equipe multidisciplinar
para desenvolvimento de atividades pedagógicas a serem disponibilizadas em um curso
realizado à distância. Esta equipe será formada por alunos (líderes de cada grupo de
trabalho) e um ou mais professores (tutores) envolvidos com um determinado curso.
Um das funções da equipe será planejar as atividades e subdividi-las por áreas de
pesquisa, orientando a organização de grupos que serão responsáveis por cada subárea.
Ver Figura 2.
PROFESSOR/TUTOR
Grupo1:
Grupo2:
Grupo3:
Grupo4:
Funções 1º
grau
Gráficos
Teor. Conj.
Funções
Exponen.
EQUIPE MUDISCIPLINAR 01: Coordena a ÁREA MATEMÁTICA.
PROFESSOR /TUTOR: Conduz/ orienta a realização das atividades da área de mat.
04 SUB-ÁREAS CRIADAS: Funções 1 º grau, Gráficos, Teoria dos Conjuntos e Funções
Exponenciais.
04 GRUPOS CRIADOS: Grupo1, Grupo2, Grupo3 e Grupo 4.
FLUXO DA INFORMAÇÃO/COMUNICAÇÃO: em todas as direções
Figura 2. Exemplo de uma Equipe coordenando uma área e subdividindo sua
estrutura/organizacional de trabalho em grupos por subárea de pesquisa.
Além disso, essa estratégia também sugere a criação, no mínimo, de três espaços
virtuais, que deverão estar presentes no ambiente de aprendizagem do curso: 1.
interação entre os componentes do grupo (espaço_interação). Neste espaço existirão:
fóruns, chat e listas de discussão; 2. disponibilização de conteúdo
(espaço_armazenamento) e 3. compartilhamento de informações entre esses grupos
(espaço_compartilhamento) (ver Figura 3). Dentro de cada grupo também deverá
haver uma estrutura de subdivisão, onde cada componente ficará responsável por uma
parte da tarefa de acordo com suas habilidades e interesses. Entretanto, é importante que
todos sejam responsáveis pela reunião das partes e operacionalização final de sua
atividade, para que o resultado alcançado reflita a “personalidade” do grupo como um
todo. É importante, também, que cada grupo tenha seu espaço privado de interação
(espaço_interação) e produção (espaço_ armazenamento). Além disso, pelo menos
um componente (líder) de cada grupo deverá fazer parte da equipe multidisciplinar.
ÁREA GERAL (Todos os Grupos)
ESPAÇO DO GRUPO 3
Grupo 3
Grupo 1
Espaço
Compartilhamento
Espaço
Interação
Grupo 2 e 3
Espaço Armazen.
Grupo 2
Espaço
Interação3
33
Espaço
Armazen.3
Grupo 1
Figura 3. Espaços Virtuais
Se pensarmos, por exemplo, no desenvolvimento de uma biblioteca de
componentes de software para o ensino de matemática à distância com o Casa Mágica,
inicialmente deveremos escolher um tema específico da área subárea para cada grupo.
Supondo que o Grupo3 fique responsável pela área da Teoria dos Conjuntos, cada
aluno desse grupo deverá escolher qual tarefa (implementação do código, design,
documentação, testes, coordenação do projeto, etc) irá executar e, ao passo que cada
etapa for sendo concluída, os resultados obtidos serão disponibilizados no espaço_
armazenamento. Se durante essa execução surgirem dúvidas ou sugestões, o aluno
utilizará o espaço_interação para se comunicar com os outros integrantes do grupo.
O Professor/Tutor (responsável por essa atividade pedagógica) deverá organizar
as sessões de simulações e apresentações dos CSW´s, na própria rede (através da
disponibilização de transparências descritivas/demonstrativas, sessões de chat, fórum,
etc) ou em encontros presenciais.
O grande benefício ao adotar a estratégia apresentada, além de permitir o
trabalho colaborativo em rede, é a capacidade de explorar ao máximo as características
do desenvolvimento de sistemas baseado em componentes de software. Primeiro, em
relação à arquitetura dos componentes, que estimula a reusabilidade e a integração entre
componentes diversos [Presman 2000]. Segundo, pela possibilidade de motivar
professores e alunos que não sejam da área da computação, a desenvolverem suas
próprias aplicações – mesmo que não tenham muitos conhecimentos de programação –
apenas reunindo e reutilizando os componentes disponíveis no repositório proposto.
3. Casa Mágica e Compiladores
Disciplinas que tratam da construção de compiladores exigem o domínio de habilidades
que vão desde a especificação de uma linguagem, até a codificação do programa de
compilação propriamente dito.
Ferramentas como gramáticas, expressões regulares e autômatos são
corriqueiramente utilizadas na especificação da linguagem a ser tratada pelo compilador.
Seu uso, em geral, precede e fornece suporte à codificação do compilador. Através de
programas de geração automática de compiladores é possível se estabelecer um canal
mais imediato entre estas ferramentas e a construção de um compilador. O clássico Lex
[Lesk 1975] parte de uma especificação baseada em expressões regulares, para a
montagem de um analisador léxico, complementarmente, o YACC (Yet Another
Compiler-Compiler) [Johnson 1977] parte de uma especificação sobre a lógica de
tradução dirigida por sintaxe, baseada em uma gramática, para a construção de um
compilador.
Através desses tipos de programas é possível introduzir a codificação de
compiladores, dando ênfase à construção de expressões regulares e gramáticas.
Posteriormente, apresentam-se detalhes da construção de compiladores através da
codificação manual, em linguagem de programação.
O sistema Casa Mágica oferece um ambiente propício para o estudo de ambas as
abordagens. Sua estrutura se baseia em uma linguagem própria chamada Gradus
[Santanchè 1999], que utiliza ferramentas para a geração automática do compilador,
especificamente o JFlex [Klein 2002] – uma ferramenta Java baseada no Lex – e o CUP
(Constructor of Useful Parsers) [Hudson 1999] – uma ferramenta Java baseada no
YACC. Nos anos de 2001 e 2002, ambas as ferramentas foram utilizadas na disciplina
“Linguagens Formais, Autômatos e Compiladores”, com exemplos extraídos da
especificação de Gradus. Ainda não foi utilizada a versão completa da especificação de
Gradus por dois motivos: são necessários outros ajustes para tornar a versão completa
mais simples, clara e bem documentada (isto já foi feito com os sub-conjuntos
utilizados) e, por ser Gradus uma linguagem orientada a objetos, é necessária a
preparação de literatura e material de suporte que trate de especificidades na compilação
de programas em linguagens sobre este paradigma.
No ano de 2002 foi construído um componente de software, para uso no
ambiente Casa Mágica, cujo objetivo foi o cálculo de expressões aritméticas simples. A
demanda para a construção deste componente teve origem em um outro projeto, onde o
sistema Casa Mágica estava sendo utilizado na concepção de um modelo para o ensino
de conceitos de administração de empresas, a partir da simulação empresarial
[Santanchè 2002.2]. Sua construção visava, paralelamente, seu uso como objeto de
estudo na disciplina de compiladores.
A análise e interpretação da expressão aritmética pelo componente foram
realizadas através da codificação manual de analisadores léxico, sintático e semântico,
associados a um tradutor. O projeto se iniciou com a elaboração de um autômato,
algumas expressões regulares e uma gramática, que foram as bases do interpretador,
sempre com atenção especial para seu uso em sala de aula. Foram escolhidas estratégias
para a construção de algoritmos entre as estudadas no curso de compiladores.
Utilizou-se esse
componente de software como exemplo concreto de
implementação manual de um compilador. Sua funcionalidade foi apresentada e testada
dentro de uma aplicação prática. Aos alunos foi fornecido o ambiente completo do
sistema Casa Mágica com todos os códigos fonte, de modo que pudessem estudar e
modificar ou expandir o componente. A estrutura independente propiciada pelo
componente de software permitiu que sua implementação fosse analisada isoladamente,
sem que os alunos precisassem conhecer a estrutura completa do sistema.
Com vista a projetos futuros, planeja-se preparar especificação completa da
linguagem Gradus para estudo e um conjunto de trabalhos práticos, a serem realizados
pelos alunos, nos quais eles possam modificar e estender ambas as implementações de
compiladores: a da linguagem Gradus e a de avaliação de expressões aritméticas
simples.
4. Software educacional como objeto de estudo
Nos dois tópicos anteriores foram apresentados relatos de experiências da inserção de
um sistema de software educacional, como objeto de estudo em disciplinas de
programação. A tal ponto surge a questão: quais as implicações observadas nessa
iniciativa?
Para abordar esta questão, será tratado, inicialmente, o aspecto referente aos
projetos de construção de software educacional – que se desenvolvem nas instituições
de ensino e pesquisa do Brasil – quanto à sua produção, ao seu uso e atualização.
Utilizar-se-á esta análise como subsídio para apresentar as contribuições registradas
neste projeto.
Parece um contra-senso tratar de produção de software educacional no contexto
de instituições de ensino e pesquisa – com preocupações referentes ao seu uso e
atualização – uma vez que estas tratam, mormente, da exploração nas fronteiras da
inovação. No entanto, o que se percebe na prática é que os autores, em geral, vão muito
além dos protótipos, criando produtos completos, com a expectativa de seu efetivo uso.
Além disso, por não terem como principal fonte de preocupação a aceitação do mercado,
essas instituições têm investido mais na inovação, tornando-se as fontes mais ricas de
software educacional, capazes de acompanhar as constantes transformações e demandas
do mundo moderno.
Em contrapartida, o ritmo acelerado de mudanças nos ambientes e nos suportes
tecnológicos tem transformado uma grande quantidade de produtos de software
educacional em peças defasadas, que vão se tornando inadequadas às atuais plataformas,
ou até mesmo inoperantes nas mesmas. Isso ocorre devido a falhas no andamento de
projetos que, uma vez concluídos, carecem de uma equipe de desenvolvedores alocados
para a atualização do software produzido, muitas vezes por falta de recursos para fazê-lo
ou porque o software foi tomado como produto final de uma pesquisa, sem planos de
evolução.
O desafio tornou-se encontrar um modelo que viabilize a criação de uma infraestrutura capaz de garantir a atualização e evolução de um sistema de software dentro
das instituições de pesquisa, e que seja compatível com as peculiaridades deste tipo de
instituição. Note-se que no Brasil as instituições de pesquisa estão geralmente
associadas a universidades, onde a integração entre ensino e pesquisa é uma prática
eficaz.
Considerando o software educacional um componente importante da pesquisa,
no domínio da informática e educação, nossa estratégia de integração ensino-pesquisa
baseia-se na adoção do software – produto da pesquisa – na forma de objeto de estudo
para o ensino. Este é, em resumo, o fundamento da estratégia utilizada no trabalho
apresentado.
A experiência de inserção do sistema Casa Mágica no ensino de computação
obteve resultados positivos, dentre os quais destacamos:
Os exemplos práticos estudados proporcionaram aos alunos uma
perspectiva concreta da temática tratada em sala de aula.
Os alunos foram introduzidos no contexto de um projeto de pesquisa.
Alguns se sentiram estimulados a contribuir para o mesmo, seja através de
um empenho extra em trabalho de uma disciplina, seja conduzindo seu
projeto de final de curso para algum tema que se inserisse no escopo da
pesquisa do sistema Casa Mágica.
O projeto reordenou os esforços empenhados no sistema, na medida em
que foi sendo construída uma infra-estrutura para propiciar sua fácil
compreensão e a participação de indivíduos e grupos externos à equipe
principal de produção do Casa Mágica.
Os alunos que participaram de projetos com o Casa Mágica apresentaramse mais motivados para a realização de trabalhos interdisciplinares e
colaborativos.
Tais resultados motivaram a continuação e expansão do projeto, de modo que
mais outros aspectos do sistema possam se tornar objetos de estudo. Neste sentido, há
um rico horizonte a ser explorado envolvendo: análise de sistemas, projeto de interfaces,
computação gráfica, etc.
5. Considerações Finais
A partir da experiência apresentada e das conclusões explicitadas no tópico anterior,
observamos alguns aspectos importantes, os quais destacaremos a seguir:
Tal como o desenvolvimento de software de fonte aberta, a adoção da estratégia
de integração ensino-pesquisa – apresentada anteriormente – implica claramente em um
posicionamento frente ao produto da pesquisa. Ao contrário da política adotada por
muitas empresas e instituições de pesquisa, o software, elemento de estudo e pesquisa,
torna-se objeto público, primeiro, por ser disponibilizado livremente para todos os
alunos envolvidos no trabalho e segundo, porque o software torna-se um produto de
contribuição coletiva e, conseqüentemente, o direito autoral sobre ele também é
coletivo. Por este motivo, esta estratégia parece incompatível com políticas nas quais o
código fonte do software é propriedade exclusiva da instituição de pesquisa, estando
deste modo restrito a pesquisadores diretamente envolvidos no projeto.
Havendo uma integração entre a pesquisa e o ensino, a interação entre
professores e alunos é aumentada, tornando-se mais fácil a realização de trabalhos
cooperativos e iniciativas interdisciplinares. Esse cenário apresenta um ambiente
acadêmico reconfigurado, onde a sala de aula é interligada aos laboratórios, núcleos de
pesquisa e instituições parceiras.
Em especial, no desenvolvimento de software – tópico discutido no presente
trabalho – os casos reais de pesquisa e aplicação estimulam e mapeiam a implementação
de projetos. Desta forma, uma nova dinâmica é definida, em que a pesquisa impulsiona
o ensino e vice-versa, estabelecendo um ciclo ativo para a produção do conhecimento.
Para o ano de 2003, planeja-se a inserção do sistema Casa Mágica no ensino de
uma disciplina de Computação Gráfica, uma vez que ele possui um formato próprio de
representação de imagens vetoriais, bastante adequado para estudo nesta disciplina.
Além disto, existem planos para migração deste formato a um novo padrão baseado em
XML, denominado SVG – Scalable Vector Graphics [Bowler 2001]. Esta tarefa pode
ser realizada num trabalho conjunto com os alunos.
Outra disciplina cujo conteúdo tem grande sintonia com o Casa Mágica é
Programação Orientada a Objetos, dado que toda a estrutura do sistema se fundamenta
em objetos. Por este motivo, também existem planos de utilizar o Casa Mágica no
ensino de POO.
Finalmente, este projeto tem fortalecido a nossa crença de que a inserção do
sistema Casa Mágica – bem como de outros sistemas de software – nas atividades de
ensino torna-se uma contínua prática de reflexão, que segue dois sentidos: a reflexão
sobre os caminhos da pesquisa conduzida sobre o software e a reflexão da estratégia de
ensino que emerge aliada à pesquisa.
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Download

Leitura anexa 1