3º Domingo da Páscoa– AnoB
Evangelho - Lc 24,35-48
“Assim está escrito: o Messias sofrerá e ressuscitará dos
mortos no terceiro dia”
Ir. Florinda Dias Nunes, sjbp
No próximo domingo continuaremos celebrando a presença de Jesus Ressuscitado em meio aos
discípulos, confirmando-os como testemunhas. O texto de Lc 24, 35-48 conclui a história dos
discípulos de Emaús, mostra Jesus presente na Comunidade, abre-lhes a mente para
entenderem as Escrituras e os envia em missão.
Conteúdo e contexto
Lc 24,35-48 está colocado logo após o episódio de Emaús. É uma das últimas narrativas do
evangelista Lucas.
O texto pode ser dividido em duas partes:
vv. 35-43 - Jesus está no meio dos discípulos
vv. 44-48 -Jesus abre a inteligência dos discípulos para que compreendam as Escrituras
vv. 35-43 - Jesus está no meio dos discípulos
Os vv. 35-43 descrevem a dificuldade dos discípulos em acreditarem na Ressurreição. Eles
estão ainda muito traumatizados com o que viveram nos últimos dias com Jesus. O testemunho
dos dois discípulos foi importante, mas a comunidade toda precisa fazer a experiência com o
Ressuscitado.
Lucas escreve a partir de comunidades vindas do paganismo, influenciadas pela cultura grega
que entre tantas coisas, desprezava a matéria, neste caso, o copo. Ele precisa mostrar com
gestos concretos que Jesus está vivo. O dualismo grego dificultava as comunidades a aceitarem
a ressurreição de Jesus.
O v. 35 faz ponte entre o fato dos discípulos de Emaús e a comunidade reunida. Jesus aparece
enquanto os discípulos estão reunidos. Era noite a qual também pode ser entendida no sentido
simbólico da “dúvida, incerteza” que impede aos discípulos de enxergarem com os olhos da fé.
Jesus entra e faz a saudação de sempre: “a paz esteja com vocês!” (v. 36). Este anúncio foi feito
pelos anjos no nascimento de Jesus (cf. 2,14), está no cântico de Simeão “... para iluminar os
que vivem nas trevas... para guiar nossos passos no caminho da paz” (1,79).
Os discípulos pensam em fantasma (v. 37), estão assustados e cheios de medo. O evangelista
fala da perplexidade deles e ao mesmo tempo estimula a comunidade a perceber que sem a
ressurreição de Jesus a Nova História por ele trazida perde todo o sentido. Por isso insiste na
ressurreição do corpo como um dado concreto, real e palpável. Jesus não é um fantasma
(fantasia), mas a mesma pessoa que depois de viver com os discípulos na terra, vive agora uma
realidade e uma dimensão novas capaz de ser comprovadas pelos que estiveram com ele que
são convidados a olhar, tocar, constatar. Jesus lhes mostra as mãos, os pés e come um pedaço
de peixe grelhado, o arroz e feijão do povo simples (vv. 42-43).
O ressuscitado possui um corpo: “Olhem minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Toquem em
mim e vejam. Um fantasma não tem carne, nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho”
(v. 39). Os discípulos ainda não podiam acreditar porque estavam muito alegres e surpresos (v.
41). Esta afirmação nos surpreende e ao mesmo tempo nos alerta para o fato de que a fé em
Jesus ressuscitado exige uma adesão firme que leve ao testemunho.
vv. 44-48 - Jesus abre a inteligência dos discípulos para que compreendam as Escrituras
Os vv. 44-48 retomam as Escrituras para consolidar a fé no Ressuscitado, o próprio Jesus as
interpreta. O texto termina enviando os discípulos como testemunhas: “Vós sereis testemunhas
de tudo isso” (v. 48).
A primeira coisa para despertar a nossa fé em Jesus ressuscitado é poder captar, também hoje,
sua presença no meio de nós: fazer circular em nossos grupos, comunidades e paróquias a paz,
a alegria e a segurança que dá saber que Ele está vivo, acompanhando-nos de perto nestes
tempos nada fáceis para a fé.
A presença de Jesus não transforma de maneira mágica os discípulos. Assim acontece também
hoje. A fé em Cristo ressuscitado não nasce em nós de maneira automática e segura. Ela vai
despertando em nosso coração de forma frágil e humilde. No começo é quase só um desejo.
Geralmente cresce rodeada de dúvidas e interrogações: é possível que seja verdade algo tão
grande? A experiência do Ressuscitado é um acontecimento lento, mas contínuo na vida de
cada cristão.
Jesus fica com eles, come com eles e se dedica a “abrir-lhes a mente” para que possam
compreender o que aconteceu. Quer que eles se transformem em “testemunhas”, que possam
falar a partir de sua experiência e pregar, não de qualquer maneira, mas “em seu nome”. Crer
no Ressuscitado, portanto, não é questão de um dia. É um processo que, às vezes pode durar
anos. O importante é nossa atitude interior. Confiar sempre em Jesus. Reservar-lhe muito mais
lugar em cada um de nós e em nossas comunidades cristãs.
A força decisiva que o cristianismo tem de comunicar a Boa Notícia contida em Jesus são as
testemunhas. Esses crentes que podem falar em primeira pessoa. Os que podem dizer: “É isto
que me faz viver nestes momentos”. Paulo de Tarso o dizia à sua maneira: “Já não sou eu que
vivo. É Cristo que vive em mim”. A união com Jesus ressuscitado não é uma ilusão: é algo real
que está transformando pouco a pouco sua maneira de ser. Não é uma teoria vaga e etérea: é
uma experiência concreta que motiva e impulsiona sua vida, algo preciso, concreto e vital.
A testemunha irradia e transmite vida, não doutrina. Não ensina teologia, “faz discípulos” de
Jesus. A verdadeira fé sempre nasce do encontro pessoal com Jesus como “companheiro de
caminhada”
Conclusão
A experiência com o Ressuscitado, a interpretação das Escrituras marcaram de tal maneira a
comunidade que, de agora em diante, conseguem ficar firmes e anunciar a proposta de uma
nova maneira de viver, transformando as relações e criando uma perspectiva de vida plena para
todos.
Na Eucaristia, recebemos Jesus ressuscitado, e é ele quem nos capacita a traduzirmos seu
amor em gestos concretos de liberdade e vida para nossos irmãos. Nos caminhos da vida, só
pode reconhecer o Senhor quem percorrer o caminho dos problemas da humanidade, deles
participar plenamente: fracasso, solidão, busca da justiça e verdade, coerência em direção a um
mundo melhor, solidariedade.
Tudo, o que tinham sofrido com a experiência da cruz, se transforma em alegria e certeza de
vitória. Jesus ressuscitado garante a vitória definitiva da vida sobre a morte. A paz que Jesus
lhes traz ninguém a poderá tirar. Como cristãos, partilhar o pão eucarístico implica partilhar outro
pão, um compromisso de justiça, de solidariedade, de defesa daqueles cujo pão é roubado pelas
injustiças humanas e dos sistemas sociais errados.
Perguntemo-nos se estamos dispostos a percorrer este mesmo caminho e encontrar o
Ressuscitado através da solidariedade e partilha? A liturgia deste período é um banho de
esperança e de revigorar as energias para continuar a missão de testemunhar o Ressuscitado e
ressuscitar com Ele.
BIBLIOGRAFIA
Bíblia Sagrada.
Storniolo, Ivo. Como ler o Evangelho de Lucas. Os pobres constroem nova história. São Paulo,
Paulus, 1992.
Gorgulho, Gilberto e Anderson, Ana Flora. O caminho da paz. Lucas. São Paulo, Ed. Paulinas
1975, 262-266.
Pagola, José Antonio. O Caminho Aberto por Jesus. Petrópolis, Vozes 2012, 357-364.
Revista Vida Pastoral, março-abril 2015, ano 56, número 302.
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