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O SOM SAGRADO DOS SÉCULOS XVIII E XIX - A
ORGANIZAÇÃO, CATALOGAÇÃO, HIGIENIZAÇÃO,
DIGITALIZAÇÃO, ACONDICIONAMENTO E
ARMAZENAMENTO DAS PARTES MUSICAIS: SACRAS
DIVERSAS, MISSAS, CREDOS E LADAINHAS.
Maria Teresa Gonçalves PEREIRA1
Maria José Ferro de SOUSA2
RESUMO
O
artigo
aborda
a
organização,
catalogação,
higienização,
digitalização,
acondicionamento e armazenamento das séries musicais: Sacras Diversas (SD), Missas
(M), Credos (CR) e Ladainhas (LA), custodiadas pelo Arquivo Histórico Monsenhor
Horta, séculos XVIII, XIX e XX.
Palavras-chave: Música, arquivo, organização, pesquisa, Minas Gerais, séculos XVIII a
XIX.
HISTÓRICO
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Maria Teresa Gonçalves Pereira – Graduada em História, pela Universidade Federal de Ouro
Preto/UFOP. Trabalha como historiadora, paleógrafa e pesquisadora na área de História Mineira Colonial
há 15 anos.
2
Maria José Ferro de Sousa – Graduada em História, pela Universidade Federal de Ouro Preto/UFOP.
Trabalha como historiadora, paleógrafa e pesquisadora na área de História Mineira Colonial há 15 anos.
2
A massa documental, atualmente, denominada Arquivo Histórico Monsenhor
Horta, recolhido no casarão sito a Praça Luiz Macedo, antiga Rua do Comércio, no
distrito de Monsenhor Horta, pertencente à Cidade de Mariana, encontra-se hoje
custodiado pelo Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de
Ouro Preto ICHS/UFOP. Este acervo possui uma tipologia diversificada tais como:
manuscritos e impressos musicais dos séculos XVIII, XIX e XX, correspondências,
fotografias, documentação comercial, iconografia, notas fiscais, impressos e periódicos.
Este conjunto de documentos foi recolhido e trasladado pelo professor José Arnaldo
Coelho Lima em 1996, responsável pela disciplina História da Arte do Departamento de
História do referido instituto. No ano de 2001, o professor José Arnaldo contou com a
colaboração do musicólogo o Doutor Paulo Augusto Castagna, professor do Instituto de
Artes da UNESP, para identificou e organizou todos os manuscritos musicais sacros que
compõem este acervo. Este professor coordenou, no ano de 2008, o Projeto Patrimônio
Arquivístico Musical (PAMM), fomentado pelo Governo do Estado de Minas Gerais,
através da Secretaria de Estado de Cultura, sob a gestão da Secretária de Estado e
Cultura Eleonora Santa Rosa, do qual, participamos como pesquisadoras organizando as
partes musicais em grupos e conjuntos, digitalizando, higienizando, desamassando,
acondicionando em papel almaço sem pauta e caixas de papelão, cedido pela PróReitoria de Administração de UFOP, e armazenando em armários de metal as partes
musicais: Sacras Diversas, Missa, Credo e Ladainhas, catalogadas previamente pelo
musicólogo Castagna, no Arquivo Histórico Monsenhor Horta, resultando num catálogo
impresso.
As partes musicais sacras privilegiadas neste projeto servem de base como uma
importante inovação metodológica. Isso porque, os musicólogos podem contar com este
Arquivo para complementar as obras musicais, como também, oferecer maior número
de arranjos (variante) para as fecundas comparações. Nas Minas do século XVIII e parte
do XIX, não era comum o uso de partituras, as quais são compostas de todas as partes
musicais combinadas. O mais usual era os músicos e cantores possuírem suas partes
musicais separadas, muitas das quais foram perdidas ao longo do tempo. O que dificulta
mais não impede o seu regate, porque, este pode ser efetuado através da comparação de
cópias, das partes musicais, de uma mesma obra existente em vários arquivos. Sendo
assim, quanto mais arquivos em condições de pesquisa, maiores as possibilidades de
reconstrução de peças musicais. O resultado do nosso trabalho foi gravado em 06
3
DVDs, entregues ao Arquivo da Câmara de Mariana/Arquivo Histórico de Monsenhor
Horta.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada neste trabalho é fruto da tese de doutorado “O estilo
antigo na prática musical religiosa paulista e mineira dos séculos XVIII e XIX”,
defendida na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, em 2000, pelo
musicólogo e coordenador do projeto PAMM Paulo Augusto Castagna. A partir do
mapa de catalogação, elaborado pelo coordenador iniciamos a organização das partes
musicais do Arquivo Histórico Monsenhor Horta. Esta etapa consistia em verificar se as
partes musicais estavam separadas fisicamente de forma correta em grupos (reunião de
conjuntos de partes musicais vocais e/ou instrumentais que possuem a mesma música
ou pelo menos uma obra em comum) e os conjuntos (totalidade das partes vocais e/ou
instrumentais referentes às mesmas obras, elaboradas por um mesmo copista e em uma
mesma época). Esta organização produziu uma ordem coerente dos conjuntos dentro do
grupo e das partes musicais dentro do conjunto. Esse procedimento foi necessário, pois
com muita freqüência foram encontradas várias unidades musicais em uma mesma
folha, e, não uma única unidade por folha, como de esperado. Encontramos na série
denominada Sacras Diversas (SD) várias unidades musicais que não possuem nenhuma
relação musical ou litúrgica entre si, embora estivessem manuscritas na mesma parte
física, como é o caso da SD.002.01 e 02.2003. Depois de efetuarmos a conferência dos
Grupos e Conjuntos, higienizamos, mensuramos e desamassamos as partes musicais
trabalhadas, como também, trocamos os papéis que os envolviam, e os identificamos
através de códigos, em seguida os digitalizamos.
O suporte físico deste acervo é composto totalmente de papel. Sua análise
contribuiu para indicar a datação presumida dos documentos cuja data não estava
explicita. Mas, foi possível identificarmos a que século pertencia através das
características físicas específicas de cada época como: cor, gramatura, espessura, tipo de
fibra, superfície, marca d’água e regreta. Outro elemento que, também, colaborou para a
datação das partes musicais foi a tinta utilizada pelos copistas nestes manuscritos.
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SÉRIES MUSICAIS
As partes musicais nomeadas “Sacras Diversas” (SD), pertencentes ao Arquivo
Histórico Monsenhor Horta, contempladas neste projeto, perfazem o total de 157
unidades musicais. Em grande medida, estas unidades possuíam as mais variadas
funções cerimoniais litúrgicas ou para-litúrgicas. Boa parte não identifica: o
instrumento, o copista, o autor, a voz, a data da cópia, a localidade, o proprietário da
parte, dificultando o trabalho de catalogação e identificação específica da função
cerimonial.
A série musical denominada “Missa”, composta de 55 grupos, foi a segunda a
ser catalogada neste trabalho. Diferentemente da série anterior, esta é mais completa,
todos os grupos trazem identificada a função cerimonial. Grande parte desta série traz
inúmeros conjuntos, ou seja, indicativo de que uma mesma obra foi copiada por
diversos copistas em datas diferenciadas. É interessante registrar que encontramos
poucas obras, nesta série como nas demais trabalhadas neste Arquivo, com a
identificação dos autores. Prática pouco usual nas Minas dos séculos XVIII e XIX, isso
porque o conceito de criação era colocado acima do criador3. Somando-se a isso, as
demandas pelas músicas com funções litúrgicas diferenciadas levavam os copistas a
fazerem sobreposições musicais de diversos autores.
Missa é o gênero musical litúrgico com o qual a Igreja Católica Romana celebra
a última ceia, a morte e a ressurreição de Cristo. Ela é dividida em duas partes distintas:
O Ordinário, composto pelo Kyrie, Glória, Credo, Sanctus com Benedictus e Agnus
Dei, o Próprio, pelo Intróito, Gradual, Aleluia, Ofertório e Comunhão4. A maior parte,
das composições para Missa, encontradas neste Arquivo, correspondem ao Ordinário.
Segundo Paulo Castagna5, os textos do Próprio da Missa “variavam de uma festa para
3
Como diz o ditado popular “Deus não autografou as suas obras”, embora, todos conhecessem o criador,
principalmente, sendo a Igreja centro catalisador social. Ver PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves e
SOUSA, Maria José Ferro, (et al). Particularidades do Acervo do Museu da Música de Mariana: Desafios
da Catalogação. Mariana: Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana, 2004.
4
Mais informações ver ISAACS, Alan e Elizabeth Martin. Dicionário de Música Zahar. Rio de Janeiro:
Ed. Zahar, 1985. p. 240.
5
CASTAGNA, Paulo Augusto (et al). Ladainhas de Nossa Senhora. Belo Horizonte: Fundação Cultural e
Educacional da Arquidiocese de Mariana, 2003, volume VIII, pp. 21-23.
5
outra”, já, as partes do Ordinário eram mais constantes, “cantadas sempre com o
mesmo texto”, apenas sofriam modificações impostas pelos tempos litúrgicos. O mesmo
autor ainda nos informa que “desde o fim da Idade média” o Ordinário da Missa estava
dividido nas seis partes acima citadas. Porém, a partir do início do século XVIII, ele foi
seccionado em duas. A primeira chamada Missa, composta pelo Kyrie e Glória, e, a
segunda chamada Credo composta pelo Credo, Sanctus, Benedictus e Agnus Dei. Nas
Missas festivas, devido à importância da comemoração, era comum ser cantado o
Ordinário Completo, ou seja, Missa e Credo.
A terceira série a ser trabalhada foi o “Credo” (CR), parte do Ordinário da
Missa, como acima aludimos. Esta série, composta por 20 Grupos, também, é mais
completa do que as Sacras Diversas (SD), o título e função cerimonial são passíveis de
identificação. Já, a autoria é quase sempre não identificada, como nos demais gêneros
sacros trabalhados neste Arquivo. Porém, a minoria de autores identificada é
representada por grandes nomes como: João de Deus de Castro Lobo, Jerônimo de
Sousa, José Maria Xavier, José Maurício Nunes Garcia e outros.
A série Ladainha (LA), composta por 17 grupos, finalizou o nosso trabalho,
neste projeto. Foi possível identificar na mesma o título e função cerimonial. Apesar de
ser mais completa que as Sacras Diversas, a identificação de autoria, também, nivela-se
às demais, poucos são os autores identificados.
A Ladainha é praticamente uma expansão da oração, feita de forma insistente,
composta por versos suplicantes e respostas fixas, inicia com o Kyrie e finaliza com o
Agnus Dei. Utilizadas em funções litúrgicas, como também, em particulares.
CONCLUSÃO
O acervo musical sacro que compõe o Arquivo Histórico Monsenhor Horta
atende, a pesquisadores de várias áreas das ciências humanas. As partes musicais
conservam também vestígios daqueles que as fizeram - músicos e/ou copistas inseridos
no universo da música, e estes inseridos na sociedade de então. Era grande a demanda
da atividade musical nas Minas Setecentistas, a música era um veículo de disseminação
da fé muito propagada nos rituais sacros e profanos.
6
Ao trabalharmos com os manuscritos musicais neste Arquivo e no Museu da
Música de Mariana, observamos a superioridade da qualidade das cópias e suporte dos
documentos dos séculos XVIII e início do XIX, em detrimento das cópias do final do
século XIX e início do XX, devido à introdução e uso das cópias impressas.
O pesquisador – historiador, musicólogo e outros, podem compartilhar
informações, inerentes a seus campos de estudo como: teoria, metodologia e objeto, no
intuito de somar conhecimentos. Para tanto, pode utilizar-se de recursos metodológicos
como a prosopografia6, a qual permite os cruzamentos de Arquivos e fontes. É
interessante destacarmos, que não raras vezes, encontramos no Arquivo Histórico
Monsenhor Horta e no Museu da Música de Mariana a atuação das mesmas famílias de
músicos e copistas. Os cruzamentos permitem conhecer o nome dos músicos, seus
familiares e das gerações que se sucederam e atuaram nas Minas dos séculos XVIII a
XX, como também, a extensão do seu campo de ação. Estes indivíduos e sua obra
devem ser analisados dentro do contexto histórico e sócio-econômico que estão
inseridos. Somando-se a isso, deve-se levar em conta o universo simbólico imanente aos
mesmos. Tais documentos legam ao pesquisador considerável gama de informações,
revelando o perfil sócio-histórico do músico, bem como a forma como este agia nas
diversas circunstâncias, como compositor, copista, proprietário, educador, e mesmo no
relacionamento com seus pares. Assim, a inserção do músico no mundo como sujeito
histórico permite a análise das possibilidades musicais que este tinha a seu dispor, qual
a sua escolha e quais os filtros pessoais aplicados pelo mesmo. Bem como, os indícios
de conduta, civilidade, etiqueta, demonstração de pompa, advindos dos manuais de
comportamento utilizados, ou mesmo, reinventados pela sociedade local. Muitas vezes a
identificação de autoria da cópia só pode ser feita pela análise de traços individuais
marcantes do músico, por isso não era necessário o autógrafo, conforme acima
relatamos, a obra falava pelo autor. Esta prática pode ser observada, também, em outras
áreas como a pintura, escultura, arquitetura e outras.
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GINZBURG, Carlo. O nome e como. Troca desigual e mercado historiográfico. In: A Micro-História E
Outros Ensaios. Lisboa: Difel, 1989.
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