Imaginários Coletivos como Mundos Transicionais Tânia Aiello-Vaisberg Fabiana Follador e Ambrosio Chegou, mais uma vez, o momento de apresentamos mais um volume dos Cadernos Ser e Fazer, o sexto. Contamos com a participação de diversos autores, entre os quais pesquisadores associados à Ser e Fazer e professores da PUC de Campinas. Escolhemos como temas deste volume os enquadres diferenciados ‘ser e fazer’ e o imaginário coletivo. Aproveitaremos essa oportunidade para lembrarmos rapidamente momentos do nosso percurso. Desde 1992, quando uma de nós criou o Laboratório de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social, juntamente com a Doutora Maria Christina Lousada Machado, pesquisamos modos diferenciados de realizar intervenções psicanaliticamente orientadas, buscando contribuir para a concretização de intervenções na clínica social, evidenciando que os aspectos inconscientes presentes nas condutas humanas muito participam – e poderíamos dizer que são mobilizadores – do processo de transformação elaborativa do inconsciente relativo. Daí nosso interesse pelo estudo dos imaginários coletivos, concebidos como complexos ideo-afetivos, fenômenos da conduta que ocorrem no contexto da inter-subjetividade e que, por serem organizados sempre a partir de campos psicológicos inconscientes, influenciam práticas individuais e coletivas. Chegamos ao Procedimento Desenhos-Estórias com Tema, que auxilia na identificação do imaginário. Trata-se de um desenvolvimento de uma criativa idéia de Walter Trinca inicialmente pensada no contexto do psicodiagnóstico compreensivo. Repensado à luz transicionalidade, a adaptação proposta por Aiello-Vaisberg revela-se capaz de favorecer a expressão emocional de forma lúdica, relaxada, não-defendida, prestando-se à ampla utilização em pesquisas que abarcam diferentes grupos e figuras sociais: psiquiatrizados, obesos, adotados, entre muitos outros. Com o aumento da experiência, chegamos finalmente a compreender que este Procedimento é 5 um recurso mediador, quando usado nas nossas Consultas Terapêuticas Individuais e Coletivas, um de nossos enquadres diferenciados transicionais, equivale ao rabisco winnicottiano. Ao lado dos outros enquadres, que temos desenvolvido, as Oficinas Psicoterapêuticas de Criação e as Consultorias Psicoterapêuticas, apresentadas anteriormente, são nosso modo de aceitar o convite feito por Winnicott, de sermos psicanalistas fazendo uma outra coisa. São fundamentados rigorosamente no método psicanalítico e caracterizam-se pela proposição de estratégias apresentativo-expressivas, pela disponibilização de materialidades mediadoras expressivas, pelo uso de intervenção de tipo não-interpretativa (holding) e por sua realização preferencialmente em grupos. Tais enquadres revelam-se basicamente inclusivos e incentivam a expressão de potencialidades dos participantes para a criação/transformação da realidade, permitindo a assunção de novas e diferentes posturas de vida, a busca por novos sentidos de existência. Neste volume dos Cadernos Ser e Fazer, convidamos o leitor a conhecer alguns estudos sobre o imaginário, como “A Mão Criminosa”, escrito por uma de nós em parceria com a Doutora Maria Christina Lousada Machado, que destaca a narrativa de Damião, paciente psiquiátrico internado, sobre seu drama existencial, apontando também sua teoria psicopatológica sobre o alcoolismo e a loucura. Em “Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...”, Lígia Masagão Vitali e Tânia Maria José Aiello-Vaisberg narram o atendimento realizado a equipes de saúde em ambulatórios de cuidados paliativos, usando o Procedimento Desenhos-Estórias com Tema. O Procedimento também foi importante para apontar o imaginário de professores relativo à adoção e para refletirmos sobre as motivações que subjazem ao processo de adoção, abordando a exclusão sofrida pela criança que é adotada para suprir as frustrações de casais com dificuldades reprodutivas, relacionando-a com dificuldades no processo de amadurecimento emocional. No estudo realizado por Miriam Tachibana e Tânia Maria José Aiello Vaisberg com psicólogos que trabalham em uma ONG atendendo a mulheres que sofrem violência doméstica, mais uma vez o Procedimento Desenhos-Estórias com Tema contribuiu para que pudéssemos compreender que, no imaginário coletivo do psicólogo, a mulher vitimizada é entendida pelo psicólogo como uma mãe que não exerce uma 6 maternagem suficientemente boa ou como uma pessoa que não teve este tipo de maternagem no início de sua vida. O artigo de Maria Regina Peres, Sueli Aparecida Milaré e Maria Helena Mourão Alves Oliveira, pesquisadoras da Pontifícia Universidade de Campinas, apresenta o mesmo Procedimento sendo usado novamente, agora para abordar o imaginário coletivo de estudantes de um curso de Especialização em Psicopedagogia sobre a satisfação profissional do psicopedagogo, mostrando que este é concebido como um profissional com amplas possibilidades de satisfação em sua profissão, sugerindo a existência de uma idealização deste profissional. Neste volume contamos também com a apresentação da Oficina de Histórias, Fotos e Lembranças, voltada ao atendimento de pais que vivenciam dificuldades no relacionamento com seus filhos. Walkíria Cia e Tânia Maria José Aiello Vaisberg mostram que esta clínica, que também utiliza o enquadre das Oficinas Psicoterapêuticas de Criação realizadas pela Ser e Fazer, é pautada na experiência humana compartilhada e no registro vivencial, capaz de romper o campo das agonias impensáveis que levam à ausência de si mesmo. Roberta Elias Manna e Tânia Maria José Aiello Vaisberg também trazem a experiência com a Oficina Psicoterapêutica de Tapeçaria e Outros Bordados, trabalho realizado tanto no Serviço de Saúde do Idoso da Prefeitura de São Paulo como no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Conheceremos os bordados de ‘Maratonista’, Aninha e Corredora e acompanharemos um pouco de suas histórias na Oficina. Emérico Arnaldo de Quadros e Elisa Medici Pizão Yoshida, da PUC-Campinas, aproximando a Psicanálise à Psicoterapia Breve, apontam que a escuta lacaniana é uma das leituras possíveis das psicoterapias breves, podendo ajudar na estruturação do foco, na compreensão da queixa do paciente e até na condução do processo. Inaugurando uma nova seção nos nossos Cadernos Ser e Fazer, Apresentação do Acontecer Clínico, Tania Granato narra um encontro entre jovens estagiários de um serviço universitário que tem como objetivo auxiliar crianças que sofrem de paralisia cerebral e outras síndromes, com estimulação motora. Neste momento, a autora depara-se com uma ‘estranha dança’ e divide conosco essa experiência especial. 7 Abrimos este nosso sexto volume dos Cadernos Ser e Fazer com um questionamento acerca das questões éticas envolvidas na pesquisa em ciências humanas atualmente no Brasil. O artigo, escrito por Tânia Aiello Vaisberg, foi originalmente apresentado Université Européenne d’Eté 2005 Université Paris 7. Destinado não somente aos pesquisadores, é-nos de extrema valia quando nos deparamos com os momentos em que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido apresenta-se como prerrogativas às publicações científicas, trazendo, em contrapartida, efeitos poderosos aos vínculos nos atendimentos clínicos. A autora aponta para a necessidade de discussões epistemológicas quando nos deparamos com o uso das leis de bioética nas ciências humanas, pretendendo assegurar o respeito à autonomia e dignidade humanas. Também de autoria de Tânia Aiello Vaisberg, o texto ‘Efeitos Clínicos da Arteterapia Winnicottiana’ trata da apresentação desta forma de utilização fenomenológica do método psicanalítico, realizada por meio da apresentação de materialidades expressivas em situações clínicas concebidas como mundos transicionais, onde a intervenção realizada é o holding. Essa primazia pelo favorecimento de experiências existencialmente mutativas justifica-se quando localizamos qual é o objetivo psicoterapêutico pretendido, harmonizado e coerente com a concepção de homem como ser criador. Dessa forma, a saúde emocional consiste na conquista de um estado de espontaneidade, autenticidade e integração pessoal – o processo de emergência da pessoalidade, de constituição do self. Versão francesa do mesmo texto - ‘Évaluation des effets de l art thérapie winnicottienne’ - acaba de ser lançada em volume organizado por Richard Forrestier e editado pela Elvesier, Paris, sob o título: ‘L'évaluation en art-thérapie. Pratiques internationales’. O volume conta também com as normas dos Cadernos Ser e Fazer, visando facilitar a organização do leitor interessado em enviarnos artigos para publicação. A todos, desejamos que a viagem por estes mundos serefazer sejam experiências gratificantes. Boa leitura! Tânia Maria José Aiello-Vaisberg e Fabiana Follador e Ambrosio 8