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PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO DIREITO CIVIL
DANIEL BARBOSA LIMA FARIA-CORRÊA DE SOUZA
Procurador do Município de São Leopoldo (RS);
1ª edição: São Leopoldo (RS)
EMENTA: DIREITO CIVIL. Prescrição e Decadência. Conceito. Características. Estrutura da
obrigação: “Haftung” e “Schuld”.
I – Questão relevante decorre a respeito da prescrição e da decadência em direito civil.
II - Passemos à análise do tema.
II.1 DIREITO E TEMPO
O tempo exerce forte influência no direito, mormente na aquisição e extinção de direitos 1.
Aponta Paulo Dourado de GUSMÃO 2 ser a influência do tempo bastante importante nas relações
jurídicas, as quais podem ser “constituídas para durar por tempo indeterminado, e outras, por tempo
determinado.” Nos primórdios, as ações eram eternas. Assevera Wilson Garcia 3:
“No direito romano primitivo, as ações eram perpétuas e o interessado a elas
podia recorrer a qualquer tempo. A idéia de prescrição surge no direito
pretoriano, pois o magistrado vai proporcionar, às partes, determinadas
ações capazes de contornar a rigidez dos princípios dos jus civile.”
SOUZA FILHO 4, a respeito do tempo, afirma:
“De antemão, devemos afirmar que o decurso do tempo é inafastável ao
estudo do tema da prescrição e da decadência objetos deste trabalho. Isto
porque a dimensão do tempo se revela ou se manifesta no direito sob a
forma de diversos institutos, tanto no campo material como processual. No
campo substantivo se apresenta, sobretudo, pelos institutos da prescrição e
decadência.”
Consoante expôs Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 5:
“O Estado, estando predisposto a buscar a consecução da felicidade geral
através da paz e da estabilidade social, prevê mecanismos jurídicos
tendentes a assegurar a cristalização de situações que, a despeito de
objetivamente estarem em desacordo o direito positivo, consolidaram-se no
tempo sob o pálio da presumida aceitação dos sujeitos teoricamente
prejudicados com a inicial ação violadora.”
Dessa forma, podemos perceber que, desde os primórdios, o Estado foi buscando
estabelecer a paz social e solidificar as situações fáticas existentes. Nesse diapasão, SOUZA FILHO 6
aponta:
“O fenômeno prescritivo ocorre quando há perda da exigência da pretensão.
(…..) O titular do direito lesionado possui em mãos a faculdade de
movimentar a máquina judiciária a fim de recompor seus interesses.
Contudo, a situação de tutela de pretensão não se perpetua no tempo, mas
1
A esse respeito: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, p. 179.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. Cit., p.245.
3
GARCIA, Wilson Roberto Barbosa. Prescrição e decadência no Direito Civil. Direito Net, Brasil, 20/10/2005. Disponível em:
<http://www.direitonet.com.br/artigos/x/23/13/2313/>. Acesso em 04/11/2007.
4
SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Novos Rumos da Prescrição e da Decadência no Direito Brasileiro. Universo Jurídico,
Brasil, 30/04/2006. Disponível em <http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=2598>
Acesso em: 04/11/12007.
5
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. A prescrição trienal em favor da Fazenda Pública. Para uma interpretação sistêmica e
dialógica à luz do Código Civil de 2002. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1098, 4 jul. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8594>. Acesso em: 04 nov. 2007.
6 SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Op. Cit.
2
2
com ele se degenera, ou seja, existe prazo para seu exercício sob pena de
incidir a prescrição, que surge como instituto cujo propósito é o de consolidar
as relações interpessoais de cunho jurídico.”
A inércia do titular do direito em exercê-lo não pode perdurar eternamente. Como consabido,
“dormientibus non sucurrit jus” 7. Conforme restou decidido pelo TJRS:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO
DE PARTE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO.
POSSIBILIDADE.
O crédito tributário não é eterno. Transcorridos mais de cinco anos do
lançamento tributário, sem que tenha sido citada a devedora, é possível
reconhecer-se de ofício a prescrição (art. 219, § 5º, do CPC). A prescrição
extingue o crédito tributário, nos termos do art. 156, V, do CTN. Agravo
parcialmente provido.” 8
Assim, as relações sociais precisam ser pacificadas. Dissertando a respeito do brocardo
“dormientibus non sucurrit jus”, Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 9 assevera:
“Direito não ampara aqueles que injustificadamente permanecem inertes
frente a flagrantes agressões a seus bens jurídicos, com a exceção de
excepcionais casos previstos taxativamente na lei ou na Constituição ou cuja
natureza não se compatibiliza com o perecimento da ação de defesa inerente
ao direito (as denominadas ações imprescritíveis, tais como as concernentes
aos direitos da personalidade, de reconhecimento da paternidade ou as ações
de ressarcimento por prejuízos causados ao erário por agente público – art.
37, § 5º, CF/88).”
Leciona Paulo Dourado de GUSMÃO 10, no que pertine às relações jurídicas: “Podem
extinguir-se pelo decurso do tempo, em havendo omissão do titular do direito, não exigindo o
cumprimento, por parte do devedor impontual, da obrigação.”
Ademais, Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 11 aponta que o instituto da prescrição
trabalha com a idéia de tempo “versus” o exercício de direito.
Dessa maneira, objetivando atingir a segurança jurídica, o Direito 12 prevê institutos como a
usucapião (prescrição aquisitiva), a preclusão, a decadência e a prescrição. A desordem e o caos
reinaram se tais institutos não existissem. Do contrário, transcorridas décadas, o titular do direito
supostamente violado teria ainda a pretensão de ver o dano reparado ou o ato desfeito. Portanto,
priorizando a segurança jurídica, foram criados os institutos em testilha.
SOUZA FILHO 13, a respeito do tempo, afirma: “A prescrição promove a consecução de um
interesse jurídico-social, a saber: proporcionar segurança às relações jurídicas. É instituto de ordem
pública.”
O princípio da segurança jurídica, ademais, deve prevalecer sobre os interesses meramente
individuais do titular do direito supostamente violado. Ensina Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 14:
“O caos imperaria no meio social se alguém pudesse, apesar de transcorridos
vários anos ou décadas do ato de violação de seu direito, postular em juízo
contra o suposto agressor, pleiteando a reparação do dano ou o desfazimento
do ato ilícito. Tal possibilidade é repelida pela ordem jurídica com o escopo de
preservar-se um bem coletivo superior ao interesse meramente individual do
desidioso autor, qual seja, a segurança jurídica. É princípio geral de direito
que o interesse público, nesta sede condensado no princípio da segurança
jurídica, prevalece sobre o interesse privado, em especial quando o suposto
titular revela-se relapso e desinteressado pela preservação ou restauração da
situação jurídica de vantagem lhe outorgada pela lei.”
7
“O direito não socorre aos que dormem.”
TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70021223144, 21ª Câmara Cível, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 17/10/2007.
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
10
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. Cit., p.245.
11
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
12
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit..
13
SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Op. Cit.
14
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
8
9
3
Dessarte, priorizando a segurança jurídica, foram criados os citados institutos da usucapião
(prescrição aquisitiva), da preclusão, da decadência e da prescrição, fixando a lei prazos para o
exercício da pretensão do titular do direito supostamente violado. Dissertando a respeito, Bernardo
Lima Vasconcelos Carneiro 15 assevera:
“Assim, o instituto da prescrição trabalha a relação TEMPO versus EXERCÍCIO
DOS DIREITOS. Contudo, não o exercício dos direitos materiais já integrados
ao patrimônio jurídico do sujeito, mas sim do exercício do autônomo e
abstrato direito subjetivo público de ação. No primeiro caso, perecimento do
próprio direito material em decorrência do seu não exercício pelo tempo
fixado em lei, temos a decadência, já no segundo, extinção da via judicial
defensiva do direito material agredido pela não atuação no prazo legal, temos
propriamente a prescrição.”
Deve-se referir, outrossim, que os institutos em apreço permitem a concretização da
segurança jurídica. Conforme exemplifica Carlos Roberto GONÇALVES 16, o instituto da prescrição evita
a conservação perpétua dos recibos de quitação, “bem como o exame dos títulos do alienante e de
todos os seus sucessores, sem limite no tempo”. Edilson Pereira Nobre Júnior 17 aborda:
“Ao invés de representar pena ao inerte, funda-se a prescrição no princípio
da segurança jurídica, a reputar como atentatório da paz social que as
relações jurídicas perdurem, insolúveis e definitivamente, no tempo.”
Importa destacar que os institutos da prescrição e da decadência não se constituem em
castigo ao credor, mas, como aponta Ernesto José Toniolo 18:
GILISSEN 19
“Como mencionamos anteriormente, não se trata de castigo, mas sim de
sacrifício dos direitos do credor, para a preservação de outros direitos
ameaçados, em decorrência de sua ação, em desacordo com o esperado pelo
ordenamento jurídico.”
assevera que na Ordonnance de 1510 de Luís XII já se estipulava a respeito das
prescrições de curto prazo:
“(...) prescrições de seis meses para a acção dos operários e trabalhadores,
de um ano para a dos criados, quanto ao pagamento dos seus salários, de
cinco anos para a acção para pagamento de rendas atrasadas, de dez anos
para a acção de nulidade ou rescisão de uma convenção. A maior parte
destas curtas prescrições foram com efeito retomadas pelo Code Civil de
1804 (arts. 1304 e 2271-2277) e ainda são hoje aplicadas. (Redação
conforme original lusitano)”
Estatuíam as Ordenações Filipinas, conforme ALVES 20:
“(...) que o fundamento da prescrição era de penalidade ‘pela negligência,
que a parte teve de não demandar em tanto tempo sua coisa, ou dívida.”
Nas Ordenações Manoelinas, também encontramos considerações a respeito da prescrição.
Obtempera ALVES 21:
HARADA 22
15
“Proviera das Ordenações Manoelinas, Livro IV, Título 80, pr., que inovara em
relação ao direito anterior, e contou com a aceitação de parcela considerável
da doutrina brasileira, segundo a qual não deixaria de haver na prescrição
uma certa penalidade indireta à negligência do titular, e muito justificável,
penalidade essa que o privaria ‘de seu direito, porque, com a sua inércia
obstinada, ele faltou ao dever de cooperação social, permitindo que essa
negligência concorresse para a procrastinação de um estado antijurídico,
lesivo à harmonia social.’ (Antônio Luís da Câmara Leal, Da Prescrição e da
Decadência, p. 16. No mesmo sentido e com a mesma orientação, Antonio
Chaves, Tratado de Direito Civil, v. I, t. 2, pp. 1622-1623).”
disserta sobre a importância e o fundamento da prescrição e da decadência:
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, p. 180.
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira . PRESCRIÇÃO: DECRETAÇÃO DE OFÍCIO EM FAVOR DA FAZENDA PÚBLICA.. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 211, 1998. Disponível em http://www.jfrn.gov.br/docs/doutrina31.doc . Acesso em 03/12/2007.
18
TONIOLO, Ernesto José. A Prescrição Intercorrente na Execução Fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2ª tiragem, 2008, p. 79.
19
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª ed., 1995, 813.
20
ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. São Paulo: Servanda, 3ª ed., 2006, p. 93.
16
17
4
“A prescrição significa prazo para o exercício do direito. Tem seu
fundamento no princípio da segurança jurídica. Visa estabilizar as relações
jurídicas. Não convém deixar que o credor fique indefinidamente com
a espada de Dâmocles na cabeça do devedor, pois isso poderia afetar
suas relações com terceiros que, por sua vez, afetariam inúmeras outras
relações jurídicas criando ‘efeito cascata’ a desestabilizar a ordem jurídica.
Decadência é prazo de vida do direito.”
Assim, as relações sociais precisam ser pacificadas. É corolário da dignidade da pessoa
humana não ter sobre si “a espada de Dâmocles”
eterno.”
23
eternamente. “O crédito tributário não é
24
Conforme Claudomiro Batista de Oliveira Júnior 25, os direitos da pessoa humana são
universais, ipsis litteris:
“Desde a divulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela
Organização das Nações Unidas, após a Segunda Guerra Mundial, que se
convencionou considerar que os direitos da pessoa humana eram universais,
atemporais e que deveriam ser aplicados a todos os povos,
independentemente de sua cor, raça, credo ou sexo.”
A própria Constituição Federal estabelece as hipóteses de imprescritibilidade, não podendo o
legislador ordinário criar hipóteses não previstas explícita ou implicitamente no texto constitucional.
II.2 DA PRESCRIÇÃO NO DIREITO CIVIL
II.2.1 Conceito e natureza jurídica
A palavra prescrição 26, etimologicamente, vem do substantivo latino “praescriptio”, o qual é
oriundo do verbo “praescribere”, e significa “escrever antes”.
No Código Civil Brasileiro, devemos distinguir a existência de dois tipos de prescrição 27:
extintiva e aquisitiva. A prescrição extintiva é a que está regulada pela parte geral do Código Civil,
tratando da força extintora do direito. Por seu turno, a prescrição aquisitiva vem prevista no Livro III,
Direito das Coisas, predominando a força geradora.
Conforme conceitua Paulo Dourado de Gusmão 28, prescrição é:
Chamone 29
“(...) a extinção da obrigação por não ter a exigido judicialmente o credor do
devedor, depois do vencimento da mesma, no prazo prescricional fixado em
lei, iniciado a partir de quando a prestação deveria ser cumprida.”
assim conceitua o instituto:
“Por prescrição, instituto concebido em favor da estabilidade e segurança
jurídicas (tal como a decadência), entende-se a perda da eficácia de
determinada pretensão pela inércia do titular do direito subjetivo por
prolongado lapso temporal.”
II.2.2 A Prescrição no Código Civil de 1916
O vetusto Código Civil de 1916 não definia o que era prescrição. Clóvis Bevilacqua 30
apontava:
21
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 93.
HARADA, Kiyoshi. Prescrição tributária. Interrupção e suspensão. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1475, 16 jul. 2007.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10147>. Acesso em: 28 nov. 2007.
23
“A espada de Dâmocles: Dizer que alguém "está sob a espada de Dâmocles" significa que, a qualquer momento, algo de muito
ruim pode acontecer com o pobre coitado. O nome vem de um certo Dâmocles, que vivia na corte de Siracusa, no século IV A.C.
Como freqüentava o palácio e era amigo do rei, expressava constantemente sua inveja pelas delícias proporcionadas pelo trono. O
rei, para mostrar-lhe o preço que se paga pelo poder, ofereceu-lhe um requintado banquete, deixando suspensa sobre a cabeça de
Dâmocles uma espada que pendia ameaçadoramente do teto, presa apenas por um único fio delgado. Com isso, o invejoso
cortesão entendeu a precariedade do poder real, e a expressão passou a simbolizar "um perigo iminente que paira sobre a vida de
alguém". Para quem é soropositivo de HIV, a ameaça de que a AIDS venha a se manifestar é uma verdadeira espada de
Dâmocles.” MORENO, Cláudio. Disponível em: http://www.sualingua.com.br/02/02_alusao.htm. Acesso em 02/12/2007.
24
TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70021223144, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco
Aurélio Heinz, Julgado em 17/10/2007.
25
OLIVEIRA JÚNIOR, Claudomiro Batista de. Direitos Humanos - Universalismo ou Pacifismo Seletivo? in Revista Científica da
Faculdade de Natal. Disponível em http://www.falnatal.com.br/revista/ensaios/claudomiro.htm - Acesso em 03/12/2007.
26
ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. São Paulo: Servanda, 3ª ed., 2006, p. 75.
27
Conforme doutrina de GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, pp. 179/180.
28
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. Cit., p. 245.
22
5
“prescrição aquisitiva é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a
sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela, durante
determinado espaço de tempo.”
O Código Civil de 1916 referia, no artigo 75, que “A todo direito corresponde uma ação, que
o assegura.”
Por seu turno, Caio Mário da Silva Pereira 31 referia ser a prescrição a forma pela qual ocorria
a extinção de um direito. Portanto, Caio Mário apontava que não apenas a ação era extinta pela
inércia do titular do direito durante um determinado interregno temporal.
Dessa maneira, pelo Código Civil de 1916, prescrição era a extinção da ação.
II.2.3 A Prescrição no Código Civil de 2002
O Novo Código Civil assim define o instituto no artigo 189: “Violado o direito, nasce para o
titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”
Dessa forma, verificamos que o Novo Código Civil 32 utilizou-se da expressão “pretensão”,
indicando que não se trata o instituto de um direito subjetivo abstrato de ação. Esclarece
GONÇALVES 33:
“Atendendo-se à circunstância de que a prescrição é instituto de direito
material, usou-se o termo ‘pretensão’, que diz respeito à figura jurídica do
campo do direito material, conceituando-se o que se entende por essa
expressão no art. 189, que tem a virtude de indicar que a prescrição se inicia
no momento em que há violação do direito.”
O Novo Código Civil abandonou, pois, a teoria imanentista 34, segundo a qual, em síntese 35, a
ação seria o direito de pedir em juízo o que nos é devido. Nessa alheta, SOUZA FILHO 36 alude: “O
fenômeno prescritivo ocorre quando há perda da exigência da pretensão.” Serpa Lopes refere:
“o que se perde com a prescrição é o direito subjetivo de deduzir a pretensão
em
juízo,
uma
vez
que
a
prescrição
atinge
a
ação
e
não o direito. “
A propósito, impende destacar que a prescrição fulmina a pretensão, não o direito. Assim, o
titular da pretensão prescrita poderá satisfazê-la de outro modo. Mister lembrar que obrigação
prescrita se constitui em obrigação natural. Dessa maneira, como exemplifica SOUZA FILHO 37, a
pretensão prescrita pode ser satisfeita de forma espontânea. De acordo com o estudioso SOUZA
FILHO 38:
“A consubstanciação do fenômeno da prescrição, por outro lado, cinge-se a
alguns requisitos subseqüentes: a violação de um direito subjetivo; o
surgimento da pretensão do titular do direito agredido - a ser exercida por
uma ação adequada; o escoamento do prazo prescricional sem causa
29
CHAMONE, Marcelo Azevedo. Da natureza do prazo de dois anos previsto na CF, art. 7º, XXIX . Jus Navigandi, Teresina, ano 10,
n. 1170, 14 set. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8923>. Acesso em: 02 dez. 2007.
30
Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, pp. 180/181.
31
Apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, p. 181.
32
Conforme doutrina de GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, p. 181.
33
Conforme doutrina de GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit. p. 181.
34
TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 25.
35
A respeito da teoria imanentista, citamos definição oportuna de Marina Du Bois:
“2.A Teoria Imanentista (Civilista ou Clássica) do Direito de Ação:
No direito moderno, a primeira teoria que se formou, tentando estabelecer o conceito de ação processual, foi a chamada teoria
imanentista, ou clássica, ou civilista, do direito de ação, que teve como expoentes Savigny, Garsonnet, Mattirolo e, entre nós, Paula
Baptista, João Monteiro, Clóvis Beviláqua, dentre outros.
Esta teoria parte do conceito de ação dado pelo jurista romano Celso, segundo o qual a ação (actio) seria o direito de pedir em
juízo o que nos é devido (ius quod sibi debeatur in iudicio persequendi). Deste conceito surgiram várias conceituações que
resultavam, segundo Ada Pellegrini Grinover, Cândido Dinamarco e Antonio Carlos de Araújo Cintra , em três conseqüências
inevitáveis: não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito. Desta forma, a ação seria uma
qualidade de todo direito ou o próprio direito reagindo a uma violação.
Porém, esta teoria tratava da "ação de direito material" e, não, da verdadeira ação e função da "ação processual", pois esta não é o
direito de perseguir em juízo o que nos é devido, salvo se tivermos em mente o que nos é devido pelo Estado, ou seja, a atividade
jurisdicional.”
(BOIS,
Marina
Du.
A
Teoria
do
Direito
Abstrato
de
Agir.
Disponível
em
http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina&iddoutrina=503 – Acesso em 07/12/2007.)
36 SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Op. Cit.
37 SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Op. Cit.
38
SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Op. Cit.
6
ALVES 39
suspensiva, interruptiva ou impeditiva de seu curso; e, a inércia no curso
temporal do titular da ação.”
aponta ser entendimento majoritário ser a prescrição causa de extinção da
pretensão, aludindo:
“De acordo com o entendimento explicitado nessa dicção, o prazo de
prescrição consumar-se-ia mediante a verificação de quatro elementos: a)
uma ação ajuizável, b) inércia do titular, c) o tempo e d) ausência de causas
impedientes de seu curso, com os quais se atingiria o efeito que lhe é
peculiar: a extinção das ações. (Nessa orientação, Antônio Luís da Câmara
Leal, Da prescrição e da Decadência, p. 12).”
Definindo pretensão, Humberto Theodoro Júnior 40 esclareceu:
“A prescrição faz nascer o direito de uma pessoa exigir de outra uma
prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão,
quando não exercida no prazo definido em lei.”
A esse respeito, aponta CARNEIRO 41:
“Como se percebe, a Lei Civil Material, atendendo aos anseios da doutrina
dominante, pacificou a celeuma, esclarecendo que o objeto da força
destrutiva da prescrição é, na verdade, a pretensão. Sobre o que seja esta,
cumpre trazer à baila o ensinamento de Marinoni e Arenhart [03]: ‘Quando
uma norma confere a alguém um direito subjetivo, e esse direito não é
observado, surge àquele que tem o referido direito a possibilidade de exigir
que ele seja respeitado. Essa possibilidade de exigir, exatamente porque é
uma ´´possibilidade´´, é simples faculdade, denominada ´´pretensão´´.
(...) Quando alguém exige a observância de seu direito, ocorre o exercício da
pretensão de direito material, que deixa de ser, portanto, mera
potencialidade’.”
Conforme ALVES 42, tanto o artigo 189 do Código Civil Brasileiro, quanto o art. 2.875 do
“Code Civil du Québec”, indicam ser a prescrição causa de extinção da pretensão.
Outrossim, conforme doutrina de ALVES 43, tanto o Código Civil Espanhol (art. 1930) como o
Código Civil Chileno (art. 2.492) aludem que a prescrição é causa de perda de direito e de ações.
ALVES 44 professa:
ALVES 45
“Ora, a prescrição nunca foi nem é causa de aquisição de direito, pretensão e
ação por exercício de seu conteúdo, dita ‘prescrição aquisitiva’, como nunca
foi nem é causa de perda de direito, pretensão e ação por não-exercício de
seu conteúdo, dita ‘prescrição aquisitiva’, em que pese a menções a isso,
também na jurisprudência.”
aduz ser a prescrição, em verdade, uma verdadeira “exceptio”, porquanto, com o
transcurso do prazo prescricional em lei fixado, a possibilidade de exercício da pretensão de direito
material se apaga ou pode se apagar. ALVES 46 orienta no sentido de que pretensão é exigibilidade,
podendo esta se tornar inexigível; sem, contudo, se extinguir.
Conclui ALVES 47 ser a prescrição exceção de direito material, limitando o exercício da
pretensão pelo prazo fixado em lei. ALVES 48 arremata:
“Essa eficácia da pretensão é a exigibilidade do conteúdo do direito de que
ela se irradia. Ocorrida a prescrição, apaga-se ou pode apagar-se a
possibilidade dessa exigência e nasce na segunda hipótese a exceção de
prescrição, alegável pela pessoa a quem favoreça, de regra o legitimado
passivo.”
Leciona ALVES 49:
39
ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. São Paulo: Servanda, 3ª ed., 2006, p. 75.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência: um tributo à obra de Agnelo Amorim Filho.
Revista dos Tribunais, v. 836, p. 57, junho de 2005.
41
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
42
ALVES, Vilson Rodrigues. Da Prescrição e da Decadência no Novo Código Civil. São Paulo: Servanda, 3ª ed., 2006, p. 76.
43
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 76.
44
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 77.
45
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 77.
46
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 77.
47
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 77.
40
7
“De hipótese, em se dando a declaração ex officio, ou o exercício da
exceptio exceptionis, a relação intrajurídica de crédito e débito entre autor e
réu persiste, como subsiste a pretensão de direito material, apenas diminuída
em sua eficácia, na exigibilidade do quantum debeatur.”
No direito alemão, até o século XIX preponderava a noção de prescrição da ação
(Klageverejährung). Posteriormente, tal entendimento foi substituído pela idéia de prescrição afetando
a exigibilidade do direito material (Anspruchsverjärung), nos termos da doutrina de Windscheid. 50
Conforme Ernesto José Toniolo 51:
“Desfez-se o entendimento corrente à época, baseado na doutrina de
Savigny, de que a ação seria o direito à tutela jurisdicional nascida da
violação de um direito.”
Apesar de discordar em parte da doutrina de Windscheid, Ernesto José Toniolo 52 aponta ter
este conseguido efetuar a separação dos planos material e processual, desvinculando a necessidade
da existência de um direito violado para ser possível o ajuizamento de demanda 53. Assim, Toniolo 54
aponta ser possível exercer uma ação mesmo nas hipóteses de prescrição e de inexistência do direito
material. Arremata por fim: “A real existência do direito é um pressuposto para a procedência da
demanda, e não pressuposto da ação.” Ernesto José Toniolo 55 obtempera:
“É de se afastar, pois, a possibilidade de a prescrição extinguir a ação nascida
de um direito violado (ação de Direito Material), pois a ação é abstrata e
pode ser exercida ainda quando prescrito, extinto ou inexistente o próprio
direito.(...)
Entender por efeito da prescrição a extinção do direito de ação é confundir os
planos material e processual, duas esferas autônomas, embora não
totalmente separadas.”
Pontes de Miranda define pretensão como a “posição subjetiva de poder exigir de outrem
alguma prestação positiva ou negativa.” 56
Segundo Ernesto José Toniolo 57, em nosso direito prevaleceu o entendimento de que a
pretensão é “o direito de exigir voltado ao sujeito passivo de uma obrigação, posição subjetiva,
diversa do ato de exigir (posição objetiva).”
II.2.4 Da inalterabilidade dos prazos prescricionais: De outra banda, destacamos, forte no artigo
192 do Código Civil que as partes não podem alterar os prazos prescricionais, mesmo que por acordo.
II.2.5 A Prescrição e o Prequestionamento
A prescrição, ademais, poderá ser alegada pelo interessado em qualquer grau de jurisdição,
com supedâneo no artigo 193 do Código Civil. Tal afirmação não é absoluta, uma vez que inaplicável
em sede de recursos extraordinário e especial. Isso porque, seu conhecimento pelos Tribunais
superiores
exigirá
a
ocorrência
do
prévio
prequestionamento.
O
STJ
tem
indispensabilidade do prequestionamento mesmo em questões de ordem pública.
48
entendido
pela
58
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 77.
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 78.
TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 19.
51
TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 19.
52
TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 19.
53
TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 19.
54
TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 21.
55
TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 23.
A respeito da Teoria da Ação, Toniolo aduz: “A moderna concepção de ação (ação = agir em juízo), desvinculada da violação a
direito efetivamente existente, coloca em xeque a idéia de que a prescrição seria a extinção da ação. Esta seria o simples agir em
juízo, iniciado pelo poder abstrato de colocar o procedimento em andamento – perpetuando-se pelos poderes -, pelas faculdades e
pelo ônus das partes, ao longo de todo procedimento até o último ato do processo.”
56
Apud TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 26.
57
TONIOLO, Ernesto José. Op. Cit., p. 26.
58
SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. O Prequestionamento no Recurso Especial. Porto Alegre: Núria Fabris, 2008.
49
50
8
Arlete Inês Aurelli 59 defende a desnecessidade do prequestionamento quando tratarmos de
matéria de ordem pública. Em seu artigo, colaciona ementas de julgados do Superior Tribunal de
Justiça em que se afirma a necessidade do prequestionamento mesmo na hipótese em debate.
Conseguintemente 60, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não há
possibilidade de dispensa do requisito do prequestionamento, mesmo em se tratando de matérias de
ordem pública, as quais são conhecíveis de ofício perante os juízos ordinários, mas não perante os
juízos extraordinários.
II.2.6 A prescrição e as Obrigações Naturais
A obrigação se estrutura pelo vínculo entre dois sujeitos, devendo um deles satisfazer uma
obrigação (prestação) em proveito de outro 61. No direito romano primitivo, o vínculo que ligava o
devedor ao credor era pessoal; existia um direito do credor sobre a pessoa do devedor 62.
O direito das obrigações 63, pela teoria dualista alemã, adota a estrutura da obrigação
composta de duas sub-relações: o débito (dívida ou Schuld) e a responsabilidade (Obligatio, Haftung).
Esse vínculo é o cerne da relação obrigacional.
Débito 64, dívida ou Schuld possui uma natureza pessoal, é um dever jurídico da prestação, a
qual incumbe ao devedor. Responsabilidade 65, Obligatio ou Haftung possui uma natureza patrimonial;
consiste “na sujeição de um patrimônio à satisfação do credor, caso não haja cumprimento
voluntário.” Como regra geral, o Schuld e o Haftung estão presentes na obrigação 66; tais obrigações
são ditas perfeitas 67. Segundo VENOSA 68:
“Dessarte, a obrigação já traz em si a possibilidade de o credor,
coercitivamente, usar dos meios necessários para que seja cumprida por
meio dos instrumentos postos a sua disposição pelo Estado. Se a obrigação
for cumprida espontaneamente, e para isto foi criada, a responsabilidade
funciona apenas espiritualmente, como pressão psíquica sobre o devedor.
Não cumprida desse modo, a pressão psíquica materializa-se na execução.”
Obrigação natural é aquela que não possui o elemento Responsabilidade (Obligatio,
Haftung); possui apenas o débito (dívida ou Schuld) 69. Trata-se de uma obrigação imperfeita 70 ou
incompleta 71:
A prescrição, portanto, afasta o elemento “Haftung” da obrigação, permanecendo o “Schuld”.
Conforme Murilo Sechieri Costa NEVES 72 esclarece a respeito:
“(...) a grande vantagem da teoria dualista, ao apontar a independência da
responsabilidade em relação à divida, é explicar o fenômeno das obrigações
naturais.
Há algumas dívidas que não podem ser exigidas judicialmente, como, por
exemplo, a dívida de jogo, a dívida prescrita, a dívida de alimentos de
parentes distantes. Nestes casos, pode-se falar em obrigação sem o
elemento responsabilidade. Não havendo cumprimento voluntário pelo
devedor, nada caberá ao credor fazer. Por isso, as obrigações naturais
59
Apud SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Op. Cit.
SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa de. Op. Cit.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 4ª ed., 2v,
2004, p.35.
62
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p.42.
63
NEVES, Murilo Sechieri Costa. Direito Civil – Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 11.
64
Conforme doutrina de NEVES, Murilo Sechieri Costa. Op. Cit., p. 12.
65
Conforme doutrina de NEVES, Murilo Sechieri Costa. Op. Cit., p. 12.
66
VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p.43.
67
Conforme doutrina de VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p.48.
68
Conforme doutrina de VENOSA, Sílvio de Salvo. Op. Cit., p.48.
69
NEVES, Murilo Sechieri Costa. Op. Cit., p. 13.
70
NEVES, Murilo Sechieri Costa. Op. Cit., p. 13.
71
Conforme doutrina de VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil - Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São
Paulo: Atlas, 4ª ed., 2v, 2004, p.47.
72
Conforme doutrina de NEVES, Murilo Sechieri Costa. Op. Cit., p. 13.
60
61
9
também são chamadas de imperfeitas ou incompletas, ante a
impossibilidade de o credor usar qualquer instrumento jurídico para buscar
sua satisfação.
No entanto, é importante que se tenha em mente que o elemento debitum
existe nas obrigações naturais. É por este motivo que o cumprimento
voluntário destas obrigações não dá direito à repetição, à devolução (art.
882). Neste caso, fica clara a distinção entre dívida e responsabilidade.”
Dessarte, podemos afirmar, em síntese, que obrigação natural é aquela em que persiste o
débito (Schuld), conquanto não exista mais a responsabilidade (Haftung). Uma obrigação prescrita é
uma obrigação natural, existindo tão-somente o Schuld.
Portanto, o pagamento 73 de uma obrigação civil prescrita não enseja direito à repetição de
indébito, pois o débito (Schuld) permanece intacto.
II.2.7 Outras considerações
Segundo o artigo 195 do Código Civil, os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm
ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa à prescrição, ou não a
alegarem oportunamente.
Por fim, destacamos que a prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra o
seu sucessor, nos termos do artigo 196 do Código Civil.
Outrossim, imperioso destacar que o prazo prescricional está sujeito à interrupção e
suspensão, forte nos artigos 197 a 204 do Código Civil 74. Conforme Paulo Dourado de Gusmão 75:
A prescrição está sujeita à suspensão e à interrupção. As causas de
suspensão, estabelecidas em lei, são as que impedem o início ou o curso da
prescrição, em virtude de estar impossibilitado o titular, legalmente ou por
situação de fato, de exercer o seu direito. (...). Já a interrupção é provocada
pela ação do titular, ou seja, pelo exercício do direito.
II.3 DA DECADÊNCIA NO DIREITO CIVIL
73
Nesse sentido: NEVES, Murilo Sechieri Costa. Op. Cit., p. 13.
CÓDIGO CIVIL - Seção II - Das Causas que Impedem ou Suspendem a Prescrição
Art. 197. Não corre a prescrição:
I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;
II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;
III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;
II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;
III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra.
Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:
I - pendendo condição suspensiva;
II - não estando vencido o prazo;
III - pendendo ação de evicção.
Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva
sentença definitiva.
Art. 201. Suspensa a prescrição em favor de um dos credores solidários, só aproveitam os outros se a obrigação for indivisível.
Seção III - Das Causas que Interrompem a Prescrição
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei
processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;
III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para
a interromper.
Art. 203. A prescrição pode ser interrompida por qualquer interessado.
Art. 204. A interrupção da prescrição por um credor não aproveita aos outros; semelhantemente, a interrupção operada contra o
co-devedor, ou seu herdeiro, não prejudica aos demais coobrigados.
§ 1o A interrupção por um dos credores solidários aproveita aos outros; assim como a interrupção efetuada contra o devedor
solidário envolve os demais e seus herdeiros.
§ 2o A interrupção operada contra um dos herdeiros do devedor solidário não prejudica os outros herdeiros ou devedores, senão
quando se trate de obrigações e direitos indivisíveis.
§ 3o A interrupção produzida contra o principal devedor prejudica o fiador.
75
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. Cit., p. 246.
74
10
Conforme Paulo Dourado de Gusmão 76, decadência pode ser conceituada como a “perda
do direito ou a da faculdade não exercida no prazo fatal estabelecido em lei”. Assevera ainda ser a
decadência a extinção do direito com prazo expressamente previsto em lei e, ao contrário da
prescrição, não admite suspensão ou interrupção. A esse respeito, é o que dispõe o artigo 207 do
Código Civil: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que
impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”
Sílvio de Salvo Venosa 77 diz:
“O objeto da decadência, portanto, é o direito que nasce, por vontade da lei
ou do homem, subordinado à condição de seu exercício em limitado lapso de
tempo. Todo direito nasce de um fato a que a lei atribui eficácia para gera-lo.
Esse fato pode ser acontecimento natural, assim como pode emanar da
vontade, transfigurando-se em ato jurídico (negócio jurídico) praticado no
intuito de criar direitos. Em ambos os casos, quer o acontecimento seja
proveniente de acontecimento natural, quer proveniente da vontade, a lei
pode subordinar o direito, para se tornar efetivo, à condição de ser exercido
dentro de certo período de tempo, sob pena de decadência.”
Nesse mesmo sentido, é o disposto no artigo 328 do Código Civil Português, o qual
estabelece: “prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o
determine".
Como exceção a esta regra, podemos citar que o Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/90), no art. 26, §2º ( 78), prevê hipótese de causa suspensiva da decadência. A propósito,
aponta Ricardo Ribeiro Campos 79:
“Na esteira da legislação indicada, o Código de Defesa do Consumidor (Lei
n.° 8.078/90) passou a prever causa suspensiva de decadência. Isto se
deveu a uma série de fatores, dentre os quais a exigüidade do prazo para
reclamar contra vícios do produto ou do serviço (30 ou 90 dias) e a
necessidade de proteção do consumidor contra retardo provocado por
fornecedores ou comerciantes na solução do vício. (...) Trata o dispositivo de
causa suspensiva de decadência, pois, como observa Zelmo Denari, "se a
reclamação ou o inquérito civil paralisam o curso decadencial durante um
lapso de tempo (até a resposta negativa ou o encerramento do inquérito),
parece intuitivo que o propósito do legislador não foi interromper, mas
suspender o curso decadencial".
Apesar de inúmeras criticas a respeito deste dispositivo, a hipótese prevista no artigo 26,
§2º do Código de Defesa do Consumidor se trata de hipótese de suspensão da decadência. Nesse
sentido, é o escólio de Zelmo Denari 80:
“se a reclamação ou o inquérito civil paralisam o curso decadencial durante
um lapso de tempo (até a resposta negativa ou o encerramento do
inquérito), parece intuitivo que o propósito do legislador não foi interromper,
mas suspender o curso decadencial.”
Ricardo Ribeiro Campos 81 observa:
“Falar em em causa suspensiva da decadência, na vigência do Código Civil de
1916, era tida por muitos como verdadeira heresia. Na verdade, quem assim
pensava tinha a falsa noção de que conceitos doutrinários são capazes de se
76
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. Cit., p. 246.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 4ª ed., 1v, 2004.
Código de Defesa do Consumidor: Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...)
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta
negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
79
CAMPOS, Ricardo Ribeiro. Op. Cit.
80
DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 201.Apud CAMPOS,
Ricardo Ribeiro. Decadência e prescrição no novo Código Civil: breves considerações. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 453, 3 out.
2004.
81
CAMPOS, Ricardo Ribeiro. Op. Cit.
77
78
11
sobreporem a regras do direito positivo. Antes do advento do Código do
Consumidor, essa perplexidade já se fizera presente no campo do direito
tributário, em relação ao art. 173, II, do CTN, conforme relata Luciano
Amaro: "De um lado, ele, a um só tempo, introduz, para o arrepio da
doutrina, causa de suspensão e interrupção do prazo decadencial" (Direito
tributário, p. 392).”
A respeito do instituto, Carnelutti 82 refere que, em alguns casos, pode ser cominado
requisito temporal para que um ato seja praticado eficazmente, sob pena de nulidade. Assevera
ainda:
“Decadenza e nulidade são, portanto, conceitos interferentes, mas diversos,
pois o segundo, como ao ato, pertence à dinâmica do direito, ao passo que o
primeiro pertence à estática, por respeitar ao poder.
A decadenza concerne à eficácia do tempo como distância, na medida em que
exprime a extinção de uma situação jurídica (ativa, poder) pela não-prática
de um ato dentro de um certo prazo.”
Portanto, decadência pode ser definida como a perda do direito ou da faculdade pela inércia
de seu titular em exercê-lo.
II.4 DIFERENCIAÇÃO ENTRE DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NO DIREITO CIVIL
Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 83 aponta que o instituto da prescrição trabalha com a
idéia de tempo “versus” o exercício de direito. Quando o não-exercício destes direitos acarreta o
próprio perecimento do direito material, há a configuração da decadência. Quando a inércia atinge a
via judicial defensiva do direito material agredido, há prescrição a fulminar o direito do autor.
Carneiro 84 obtempera:
“De fato, grande é a semelhança entre a prescrição e a decadência. Em
ambos, uma inação injustificada por certo lapso de tempo faz perecer um
direito. Contudo, na primeira o que se extingue é um direito processual, o
direito de ação tendente a proteger anterior direito material violado, já na
segunda o que caduca é o direito substantivo mesmo, é a própria situação
jurídica atribuída pelo ordenamento jurídico ao sujeito.”
Consoante expõe GARCIA 85:
“A decadência, também chamada de caducidade, ou prazo extintivo, é o
direito outorgado para ser exercido em determinado prazo, caso não for
exercido, extingue-se.
A prescrição atinge a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela
tutelado; já a decadência atinge o direito e por via oblíqua, extingue a ação.”
Agnelo Amorim Filho 86 ressalta ser equivoco o entendimento segundo o qual a prescrição
extinguiria a ação e a decadência o direito. Conforme Paulo Dourado de Gusmão 87:
“Diversa da prescrição, a decadência pode ser definida como a perda do
direito ou a da faculdade não exercida no prazo fatal estabelecido em lei.
Assim, enquanto na decadência só no prazo fixado na lei o direito e a
faculdade podem ser exercidos sob pena de extinção, na prescrição o prazo
fatal começa a correr depois de vencida a obrigação, ou seja, depois da data
em que a prestação deveria ser cumprida. Exemplo: a lei, no caso de
paternidade, dá ao marido prazo fatal para negá-la. Não a impugnando nesse
prazo, não mais pode fazê-lo. Trata-se de decadência, porque a faculdade só
pode ser exercida no prazo legal; já no caso de prescrição, vencida uma
obrigação, por exemplo, em 12 de junho de 1991 (data em que deveria ser
cumprida), a partir dessa data a lei estabelece um prazo em que o credor
ainda poderá judicialmente exigi-la. Não o fazendo nesse prazo, não terá
mais meios para cobra-la judicialmente do devedor.”
82
83
84
85
86
87
CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. Op. Cit., p. 493.
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
GARCIA, Wilson Roberto Barbosa. Op. Cit..
AMORIM FILHO, Agnelo. Op. Cit., p. 9.
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Op. Cit., p. 246.
12
O Código Civil atual, ao contrário do anterior, separada adequadamente os prazos de
prescrição e de decadência, nos termos do anteprojeto de Beviláqua.
88
Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 89 aponta ser imperioso diferenciar prescrição e
decadência à luz da distinção entre direitos potestativos e direitos a uma prestação. Os direitos a uma
prestação geram prescrição; enquanto os potestativos, decadência 90.
Sobre a definição de direito potestativo, trazemos à baila a lição de Ricardo CAMPOS 91, o
qual consubstancia seu pensamento na doutrina de Chiovenda:
“Como se sabe, a difusão da categoria dos direitos potestativos deve-se a
Chiovenda (2). Segundo o jurista italiano, o direito potestativo consiste no
poder que a lei concede a alguém para, com sua manifestação de vontade,
influir sobre a condição jurídica de outrem, sem o concurso da vontade deste.
Nele não existe o direito de exigir da outra parte a realização de uma
prestação. Por manifestação unilateral de vontade, o titular do direito cria,
modifica ou extingue uma situação jurídica em que outrem é diretamente
interessado. Esses poderes se exercitam ora mediante a simples
manifestação extrajudicial da parte (v.g., direito de revogar o mandato) ora
com o concurso de sentença judicial constitutiva (v.g., direito de promover a
separação judicial ou divórcio).”
Ricardo Santos Ferreira 92 alude:
“Já o direito potestativo, conquanto faculdade, não encontra nenhuma
correlação com um dever. Esse decorre de uma relação jurídica preexistente
da qual decorre a faculdade de uma das partes de extingui-la, transformá-la
ou criar uma nova independentemente de qualquer atitude da outra parte, a
qual obrigatoriamente se sujeitará aos efeitos.”
COUTO FILHO 93 assevera:
“2) Direito potestativo, que representa um poder de sujeição, onde a vontade
do titular se sobrepõe à vontade de outrem, independente da intervenção e
vontade
desse
último
e
pode
ser
exercido
judicialmente
ou
extrajudicialmente.”
Para Giuseppe Chiovenda 94, os direitos potestativos:
“por sua própria natureza, já não se dirigem contra uma obrigação, mas se
exaurem no poder jurídico de produzir um efeito jurídico, e se exercitam com
um a simples manifestação de vontade, com ou sem o concurso da sentença
judicial, não podem ser lesados por ninguém.”
Por conseguinte, direito potestativo não é suscetível de violação e pode ser definido como a
possibilidade de, unilateralmente, sujeitar os demais ao exercício do direito do titular. Portanto, é
dispensável a aquiescência dos terceiros. O direito potestativo também pode ter natureza constitutiva.
“Exempli gratia”, temo o direito de servidão.
Por seu turno, direito a uma prestação 95 é aquele que permite ao titular o “poder de exigir
de outrem um comportamento”.
De acordo com Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 96, apenas os direitos a uma prestação
poderão ser lesionáveis, através do não-cumprimento da prestação devida, no lugar, modo e prazo
88
Conforme
doutrina
de
SIMÃO,
José
Fernando.
Prescrição
ou
Decadência.
Disponível
em
http://www.professorsimao.com.br/artigos_simao_prescricao_01.htm. Acesso em 04/12/2007.
89
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit..
90
TESHEINER, José Maria Rosa. Op. Cit.
91
CAMPOS, Ricardo Ribeiro. Op. Cit..
92
FERREIRA, Ricardo Santos. Direito material e direito processual: a problemática advinda da incompreensão do binômio. Jus
Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1265, 18 dez. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9283>. Acesso
em: 02 dez. 2007.
93
COUTO FILHO, Reinaldo de Souza. Considerações sobre a validade, a vigência e a eficácia das normas jurídicas . Jus Navigandi,
Teresina, ano 5, n. 49, fev. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=21>. Acesso em: 02 dez. 2007.
94
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas, Bookseller, 1998, v.1,
apud CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. cit.
95
CAMPOS, Ricardo Ribeiro. Op. Cit.
96
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
13
estipulados. Ocorrida a lesão, nasce a pretensão e inicia o prazo prescricional. Nessa alheta,
assevera José Maria Rosa Tesheiner 97:
“Em suma: os direitos a uma prestação geram prescrição; os potestativos,
decadência. Quid juris se, desatendia a pretensão, inicia-se um prazo que a
lei expressamente declara extintivo do direito? Em outras palavras, o que
mais importa: o efeito ou a natureza do direito?”
Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 98 infere:
“Conclui-se facilmente que os direitos a uma prestação, uma vez
descumprida esta, subordinam-se a prazos prescricionais no que concerne à
correspondente ação ressarcitória, executória ou mandamental, enquanto os
direitos potestativos subordinam-se a prazos decadenciais, judicialmente
exercitáveis nas ações constitutivas positivas e negativas.”
Ricardo CAMPOS 99 dessa forma diferencia direito potestativo de direito a uma prestação:
“Enquanto o direito a uma prestação dá origem a uma pretensão – isto é, ao
poder de exigir a prestação (3) –, o direito potestativo cria uma sujeição
(nesse caso o titular do direito sujeita e não exige, ou seja, o lado passivo da
relação jurídica limita-se a sujeitar-se ao exercício de vontade da outra
parte). Bem por isso, os direitos a uma pretensão podem ser judicialmente
exigidos através de ação condenatória tendo como termo inicial o nascimento
da pretensão, ao passo que os direitos potestativos, que criam novas
situações jurídicas (daí porque são exercidos extrajudicialmente ou através
de ações constitutivas), têm por termo inicial o próprio surgimento do
direito.”
Do exposto, verificamos que os direitos a uma prestação geram prescrição; enquanto os
potestativos, decadência. O direito a uma prestação origina uma pretensão: o poder de exigir a
prestação ou um comportamento de outrem. Por seu turno, o direito potestativo é a sujeição dos
demais ao exercício do direito de outrem; é exercitável pela simples manifestação de vontade do
titular, sendo dispensável a aquiescência dos terceiros.
Assim, em observando a classificação quinária das ações, temos o seguinte quadro sinóptico,
conforme os escólios de Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro 100:
AÇÃO
INSTITUTO
Ação condenatória
Prescrição
Ação constitutiva negativa ou positiva
Decadência
Ação declaratória
Imprescritível
Ação executória
Prescrição
Ação mandamental
Prescrição
Ademais, em se considerando a classificação ternária das ações, temos o seguinte quadro
sinóptico, conforme os estudos de Venosa 101:
AÇÃO
INSTITUTO
Ação condenatória
Prescrição
Ação constitutiva
Decadência
Ação declaratória
Imprescritível
Venosa
102
assevera, em magistral lição:
“(...) só as ações condenatórias podem sofrer os efeitos da prescrição,
porque só elas pretendem alcançar pretensões e só os direitos que visam a
uma prestação possibilitam ação condenatória. (...) Desse modo, as ações
97
TESHEINER, José Maria Rosa. Op. Cit.
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
CAMPOS, Ricardo Ribeiro. Op. Cit.
100
CARNEIRO, Bernardo Lima Vasconcelos. Op. Cit.
101
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 4ª ed., 1v, 2004.
102
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Atlas, 4ª ed., 1v, 2004.
98
99
14
constitutivas ligam-se à decadência. As ações declaratórias, que só visam
obter certeza jurídica, não estão sujeitas nem a decadência, nem à
prescrição.”
AGNELO AMORIM FILHO 103:
“Estão sujeitas a prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da
prescrição da pretensão a que correspondem): todas as acões
condenatórias, e somente elas ( ); Estão sujeitas a decadência
(indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que
correspondem): - as ações constitutivas que têm prazo especial de
exercício fixado em lei" “
Maria Helena Diniz 104, diferenciando os institutos, assevera:
“A decadência não se confunde com a prescrição. A decadência é a extinção
do direito potestativo pela falta de exercício dentro do prazo prefixado,
atingindo indiretamente a ação, enquanto a prescrição extingue a pretensão,
fazendo desaparecer, por via oblíqua, o direito por ela tutelado que não tinha
tempo fixado para ser exercido. O prazo decadencial pode ser estabelecido
pela lei ou pela vontade unilateral ou bilateral (CC, arts. 210 e 11), e o
prescricional é fixado por lei para o exercício da ação (em sentido material)
que protege um direito. Os prazos de decadência estabelecidos por lei não
poderão ser aumentados nem diminuídos pelas partes, em razão dos
interesses de ordem público, que os fundamentam (RTJ, 85:1019). A
decadência corre contra todos, não admitindo sua suspensão ou interrupção
em favor daqueles contra os quais não corre a prescrição, com exceção, por
exemplo, do caso do art. 198, I (CC, art. 208) 105, e do art. 26, §2º, da Lei
8.078/90( 106); a prescrição pode ser suspensa, interrompida ou impedida
pelas causas legais. (...) A decadência oriunda de prazo prefixado pela lei não
poderá ser renunciada pelas partes nem antes nem depois de consumada
(CC, art. 209); já a prescrição, após a sua consumação, poderá ser
renunciada pelo prescribente.”
O Código Civil de 2002, a fim de facilitar a distinção entre os institutos, adotou em seu artigo
189 o seguinte critério distintivo: “Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual
se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.” Portanto, afora as
hipóteses dos artigos em apreço, os demais prazos regulados pelo Código serão de decadência.
II.5 DA PRECLUSÃO: A preclusão é instituto de direito processual, não se confundindo com
prescrição e decadência. Consiste na perda de uma faculdade processual, a qual deveria ter sido
exercida em momento próprio anterior. Dessa maneira, não podem ser novamente discutidas ou
renovadas questões já decididas em um mesmo processo 107. A preclusão tão-somente produz efeitos
endo-processuais, isto é, dentro do próprio processo.
II.6 DA PEREMPÇÃO: A perempção é instituto de direito processual, não se confundindo com a
prescrição e/ou a decadência. Podemos conceituá-la como a sanção imposta ao autor contumaz que
deu azo a três arquivamentos sucessivos do processo, com supedâneo no artigo 268, parágrafo único,
do Código de Processo Civil. Pela perempção, conforme GONÇALVES 108, não há extinção do direito
103
AMORIM FILHO, Agnelo. Op. Cit.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, p. 245.
Art. 208. Aplica-se à decadência o disposto nos arts. 195 e 198, inciso I.
Art. 195. Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas têm ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que
derem causa à prescrição, ou não a alegarem oportunamente.
Art. 198. Também não corre a prescrição:
I - contra os incapazes de que trata o art. 3º;
106
Código de Defesa do Consumidor: Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: (...)
§ 2° Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta
negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;
II - (Vetado).
III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
107
Conforme doutrina de GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 9ª ed., 2002, p. 182.
108
Conforme doutrina de GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. Cit., p. 182.
104
105
15
material ou da pretensão, os quais podem ser oponíveis em matéria de defesa. Ocorre verdadeira
perda do direito de ação.
II.7 DO RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA PRESCRIÇÃO E DA DECADÊNCIA NO PROCESSO
CIVIL
A não-alegação da ocorrência da prescrição no processo civil, antes da entrada em vigor do
Código Civil de 2002, estava disciplinada no artigo 219, §5º, do Código de Processo Civil, o qual
dispunha:
§ 5o Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício,
conhecer da prescrição e decretá-la de imediato. (Redação dada pela Lei nº
5.925, de 1º.10.1973).
Tal dispositivo restou derrogado pelo artigo 194 do Código Civil de 2002, expressis verbis:
Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se
favorecer a absolutamente incapaz. (Revogado pela Lei nº 11.280, de 2006)
O artigo 194 do Código Civil, por sua vez, restou revogado pela Lei nº 11.280, de 2006, a
qual alterou a redação do artigo 219, §5º, do Código de Processo Civil, passando a ter a seguinte
redação: “§ 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.”
ALVES 109 alude apagar-se a eficácia da pretensão:
“(...) se houver o exercício do direito de exceção de prescrição pela pessoa a
quem aproveita. Se não há essa alegação, o juiz há, sob a Lei nº 11.280, de
16 de fevereiro de 2006, art. 3º, supri-la de ofício, aliter do que se passava
anteriormente, em que não no podia, salvo se favorecesse a absolutamente
incapaz, dizia o artigo 194, 2ª parte, referindo-se à pretensão encoberta pela
prescrição.”
Efetuando severas críticas à possibilidade de o magistrado reconhecer de ofício à prescrição
Alexandre Freitas Câmara 110 aponta:
“É desnecessário dizer que o direito brasileiro jamais admitiu o
reconhecimento de ofício da prescrição. Este é ponto que dispensa
comprovação, por sua notoriedade. Não é só no Brasil, porém, que este
sempre foi o tratamento dado à matéria. Outros ordenamentos jurídicos
vedam, categoricamente, o reconhecimento ex officio da prescrição. Assim,
por exemplo, o Código Civil italiano, cujo art. 2.938 estabelece,
expressamente, que "il giudice non può rilevare d'ufficio la prescrizione non
opposta ". Também o Código Civil francês trata do tema, em seu art. 2.223:
"Les juges ne peuvent pas suppléer d'office le moyen résultant de la
prescription". O art. 142 do Código de Obrigações da Suíça tem redação
análoga: " Le juge ne peut suppléer d'office le moyen résultant de la
prescription". O Código Civil argentino dispõe sobre o tema em seu art.
3.964 : "El juez no puede suplir de oficio la prescripción". Vale citar, ainda, o
Código Civil português, cujo art. 303º estabelece que "o tribunal não pode
suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser
invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo
seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo ministério público".”
Alexandre Freitas Câmara 111 defende que a modificação legislativa em apreço ofende a
autonomia da vontade, havendo ofensa ao princípio constitucional da liberdade. Afirma:
“Pois a norma ora em exame, ao estabelecer que o juiz tem o poder de
reconhecer de ofício a prescrição, invade, de forma absolutamente
desarrazoada e irracional, a esfera da autonomia privada dos participantes de
uma relação jurídica obrigacional, ao levar o juiz a ter de reconhecer uma
prescrição que o prescribente não quer que lhe aproveite. Penso, assim, que
109
ALVES, Vilson Rodrigues. Op. Cit., p. 77.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Disponível em
http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm. Acesso em 02/12/2007.
111
CÂMARA, Alexandre Freitas. Reconhecimento de Ofício da Prescrição: Uma Reforma Descabeçada e Inócua. Disponível em
http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo1020.htm. Acesso em 02/12/2007.
110
16
há aqui mais uma inconstitucionalidade do dispositivo sub examine, que
viola o princípio constitucional da liberdade.
Ainda que assim não fosse, porém, penso que outra inconstitucionalidade
haveria. Isto porque a meu ver é inconstitucional a norma jurídica que invade
desnecessariamente a autonomia da vontade, corolário da garantia
constitucional da liberdade.”
Discordando do posicionamento de Alexandre Freitas Câmara, temos o entendimento de
Eduardo Ferreira da Silva 112:
“Data Venia, Daniel...
Mesmo com todo o respeito pela obra de Alexandre Câmara, creio que
existam outros princípios e ponderações que devam ser considerados no
tocante a decretação ex officio da prescrição.
Vejamos: O Autor, conhecedor de seu direito, manteve-se inerte durante
toda a "vigência" dele...e somente após ser alcançado pelo instituto da
prescrição, decide se insurgir para perquirir tutela jurisdicional. Isso não seria
falta de interesse de agir?
E mais, a decretação ex officio da prescrição tem o cunho de estimular o
sujeito de direito a mover-se em busca da tutela do Estado. E por isso, é um
instrumento essencial para a prestação do serviço jurisdicional, em respeito
ao princípio da efetividade.”
No que concerne à declaração de ofício da decadência legal pelo magistrado, declaramos a
inteligência do artigo 210 do Código Civil: “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando
estabelecida por lei.” Maria Helena Diniz 113 afirma:
“Decretação ‘ex officio’ da decadência. A decadência, decorrente de prazo
legal, é matéria de ordem pública; deve ser, uma vez consumado o prazo,
considerada e julgada pelo magistrado, de ofício, independentemente de
argüição do interessado. Se a decadência for convencional, o juiz dela não
pode apreciar a não ser que haja provocação do interessado (CC, art. 211).”
No que pertine à declaração de ofício da decadência convencional pelo magistrado, incide o
artigo 211 do Código Civil: “Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la
em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação.” Maria Helena Diniz 114
obtempera:
“Argüição de decadência convencional. Se o prazo decadencial for prefixado
pelas partes, aquela a quem aproveitar poderá alega-la em qualquer grau de
jurisdição, mas o juiz não poderá, de ofício, suprir tal alegação, logo, se não
for alegada, pressupor-se-á sua renúncia.”
Dessarte, de acordo com o artigo 219, §5º, do Código de Processo Civil (com redação dada
pela Lei nº 11.280, de 2006), o juiz poderá no processo civil pronunciará, de ofício, a prescrição. No
que concerne à declaração de ofício da decadência legal pelo magistrado, declaramos a inteligência do
artigo 210 do Código Civil: “Deve o juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por
lei.”
Em apertada síntese, infere-se ser possível ao magistrado declarar: (i) de ofício a prescrição;
(ii) de ofício a decadência legal; (iii) mediante provocação do interessado a decadência convencional.
II.8 DA RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO E À DECADÊNCIA NO DIREITO CIVIL
A renúncia à prescrição vem disciplinada no artigo 191 do Código Civil, ipsis verbis:
“Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá,
sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar;
tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis
com a prescrição.”
Assim, é possível ao devedor renunciar a prescrição, de forma expressa ou tácita. Todavia, a
renúncia deve ocorrer posteriormente à consumação do instituto.
112
113
114
SILVA, Eduardo Ferreira da. Informação epistolar emitida em 09/12/2007.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 12ª ed., 2006, p. 249.
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 249.
17
A IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal, a respeito do tema, assim se manifestou
no Enunciado 295:
295 – Art. 191. A revogação do art. 194 do Código Civil pela Lei nº
11.280/2006, que determina ao juiz o reconhecimento de ofício da
prescrição, não retira do devedor a possibilidade de renúncia admitida no art.
191 do texto codificado.
Conforme leciona o Prof. Vitor Frederico Kümpel 115:
“O artigo 191 do Código Civil dispõe sobre a renúncia da prescrição, ou seja, a renúncia ao
direito de argüir para a qual a ação está prescrita. Admite-se a renúncia da prescrição quando a
prescrição já estiver consumada e quando a renúncia não prejudicar terceiros.
O próprio artigo dispõe que a renúncia pode ser expressa ou tácita.
Geralmente, a renúncia é tácita, decorrendo da conduta do devedor.
Não se admite a renúncia antecipada, visto ser a prescrição de ordem
pública.
Os terceiros que poderiam ser prejudicados com a renúncia da prescrição
são, em geral, outros credores (exemplo: um credor ingressa com uma ação
que está prescrita; o devedor, se pagar a dívida, não terá como pagar os
outros credores; no caso, não poderá o devedor renunciar a prescrição).”
A renúncia à prescrição poderá ser expressa ou tácita. Edilson Pereira Nobre Júnior 116 assim
menciona:
“Quanto às modalidades em que a renúncia poderá se materializar, haurimos,
na literatura jurídica, duas. Inicialmente, temos a expressa, em que o
prescribente, de maneira inequívoca, abre mão da prescrição existente em
seu favor, declarando, oralmente ou por escrito, desta não querer se
beneficiar. O outro tipo consiste na tácita, ou implícita, cuja configuração se
centra na prática, por aquele, de atos incompatíveis com o desejo de se
favorecer com a exceptio.”
A questão da possibilidade de o magistrado reconhecer de ofício a prescrição, de certa
forma, derroga parcialmente o artigo 191 do CC. Fora do processo, poderá o devedor renunciar
expressa ou tacitamente à prescrição. No processo, a renúncia tácita da prescrição pelo devedor não
mais é possível, sendo lhe lícito tão-somente à renúncia expressa.
No que concerne à decadência, a renúncia, incide a inteligência do artigo 209 do Código
Civil, o qual destaca ser “nula a renúncia à decadência fixada em lei”. Nesse diapasão, assevera Maria
Helena Diniz 117:
“Renúncia de decadência prevista em lei. A decadência resultante de
prazo legal não pode ser renunciada pelas partes, nem antes nem depois de
consumada, sob pena de nulidade. Logo, os prazos decadenciais, decorrentes
de convenção das partes, são suscetíveis de renúncia, por dizerem respeito a
direitos disponíveis, visto que se as partes podem estabelece-los, poderão
abrir mão deles.”
Ministro Teori Albino Zavascki 118, quando do julgamento do Recurso Especial 747.091/ES,
asseverou ser defeso à Fazenda Pública renunciar de forma tácita a prescrição em seu favor.
“Sem razão, contudo. Em nosso sistema, considerado o princípio da indisponibilidade
dos bens públicos, está assentado o entendimento de que a renúncia à prescrição já
consumada em favor da Fazenda Pública não pode ser simplesmente tácita, daí porque,
segundo orientação já antiga do próprio STF, é "incensurável a tese de que a renúncia da prescrição
em favor da Fazenda Pública só possa fazer-se por lei" (RE 80.153⁄SP, Segunda Turma, Min. Leitão de
Abreu, 13.10.1976).”
115
KÜMPEL, Vitor Frederico. Aula Magna de Direito Civil ministrada no Curso de Especialização em Direito Tributário da
Universidade Potiguar – Curso do Professor Damásio de Jesus, durante o ano de 2007.
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Op. Cit.
117
DINIZ, Maria Helena. Op. Cit., p. 249.
118
STJ, 1ª T., REsp 747.091/ES, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 08.11.2005, DJ 06.02.2006 p. 210)
116
Nesse mesmo diapasão, é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo 119:
18
“O Poder Público pode renunciar a direito próprio, mas esse ato de
liberalidade não pode ser praticado discricionariamente, dependendo de lei
que o autorize. A renúncia tem caráter abdicativo e em se tratando de ato de
renúncia por parte da Administração depende sempre de lei autorizadora,
porque importa no despojamento de bens ou direitos que extravasam dos
poderes comuns do administrador público. “
Selma Drumond CARVALHO 120 assevera a respeito:
“A administração, uma vez consumado o prazo prescricional, não pode
satisfazer o direito prescrito, salvo autorização legislativa, vez que isso
importaria em liberalidade com o patrimônio público, que o executor da lei só
pode praticar por determinação da própria lei.”
Em síntese, pode-se afirmar que a decadência legal não pode ser renunciada, enquanto a
prescrição civil o pode.
III. Diante do exposto, infere-se:
i.)
As relações sociais precisam ser pacificadas e é objetivando atingir a segurança
jurídica que o Direito prevê institutos como a usucapião (prescrição aquisitiva), a preclusão, a
decadência e a prescrição. A desordem e o caos reinaram se não tais institutos não existissem. Do
contrário, transcorridas décadas, o titular do direito supostamente violado teria ainda a pretensão de
ver o dano reparado ou o ato desfeito. Assim, fixa a lei prazos para o exercício da pretensão do titular
do direito supostamente violado.
ii.)
“Dormientibus non sucurrit jus”.
iii.)
É corolário da dignidade da pessoa humana não ter sobre si “a espada de Dâmocles”
eternamente.
iv.)
No Código Civil Brasileiro, devemos distinguir a existência de dois tipos de prescrição:
extintiva e aquisitiva. A primeira é a que está regulada pela parte geral do Código Civil, tratando da
força extintora do direito. Por seu turno, a prescrição aquisitiva (usucapião) vem prevista no Livro III,
Direito das Coisas, predominando a força geradora.
v.)
O vetusto Código Civil de 1916 não definia o que era prescrição. Clóvis Bevilacqua e
demais comentadores daquele diploma obtemperavam que prescrição era a extinção da ação.
vi.)
Pelo Novo Código Civil, prescrição é causa de extinção da pretensão.
vii.)
A prescrição poderá ser alegada pelo interessado em qualquer grau de jurisdição, com
supedâneo no artigo 193 do Código Civil. Tal afirmação não é absoluta, uma vez que inaplicável em
sede de recursos extraordinário e especial. O STJ e o STF têm entendido pela indispensabilidade do
prequestionamento mesmo em questões de ordem pública.
viii.)
O direito das obrigações, pela teoria dualista alemã, adota a estrutura de obrigação
composta de duas sub-relações: o débito (dívida ou “Schuld”) e a responsabilidade (“Obligatio”,
“Haftung”). Esse vínculo é o cerne da relação obrigacional.
ix.)
“Schuld” possui natureza pessoal, é um dever jurídico da prestação, a qual incumbe ao
devedor. “Haftung” possui natureza patrimonial; consiste “na sujeição de um patrimônio à satisfação
do credor, caso não haja cumprimento voluntário.”
x.)
Como regra geral, o “Schuld” e o “Haftung” estão presentes na obrigação; tais
obrigações são ditas perfeitas.
119
TJSP, 1ª Câmara de Direito Público, Apelação nº 163.440, Relator Desembargador José Raul Gavião de Almeida, julgado em
04/05/1999.
120
CARVALHO, Selma Drumond. Aplicabilidade das normas sobre prescrição à Fazenda Pública in Informativo Jurídico Consulex,
Voluma 14, nº 40, página 11.
19
xi.)
Obrigação natural é aquela em que persiste o débito (“Schuld”), conquanto não
exista mais a responsabilidade (“Haftung”). Trata-se de uma obrigação imperfeita ou incompleta:
xii.)
Obrigação prescrita é uma obrigação natural, existindo tão-somente o “Schuld”.
Portanto, o pagamento de uma obrigação civil prescrita não enseja direito à repetição de indébito.
xiii.)
Decadência pode ser definida como a perda do direito ou da faculdade pela inércia de
seu titular em exercê-lo.
xiv.)
Verificamos que os direitos a uma prestação geram prescrição; enquanto os
potestativos, decadência.
xv.)
O direito a uma prestação origina uma pretensão: o poder de exigir a prestação ou um
comportamento de outrem. Por seu turno, o direito potestativo é a sujeição dos demais ao exercício
do direito de outrem; é exercitável pela simples manifestação de vontade do titular, sendo dispensável
a aquiescência dos terceiros.
xvi.)
Em apertada síntese, infere-se ser possível ao magistrado declarar: (i) de ofício a
prescrição; (ii) de ofício a decadência legal; (iii) mediante provocação do interessado a decadência
convencional.
xvii.)
Com supedâneo no artigo 191 do CC, é possível ao devedor renunciar a prescrição, de
forma expressa ou tácita. Todavia, a renúncia deve ocorrer posteriormente à consumação do instituto.
xviii.)
A questão da possibilidade de o magistrado reconhecer de ofício a prescrição, de certa
forma, derroga parcialmente o artigo 191 do CC. Extrajudicialmente, poderá o devedor renunciar
expressa ou tacitamente à prescrição. No processo, a renúncia tácita da prescrição pelo devedor não
mais é possível, sendo lhe lícito tão-somente a renúncia expressa.
xix.)
No que concerne à decadência, a renúncia, incide a inteligência do artigo 209 do
Código Civil, o qual destaca ser “nula a renúncia à decadência fixada em lei”.
CURRÍCULO RESUMIDO
DANIEL BARBOSA LIMA FARIA CORRÊA DE SOUZA
•
Procurador do Município de São Leopoldo-RS (1º colocado no concurso);
•
Autor do livro PREQUESTIONAMENTO NO RECURSO ESPECIAL, Editora Núria Fabris;
•
Autor do livro RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL: REFLEXOS DA EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº 45/2004, em co-autoria com a Drª. Letícia Barbosa Lima de
Souza, Editora Núria Fabris;
•
Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP);
•
Especialista em Direito Tributário pela Universidade Potiguar (UNP);
•
Bacharel em Direito pela PUC-RS;
•
Página pessoal: http://www.fariacorrea.com
•
Professor de Direito Constitucional do Curso ADMI (Porto Alegre-RS)
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