Aula n.o 07 Teoria Literária Compreensão e Interpretação de Textos Literários 01. (ENEM) – Do pedacinho de papel ao livro impresso vai uma longa distância. Mas o que o escritor quer, mesmo, é isso: ver o seu texto em letra de forma. A gaveta é ótima para aplacar a fúria criativa; ela faz amadurecer o texto da mesma forma que a adega faz amadurecer o vinho. Em certos casos, a cesta de papel é melhor ainda. O período de maturação na gaveta é necessário, mas não deve se prolongar muito. ‘Textos guardados acabam cheirando mal’, disse Silvia Plath, (...) que, com esta frase, deu testemunho das dúvidas que atormentam o escritor: publicar ou não publicar? guardar ou jogar fora? Moacyr Scliar. O escritor e seus desafios Nesse texto, o escritor Moacyr Scliar usa imagens para refletir sobre uma etapa da criação literária. A ideia de que o processo de maturação do texto nem sempre é o que garante bons resultados está sugerida na seguinte frase: a) “A gaveta é ótima para aplacar a fúria criativa.” b) “Em certos casos, a cesta de papel é melhor ainda.” c) “O período de maturação na gaveta é necessário, (...).” d) “Mas o que o escritor quer, mesmo, é isso: ver o seu texto em letra de forma.” e) “ela (a gaveta) faz amadurecer o texto da mesma forma que a adega faz amadurecer o vinho.” 02. (ENEM) – Leia o que disse João Cabral de Melo Neto, poeta pernambucano, sobre a função de seus textos: FALO SOMENTE COMO O QUE FALO: a linguagem enxuta, contato denso; FALO SOMENTE DO QUE FALO: a vida seca, áspera e clara do sertão; FALO SOMENTE POR QUEM FALO: o homem sertanejo sobrevivendo na adversidade e na míngua. FALO SOMENTE PARA QUEM FALO: para os que precisam ser alertados para a situação da miséria no Nordeste. b) a linguagem do texto não deve ter relação com o tema, e o autor deve ser imparcial para que seu texto seja lido. c) o escritor deve saber separar a linguagem do tema e a perspectiva pessoal da perspectiva do leitor. d) a linguagem pode ser separada do tema, e o escritor deve ser o delator do fato social para todos os leitores. e) a linguagem está além do tema, e o fato social deve ser a proposta do escritor para convencer o leitor. 03. (ENEM) – Érico Veríssimo relata, em suas memórias, um episódio da adolescência que teve influência significativa em sua carreira de escritor: Lembro-me de que certa noite – eu teria uns quatorze anos, quando muito – encarregaram-me de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam “carneado”. (...) Apesar do horror e da náusea, continuei firme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo pode aguentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder ficar segurando esta lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? (...) Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a ideia de que o menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto. VERÍSSIMO, Érico. Solo de clarineta. Tomo I. Porto Alegre: Editora Globo, 1978 Neste texto, por meio da metáfora da lâmpada que ilumina a escuridão, Érico Veríssimo define como uma das funções do escritor e, por extensão, da literatura, a) criar a fantasia; b) permitir o sonho; Para João Cabral de Melo Neto, no texto literário, c) denunciar o real; a) a linguagem do texto deve refletir o tema, e a fala do autor deve denunciar o fato social para determinados leitores. d) criar o belo; e) fugir da náusea. LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS - Vol. I 27 04. (ENEM) – Texto 1 O que eu não sei fazer desmancho em frases. Eu fiz o nada aparecer. (Represente que o homem é um poço escuro. Aqui de cima não se vê nada. Mas quando se chega ao fundo do poço já se pode ver o nada.) Perder o nada é um empobrecimento. Fonte: Barros , Manoel de. Livro sobre Nada. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 1996, p. 63 Texto 2 AUTOPSICOGRAFIA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. Texto 1 A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e da experiência de realidade de onde proveio. Afrânio Coutinho Texto 2 POEMA TIRADO DE UMA NOTÍCIA DE JORNAL João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Manuel Bandeira E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. Fonte: PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, pág. 86 Os dois poemas apresentam as seguintes características formais: I. A rima como elemento essencial em sua construção. II. O uso constante de repetições. III. A frequência de comparações e metáforas. IV. A métrica fixa. Estão corretas apenas as afirmações: a) I e II b) II e III c) III e IV d) I, II e IV e) I, III e IV 28 05. (UFV – MG) – Leia os textos abaixo: Comparando o poema com o fragmento do texto teórico sobre a concepção de literatura, é incorreto afirmar que: a) embora o assunto do poema tenha sido inspirado numa notícia retirada do jornal, ou seja, na realidade, podemos classificá-lo no gênero lírico. b) de acordo com Afrânio Coutinho, o poema de Manuel Bandeira não pode ser considerado literatura, pois o motivo e o assunto do poema não são uma “transfiguração do real”. c) a reorganização das palavras retiradas do jornal pode ser vista como uma estratégia formal do autor, conferindo ao poema uma existência autônoma. d) as palavras de Afrânio Coutinho e o exercício de construção poética de Manuel Bandeira são coincidentes, porque ambos valorizam a criação do artista. LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS - Vol. I 06. (ENEM) – O JIVARO Um Sr. Matter, que fez uma viagem de exploração à América do Sul, conta a um jornal sua conversa com um índio jivaro, desses que sabem reduzir a cabeça de um morto até ela ficar bem pequenina. Queria assistir a uma dessas operações, e o índio lhe disse que exatamente ele tinha contas a acertar com um inimigo. O Sr. Matter: — Não, não! Um homem, não. Faça isso com a cabeça de um macaco. E o índio: — Por que um macaco? Ele não me fez nenhum mal! – Ah, não sabia, não. Deus o tenha em sua guarda... Mas que é que há, Miguilim? Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, por isso é que o encarava. – Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo de vista? Vamos até lá. Quem é que está em tua casa? – É Mãe, e os meninos... Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos. O senhor alto e claro se apeou. O outro, que vinha com ele, era um camarada. O senhor perguntava à Mãe muitas coisas do Miguilim. Depois perguntava a ele mesmo: –– ‘Miguilim, espia daí: quantos dedos da minha mão você está enxergando? E agora? Rubem Braga ROSA, João Guimarães. Manuelzão e Miguilim. 9ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. O assunto de uma crônica pode ser uma experiência pessoal do cronista, uma informação obtida por ele ou um caso imaginário. O modo de apresentar o assunto também varia: pode ser uma descrição objetiva, uma exposição argumentativa ou uma narrativa sugestiva. Quanto à finalidade pretendida, pode-se promover uma reflexão, definir um sentimento ou tão somente provocar o riso. Na crônica O jivaro, escrita a partir da reportagem de um jornal, Rubem Braga se vale dos seguintes elementos: Assunto Modo de apresentar Finalidade a) caso descrição provocar imaginário objetiva o riso b) informação narrativa promover colhida sugestiva reflexão c) informação descrição definir colhida objetiva um sentimento d) experiência narrativa provocar pessoal sugestiva o riso e) experiência exposição promover pessoal argumentativa reflexão Esta história, com narrador observador em terceira pessoa, apresenta os acontecimentos da perspectiva de Miguilim. O fato de o ponto de vista do narrador ter Miguilim como referência, inclusive espacial, fica explicitado em: a) “O homem trouxe o cavalo cá bem junto.” b) “Ele era de óculos, corado, alto (...)” c) “O homem esbarrava o avanço do cavalo, (...)” d) “Miguilim queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, (...)” e) “Estava Mãe, estava tio Terez, estavam todos” 07. (ENEM) – MIGUILIM De repente lá vinha um homem a cavalo. Eram dois. Um senhor de fora, o claro de roupa. Miguilim saudou, pedindo a bênção. O homem trouxe o cavalo cá bem junto. Ele era de óculos, corado, alto, com um chapéu diferente, mesmo. – Deus te abençoe, pequenino. Como é teu nome? – Miguilim. Eu sou irmão do Dito. – E o seu irmão Dito é o dono daqui? – Não, meu senhor. O Ditinho está em glória. O homem esbarrava o avanço do cavalo, que era zelado, manteúdo, formoso como nenhum outro. Redizia: 08. (ENEM) – São Paulo vai se recensear. O governo quer saber quantas pessoas governa. A indagação atingirá a fauna e a flora domesticadas. Bois, mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números e invertidos em estatísticas. O homem do censo entrará pelos bangalôs, pelas pensões, pelas casas de barro e de cimento armado, pelo sobradinho e pelo apartamento, pelo cortiço e pelo hotel, perguntando: — Quantos são aqui? Pergunta triste, de resto. Um homem dirá: — Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora, felizmente, só há pulgas e ratos. E outro: — Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra e algumas baratas. Tome nota dos seus nomes, se quiser. Querendo levar todos, é favor... (...) E outro: — Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê. Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e de meu peito! Rubem Braga. Para gostar de ler. v. 3. São Paulo: Ática, 1998, p. 32-3 (fragmento). LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS - Vol. I 29 O fragmento anterior, em que há referência a um fato sócio-histórico — o recenseamento —, apresenta característica marcante do gênero crônica ao a) expressar o tema de forma abstrata, evocando imagens e buscando apresentar a ideia de uma coisa por meio de outra. b) manter-se fiel aos acontecimentos, retratando os personagens em um só tempo e um só espaço. c) contar história centrada na solução de um enigma, construindo os personagens psicologicamente e revelando-os pouco a pouco. d) evocar, de maneira satírica, a vida na cidade, visando transmitir ensinamentos práticos do cotidiano, para manter as pessoas informadas. e) valer-se de tema do cotidiano como ponto de partida para a construção de texto que recebe tratamento estético. Leia os textos para responder às questões de números 09 e 10: Texto 1 Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim. Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito. Olavo Bilac Texto 3 INFANTIL O menino ia no mato E a onça comeu ele. Depois o caminhão passou por dentro do corpo do menino E ele foi contar para a mãe. A mãe disse: Mas se a onça comeu você, como é que o caminhão passou por dentro do seu corpo? É que o caminhão só passou renteando meu corpo E eu desviei depressa. Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia. Eu não preciso de fazer razão. Manoel de Barros 09. (UFTM – MG) – Os três textos apresentam ideias comuns, pois discutem, cada um à sua maneira, a) a literatura como sujeição à realidade; b) a artificialidade na arte de criar; c) o fazer próprio à arte literária; d) a irrelevância da escrita; e) a ausência de objetividade na escrita. 10. (UFTM – MG) – De acordo com o expresso pelo eu lírico no Texto 3, a criação artística na poesia a) exclui aspectos subjetivos; b) está apegada à realidade circundante; c) privilegia a objetividade; d) expressa os sentidos com fidedignidade; e) pode prescindir da razão. Texto 2 LEMBRAR-SE Escrever é tantas vezes lembrar-se do que nunca existiu. Como conseguirei saber do que nem ao menos sei? assim: como se me lembrasse. Com um esforço de “memória”, como se eu nunca tivesse nascido. Nunca nasci, nunca vivi: mas eu me lembro, e a lembrança é em carne viva. Clarice Lispector, Os melhores contos Gabarito 01. b 05. b 09. c 02. a 06. b 10. e 03. c 07. a 04. b 08. e 30 LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS - Vol. I