Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 1 PROSA E POESIA ELOMARIANA: CULTURA, MEMÓRIA E IDENTIDADE DO POVO DO SERTÃO. Tatiana Cíntia Silvia1 1. CONHECENDO UM POUCO O COMPOSITOR, POETA E ROMANCISTA – ELOMAR FIGUEIRA MELLO Elomar Figueira Mello é natural de Vitória da Conquista e nascera em 21 de dezembro de 1937. Dentre suas idas e vindas do sertão à capital, formou-se em Arquitetura e teve aulas de música, ambas na Universidade Federal da Bahia. Elomar lança em 1968 seu primeiro disco compacto; em 1972 lança o LP Das barrancas do Rio Gavião e em 1979, junto com Arthur Moreira Lima, lança p LP Parcele Malunga. O fato é que embora não se rendesse aos apelos da mídia e compondo de acordo com os ditames desta, as datas e as composições anteriormente citadas são apenas algumas das produções iniciais de um amante do sertão, dos mitos e da musicalidade literária. Não tendo o caráter de levantamento das obras completas de Elomar até os dias atuais, não nos prenderemos à enumeração de seus vários trabalhos. Devendo abrir espaço apenas para o estudo de algumas de suas canções, como: O Rapto de Juana de Tarugo; Retirada; O Pidido; Chula no Terreiro; Incelença Pro Amor Retirante e Sertanílias: Romance de Cavalaria, esta 1 Especialista em Letras, Português e Linguística pela Faculdade Amadeus, graduada em Letras com habilitação em Português/Inglês e respectivas Literaturas pela Faculdade de Formação de professores de Penedo. Atualmente, professora de Literatura, Língua Portuguesa e Inglesa, tendo como linhas de pesquisa a Literatura Brasileira, com ênfase na produção machadiana, Literatura Portuguesa, com ênfase nas obras medievais e, na área da Linguística, trabalhando com questões que envolvem a origem e ensino da língua materna. Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 2 lançada em 2008 e parte de uma série de quatro romances em ambiente sertanejo, como as sagas do homem agreste. O fato é que tanto na lírica quanto na prosa encontramos como figuras recorrentes na obra elomariana imagens do nosso sertão, nossa língua, nossa religião; enfim, nossa cultura e imaginação. É Exatamente tentando observar, analisar e depreender os pontos que ecoam de nossa memória e identidade presentes na língua “sertaneza”2 retratadas por Elomar, que corporificamos este estudo. 2. A IMAGEM DO HERÓI O olhar à linguagem interiorana e à imagem do homem do sertão como herói apresenta um potencial riquíssimo. Muitos escritores como José de Alencar, Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos e tantos outros já exaltaram o homem de vida simples, outrossim, como verdadeiros guerreiros. A imagem do herói é fortemente marcada no nosso Romantismo pela necessidade de se exaltar a pátria e nosso jeito, o que chamamos de cor-local. No entanto, em um primeiro momento a figura de herói recaíra sob o índio, já que este fora o primeiro habitante de nossas terras. Confrontando a imagem do índio-herói Peri, da obra O Guarani de José de Alencar, depreenderemos uma discrepância enorme entre este e o herói elomariano. Peri, ainda que se apresente com honra e coragem, por amor a Ceci e influências a que fora submetido e vivendo 2 Neologismo do próprio Elomar Figueira Mello, que nos utilizamos para retratar tudo que é relativo ao sertão. No caso acima, empregado para fazer referência à língua do povo do sertão. Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 3 com os brancos, passa a se vestir como estes e converte-se ao Cristianismo, servindo como símbolo da colonização portuguesa. O herói de Elomar apenas se submete aos desígnios de Deus e nada mais. Pode o pai da amada fazer o que for que ele a irá buscar em seu cavalo, como podemos perceber nos fragmentos de O Rapto de Juana de Tarugo: Infrentei fôsso muralha e os ferros dos / portais / só pela gentil senhora/ por campo de justas honrando este amor/ me expondo à Sanha Sanguinária de côrtes cruéis/ infrentei vilões no Algouço e em Senhores de Biscaia/ fidalgos corpos de armas brunhidas/ não temo escorpiões cruéis carrascos vosso pai/ enfreado à porta do castelo/ tenho meu murzelo ligeiro e alazão/ que em lidas sangrentas bateu mil mouros infiéis/ O Senhora dos Sarsais/ minh'alma só teme ao Rei dos reis [...]”.(Apud Porteira oficial de Elomar, 2007) Em sertanílias, percebemos isso ainda mais evidente, já que o cavaleiro-vaqueiro não se submete a nada nem a ninguém, se quer mesmo às leis de seu tempo e como todo “cavaleiro andante”, não necessita se enraizar em um lugar, por isso não se prende às paixões. A morada do cavaleiro é a estrada, alçando voos maiores. Como um vaqueiro que é, o sertão é a sua casa, não precisa de nada mais, nas falas do próprio cavaleiro ao dizer a uma virgem que clama que a leve na garupa do seu cavalo e depois de convencê-la que não há como levá-la e esta ratificar que o esperará, Sertano deixa claro: “Nunca voltei, sempre parti. Quando pensam ver o cavaleiro em regresso, viram apenas a sombra do que foi[...]” (2008, p.23) em resposta à insistência da mulher que diz sofrer se ele não voltar, Sertano exalta suas características “[...] em cadinho de aço fui forjado e com a vara de ferro fui disciplinado para nunca derramar uma lágrima e nem permitir que meu coração fraqueje diante, ainda que da mais punjante emoção!!!” (2008. p.24). O viés regionalista vem tempos depois, reaparecer na voz dos pré-modernistas, marcadamente em Euclides da Cunha e Monteiro Lobato. Em ambos, o sertanejo não se apresenta como um herói de fato, no entanto para aquele, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte” Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 4 como vemos em Os Sertões, já em Urupês, obra de Monteiro Lobato, temos uma espécie de anti-herói, já que Jeca Tatu se apresenta como um caboclo que se acocora diante da realidade; por isso, podemos entoar juntos: “Pobre Jeca Tatu! Como és belo no romance e feio na realidade!” Com efeito, a retratação do homem nordestino do Modernismo aos nossos dias só crescem. Graciliano Ramos, por exemplo, traz para nós Fabiano, patriarca de uma família “animalizada” pela seca e pela fome. Uma família que não se comunica entre si e, em que os filhos se apresentam sem nome, situados no romance apenas como o menino mais velho o menino mais novo, advindo daí, o nome da obra: Vidas Secas. Temos na poética de Elomar essa figura do sertanejo como um forte, como vimos em Euclides da Cunha, mas não como produto do meio nem da raça ou momento histórico, muito menos se acocora diante das dificuldades como assim fazia Jeca Tatu ou em silêncio como a família de Fabiano. Em retirada, o eu-lírico nos diz: Se eu tivesse algum querer/ Nesse mundo de ilusão/ Não deixava que a saudade sociada cum penar/ Vivesse pelas estradas do sofrer a mendigar/ Vai pela estrada enluarada/ Com tanta gente a ritirar/Levando nos ombros a cruz /Que Jesus deixou ficar / Eu não canto por soberba / Nem tanto por reclamar / Em minha vida de labuta / Canto o prazer, canto a dor /Que as beleza devoluta / Que Deus no sertão botou / Vai pela estrada enluarada / Com tanta gente a ritirar / Passando com taça e veno / Bebendo fé e luar. (Apud letras.terra, 2008) Todas as obras ressaltadas até então, servem para nos mostrar que embora tomando nossa terra e nosso povo como pilares, cada um tem seu estilo próprio, já que há sempre uma unicidade literária, assim como os novos contextos criam outros ares às obras. Outro ponto evidente, é que os temas explorados tanto em seus cancioneiros quanto no romance Sertanílias perpassam qualquer tentativa de igualar ou nivelar certos escritores com Elomar Figueira Mello. Já que como podemos observar, dentre as tendências do escritor temos a retomada aos temas religiosos, preocupação com o sertão, sua gente e a fala local. A Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 5 estas características se junta à retomada aos valores medievais, o que distancia Elomar de qualquer outro pela singularidade de atar dois tempos tão distantes e com mitos próprios. Deste modo, o escritor apresenta-nos nosso povo, nossa cultura e nossa língua, esta, figura recorrente na produção elomariana para retratar a realidade social do sertanejo. 3. LINGUAGEM SERTANEJA COMO REFLEXO DE UMA CULTURA: UM BARDO NA PRODUÇÃO ELOMARIANA Sabe-se que o português se formou realmente como uma língua falada; no entanto, pelo fato de a língua ser também cultura, surgira a necessidade de escrevê-la e por isso, há hoje o que Basso e Ilari (2007) chamam de a língua que estudamos e a língua que falamos. Ou seja, a língua apresenta-se em duas instâncias – o português do povo, que fala espontaneamente e, o formal, utilizado nas escritas; o que nos faz lembrar a origem de nosso idioma: o Latim, que também se apresentava de duas maneiras - O latim vulgar usado pelo povo e o latim literário, este usado com esmero, razão e esforço consciente enquanto aquele subjetivamente, à mercê da emoção e do momento. Elomar cria em sua produção exatamente o bilinguismo no próprio idioma. Traz a tona a imagem individual e coletiva do sertão e sua linguagem, muitas vezes negadas no mundo da literatura. Todavia, sabemos que nossa língua foi construída pela fusão de várias linguagens encontradas pelas conquistas dos portugueses, é tanto que: podemos chamar, simplesmente, de bilinguismo e multilinguismo às várias situações em que o português passou a conviver com uma ou mais línguas diferentes. Muitas vezes, os portugueses encontraram nas terras descobertas um verdadeiro mosaico de línguas e dialetos. (ILARI; BASSO, 2007, p.38) Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 6 Pensando neste mosaico multilinguístico em que se sustenta a história do Português no Brasil, ao cantar a realidade do sertão o escritor não poderia negar as variações existentes. É por isso que em entrevista realizada por Simone Guerreiro (2006), Elomar exalta: Qual é minha pátria? Amazônia? É! Minha prática geográfica e cívica. Mas minha pátria essencial é o Vale do Rio Gavião, São Francisco, o sertão onde eu respiro, convivo com meus amigos e onde eu vou morrer. Então como eu vou fazer? Eu vou cantar as minhas canções para os urbanos na linguagem deles e como é que o povo do campo vai entender? Se eu vier com minha gramática superior, como eles vão entender minhas concordâncias, minhas próclises, minhas ênclises e mesóclises? Quando eu cantar as coisas aqui do campo, farei na variante lingüística, no dialeto; quando eu estiver cantando as coisas dos urbanóides, farei na linguagem culta [...] (Apud Guerreiro, 2007, p.299) Esta passagem da entrevista mostra-nos a consciência que tem o escritor em pensar em um ponto muito importante para a produção literária que a recepção deste texto; logo, é evidente a necessidade de escrever na mesma “língua” dos que lerão a obra, sem qualquer floreio. O escritor evidencia não a teoria da recepção como a necessidade de se compreender as diferenças da língua em suas dimensões de espaço de região para região, ou seja, o escritor volta-se para o que os linguistas chamam de variação diatópica. Logo, Elomar Figueira Mello descristaliza a ideologia há décadas arraigada de que o Português do povo não cabe na poesia ou na ficção, ponto já ponderado pelos modernistas. Vejamos então como essa linguagem configura-se tanto na poesia como na prosa. Em O Pidido, observamos desde o começo a escolha da linguagem em adequação ao contexto sócio-cultural em que é “esculpida”. A música aparece cheia de marcas da oralidade; o verbo trazer aparece em flexões informais e em certos pontos, a preposição para apresenta-se com a supressão da primeira vogal. Já qui tu vai lá pra fêra / Traga di lá para mim / Agua do fulô qui chêra / Um nuvelo e um carrin / Trais um pacote de misse / Meu amigo ah se tu visse / Aquele Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 7 cego cantadô! / Um dia ele me disse / Jogano um mote de amo / Qui eu havéra de vivê / Pur esse mundo /E morrê ainda em flô [...] (Apud letras.terra, 2008) Como variada é a cultura, os hábitos de uma sociedade, ideologia e concepções, assim também é a língua. Em Chula no Terreiro o compositor incorpora não só a linguagem como a cultura do sertão. Vejamos: Mais cadê meus cumpanhêro / Qui cantava aqui mais eu, cadê / Na calçada no terrêro, cadê / Cadê os cumpanhêro meus cadê / Cairo na lapa do mundo, cadê / Lapa do mundão de Deus, cadê [...] (Apud letras.terra, 2008) Nos versos acima temos não só o léxico de um vaqueiro como uma sintaxe própria. O uso da expressão cadê, empregado tipicamente na fala; a troca do mas por mais, vão juntos com os demais versos criar um terreno sertanejo em uma temática estruturada no sofrimento pele ausência do cumpanhêro. É evidente que essa temática da saudade é também uma característica das Cantigas de Amigo, do período medieval, e que são transformadas na voz de Elomar para o mundo sertanejo. Além da temática, ecoa da poética já citada o ritmo paralelístico dos versos que dão ênfase aos questionamentos pela ausência dos companheiros, iniciado pela palavra mais e do refrão que entoa os lamentos de saudade – ai sôdade. Mais tinha um qui dexô o qui era seu /Pra i corrê o trêcho no chão de Son Palo / Num durô um ano o cumpanhêro se perdeu / Cabô se atrapaiano com a lua no céu / Num certo dia num fim de labuta / Pelas Ave-Maria chegô o fim da luga /Foi cuano ia atravessano a rua / Parou iscupiu no chão pois se espantô com a lua / Ficô dibaixo das roda dos carro / Purriba dos iscarro oiano prá lua, ai sôdade / Mais tinha um qui só pidia qui a vida fosse / U'a função noite e dia qui a vida fosse / Regada cum galinha vin queijo e doce / Sonhano a vida assim arriscô mêrmo sem posse / Dexano a vida ruim intão se arritirou-se / Levou-lhe um ridimúim e a festa se acabou-se, ai sôdade /Mais tinha um qui só vivia prá dá risada /[...] Cúa lágrima nos ói, e na bôca u'a rizada ai, sôdade /E mais cadê aquele vaquêro Antenoro /Cum seu burro trechêro e seu gibão de côro /Esse era um cantadô dos bem adeferente / Cantano sem viola alegrava a gente / No ano passado na derradêra inchente / O Gavião danado urrava valente ai sôdade [...](Apud letras.terra, 2008) Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 8 Os traços do vernáculo do sertão não são encontrados apenas na poesia elomariana, mas também em sua novela de cavalaria, pois embora Sertano saiba e utilize o português formal, aprecia a forma simples de seu povo se comunicar. Além disto, Como uma metáfora maior, intercalados aos acontecimentos da saga de Sertano, Elomar aparece em entrevistas falando de seu estilo de cantar ao seu povo com a língua destes. Nas várias passagens das entrevistas, assuntos da obra elomariana são levantados, como os pontos de contato e afastamento entre suas produções e o mundo medievo3. Porém, como não faz parte da proposta deste trabalho, não nos alongamos nesta temática que; no entanto, não pode deixar de ser mencionada em vários pontos. O recorte da entrevista mais importante no ponto de vista da exploração do multilinguismo de nosso próprio idioma está na última entrevista, como um fecho de ouro. A entrevistada num “trato” com Elomar põe-se a falar e recitar no vernáculo do sertão. E assim se apresenta toda a entrevista: - Oí, cred’! Intonce dêxa ieu matutá um pôc pra mode mim chegá umas idea... Ah sim, o siôro vai cunsertá mias fala iante’s de ponha no jornal ô no livr’, sei qui ieu fal’ muit’ do errad’, só merm’ prus gast’, vai? _ Não. Vou publicar na íntegra como você fala. E fique sabendo que é muito bonito este dialeto, esta maneira simples de se expressar. Compreendo tudo. _ E os ôt’, os qui tem estud’, da cidad’, vai cumorendê? - Vão, senão, que cuidem de estudar o dialeto. _ Istudá? Cuma e naonde? _ Antigamente não. Todavia, hoje em dia muitos doutores nas universidades estão escrevendo a cartilha desta fala bonita de cá. - Bunita, cruiz! (MELLO, 2008, p. 210-211) E assim como diz Elomar, não só procuramos compreender esse dialeto numa perspectiva gramatical e linguística, como social, averiguando que o caráter simples desta 3 Este bardo medieval fora objeto de estudo em outra pesquisa de minha autoria - A Ressignificação da Lírica Medieval na Poética de Elomar Figueira Mello – e apresentada no I Encontro de Pós-graduação em Letras, ENPOLE – UFS. Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 9 linguagem se estabelece exatamente como natural se caracteriza a vida no sertão. O dialeto singelo configura-se como a identidade dos que o utilizam. 4. O SERTÃO PROFUNDO Toda produção literária é uma representação das relações sociais. O escritor intencionalmente escolhe o que irá narrar e, embora tome a realidade como ponto de referência, ultrapassa-a e recria outra realidade. Elomar cria um tempo híbrido e realidades múltiplas, diluindo as fronteiras da estranheza e unindo três tipos de sertão: um sertão-medieval; um sertão contemporâneo e outro fantástico, o imaginário do ideal. Graças a este diálogo polifônico entre o mundo medievo e nossos mitos, Elomar ultrapassa e recria o nosso sertão, o maior exemplo é o romance Sertanílias, em que temos um “sertão-mágico”, que se localiza em nosso sertão físico, mas sob a ética e rigores das novelas de cavalaria. Estabelece desta forma, uma fusão entre culturas, geografia e imaginário, nascendo o que o escritor chama de Sertão-profundo. Sertano, vaqueiro-cavaleiro de Sertanílias, ao ser perguntado por onde andara responde: “[...] muitas mil léguas de chão cortadas. Nascentes dos quatro ventos, bem depois do derradeiro horizonte, nas camarinhas da aurora... Para bem dizer, estive na esquina do mundo [...]” (MELLO, 2008, p.18). Logo, neste enredo tempo, espaço e lugares não são evidentes, sabemos que se localiza no sertão, pois mais adiante Sertano fala das águas do rio São Francisco e de um sertão de fora, nisto percebemos também um sertão de dentro, o dos tropeiros esquecidos e que encontram bandidos pela estrada. Subentende-se que o sertão de fora seja o real e o de dentro, o fictício. Mas falamos da existência do encontro com um terceiro sertão, e este, Sertano apresenta a nós leitores e a seus Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 10 companheiros ao encontrar um “bando montando negros corcéis”. Indagado por Tinga, Sertano de responde: “[...] Parecem-me mercenários sarracenos [...] pelo formato da espada e pela montaria. Não só estes, como aquela tropa que topamos há pouco, não são daqui deste tempo. Estão há muitos séculos passados.” (MELLO, 2008, p.161). Deparamo-nos então, com um outro tempo já que estes mercenários não eram defuntos, mas “viviam” em um mundo paralelo ao nosso. Várias outras imagens retratam essa fusão entre o real e o imaginário: imagens do sertão são aproximadas de reinos e castelos, cobras míticas e “ferrêro”, tipo demoníaco que diz ser o condutor dos companheiros de Sertano para “quatro apartamentos com as condicionado em altíssimas temperaturas, (MELLO, 2008, p.125). Tanto na prosa como na poesia, Elomar Figueira Mello toma como suporte nosso sertão geográfico e histórico e transporta para um sertão fantástico. Além da caracterização do herói-vaqueiro pronto para combates nas justas, as canções também são colocadas em tal diálogo entre presente e passado. São os casos de Cantiga de Amigo, Incelença Pro Amor Retirante e outras mais, que se estruturam com a inversão do eu-lírico e em ambiente sertanejo, onde até os animais cantam a ausência não do “amigo”, mas da senhora. “Vem amiga visitar/ A terra, o lugar / [...] Ouço em toda noite escura /Como eu a sua procura / Um grilo a cantar / Lá no fundo do terreiro [...] Geme os rebanhos na aurora/ Mugindo cadê a senhora / Que nunca mais voltou [...]”. Sendo uma ressignificação da lírica de origem medieval, o poeta caracterizando nosso espaço regional põe grilos e rebanhos a cantar pela amada que o abandou assim como a sua terra. Assim, é estabelecido não só na cantiga um clamor amoroso como uma exaltação e apego do eu-lírico pela sua terra, contrariamente à amada. Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 11 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em âmbito geral, percebemos que embora Elomar Figueira Mello não faça parte dos cânones literários, tem vasta produção voltada ao vernáculo sertanejo como para a nossa história e identidade. Além de construir um enredo mítico entre o sertão real e o fictício em paralelo à temática medieval. O que pode estruturar tanto pesquisas na área da Linguística como da Literatura. Anais do Seminário Nacional Literatura e Cultura Vol. 1, agosto de 2009 – ISSN 2175-4128 06 e 07 de agosto de 2009 UFS – São Cristóvão, Brasil 12 REFERÊNCIAS BIBÇIOGRÁFICAS A vida de Elomar. In: << www.facom.ufba.br/elomar/vida.html>> acesso em setembro de 2007. Elomar Figueira Mello letras – Letras de Música. In: << letras. terra.com.br/elomar >> acesso em setembro de 2008. GUERREIRO, Simone. Tramas do sagrado: a poética do sertão de Elomar. Salvador: Vento Leste, 2007. ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O português da gente: a língua que estudamos e a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2007. MELLO, Elomar Figueira. Sertanílias: Romance de Cavalaria. Vitória da Conquista, 2008. MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 19. Ed. São Paulo: Cultrix, 1983. Porteira Oficial de Elomar. In: << www.elomar.com.br >> acesso em setembro de 2007. SILVA, Tatiana Cíntia. A Ressignificação da Lírica Medieval na Poética de Elomar Figueira Mello. In: I ENPOLE, OS (des)caminhos do texto: Imagens em Interação. São Cristóvão: UFS, 2008.