GOVERNO J.K. (1956-1961) Juscelino Kubistcheck Em 31 de janeiro de 1956, Juscelino Kubitschek de Oliveira assumiu a presidência do país. Ele havia sido eleito por uma coligação entre o PTB e o PSD. Obteve 36% dos votos, contra 30% dados a Juarez Távora, 26% a Ademar de Barros e 8% a Plínio Salgado. João Goulart, vice-presidente eleito juntamente com Juscelino, obtivera mais votos que o presidente. O governo de Juscelino é lembrado como uma época de otimismo. O novo presidente introduziu uma política conhecida como desenvolvimentismo, que consistia em incentivar o progresso econômico do país estimulando a industrialização. Ao assumir o poder, Juscelino estabeleceu um plano ambicioso de realizações prometendo "cinquenta anos de progresso em cinco de governo". A tranquilidade política alcançada durante quase todo o quinquênio permitiu-lhe uma série de realizações que modificaram o panorama econômico do país. Apenas dois movimentos de contestação ao regime ocorreram durante o mandato presidencial de Juscelino: as revoltas militares de Jacareacanga e Aragarças. Ambas envolveram pequeno número de revoltosos, que foram dominados sem maiores dificuldades pelas Forças Armadas. O governo de Juscelino foi marcado por obras de grande repercussão interna e mesmo internacional. As principais foram: o Plano de Metas para a economia brasileira, que estabelecia 31 objetivos a serem alcançados em seu governo, priorizando os seguintes setores: energia, transportes, alimentação, indústria de base e educação; Criação do Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA); criação do Conselho Nacional de Energia Nuclear; construção das barragens de Furnas e Três Marias para a obtenção de energia elétrica; criação do Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval (Geicon); criação do Ministério das Minas e Energia, instalado apenas no governo seguinte; a criação da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (Sudene); fundação de Brasília, nova capital do país, considerada a meta-síntese do governo JK. A localização da nova capital era estratégia, pois criaria um pólo dinâmico no interior do território nacional. Durante o governo de Juscelino houve um considerável avanço industrial, principalmente nos setores da indústria de base e na produção de bens de consumo duráveis e não duráveis. O governo procurou atrair o capital estrangeiro para investir no país, obtendo empréstimos e incentivando empresas internacionais a se instalarem no Brasil. A situação internacional favorecia esses investimentos, já que os países desenvolvidos, como os Estados Unidos possuíam uma boa reserva de capitais disponíveis. No entanto, o progresso econômico dessa época apresentou alguns problemas: a concentração de riquezas, cada vez maior da Região do Sudeste; o aumento da dívida externa; e a crescente desvalorização da moeda brasileira. O governo se preocupou em resolver os problemas econômicos e sociais do Nordeste através da criação da Sudene, em 1959, que foi confiada ao economista Celso Plano de metas “ 50 anos em 5 ” Juscelino Kubitschek apresentou na primeira reunião de seu ministério uma dessas idéias: o Plano de Metas. Concebido de maneira intensamente pessoal, o Plano continha 30 propostas e um sonho a revesti-las. Juscelino queria sacudir o País agrário, dar-lhe uma descarga de energia e fazê-lo cumprir seu potencial, transformando o Brasil numa grande economia industrial. “Industrializar aceleradamente, transferir do exterior para o nosso território as bases do desenvolvimento autônomo; fazer da atividade manufatureira o centro das atividades econômicas nacionais – isto resumia o meu propósito”, escreveu. Passados quase 50 anos, o julgamento que se faz dos resultados do Plano é extremamente generoso. O economista Carlos Lessa, o maior estudioso do assunto, diz que o “Plano de Metas constituiu a mais sólida decisão consciente em prol da industrialização na história econômica do País”. Pela força de seus resultados – 10,7% de crescimento médio do PIB industrial entre 56 e 61 –, pela influência definitiva que eles tiveram na formação posterior do País – tornando a industrialização irreversível e desdobrando-se nos Planos Nacionais de Desenvolvimento dos governos militares –, pode-se dizer que o Plano de Metas é uma daquelas idéias fundadoras que marca e ainda hoje divide o debate econômico brasileiro. E sua realização se deve, em grande medida, à persistência e habilidade de Juscelino. Presidente empreiteiro: Juscelino assumiu pessoalmente a coordenação e a inspeção das obras do Plano de Metas Embora se desdobrasse em várias metas setoriais, o Plano tinha por alvo alguns poucos setores básicos da economia: energia, transporte, indústrias intermediárias (siderurgia, cimento, papel...), indústrias produtoras de equipamentos (automobilística, naval e bens de capital) e, claro, a construção de Brasília. Nunca se havia empreendido no País um esforço desse porte, e o economista Luciano Coutinho, da Unicamp, lembra que ele exigiu uma nova forma de gestão – a famosa administração paralela, que contornava a lentidão da burocracia oficial – e parcerias, também inéditas, entre os setores estatal, privado nacional e estrangeiro. “Juscelino tinha uma visão moderna e flexível”, diz Coutinho. “Os militares, que vieram a seguir, montaram um modelo de industrialização exclusivamente estatal, muito mais autocrático e sujeito a erros. ” À sua maneira inovadora, o Plano conseguiu mobilizar um volume de investimento anual de até 7,6% do PIB, num período em que o investimento total no Brasil equivalia a 14,5% do Produto. Criaram-se as indústrias automobilística e naval. Construíram-se hidrelétricas e abriram-se estradas. Aumentou-se a produção de aço, petróleo, cimento e papel. A construção civil viveu um boom. No final do período JK, a presença do Estado na taxa de investimento fixo havia saltado de 27,5% do PIB para 37,1%. Como o Brasil não contava com poupança interna que amparasse esse investimento, ele foi feito com inflação e endividamento externo. Foi a parte frágil do Plano. “O desenvolvimentismo de Juscelino era uma corrupção da idéia de desenvolvimento”, diz o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso. “Significava crescer a qualquer custo, sem preocupação com os fundamentos da economia.” O próprio Juscelino nunca teve dúvidas sobre o caminho a seguir. A estabilidade monetária foi colocada por ele em segundo plano frente à necessidade de atingir as metas de crescimento e modernização. Recusou uma reforma cambial porque ela poderia comprometer sua capacidade de financiar o Plano. Da mesma forma, rompeu com o Fundo Monetário Internacional, em 1958, quando ele exigiu que o País puxasse o freio de mão. Entregou o País com 39,5% de inflação anual e um déficit de 4% do PIB em conta corrente – que deveriam ser medidos contra as novas indústrias em operação, a moderna infra-estrutura e a sensação, simbolizada por Brasília, de que o País finalmente tinha desperatado. Não era, afinal, um mau balanço. Imperialismo das multinacionais As multinacionais – Ao lado dos problemas internos gerados pelo modelo de industrialização, um outro se apresentou, e este com maior peso: a penetração e consolidação das empresas multinacionais. Desde Juscelino (Plano de Metas), a instalação de multinacionais no Brasil foi maciça. A partir de então, os setores fundamentais da indústria foram passando para o controle estrangeiro. Segundo Gabriel Cohn, o controle externo das indústrias automobilísticas, de cigarro e de eletricidade variou em torno de 80% a 90%. Nas indústrias farmacêutica e mecânica, a proporção foi de 70%. O resultado principal dessa nova conjuntura foi a minimização da importância da burguesia nacional, que passou para o plano secundário, muitas vezes como sócio menor das grandes corporações internacionais. Isso significa que os postos de comando de tais indústrias estavam em mãos de indivíduos diretamente designados pela direção da matriz estrangeira, ou seja, os centros de decisões se encontravam fora do país. Essa situação levou ao inevitável agravamento do desequilíbrio no Balanço de Pagamentos: a remessa de lucros para o exterior, além dos pagamentos pelo uso de marcas e patentes (royalties) e da importação de maquinaria, superou rapidamente o capital que as multinacionais inicialmente investiram. Naturalmente, as contradições engendradas pelo modelo de desenvolvimento da industrialização adotado na década de 1950 expressaram-se através do aguçamento das lutas sociais e políticas. A presença do capitalismo internacional e o seu papel cada vez mais decisivo no controle de nossa economia tiveram, por seu turno, uma importância certamente não desprezível no desfecho da luta. O movimento militar de 1964 teve aí suas raízes e as suas razões. Indústrias automobilística Automóvel, o símbolo da riqueza De todas as metas, exceto Brasilia, nenhuma outra se destacou mais e influiu tanto no orgulho brasileiro como a da implantação da indústria automobilística no Brasil. A produção de carros se apresentou como o símbolo do progresso e da riqueza nacional, embora tenha sido talvez o mais equivocado de todos os projetos. Com efeito, as indústrias instaladas no país tinham atração apenas pelos incentivos oferecidos e na produção para atender ao mercado interno, não lhes interessando tornar o Brasil competitivo e concorrente no mercado internacional, onde todas elas iam muito bem, obrigado. Isso gerou um crescimento distorcido que até hoje não conseguimos corrigir. O Brasil encerra o milênio com uma produção de quase um milhão e meio de carros por ano, despejados no mercado nacional, atulhando as estradas e, paradoxalmente, gerando problemas de desemprego, justamente o inverso do objetivo proposto por ocasião da sua implantação. Não foi assim, no princípio. A indústria automobilística chegou a manter cerca de 140 mil empregos na região do ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano), gerou o desenvolvimento da indústria de auto-peças e alavancou o progresso de cidades até então pobres, como era o caso de São Bernardo do Campo. Até então, a rigor, o Brasil dispunha apenas de duas indústrias automobilísticas de peso: a General Motors, em São Caetano e a Ford, no bairro do Bom Retiro em São Paulo. Em verdade, só a GM podia ser considerada uma "fábrica", pois detinha um parque industrial completo. A Ford se instalara em um simples galpão, onde recebia dos Estados Unidos, completos, carros desmontados e encaixotados. Seu trabalho era colocar os componentes em seus lugares, montando o que já fora fabricado inteiramente no exterior. Um exemplo de progresso São Bernardo do Campo, nos anos cinqüenta, era uma cidade-dormitório, e os poucos empregos ali gerados estavam ligados à indústria de móveis, pequena mas tradicional, e à Brastemp, fábrica de eletrodomésticos, ainda sem mercado suficiente para se expandir. Uma única via pública, a rua Marechal Deodoro, atravessava a cidade de ponta a ponta. Dela saiam as trasnsversais, todas de terra esburacada. O sistema telefônico tinha pouco mais de 300 aparelhos instalados, ligados a um PBX, onde as telefonistas completavam as ligações, conectando as pegas de um telefone ao outro. Tudo como nos bons tempos de Alexandre Graham Bell. De moderno, apenas a Cia. Cinematográfica Vera Cruz, que rendia muita publicidade, mas nenhum dinheiro aos cofres públicos. E, como toda ilusão, acabou virando pó. Ao contrário, a indústria automobilística, construída às margens da via Anchieta, mudou prodigiosamente a face do município e o perfil de seus moradores, criando uma classe média, impulsionando o consumo e gerando impostos que permitiram a construção de uma cidade moderna, capaz de competir com suas vizinhas. Dotada de mão-de-obra altamente especializada, e de uma população fortemente politizada, São Bernardo tornou-se, mais tarde, o elemento chave da modernização sindical, ousando sustentar uma greve de grande duração em plena vigência do Ato Institucional nº5, e servindo de base para a criação de um partido político com raízes bem definidas. Todo esse progresso não saiu de graça ao governo federal. A demanda por matérias primas fundamentais dependeu da expansão da indústria de base que, como dissemos, não interessava ao capital estrangeiro, tendo de ser bancada com dinheiro público, conseguido com empréstimos e emissão de moeda, vale dizer, com inflação. A maneira como o Brasil suportou essa pressão inflacionária revela um país já consolidado, capaz de enfrentar e vencer desafios maiores, quebrando sua dependência quase que exclusiva da agricultura. Criação de Brasília Brasília nasce no cerrado, longe da pressão direta das massas. "É uma torre para se contemplar o Brasil". Brasília nasceu com mística própria. A profecia de São João Bosco já anunciava sua construção no "coração do país", a 15° de latitude sul. A tradição histórica evocava José Bonifácio, o Patriarca, que queria levar a capital para o interior, em "sítio sadio, ameno e fértil". Um vago projeto de mudança da capital foi inscrito na Constituição de I89i e tornou-se apenas um intrigante círculo assinalado nos mapas escolares. O longínquo e romântico desafio não inspirava os governadores. Mas, Juscelino, Brasília tornou-se um objetivo prioritário, a meta-síntese de seu Programa de Metas, e também um compromisso pessoal, assumido em Jataí (GO) em um comício de sua campanha eleitoral. Eleito presidente, JK encaminhou, a 18 de abril de 1956, mensagem ao Congresso, e, a I9 de setembro, foi sancionada a Lei 2874, que autorizava o Executivo a tomar providencias para a construção. A primeira delas foi a criação da Novacap-Cia. Urbanizadora da Nova Capital, presidida por Israel Pinheiro. Na ocasião, JK afirmava que passaria a presidência a seu sucessor já em Brasília. Um ano mais tarde, foi fixada a data de 21 de abril de 1960 para a transferência da capital. Juscelino apresentou Brasília como um fato consumado, que passou a ser tratado na dinâmica de três questões principais: impacto de uma concepção de urbanismo, aliado a uma arquitetura arrojada, originalidade e independência na captação de recursos, e urgência na construção de estradas. Este último ponto era decisivo. Brasília não poderia isolar-se no "berço esplêndido" do planalto. Para integrá-la ao país, rasgou-se um "cruzeiro de estradas", dos quatro pontos cardeais ao centro de Brasília, "que seria uma torre para contemplar o Brasil". "Vamos arrombar esta selva", dizia JK ao engenheiro Bernardo Saião, que morreria em acidente de trabalho em Belém-Brasília. Era a época de pioneiros e desbravadores, que transformariam a área central do país. De 1955 a 1961, foram construídos 13.169km de rodovias federais, e pavimentados 7.215km. Só nos dois primeiros anos do governo, a rede pavimentada expandiu-se em 300%. A multiplicação de rodovias acompanhou o êxito da indústria automobilística. Significava, também, uma política voltada para a Fixação das populações que emigravam desordenadamente para os grandes centros. Na retórica carismática de Juscelino, tratava-se de uma revolução de novo tipo, peio desbravamento e pela integração. Seria a posse do interior, abandonado desde a saga dos bandeirantes e reconquistado pela modernização. Seria um projeto nacional, para "liquidar com a sonolência de uma sociedade que parasitava [ao longo das] praias como caranguejos, ou como se quisesse ir embora".