Universidade Presidente Antônio Carlos UNIPAC Faculdade Regional de Araguari – Campus IX Disciplina de Saúde Mental Aula 1: Introdução ao estudo da psiquiatria Prof.: Daniel Carneiro da Cunha Bosi Apresentação Nome Apelido Cidade de origem Pergunta: “O que é psiquiatria?” Discussão de casos clínicos Leitura e discussão dos casos clínicos 1 e 2 Caso clínico 1 Um eletricista de 27 anos, casado, queixa-se de tontura, suor nas mãos, palpitações cardíacas e zumbido no ouvido com duração de mais de 18 meses. Ele também tem sentido secura na boca e garganta, períodos de extrema tensão muscular e uma sensação de estar constantemente “nervoso” e vigilante, que tem interferido frequentemente em sua capacidade para concentrar-se. Essas sensações têm estado presente na maior parte do tempo durante os últimos 2 anos. Embora estes sintomas, ocasionalmente, façam-no sentir “desanimado”, ele nega sentir-se deprimido e continua sentindo prazer com as atividades em família. Em vista destes sintomas, o paciente já consultou um clínico geral, um neurologista, um neurocirurgião, quiroprático e um otorrinolaringologista. Ele foi colocado em dieta hipoglicêmica, recebeu fisioterapia para um nervo comprimido e soube que poderia ter “um problema no ouvido interno”. Ele também tem muitas preocupações. Preocupa-se constantemente com a saúde de seus pais. Seu pai, na verdade, teve um infarto do miocárdio 2 anos antes, mas atualmente passa bem. Ele também preocupa-se quanto a ser ou não “um bom pai”., se sua esposa algum dia o abandonará (não existem indicações de que ela esteja insatisfeita com o casamento) e se é estimado por seus colegas de trabalho. Embora reconheça que essas preocupações, frequentemente, são infundadas, não consegue parar de pensar. Há cerca de 2 anos, o paciente tem mantido poucos contatos sociais, devido à seus sintomas nervosos. Às vezes tem de ir para casa, deixar o serviço, quando os sintomas se tornam intoleráveis, mas mesmo assim, continua trabalhando para a mesma companhia para a qual ingressou como estagiário após o segundo grau. Ele tende a esconder seus sintomas da esposa e dos filhos, para os quais ele parece “perfeito”, e relata poucos problemas com eles resultantes de seu nervosismo. Caso nº 2 Um radiologista de 38 anos foi avaliado após voltar de uma estada de 10 dias em um famoso centro diagnóstico ao qual fora encaminhado por um gastroenterologista local, depois que este chegou ao “fim da linha com ele”. O paciente relata que, no centro diagnóstico, passou por extensos exames físicos e laboratoriais, exames radiológicos de todo o trato gastrointestinal, esofagoscopia, gastroscopia e colonoscopia. Embora os médicos lhe tenham dito que os resultados eram negativospara uma doença física significativa, ele parece magoado e decepcionado, ao invés de aliviado. Ele foi visto brevemente para uma avaliação “de rotina” por um psiquiatra no centro diagnóstico, mas teve dificuldade para relacionar-se com o psiquiatra em um nível mais do que o superficial. Em uma investigação mais profunda envolvendo os sintomas físicos do paciente, este descreve surtos ocasionais de leve dor abdominal, sensações “de plenitude”, “ruídos intestinais” e uma “firme massa abdominal”, que às vezes pode sentir em seu quadrante inferior esquerdo. Nos últimos meses, tornou-se cada vez mais consciente destas sensações e convenceu-se de que elas poderiam ser o resultado de um carcinoma de cólon. Ele testa suas fezes para sangue oculto semanalmente e passa de 15 a 20 minutos a cada 2 a 3 dias apalpando cuidadosamente seu abdômen enquanto está em sua cama. Ele já realizou secretamente vários estudos radiográficos em si mesmo, em seu próprio consultório, fora do horário do expediente. Embora ele tenha sucesso em seu trabalho, tenha uma excelente folha de serviços e seja ativo na vida comunitária, o paciente passa grande parte de suas horas de folga em casa, sozinho em sua cama. Sua esposa, uma instrutora em uma escola de enfermagem local, sente-se zangada e amargurada com este comportamento, que ela descreve como “algo que nos rouba daquilo pelo que trabalhamos tanto e por que deixamos tantas coisas para depois”. Embora ela e o paciente compartilhem muito dos mesmos valores e se amem de verdade, este comportamento causa uma grande tensão em seu casamento. Quando o paciente estava com 13 anos, um sopro cardíaco foi detectado no exame físico da escola. Uma vez que um irmão mais jovem morrera no início da infância de doença cardíaca congênita, o paciente foi retirado das aulas de ginástica, até que este sopro pudesse ser avaliado. A avaliação mostrou que o sopro era benigno, mas o paciente passou a preocupar-se com o fato de que os médicos poderiam ter “deixado escapar algo”, e considerava as sensações ocasionais de “batimentos irregulares” como evidências disto. Ele manteve seus temores em segredo, e ao longo dos 2 anos seguintes, eles cederam, mas jamais passaram totalmente. Quando estava no segundo ano da faculdade de Medicina, sentiu-se aliviado por compartilhar algumas de suas preocupações com saúde com seus colegas, que também se preocupavam com a possibilidade de terem as doenças que estudavam, nas aulas de patologia. Ele percebeu, entretanto, que se preocupava muito mais do que seus colegas. Desde que se formou, vem tendo repetidamente uma série de preocupações, seguindo o mesmo padrão: perceber um sintoma, preocupar-se cada vez mais com o que ele pode significar e passar por um exame físico negativo. Às vezes ele volta a uma antiga ”preocupação”, mas sente-se demasiadamente embaraçado para compartilhá-la com os médicos que conhece, como quando descobriu um nevo “suspeito”, apenas uma semana depois que persuadiu um dermatologista a realizar uma biópsia de um outro nevo que provou ser inteiramente benigno. O paciente conte sua história em um tom sincero e desencorajado, animado por uma nota de verdadeiro prazer e entusiasmo apenas enquanto oferece uma narrativa detalhada da descoberta de uma anomalia uretral genuína, porém clinicamente insignificante, como resultado de um pielograma intravenoso que ele próprio solicitou. Próximo ao final da entrevista, ele explica que o fato de vir para avaliação neste momento se deve, em grande parte, à sua própria insistência, precipitada por um encontro com seu filho de 9 anos. O menino entrou acidentalmente em deu quarto enquanto ele apalpava seu abdômen à procura de “massas” e perguntou: “O que você acha que é desta vez, papai?” Enquanto descreve sua vergonha e raiva (na maior parte, de si mesmo) quanto ao incidente, seus olhos enchem-se de lágrimas. Discussão de casos clínicos Características pessoais dos pacientes Sintomas físicos Avaliações médicas e laboratoriais Tratamentos inadequados Prejuízos em relacionamentos, trabalho e qualidade de vida em geral Isolamento social Sofrimento psíquico Preconceito Custo social Discussão de casos clínicos Características pessoais: Caso 1 - Eletricista, 27 anos, casado, filhos, emprego fixo Caso 2 - Médico radiologista, 38 anos, casado, filhos, ativo profissionalmente (“excelente folha de serviços”) Discussão de casos clínicos Sintomas físicos Caso 1 -tontura, suor nas mãos, palpitações cardíacas e zumbido nos ouvidos -secura na boca e garganta, tensão muscular Caso 2 -Dor abdominal, sensação de “plenitude”, “ruídos intestinais”, “firme massa abdominal” - “batimentos cardíacos irregulares” - sintomas diversos que paciente investiga “por conta própria” Discussão de casos clínicos Avaliações médicas e laboratoriais Caso 1 - consultas: clínico geral, neurologista, neurocirurgião, quiroprático, otorrilaringologista Caso 2 - internação em “famoso centro diagnóstico” - extensos exames físicos, laboratoriais e radiológicos - gastroenterologista, dermatologista e auto-exames Discussão de casos clínicos Tratamentos inadequados: Caso 1 -Dieta hipoglicêmica -Fisioterapia para “um nervo comprimido” Caso 2 - Biópsia de nevo Discussão de casos clínicos Prejuízos em relacionamentos, trabalho e qualidade de vida em geral Caso 1 -“deixa o trabalho quando sintomas se tornam intoleráveis” -“poucos contatos sociais” em 2 anos Caso 2 -“esposa sente-se “zangada e amargurada”, perde as horas de folga -tensão em seu casamento Discussão de casos clínicos Isolamento social Caso 1 - Poucos “contatos sociais”nos últimos 2 anos Caso 2 -“passa grande parte de suas horas de folga em casa, sozinho em sua cama” -“Algo que nos rouba daquilo pelo que trabalhamos tanto” Discussão de casos clínicos Sofrimento psíquico Caso 1 -Constantemente “nervoso”e vigilante -Ocasionalmente “desanimado” -Preocupações em excesso: saúde dos pais, “ser um bom pai”, esposa o abandonar e ser estimado pelos colegas Caso 2 -“magoado e decepcionado”, raiva -Preocupações em excesso: própria saúde Discussão de casos clínicos Preconceito Caso 1 -“tende a esconder seus sintomas da esposa e dos filhos” Caso 2 -embaraçado em compartilhar preocupações com colegas - realiza exames secretamente -Vergonha e raiva com indagação do filho (*) importância do papel do médico Discussão de casos clínicos Custo social Casos 1 e 2 -tratamentos, exames médicos e laboratoriais desnecessários -Internações desnecessárias -perda de produtividade e de dias de trabalho -aumento de custos para sociedade Discussão de casos clínicos Conclusão Caso 1 - Transtorno de ansiedade generalizada Caso 2 -Hipocondria -Diagnóstico diferencial com Transtorno de Somatização Introdução à história da psiquiatria Tempos bíblicos: -Saul: designado por Deus, primeiro rei de Israel -Alto, forte, guerreiro e valente -Deu “as costas para Deus”, “demônios passaram a afligi-lo” -Servos: “eis que um espírito mau te atormenta. Se tu, nosso amo, deres ordens, teus servos aqui procurarão um homem que saiba tocar harpa, para que, quando o mau espírito estiver sobre ti, ele a toque a fim de te acalmar” -Após períodos de melhora e recidivas dos sintomas, Saul suicida-se com a própria espada Mitologia Grega ● Profusa na descrição de estados de insanidade -Belerofonte: abateu Quimera (monstro de 2 cabeças), sucesso é punido por Zeus, então “enlouquece” e passa a viver solitário -Antígona (filha de Édipo e Jocasta): suicídio -Homem: objeto inerte a mercê dos deuses e de seus caprichos (visão présocrática) -Não questionam qual o órgão doente, mas qual o deus ofendido Nascimento da medicina Hipócrates (460 a.C. – 370 a. C.) Designado “pai da medicina” Retira o sobrenatural do centro da discussão e lida com a doença em termos científicos Cérebro: centro das funções mentais e suas patologias (superando postura cardiocêntrica) Conceito dos quatro fluidos essenciais: bile, fleugma, sangue e bile negra. (superstição biologia) Melancolia (melan, negro, e cholis, bilis): -“aversão à comida, falta de ânimo, insônia, irritabilidade, inquietação...” -“se o medo ou tristeza duram muito tempo, tal estado é próprio da melancolia” Império Romano: Galeno (128 a 201d. C.) Trabalho médico extenso Disseca animais, estuda anatomia (descreve 7 dos 12 pares de nervos cranianos) Reafirma a descrição hipocrática da melancolia Desenvolve teoria dos humores: Humor Qualidades Elemento Personalidade Sanguíneo Quente, úmido Ar Otimista, falante, obeso Colérico Quente, seco Fogo Explosivo, ambicioso, magro Fleugmático Frio, úmido Água Lento, corpulento, preguiçoso Melancólico Frio, seco Terra Introspectivo, pessimista Condutas em psiquiatria no século III (Roma) Plantas medicinais (mandágora, beladona) e purgantes para eliminar a bile negra Dietas alimentares, hidroterapia, ginástica Melhora após a menstruação: sangrias Vinho, viagens, relação sexual, ouvir música A Idade Média Abandono dos textos clássicos Redução da influência do pensamento greco-romano sobre ciência, medicina,e das primeiras idéias psiquiátricas Médico medieval: herdeiro dos conhecimentos greco-latinos, um herbanário, alquimista, mágico e até astrólogo A Idade Média Cada doença identificada tinha a seu santo patrono orações Rezas, rituais, ou trepanações libertar o corpo dos demônios e dos elfos “Bile negra” aplicação de sanguessugas, sangrias Melancolia (acídia) um dos sete pecados capitais A Idade Média A Inquisição: aliança entre poder político e religioso Pouca distinção entre heréticos e doentes mentais mesma punição Avicenna (980-1037): gênio persa, “o príncipe e o chefe de todos os médicos” -Descreve diferentes aspectos da vida mental: sexualidade, paixão, delírios, alucinações, insônias, pesadelos, demência, epilepsia, melancolia -Sugere efeito de traumas emocionais sobre a saúde física O Renascimento Poderoso movimento social, cultural e intelectual entre séc XIV e XVI Revalorização do homem como centro e medida de tudo e retorno aos valores gregos Robert Burdon (1557 -1640) e A Anatomia da Melancolia: é a loucura um problema espiritual o médico? -Responsabilidade dividida entre clérigo e médico -Causas da melancolia: idade avançada, temperamento, hereditariedade, afecções de outras partes do corpo agindo no cérebro -Causas sobrenaturais: Deus, diabo, mágicos, bruxas, questões astrológicas A Anatomia da Melancolia O Iluminismo séc. XVIII Superação e declínio do dogmatismo religioso e a ascenção do racionalismo O experimentação é a “ordem do dia”, desenvolvimento da anatomia William Cullen (1710-1790): primeiro a empregar o termo neurose, melancolia alteração na função nervosa Século XIX Definição mais precisa da melancolia, e surgimento do termo depressão com o sentido atual Philippe Pinel (1745-1826): remove os grilhões dos “loucos” encarcerados tratamento mais humano, “o tratamento moral” “Há limites no quanto de paixão ou dor que uma pessoa pode suportar antes de ser destruída... Culpar alguém que comete suicídio é igual a castigar um doente quando este morre de febre.” Goethe Século XIX Jean-Etienne Dominique Esquirol (17721840): psiquiatria como “medicina mental” anatomia cerebral Emil Kraepelin (1856-1926): demência precoce x insanidade maníaco depressiva, divisor de águas Século XX A eletroconvulsoterapia (ECT): possibilidade de tratamento As psicoterapias: Sigmund Freud, lança “Luto e Melancolia” em 1915 O início das drogas antidepressivas A imipramina Apresentado por Roland Kuhn, em 1957, no Segundo Congresso Internacional de Psiquiatria Chegou ao mercado 2 anos depois (Tofranil®) Testada como anti-histamínicos no tratamento de esquizofrenicos Elevação de estado de humor dos pacientes Obs: descoberta de efeitos antidepressivos em medicações para tuberculose (IMOA): isoniazida e iproniazida QUESTÃO: QUEM MEDICAR? Critérios diagnósticos CID-6 (OMS em 1948) – seção V: “As desordens mentais, psiconeuróticas e de personalidade” Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM I (1952) a DSM IV(1994) Estudos multicêntricos: Projeto Diagnóstico United States/ United Kingdom (1972): ↑ diagnóstico de esquizofrenia em NY Evolução dos critérios diagnósticos Prevalência dos transtornos psiquiátricos Esquizofrenia Transtorno bipolar Tipo I 1% 1% Transtorno bipolar Tipo II 4% Transtorno depressivo maior 11% Transtorno de ansiedade 17,2% Transtorno de pânico 2,3% Fobias 7,9% Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) 1,3% Síndrome de dependência de álcool 7,2% Síndrome de dependência de drogas 2,8% Custos sociais OMS (1990): depressão como “principal causa de anos vividos com incapacitação” em países desenvolvidos Estimativa: mesmo quadro para países em desenvolvimento em 2020 Projeção para psiquiatria Exames de imagem mais detalhados (Tomografia e Ressonância Funcional) Possibilidade de diagnósticos mais precisos Tratamentos individualizados Seguimento através de exames seriados Novo arsenal terapêutico Avanços na genética