Espetáculos evidenciam a força política nesta edição do FIT Diarioweb - SP - MUNDO - 10/07/2011 Vívian Lima Guilherme Baffi Mahin Sadri, atriz iraniana, diz que em seu país, apesar das limitações, encontra sua forma de ser livre: “No teatro, é mais fácil dizer algumas coisas, porque você não precisa dizê-las de maneira direta". Nada de arte em cima do muro. No Festival Internacional de Teatro ( FIT ), em 2011, ganha força o teatro político. O termo aqui não deve ser confundido com partidarismo, ações panfletárias. Deve sim ser encarado como a militância em debater os assuntos urgentes, atuais, e marcar - não impor - uma posição. O teor político aparece em variados níveis, abordando temas diversos na programação. “Desde a Cia. do Latão até o Club Noir, que estão em pontas diferentes no mundo teatral, cada um elabora, à sua maneira, perguntas que são políticas, porque se inscrevem na vida da cidade de maneira problemática”, diz um dos curadores do FIT , José Fernando Peixoto. Para ele, atualmente, vive-se o ponto alto deste teatro político. Na opinião de Peixoto, o teatro aparece como uma arte pública, “em um país onde o teor público da vida não é tão evidente”. O curador afirma que o tom assumido pelas artes cênicas ultrapassa a denúncia. “Mais do que simplesmente apontar o dedo para um determinado problema, é sobretudo a tentativa de elaborar um ponto de vista que consiga vislumbrar para além da realidade.” Para citar alguns exemplos dessa relação entre teatro e política no FIT , há o chileno “Villa + Discurso”, dirigido por Guillermo Calderón, que toca tanto na ditadura de Pinochet quanto na situação chilena mais recente, com um discurso fictício da presidente Michelle Bachelet. Outro internacional, “Apátrida”, fala da busca de uma arte nacional. Até um espetáculo infantil entra na lista. “A Revolução dos Bichos”, da Cia. Fractal de Teatro, baseia-se na obra do escritor George Orwell (considerada uma sátira à Revolução Russa) para compor sua produção. Já entre os nacionais adultos, há “Meire Love - Uma Tragédia Lúdica”, do Grupo Bagaceira, do Ceará, onde a exploração sexual de crianças e adolescentes é o fio condutor da história. “Não fazemos julgamentos, mostramos o fato como ele é, mas com visão poética”, conta Rogério Mesquita, que integra o elenco. O ator da companhia cearense acredita que uma posição panfletária, partidária, cheia de julgamentos, provoca rejeição. “Se for assim, o que é visto é esquecido depois. E essa não é a função do teatro. A função é arranhar a alma do público.” Para Armando Fernandes, também curador do festival, a postura política dos grupos reflete a necessidade humana de se posicionar sobre determinado assunto para exercer a cidadania e firmar sua identidade. Ele explica que o teatro atual dá uma nova feição à produção engajada e panfletária dos anos 70. E cita como exemplo a Brava Companhia, que apresenta “Este Lado Para Cima”. “Eles conseguem ressignificar isso de uma maneira nova, que não cheira à naftalina.” A Brava vem ao FIT falar de luta de classes e condições de trabalho por meio de uma história que mostra a crise de uma cidade, situação causada pela elite do local. E fala disso com pitadas de humor. Um dos diretores de “Este Lado Para Cima”, Ademir de Almeida, diz que, se nos anos 1960 e 1970 o teatro brasileiro posicionava-se contra um claro inimigo - a ditadura -, hoje alerta sobre o (nem tão) livre mercado. O “protesto” chega até mesmo à própria esfera do fazer teatral. “Em São Paulo, temos a lei de fomento ao teatro, que foi uma conquista da classe teatral e que tentamos colocar como modelo de política pública para ser adotado no restante do País, para conseguir um tipo de produção que não seja tão dependente do mercado”, diz Ademir. Quem também debate a interface entre política e trabalho artístico é a Cia. do Latão, com “Ópera dos Vivos”. A peça fala sobre o quanto os artistas se aproximam de um projeto político conforme as relações do trabalho vão mudando. Momentos históricos como o golpe Page 1 / 3 do País, para conseguir um tipo de produção que não seja tão dependente do mercado”, diz Ademir. Quem também debate a interface entre política e trabalho artístico é a Cia. do Latão, com “Ópera dos Vivos”. A peça fala sobre o quanto os artistas se aproximam de um projeto político conforme as relações do trabalho vão mudando. Momentos históricos como o golpe militar estão presentes. Sérgio de Carvalho, diretor da “Ópera”, diz que toda representação é política, já que sempre se apresenta um ponto de vista. “O que marca o teatro nos últimos tempos não é a volta da política, mas a crítica à situação do capitalismo atual.” Lá e cá Os limites e conexões entre o que é público e privado também aparecem no FIT . “Banal”, da Diga Sim Produções!, reflete sobre a violência urbana e como as questões íntimas estão relacionadas com as sociais. Quem também toca nessa esfera é a portuguesa “Se uma Janela se Abrisse”, que transforma o imagens do telejornalismo em notícia íntima. Divulgação “Ópera dos Vivos”: “Toda representação é política”, afirma diretor O ponto de vista do Irã A inquietação política no FIT também se mostrou presente no único espetáculo do Oriente Médio a integrar a programação do festival. “Where Were You On January 8th” (Onde Você Estava em 8 de Janeiro), do Mehr Theatre Group, que encerrou sua passagem ontem por Rio Preto, aborda a situação atual dos jovens no Irã, de como buscam maneiras de ser ouvidos. Para Mahin Sadri, atriz que integra o elenco da peça e é namorada do diretor Amir Reza Koohestani, é impossível dissociar teatro e política. “Tudo em arte é política. Tudo o que você diz tem relação com questões políticas.” No espetáculo que a companhia trouxe ao FIT , a intenção não era falar sobre a figura iraniana mais conhecida no Ocidente, o presidente Mahmoud Ahmadinejad, mas sim de um amplo contexto. “O espetáculo não é sobre o presidente. É sobre como as pessoas se sentem. Não trata da reeleição dele, mas do contexto geral desse tempo. Sobre dinheiro, violência, medo, futuro”, diz Mahin. Os debates propostos pelo grupo do Irã não são inflamados, mas suaves. “É tudo muito simples. As peças começam no escuro, você se concentra, esquece o que veio antes. Depois, percebe que recebeu algo”, conta a atriz. E parece que é justamente isso a causa do sucesso da companhia na Europa. “O palco é muito simples, minimalista. Amir sempre leva ao palco pessoas verdadeiras, com maneira de falar verdadeiras”, afirma a atriz. A própria presença do Mehr Group em Rio Preto também pode ser considerada política. Essa é uma chance de o grupo promover, ainda que de forma reduzida, uma aproximação da cultura iraniana e a brasileira, e de tornar aquela menos desconhecida, desfazendo algumas distorções. “No Irã, as pessoas são complexas. O Irã não acredita em uma única forma de fazer as coisas. Você pode encontrar uma mulher religiosa, mas que não cobre cabelo. Aquela imagem da mulher iraniana com véu, rosto coberto, é também verdadeira, mas não é a imagem toda do País.” Mahin conta que as limitações enfrentadas no teatro do Irã são as mesmas presentes em outras esferas da vida por lá. Os textos produzidos pelos dramaturgos precisam ser submetidos a um centro de arte dramática, que analisa tanto a temática quanto a qualidade da proposta (já que há muita gente querendo fazer teatro, mas nem sempre há espaço para todos). Se o texto for liberado, o grupo segue para os ensaios, que também são vistos algumas vezes por membros do centro de arte. “Não vemos essas pessoas como inimigos. São pessoas inteligentes, que sabem o que está atrás do texto. Às vezes, são até nossos colegas.” Apesar das limitações, Mahin acredita que os artistas têm, de certa forma, mais liberdade. “Nas artes, no teatro, é mais fácil dizer algumas coisas, porque você não precisa dizê-las de maneira direta. Uma cor no palco já tem sentido. E o público compreende o que se quer dizer.” Page 2 / 3 Apesar das limitações, Mahin acredita que os artistas têm, de certa forma, mais liberdade. “Nas artes, no teatro, é mais fácil dizer algumas coisas, porque você não precisa dizê-las de maneira direta. Uma cor no palco já tem sentido. E o público compreende o que se quer dizer.” Clique e confira a programação de Teatro em Rio Preto Quer ler o jornal na íntegra? Acesse aqui o Diário da Região Digital Page 3 / 3