As tramas do gênero e a geopolítica do nome de África:
notas sobre exotização e erotização na cinematogrÁfrica
Marcelo Rodrigues Souza Ribeiro – [email protected]
AS TRAMAS DO GÊNERO E A GEOPOLÍTICA DO NOME DE ÁFRICA:
NOTAS SOBRE EXOTIZAÇÃO E EROTIZAÇÃO NA CINEMATOGRÁFRICA
Marcelo Rodrigues Souza Ribeiro (NAVI – PPGAS/UFSC)
Palavras-chaves: Lugar Nenhum na África, Ocidente como sujeito, desejo colonial
Será preciso interrogar o que se dá no nome de África1. Como vem a constituir uma
matriz significante e um campo de referencialidade? De que forma se entrelaça com as tramas
do gênero e da sexualidade? A inscrição da África delimita uma nomenclausura: um
programa denominativo, um conjunto de regras de alusão, uma matriz significante que
condiciona e recorta o campo de possibilidades de sua reiteração e (res)significação. A
nomenclausura africanista é uma das fábricas em que se produz o Ocidente como posição de
sujeito. Realizar a excrição da nomenclausura africanista implica teorizar as figuras da
ambivalência cuja repercussão conforma, a partir de uma herança colonial, o Ocidente como
fórum cultural, nos três sentidos apontados por Homi Bhabha (1998, p. 45): “como lugar de
exibição e discussão pública, como lugar de julgamento e como lugar de mercado”. A
ambivalência da herança colonial habita e cinde o Ocidente.
A cena de nomeação que está em jogo na cinematogrÁfrica implica lugares de
enunciação que são produzidos como diferentes no próprio processo de enunciação – a África
“propriamente dita” e seu múltiplo “exterior”. O que se nomeia? Quem nomeia? De onde?
O belo filme alemão Lugar Nenhum na África (2003), de Caroline Link, baseado
livremente no relato de Stefanie Zweig, conta uma história que entrelaça nazismo e
eurocolonialismo em torno da questão do lugar: uma família judia foge da Alemanha, na
época da emergência do nazismo, para o Quênia, de colonização britânica. A história da fuga
de Jettel Redlich (a mãe), Walter Redlich (o pai) e Regina (a filha, alter-ego de Zweig) da
Alemanha nazista para o Quênia é enquadrada pela questão do pertencimento como relação ao
lugar no mundo, numa estrutura de viagem dispersiva e retorno re(con)stitutivo.
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No início já se pode entrever essa estrutura. A voz de Regina abre o filme ressoando
sobre a imagem de uma paisagem africana, com montanhas ao fundo e um descampado em
primeiro plano, atravessado por um garoto de bicileta que carrega uma carta na boca. A garota
conta que se lembrava da Alemanha apenas vagamente: neve; diferentes estações; a família
inteira havia morado lá. “E era muito legal” – assim passamos da paisagem aberta para a neve
alemã. Ali, com Regina brincando sorridente, vem ressoar uma ansiedade: a garota se lembra
que estava sempre com medo, das outras crianças e pessoas e até mesmo dos cachorros. Dois
garotos atiram uma bola de neve em Regina e sua mãe a ajuda a se limpar. Voltamos à
paisagem africana e ao garoto na bicicleta. “Lembro-me da Alemanha como um lugar
sombrio, sem o sol e o calor do Quênia”. O contraste entre os dois lugares se prolonga, entre
as lembranças da garota, que conta como os nazistas expropriaram sua família. O garoto na
bicicleta entrega a carta para um bwana, que descobriremos ser Süßkind, outro alemão
expatriado, que parte para um chalé onde Walter padece da malária, cuidado pelo negro
Owuor. A expropriação nazista e a perda de lugar na Alemanha são projetadas na figuração da
África colonial, através de uma metaforização: a malária de Walter. A distância geográfica
entre Alemanha e Quênia, Europa e África, se rarefaz na tela da perda de lugar, figurada
como uma doença. Na Alemanha, a família está reunida no apartamento de Jettel, quando
chega uma carta datada em Rongai, Quênia, 1937, com a notícia de que Regina e a mãe
devem ir o quanto antes para a África. Em seguida, as duas se despedem da família; segue
uma seqüência de Owuor cuidando de Walter. A recuperação de Walter se entrelaça com o
movimento da viagem de Regina e Jettel. A perda de lugar na Alemanha, metaforizada na
malária de Walter, leva ao deslocamento da viagem, metaforizado na cura da malária: no
filme como um todo, tudo se passa como se o deslocamento para o “lugar nenhum na África”
cicatrizasse a ferida da doença nazista: como se fosse preciso ir a lugar nenhum para, de
volta, saber um lugar e recuperar o próprio, para saber o lugar próprio. O sujeito desse
movimento é a família Redlich, que se encontra numa relação ambígua com a Alemanha: seu
pertencimento nunca é pleno. De certa forma, o movimento da diegese se desenrola em torno
da (im)possibilidade de uma relação metonímica entre a família judia e a nação alemã. Entre
a nação e sua alteridade privilegiada na reconstituição histórica, a África aparece como a
nulidade (“lugar nenhum”) que possibilita um espaçamento de capitalização para o retorno:
* De um momento inicial em que a família ocuparia um lugar “próprio”, vivendo na
Alemanha como numa casa (sem manter os costumes judaicos) como se pudesse representar
metonimicamente a nação, passamos a um momento em que, confirmando uma incerteza em
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relação a esse pertencimento (o lugar próprio envolve sempre uma ansiedade), seu lugar é
deslocado, perturbado, num prenúncio da expropriação nazista iminente;
* Em seguida (estamos ainda na primeira meia-hora do filme e seguiremos até perto de seu
final), passamos ao momento de um não-pertencimento, que se pensa ou figura como
ausência de lugar – Lugar Nenhum – num Quênia dominado pelos ingleses – na África –,
onde a família ocupa uma posição privilegiada em relação aos nativos, devido ao esquema
racista epidérmico que organiza o colonialismo, mas ainda assim uma posição não afinada
completamente com a dos colonizadores, dada sua condição de trabalhadores intermediários e
de refugiados. A família ocupa um lugar indeterminado e a relação metonímica com a nação é
abalada, embora não apagada. Em todo caso, a história diz respeito à experiência de um nãopertencimento, um não-ter-lugar-no-mundo característico da situação de refugiados;
* Finalizada a II Guerra Mundial e completado o período do não-pertencimento, a família
pode recuperar seu lugar na Europa, no projeto de reconstrução da Alemanha Ocidental. O
filme termina reinstaurando a metonímia família-nação. A viagem capitaliza, em torno do
nome de ‘África’, o que no retorno se dá como reapropriação e recuperação do lugar no
mundo, na Alemanha. Mas a relação metonímica entre família e nação não se realiza por
inteiro. Regina figura a tensão do pertencimento com seu desejo de permanecer na África.
Viagem e retorno operam como tropos que constituem África e Quênia, o espaço
colonial, e Europa e Alemanha, o espaço ocidental, como lugares separados de subjetivação,
reiterando a nomenclausura africanista: a constituição da África a partir de seu exterior. Mas,
na reiteração, alteram-se parcialmente os termos, a partir do entre-lugar da família – nem
alemã, nem judia, nem inglesa, nem nativa de qualquer parte da África – que possibilita o
desejo de não retornar por parte de Regina, cujas linhas de força desconstituem a separação
dos espaços.
#
Em noites em que procurava na Internet referências da filmografia africanista, utilizei
programas de compartilhamento de arquivos, na tentativa de encontrar alguns filmes. Ao
digitar “África”, “africanos”, “afro” etc. no campo de busca, esperava encontrar filmes cujos
títulos contivessem alguma referência ao nome de África. Contudo, além de algumas poucas
cópias disponíveis desses filmes (que em todo caso podem ser encontrados na imensa maioria
das locadoras), deparei com uma enorme quantidade de vídeos com títulos pornográficos que
também continham referências ao nome de África, que poderiam ser assistidos após um clique
e poucos minutos de espera (embora decerto fossem parte de um comércio – tanto uma
economia de mercado como uma economia pulsional e fantasiosa – mais subterrâneo, menos
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explícito que o das locadoras; dentro delas, talvez, em salas separadas). Naquele momento, o
que se salientou foi a questão da relação entre pornografia e exotismo, erotização
pornográfica e distanciamento racial-cultural fetichizante. Trata-se da problemática do
“desejo colonial” (YOUNG, 2005), seu comércio ambíguo que trata da circulação de fantasias
de sexo e contato corporal erotizado entre diferentes raças e culturas, sempre na encruzilhada
de atração e repulsão, desejo fascinado e abjeção monstruosa: a ideologia racista, que
constitui o presente a partir da herança do colonialismo – que é “uma máquina de guerra e
administração, mas, também, uma máquina desejante” (p. 119) –, policia as fronteiras e, no
mesmo movimento, alimenta a fantasia de sua transgressão, com uma imagem disseminada:
“o incontrolável vigor sexual das raças não-brancas e sua ilimitada fertilidade” (p. 230).
#
Há uma cena de Lugar… em que novas cores banham a estrutura narrativa de viagem
dispersiva e retorno re(con)stitutivo, remetendo ao aspecto sexual das políticas de gênero:
Walter caminha ao lado de Jettel, na beira da plantação de que cuidam. Regina não está
presente, portanto não pode ocupar a posição de narradora suposta neste trecho. Ele então diz
à mulher para retirar a parte de cima das roupas, que caminhe adiante dele como “as
africanas”. O que a remissão ao nome de África designa aqui? Como se processa, nessa
reiteração da nomenclausura africanista, a (re)inscrição dos termos fantasiosos do desejo
colonial? A alteração parcial que o entre-lugar da família implica na estrutura do filme se
reproduz aqui?
No filme em geral, os olhos de Regina guiam a câmera, mas na cena de Walter e
Jettel, não se passa o mesmo. Qual é então a posição de narratividade ou o lugar de
enunciação que abre a cena aos olhos e ouvidos espectatoriais?
Laura Mulvey (1975) sugere que o olhar fílmico é constitutivamente masculino,
enquanto o corpo feminino permanece como objeto de contemplação, no cinema narrativo
clássico: “Woman as Image, Man as Bearer of the Look”, no que consistiria uma
“heterosexual division of labor” na economia fílmica dos olhares (p. 11). Mulvey diferencia o
olhar fílmico (da câmera), o olhar espectatorial e o olhar dos personagens entre si, que negaria
os outros dois e os subordinaria na “screen illusion” (p. 17). E. Ann Kaplan, tentando pensar a
relação entre o olhar fixo masculinista descrito por Mulvey e o “olhar imperial” (imperial
gaze), sugere uma distinção entre gaze – um olhar unidirecional em que um sujeito ativo se
contrapõe a um objeto passivo e se enreda numa teia de desejo e projeção fantasiosa,
ansiedade e negação do objeto – e look – um processo múltiplo, uma relação de olhares
(looking relation), que pode ser opressiva mas não o é necessariamente.2
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Reencontrando Jettel e Regina após um período de separação no início da Guerra,
Walter consegue outro emprego, com a ajuda de um soldado que Jettel conhecera e com quem
se envolvera, no hotel Norfolk, em que estivera internada com Regina e outras mulheres e
crianças. Na plantação da nova fazenda, algumas africanas passam com a colheita. Não usam
roupas sobre os seios, apenas algo que lhes cobre o pescoço e parte do busto. Jettel as
cumprimenta e Walter comenta: “Você está indo bem.” O diálogo prossegue em tom leve,
mas crescentemente agressivo nas insinuações que encerra, após Walter segurar Jettel pelo
braço. Conversam num teatro de sedução e flerte irônico:
W – Sou o seu “bwana” e lhe ordeno…
J – Sim, “bwana”?
W – … que tire sua blusa.
J – Você é maluco ou o quê?
W – Se o fizer, ganhará uma galinha assada. [Pausa]
W – E agora, você vai ter que percorrer o caminho como as africanas.
Walter, falando da posição de “bwana” – empoderado pela alusão citacional à
delimitação colonial desse espaço de subjetivação que constitui a branquidade, em
contraposição às “africanas” – se aproxima de Jettel, que retirara a blusa e continuara
caminhando mais à frente. Ele segura seu maxilar agressivamente para questioná-la sobre a
estadia no hotel. A violência na relação marido-mulher é sugerida através da comparação com
“as africanas”, inscrevendo a hierarquia de gênero no idioma da geopolítica racializada.
W – Sentiu minha falta no seu hotel?
J – Ai! O que está fazendo?
Walter enuncia o desejo escópico que figura a garantia da exclusividade de seu acesso
ao corpo de Jettel, no espaço do casamento e da família; o olhar fílmico acompanha as linhas
de força de seu desejo, revelando os seios de Jettel ao olhar espectatorial. (Ela não retorna o
olhar. Trata-se, pois, sobretudo de gaze e não de looking relations.) Como sedução e agressão
se confundem ou articulam na economia dos olhares? A resolução do conflito possibilitará,
bem mais adiante, ao final do filme, o retorno ao lugar próprio na nação alemã também no
sentido de reinstaurar a norma heterossexual que organiza o desejo: a nação se reconstitui a
partir da reinstauração da heterossexualidade – como afirma Kaplan (1997), “heterosexuality
is perhaps one of the few aspects that link the otherwise quite diverse ideas of ‘nation’
globally” (p. 49). Mas além disso, a nação e a heterossexualidade se reinstauram através do
idioma da geopolítica racializada, reverberando as fantasias do desejo colonial.
“Heterosexuality is inscribed in the colonial travel story as a basic, unavoidable trope” (p. 85).
Assim, num processo de que essa cena participa sem encerrar sua totalidade, que se estende
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no decorrer do filme e cuja resolução coincide com o retorno, “as africanas” assinala
performativamente a reinstauração da norma e a restituição do próprio apenas ao preço de
cindir o desejo com a ambivalência da fantasia de dominação sexual inter-racial: o idioma
da geopolítica racializada é o lugar em que a dominação se projeta (como norma da família,
que pode se pôr numa relação metonímica com a nação, e heterossexualidade compulsória) e
se desconstrói (disseminando-se na metáfora que constitui a posição de sujeito de Jettel como
racialmente sexualizada e subalternizada, abrindo espaço para uma ambivalência que
permanece no cerne da posição de Walter).
A expressão “como as africanas” designa num rótulo amplo um espaço de
subjetivação da alteridade geopolítica do “continente negro”3, das mulheres que o habitam e
que andariam com os seios visíveis. A visibilidade é dada na cena, o olhar fílmico a reitera e
abre para o olhar espectatorial, a partir do olhar de Walter. Sutilmente, sem ostentação
pornográfica. No entanto, a remissão a esse regime escópico de contato com a alteridade
colonial realiza um alinhamento entre Walter e o sujeito imperial europeu, de um lado, e Jettel
e a alteridade colonial, de outro. Esse movimento estabelece uma mediação de simbolismo
racial e geopolítico ao acesso masculino ao corpo feminino, na domesticidade da nação alemã
e de uma Europa à qual, como brancos, pertencem, embora com certa tensão, ansiedade e
incerteza. O adjetivo “africana” designa uma condição de visibilidade e disponibilidade do
corpo feminino racializado, marcada através de uma linguagem geográfica, do nome de um
continente, que segundo o mandato imperialista é também disponível em sua vastidão, aberto
ao sujeito imperial europeu e ocidental. Esse é o sujeito que pode se constituir e reemergir na
restituição do lugar próprio da nação que encerra o filme. Se lermos o filme a partir dessa
cena e dessa nomeação fantasiosa – “as africanas” – (re)produz-se, no movimento da
nomenclausura africanista, o Ocidente como sujeito imperial, rasurando a tensão que a
posição da família implicava e que aparecia no desejo de Regina de não-retornar (que afinal é
negado ou, pelo menos, adiado) e reinvestindo a ambígua fantasia do desejo colonial.
Mas há uma cena posterior que reverbera sobre esta. Tudo se passa depois de um largo
período, desde a ida de Regina para a escola em regime de internato até uma de suas voltas,
nas férias. O tema dos seios reaparece numa conversa entre Regina e seu amigo Jogona:
J – Deve tirar sua blusa, senão ficará suja.
R – Não vou tirar mais minha blusa. Não sou mais uma menininha.
J – Você será uma criança burra se sujar a sua blusa escolar.
R – Não sou mais criança. Não pode mais ver meus seios.
J – Não são diferentes dos das mulheres lá da vila.
R – São, sim. Os seios das ‘Mzungus’ são diferentes. Não se vêem.
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J – As escolas ‘Mzungus’ ensinam coisas muito estranhas. ‘Mzungus’ como você
ainda podem subir em árvores?
R – Sim, mas só quando não sujam os uniformes escolares.
Por fim, Regina tira a blusa e os dois sobem na árvore. Nessa cena, sugere-se, no
plano do olhar entre os personagens, a possibilidade do retorno do olhar inter-racial. Regina
enuncia a diferença racializada entre os seios de africanas e brancas (que “não se vêem”, não
se dão à condição de visibilidade do Outro racializado), que é nula para Jogona. O olhar
fílmico fica indiferente, alinhado ao olhar de Jogona, que não dá importância à visibilidade
dos seios. O que se dá a ver ao olhar espectatorial é uma cena de amizade e uma brincadeira
entre Regina e Jogona que retrospectivamente solicitam e perturbam parcialmente a ordem
dos olhares que se tinha instaurado na cena de Walter e Jettel. Contudo, o que resta,
imperturbável, como locus subalterno foracluído do discurso fílmico, é o lugar das africanas,
dupla alteridade – de gênero e de raça: não há possibilidade de identificação de qualquer
ordem com o olhar das africanas.
“Can the subaltern speak?”, pergunta Gayatri Spivak (1988). O retorno do olhar que
pareceria se insinuar tem um preço: remarcar o sujeito subalterno do colonialismo – a raça
negra, a África – com uma diferenciação interna, que o assombra e cinde seu lugar de
enunciação: “the colonized subaltern subject is irretrievably heterogeneous” (p. 284). Opacas,
foracluídas: “as africanas” permanecem irrepresentáveis – fora da cena da Darstellung e
sem agência política através da procuração de alguma Vertretung do olhar. A resposta de
Spivak é uma provocação: “The subaltern cannot speak” (p. 308). Essa é a fábrica do
Ocidente como sujeito, produzido como unificado através do imperialismo como projeto
(representação em termos políticos; Vertretung) e projeção (representação em termos
estéticos; Darstellung), máquina político-administrativa e máquina desejante.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
DOANE, Mary Ann. A voz no cinema: a articulação de corpo e espaço. In: XAVIER, Ismail
(org.). A experiência do cinema. P. 457 a 475. Rio de Janeiro: Graal Editora, 2003.
KAPLAN, E. Ann. Looking for the other: Feminism, film, and the imperial gaze. Nova York
& Londres: Routledge, 1997.
MULVEY, Laura. Visual Pleasure and Narrative Cinema. Screen 16 (3): 6-27, 1975.
RIBEIRO, Marcelo R. S. CinematogrÁfrica: Ensaio sobre as f(r)icções de um nome, entre
1980 e 2005. Universidade de Brasília: Dissertação de Graduação em Ciências Sociais,
2005.
SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak?. In: NELSON, Cary & Lawrence
Grossberg. Urbana e Chicago: University of Illinois Press, 1988.
YOUNG, Robert J. C. Desejo Colonial: hibridismo em teoria, cultura e raça. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
1
Esse ensaio reelabora a discussão esboçada nos fragmentos 23 e 27 de minha dissertação de graduação
(RIBEIRO, 2005). Foi publicado pela primeira vez no CD do Seminário Internacional Fazendo Gênero 7 –
Gênero e Preconceitos, realizado em agosto de 2006.
2
A discussão sobre a economia dos olhares deve ser complementada por uma atenção à trilha de áudio. Uma
parte dessa discussão complementar diz respeito ao papel da voz, analisado por exemplo por Mary Ann Doane
(em: XAVIER, 2003). A constituição de uma economia dos olhares no cinema se dá de forma associada com a
articulação de corpos e espaços operada através da voz. A voz movimenta espaços mais amplos do que o olhar:
pode remeter a corpos fora de cena, por exemplo. Segundo Doane, há três tipos de espaço em jogo na "situação
cinematográfica": (1) o "espaço da diegese", (2) o "espaço visível da tela como receptor da imagem" e (3) o
"espaço acústico da sala de projeção ou auditório" (p. 464). A economia dos olhares parece sobrepor-se à
economia das vozes na cena analisada aqui. Em todo caso, seria preciso delinear uma compreensão do papel da
voz e de outros elementos de áudio nessa cena e no filme como um todo.
3
O que se insinua aqui como horizonte de reflexão é a seguinte questão: quais as condições geopolíticas de
possibildiade da afirmação de Freud de que a mulher é o "continente negro" da psicanálise? Isto é: quais as
condições geopolíticas de possibilidade da metáfora da mulher como continente negro (para além da psicanálise,
na arte, na filosofia etc.)? A problemática do "desejo colonial" (YOUNG, 2005) sugere um caminho possível
para uma reflexão que deverá, aqui, permanecer em aberto.
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1 Marcelo Rodrigues Souza Ribeiro (NAVI – PPGAS/UFSC