1 www.derphilosopher.supralus.com derPhilosopher A PEDAGOGIA DO MESTRE DE NAZARÉ: algumas reflexões Norberto Mazai www.derphilosopher.supralus.com 2 www.derphilosopher.supralus.com A PEDAGOGIA DO MESTRE DE NAZARÉ: algumas reflexões Norberto Mazai NOTA DO AUTOR Augura-se, neste texto, ainda que sucintamente, propor algumas reflexões sobre a Pedagogia do Mestre de Nazaré. Buscar a proposta pedagógica de uma pessoa é mergulhar na sua vida, no seu ambiente, nas suas relações, na sua fala e, principalmente, naquilo que ele oferece e na sua maneira de oferecer. Buscar a pedagogia de Jesus é, na verdade, buscar o caminho que ele propôs e a maneira com que ele chamava as pessoas para trilhar este caminho. A figura de Jesus, como ressalta Hackmann, delineada pelas suas palavras e atitudes, revela uma pessoa totalmente original, com uma personalidade até paradoxal, por vezes, mas sempre mostrando um ser inigualável, inconfundível e sem nenhum paralelo humano. 1. A PRÁTICA EDUCATIVA NO TEMPO DE JESUS Na sociedade judaica, no primeiro século da Era Cristã, os rabinos eram os grandes educadores. Para exercer tal função, o candidato deveria freqüentar a escola dos Escribas em Jerusalém. Segundo Hackmann, as escolas estavam divididas nos seguintes níveis: primária, onde era ensinada a leitura do texto hebraico; secundária, dedicada ao ensino da interpretação das Escrituras pela tradição oral; superior, reservada para os escribas.1 Depois de formados voltavam para as suas aldeias e exerciam a prática educativa. Na sua prática educacional, os rabinos ocupavam também os dois principais espaços da aldeia. O primeiro espaço era o culto semanal na sinagoga, que era o local importante e decisivo “na organização cultural e do saber”.2 Aqui a leitura era feita em hebraico e a explicação para o povo era feita em aramaico. O segundo espaço era o da escola, que funcionava junto à sinagoga. Aqui o rabino era realmente um professor, na medida em que se preocupava em formar discípulos e futuros escribas, para atuarem nos tribunais e sinagogas. 1 2 Hackmann, p.23. Morin, p.133. 3 www.derphilosopher.supralus.com Ocupando estes dois espaços, o escriba era uma referencia forte, era a grande autoridade do lugar. Sentado na cátedra da sinagoga3, ele definia o rumo da vida das pessoas colocadas sob a sua guarda. Tinha muito poder e sabia exercê-lo, nem sempre de uma maneira condizente. Ele criava a tradição oral, derivada da Torá que se colocava em igualdade com a lei escrita. Devido a todo este poder eram chamados de rabis. Segundo Morin4, os escribas tinham uma certa ciência secreta, razão pela qual exerciam uma influência forte no povo e esta, tratava-se de ensinamentos secretos sobre Deus. Só o aluno assíduo, o futuro escriba, ia se aprofundando neste segredo. Aliás, o próprio Antigo testamento não era, diretamente, acessível às massas, pois estava escrito em hebraico. Disto resulta a posição social destacada dos escribas, já que eram os possuidores da ciência secreta de Deus, herdeiros e sucessores dos profetas. O povo observava neles os gestos e palavras e tinham isso como normas de comportamento. Não possuíam liberdade e tão pouco, dignidade para viver. Jesus, provavelmente cresceu neste ambiente e até os doze anos deve ter freqüentado a escola, já que sabia ler e escrever.5 2. EDUCANDO ATRAVÉS DAS OPÇÕES DE VIDA Podemos afirmar abruptamente, que Jesus adota um estilo de vida que revela a sua pedagogia, que indubitavelmente é diferente da pedagogia exercida pelos escribas da época. O ensinamento de Jesus é tido como novidade frente aos hábitos dos escribas. No lugar de encerrar-se numa sinagoga ou escola e exercer o poder do saber, Jesus rompe com as formalidades e torna-se um pregador ambulante. Jesus parte ao encontro das pessoas, estabelece com todas uma relação de empatia e acolhimento6. Com esta atitude, Jesus faz com que as pessoas comecem a rever seu modo de viver. São encontros transformadores, que suscitam uma fé viva, concreta e pessoal. Uma fé que faz confiar plenamente e investir tudo. Os discípulos deixam tudo e seguem o Mestre para onde ele for. Pedro e seus companheiros pescadores deixam redes e barcos e, sem olhar para trás, seguem Jesus. Posteriormente, o apóstolo Paulo, que encontrará Jesus ressuscitado no caminho de Damasco e também a partir de então deixará tudo para trás e seguirá o Mestre, afirmando: “Eu sei em quem acreditei!” (2 Tm 1,12). Jesus não permanece somente no ensino, mas apresenta sua prática como um exemplo. 3 Cf. Mt23,2. Morin.P.136 5 Cf. Lc4,16; Jo8,6. 6 Cf. Mt 25, 34-36 4 4 www.derphilosopher.supralus.com Vemos em todos estes casos como o encontro pessoal com Jesus resulta numa forte adesão a ele, suscita fé, converte e transforma em discípulo a quem assim teve a graça de encontra-lo. Jesus assume as tarefas de um mestre que sacode e desperta a consciência adormecida de seu povo, oprimido entre a política imperialista e a carga das leis. Coloca-se como guia seguro7, rompe com o quadro da educação dos escribas, comportando-se como um mestre universal que adapta, incansavelmente, a doutrina para todo aquele que deseje; escândalo para os rabinos que tinham como malditos todo aquele que não conhecia as leis. Ele é o Rabi que conhece os segredos dos corações que o cercam, atrai as crianças, olha com amor ao jovem que busca uma orientação para a sua vida. A pedagogia de Jesus é a do discipulado. Antes de propor ou expor um conteúdo, Jesus propõe um caminho e a resposta é o seguimento.8 Isso mostra a enorme diferença entre o modo de ensinar de Jesus com o dos escribas. Como afirma Bombonatto, Jesus traz uma novidade inconfundível e significativa, diferente dos mestres de seu tempo.9 A palavra seguir era o termo que definia o sistema pedagógico de Jesus. Tal palavra indica um tipo bem especial de relacionamento entre Jesus, chamado de mestre, e os seus discípulos e discípulas. Este relacionamento mestre/discípulo é muito diferente de um relacionamento professor/aluno. Seguindo o mestre, o discípulo deve aprender sabendo conviver com ele. Só entenderemos o método pedagógico de Jesus se entendermos sua prática formativa, desenvolvida na convivência com as pessoas que o seguiam. Formando uma comunidade com seus discípulos, Jesus aponta como caminho pedagógico sua prática de ser um com eles, o que para a época era uma loucura, um escândalo. Decididamente, Jesus não é um intérprete da lei ao estilo dos escribas, nem um mero mensageiro de Deus. Em todo o seu ensinamento ressoa uma autoridade que só pode vir de Deus. Sua voz se levanta poderosa e segura nas sinagogas e no templo, ante os supostos mestres da lei acostumados a jurar pela Sagrada Escritura. A autoridade e autonomia com que Jesus ensina é algo jamais desmentido, pois a sua doutrina traz a revelação definitiva. 3. A PRÁTICA PEDAGÓGICA DE JESUS 3.1 Uma pedagogia com os pés no chão Jesus convida as pessoas à reflexão a partir dos fatos ou das coisas corriqueiras da vida. Qualquer situação humana é material precioso para Jesus transmitir os seus ensinamentos. Sua pedagogia parte da observação, da realidade, 7 Cf. Jo 8,12 Cf. Mc1,16-20; Mt4,18-22; Lc5,1-11. 9 Bombonatto. P.43. 8 5 www.derphilosopher.supralus.com do cotidiano. Nada de decorar conteúdos ou raciocinar em cima de abstrações, mas de aprofundar detidamente fatos e situações bem concretas da vida. Partindo destas situações, Jesus consegue se fazer entender por qualquer pessoa.10 Sua linguagem não é livresca e nem pertence a uma escola, ao estilo dos escribas. Seu estilo é livre de conceitos técnicos e de fórmulas sistemáticas, possui um estilo popular que o faz acessível a todos aqueles que o escutam. 3.2 Uma pedagogia participativa Jesus adota uma pedagogia participativa, pois utiliza-se de parábolas para ensinar. Emprega para os seus ensinamentos as formas expositiva e dialogada. Os evangelhos são uma prova dos discursos de Jesus e sua série de parábolas, destinadas a instruir as multidões que o procuravam. Expressava-se mais com frases breves, em forma de pequenas fábulas do que com enormes discursos. O termo parábola vem do grego e significa “comparação”. É o alicerce do pensamento do povo de Israel, e assim, Jesus está sendo fiel ao pensamento e à cultura de seu povo. Através das parábolas Jesus revela toda a sua pedagogia, ou seja, sua proposta educativa que é aberta, livre e eficiente. 3.3 Uma pedagogia libertadora Jesus propõe um caminho e este bem diferente do desenvolvido pelos escribas. Do seu jeito de ser um com os seus discípulos e discípulas, Jesus oferece uma convivência, e esta na unidade e diversidade de cada um. Acolhe a todos e todas, sem distinção. Sabe conviver com todos e ensina qualquer um que se proponha a ouvi-lo. Como diz Echegaray, a crítica de Jesus não só é contundente, mas vai também a raiz da coisa: “ Aí de vós, doutores da lei! Vós vos apoderastes da chave da ciência, vós mesmos não conseguis entrar, e nem deixais que os outros entrem!”11 (Cf. Lc11,42). O ensinamento de Jesus é para todos e está longe de ser um discurso vazio, individual e sem vida. 4. CONCLUSÃO Minha pretensão não era elaborar um tratado, e sim suscitar pistas para uma reflexão sobre a pedagogia de Jesus. O verdadeiro processo pedagógico é aquele que permite à pessoa ficar de pé, sustendo-se em suas próprias pernas e com suas próprias forças. A verdadeira 10 11 Cf. Lc10,21. Echegaray. P.84. 6 www.derphilosopher.supralus.com pedagogia é aquela que permite ao ser humano conquistar a sua autonomia, participando ativamente da construção da sociedade humana. O ensino do mestre é inspiração, iluminação e motivação. O seu ensino supera o insuperável, transcende o dado. È aí que descobrimos a proposta pedagógica de Jesus, através de seus sentimentos, sua compaixão pelo povo, seu amor pelos discípulos, suas posições críticas, seu anúncio em parábolas, seu furor contra as práticas doutrinárias, sua maneira de ser, a sua novidade no modo de anunciar, sua clareza ao tocar no coração de cada um e sua tremenda paixão pela vida; afinal, ele foi, é e sempre será “ o caminho a verdade e a vida”. 7 www.derphilosopher.supralus.com 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOMBONATTO, Ivanise. Vera. Seguimento de Jesus. Uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino.São Paulo: Paulinas, 2002. ECHEGARAY, Hugo. A Prática de Jesus. Petrópolis: Vozes, 1984. HACKMANN, Luiz. Borges. Geraldo. Jesus Cristo nosso Redentor. Iniciação a Cristologia como Sotereologia.Porto Alegre: Edipucrs, 1999. MORIN. E. Jesus e as Estruturas de seu Tempo. São Paulo: Paulinas, 1981.