SUSTENTABILIDADE E MODA EM PROJETOS SOCIAIS SUSTAINABILITY AND FASHION IN SOCIAL PROJECTS Resumo: Este artigo é um estudo de caso sobre o projeto social realizado na SERTE - Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação - de Florianópolis/SC, em parceria com o Programa de Extensão Ecomoda. Foi identificado na SERTE que o volume de doações de roupas que a instituição recebe tornou-se um problema devido à falta de orientação sobre a forma adequada de separação e entrega. Tudo vem misturado, peças em bom estado e limpas com outras danificadas e sujas. Isso dificulta a triagem e gera perda no aproveitamento, provocando resíduos que são descartados para o lixo. Diante desse escopo, desenvolveu-se um projeto para orientar os doadores neste processo com a aplicação dos preceitos 5R´s (repensar, reduzir, reaproveitar, reutilizar, reciclar), além de capacitar presidiárias e os voluntários que trabalham no brechó para melhorar a triagem e aproveitamento das peças (limpeza, reforma, customização), para o retorno ao mercado econômico, promovendo a educação socioambiental deste público, e um direcionamento a uma nova maneira de consumo no setor de moda/vestuário, contribuindo para a sustentabilidade socioambiental. Palavras-chave: Sustentabilidade; Moda; Projetos Sociais Abstract: This article is a case study of the social project held in serte - Spiritist Society of Recovery, Labor and Education - Florianópolis / SC, in partnership with the Ecomoda Extension Program. Was identified in serte the volume of clothing donations that the institution receives became a problem due to lack of guidance on proper separation and delivery. Everything comes mixed parts in good condition and cleaned with other damaged and dirty. This hinders screening and generates a loss in utilization, causing waste that is discarded in the trash. Given this scope, developed a project to guide donors in this process with the application of the precepts 5R's (rethink, reduce, reuse, reuse, recycle), and empower prisoners and volunteers working at the thrift store to improve screening and use of parts (cleaning, renovation, customization), to return to the market economy, promoting environmental education of the public, and a direction to a new way of consumption in the sector of fashion / clothing, contributing to environmental sustainability. Keywords: Sustainability; Fashion; Social Projects Introdução Este estudo, a partir das experiências vivenciadas e do conhecimento gerado, pretende contribuir para a minimização dos impactos socioambientais causados pelo hábito de consumo excessivo de produtos do vestuário, que estão ligados à moda. São muitos os impactos negativos do atual sistema de moda, principalmente os danos causados à natureza e ao ser humano com o uso de agrotóxicos nos cultivos de algodão e a utilização de produtos químicos durante todo o processo de fabricação de uma roupa, além de outros problemas como o uso de mão-de-obra infantil e semiescrava, o excesso de roupas e resíduos descartados. A moda está relacionada com o novo, com o efêmero, com mudanças cada vez mais rápidas nos produtos prescritas pelas tendências. Com o estímulo da mídia, há uma busca frenética pela novidade e como consequência tem-se aumento do consumo. Esse sistema da moda sem medir as consequências tem grandes impactos ambientais que foram ignorados durante muito tempo (SCHULTE, 2011). Diante do volume de resíduos das confecções e de peças do vestuário descartadas pelo consumidor, não é mais possível ignorar os problemas gerados do excesso de produção e consumo na área da moda. As campanhas de doação que aparentemente resolvem o problema dos usuários que descartam suas roupas tornarem-se um problema para quem as recebe, devido à falta de cuidado, misturado peças em bom estado, limpas com outras danificadas e sujas. Isso dificulta a triagem e gera perda no aproveitamento, provocando resíduos que geralmente se tornam lixo. Metodologia Este artigo é um estudo de caso realizado na SERTE - Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação de Florianópolis SC, que atua em comunidades de baixa renda, oferecendo atendimento de médicos, dentistas, fisioterapeutas, professores, assistentes sociais, psicólogos, voluntários em vários setores, um Centro de Eventos, uma livraria no Centro de Florianópolis, grupos de estudos, uma central de recebimento de doações e brechós, onde, em parceria com o Programa de Extensão Ecomoda e o Instituto Trama Ética. A partir de observação in loco, identificou-se o excesso de doações de forma inadequada e a necessidade de orientar os doadores e capacitar presidiárias e voluntários para triagem e customização de roupas para a venda nos brechós. Verificar como é possível estender o ciclo de vida das peças de vestuário e assim corroborar com os princípios para sustentabilidade socioambiental, é a contribuição desse trabalho. Os estudos de caso representam a estratégia preferida quando: se colocam questões do tipo “como” e “por que”; o pesquisador tem pouco controle sobre os eventos; e o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. A necessidade dos estudos de caso surge do intento de se compreender fenômenos sociais complexos. Ou seja, o estudo de caso permite uma investigação para se preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real1. A questão que norteia este o estudo de caso é “como contribuir na central de doações para melhorar a triagem e agregar valor às peças vendidas nos brechós da SERTE” e com isso contribuir para a disseminação na sociedade dos princípios necessários para sustentabilidade socioambiental. A moda no contexto da sustentabilidade Diante do paradoxo entre o consumismo e as questões socioambientais, cada vez mais os cidadãos e os profissionais de diversas áreas estão preocupados com a relação dos humanos com o meio ambiente natural, identificando os problemas e buscando soluções para um modo de vida mais sustentável, em harmonia com a natureza. Nesse sentido, Matheson (2008) propõe aos seus leitores que reflitam sobre o seu consumo, pois ainda a tempo de mudar: Devagar. Não, eu repito você não deve sair e substituir tudo, desde a sua maquiagem até o seu guarda-roupa e seus móveis com (teoricamente) produtos “ecofriendly2”. Ser ecofriendly significa consumir menos, não mais. E se você está comprando como louco, você está definitivamente no caminho de maior consumo. Adquira o hábito de pensar antes de comprar. A melhor hora para comprar produtos ecofriendly é quando você realmente precisa deles. E isso é quando você está em uma posição de fazer uma escolha, e se expressar como um consumidor … Teste os produtos livres de química e opções orgânicas. Você consegue viver sem um jeans sexy? Compre até você cair para o vintage ou orgânico. Então você chegou no ponto.3 No ponto, a que a autora se refere, significa incorporar as mudanças que já estão acontecendo. A sustentabilidade está cada vez mais inserida no trabalho dos designers e estilistas, através de serviços, projetos e produtos adaptados a uma consciência inovadora. A redução dos malefícios ao meio ambiente é o foco das criações para e assim atingir o consumidor que valoriza o diferencial da sustentabilidade presente no produto. Existem muitas opções para os profissionais que são atentos a e estão dispostos a se adaptar à necessidade de mudanças no modo de produção e consumo na moda e demais áreas. O criador necessita redefinir seus valores éticos e desenvolver conhecimentos para melhorar o aproveitamento 1 YIN, Robert K. Disponível em: http://empreendetche.unisc.br/portal/upload/com_arquivo/estudo_de_caso_planejamento_e_metodos.pdf Acesso em: 20/05/2013. 2 “Amigavelmente ecológico” Fonte: disponível em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/casa/conteudo_298796.shtml. Acesso em 19 de maio de 2013. 3 Tradução livre. Christie Matheson. Trecho do capítulo Little green things do livro Green Chic savin the earth in style. página 26, Surcebooks, Inc. 2008 dos recursos inerentes às peças do vestuário, tecidos e fibras para propor um produto com maior durabilidade estética e funcional, evitando o descarte rápido. Com o descarte das roupas após uso, na indústria da moda está se reciclando, reutilizando, restaurando e confeccionando novos itens a partir de peças usadas. Designers de moda, como Karina Michel, estão trabalhando para usar os resíduos e assim reduzir os desperdícios gerados pela produção de peças de indumentária. Michel usa uma técnica de aplique invertida, intercalando vários tecidos tricotados e costurando-os a máquina e manualmente, depois corta algumas partes para revelar as camadas de cor (FLETCHER E GROSE, 2011). Outras marcas como a Junky Styling desconstroem roupas de segunda mão e as transformam em roupas novas e singulares (LEE, 2009). A capacidade de inovação do designer em questões de sustentabilidade não deve focar somente na reutilização e transformação e de resíduos têxteis em peças de roupa confeccionadas com perfeição, mas também no reaproveitamento de peças que estão “fora de moda” customizandoas e ampliando seu ciclo de vida. Além da preocupação com a produção e o pós uso, outra necessidade é reduzir o impacto durante o uso das roupas com o gasto de água e energia para lavar, secar e passar. Para não passar as roupas, tecidos passaram a ser feitos para enrugar e as peças são a atrativas para muitos consumidores, pois beneficiam o usuário moderno que leva uma vida muito acelerada, além de se incorporar aos princípios da sustentabilidade, reduzindo o uso de energia. A camiseta amarrotada e enrugada da Muji, por exemplo, elimina por completo a necessidade de passar a ferro. O produto, compactado na forma de um cubo embalada a vácuo, comunica claramente a intenção do design no ponto de venda, ao passo que o tecido, uma mistura de poliéster e algodão, retém o amarrotado durante o uso (FLETCHER E GROSE, 2011, p. 99). A intenção do amarrotado é valorizar o uso de um produto com baixo impacto, já que o usuário não gastará tempo nem energia passando a roupa a ferro, além disso, segundo as autoras, o impacto de um produto do vestuário durante o tempo de uso é superior ao impacto da produção. Contudo, não basta somente ter um baixo impacto se o consumidor descartar a roupa com pouco tempo de uso. Para melhorar isso, “o ecodesign, ao invés de conceber o produto linearmente, parando na sua comercialização, o concebe de forma circular, considerando seu ciclo de vida, durabilidade e seu retorno à produção [...]” (BERLIM, 2009, p. 41). Ao considerar-se o ciclo de vida do produto, feito pela indústria, usado e descartado pelo consumidor, é preciso melhorar as credenciais de sustentabilidade do produto como um todo. Quanto maior a vida útil da roupa, mais sustentável ela se torna, mas é importante que tenha um valor agregado, um diferencial para que o consumidor sinta apego emocional pela peça e não a descarte rapidamente. Os produtos versáteis também são uma nova proposta: “dos designers, uma mudança de foco: da criação de uma peça acabada para a criação de um trabalho em progresso, uma peça cambiante, crescente, em transformação” (FLETCHER E GROSE, 2011, p. 77). As roupas adaptáveis são uma boa opção para a indústria que quer desenvolver produtos para maior versatilidade para o uso. Como o exemplo a marca norte-americana REI que com versatilidade numa jaqueta reúne qualidades de isolamento térmico, proteção contra vento e impermeabilidade. Ou ainda, sendo mais ousado, desenvolvendo roupas que mudam de forma, como Galya Rosenfeld, [...] designer de moda conceitual, que desenvolve e constrói bolsas e roupas modulares como uma série de “pixels” ou quadrados que se encaixam por todos os lados. Cortadas em feltro, essas seções auto acabadas são facilmente montadas manualmente, sem necessidade de grandes habilidades, equipamentos ou fonte de energia especiais (FLETCHER E GROSE, 2011, p. 83). Esse tipo de peça é um trabalho desafiador para o designer que precisa conhecer toda a cadeia têxtil para criar um produto duradouro e de multiuso. E algumas vezes até mesmo cultivar a própria matéria prima, ou participar de projetos que envolvam produtores próximos. Isto acontece muito com o design local que transcreve para um objeto a diversidade cultural e estética de uma localidade, valorizando seus costumes. No Brasil Carlos Mieli representa um inspirador de trabalhos sociais e ambientais. Lançando um olhar especial sobre o artesanal e social, fornecendo importância e valor a estes produtos. “Hoje sua marca representa a moda brasileira em mais de trinta países e é difundida como um trabalho de criação proveniente de um país em desenvolvimento fundamentado inicialmente em parcerias com comunidades carentes, [...]” (BERLIM, 2009, p. 84). Através de iniciativas como de Mieli, abremse inúmeras oportunidades de negócios e, consequentemente, geração de renda para as pessoas envolvidas nos projetos e trabalhos desenvolvidos com foco na cultura local. Essa prática vem acontecendo em diversos países, valorizando-se e disseminando a cultura de diferentes povos: No sudoeste da Inglaterra, onde há cultivo de cânhamo e processamento de fibras em pequena escala, o duo de design Maca captou a energia local e criou uma bolsa feita de cânhamo britânico, tingida com cúrcuma britânica e impermeabilizada com óleo de linhaça cultivado localmente. O produto apoia os agricultores locais e é a prova de que a fibra cultivada na área tem futuro (FLETCHER E GROSE, 2011, p. 108). Num mercado globalizado a iniciativa do design local, em que se identifica um forte elemento cultural estético num produto, valoriza a tradição e o comércio local, atitude que o design de moda já esta se habituando a fazer. O consumidor, por sua vez, começa a dar valor aos detalhes originais e percebe a diferença deste que é feito pelas mãos do povo e pela matéria prima local. As fontes de matéria prima vêm sendo muito estudadas e cada vez mais projetos são desenvolvidos. Lee (2009) aponta que o cânhamo tem um imenso potencial, por ser ecológico e sustentável, principalmente se comparado com os sintéticos e o algodão convencional. Na Inglaterra o cultivo de cânhamo tem crescido, desde o início da década de 1990. Essa matéria prima tem sido usada principalmente na produção de leitos de animais, polpa de papel de cigarros, fibra e interiores recicláveis de carros. O projeto da organização ambiental independente Bioregional Development Group desenvolve produtos comercialmente viáveis tentando reascender o mercado têxtil inglês. O cânhamo pode ser torcido no mesmo sistema da lã, porém a equipe do projeto encontra dificuldades de apoio, uma vez que possa haver uma contaminação de fibras de cânhamo. Se puder ser torcido e tecido na Inglaterra, haverá um potencial comercial muito maior para o cânhamo como matéria prima de roupas (LEE, 2009, p. 127). A natureza não contribui somente a partir do uso de sua matéria prima, mas também pode ser grande fonte de inspiração através de suas formas. Os designers e estilistas atentos à simplicidade da natureza a partir da biomimética obtêm idéias inovadoras que contribuem para o meio ambiente e o consumidor que usará a peça. Segundo Fletcher e Grose (2011), esta técnica resulta no desenvolvimento de um produto de caráter ecológico, utilizando a natureza como mentora, juntamente com a união da tecnologia, conhecimento técnico e design. Tem-se como exemplo de produto a jaqueta da Páramo que oferece transpiração única aos consumidores, ela tem tratamento Nikwax e tecido com tecnologia inspirada na atividade de transpiração das árvores. Para Berlim (2012), através desses profissionais pioneiros, a sustentabilidade vem ganhando espaço no mercado e tem estado em pauta nos maiores eventos de moda do mundo. Em 2007, a SPFW reuniu 37 estilistas sob o tema moda responsável. Após o evento, todos os demais que se seguiram basearam-se em práticas ecologicamente corretas, com enfoque na neutralização das emissões de CO2. As universidades de moda, vendo a necessidade e a oportunidade de mercado com a sustentabilidade, começam a introduzir matérias e programas em sua grade curricular, qualificando assim profissionais para a área do futuro da moda. Lee (2009) cita escolas de moda como a Central St. Martin`s e Chelsea School Of Art como modelos de currículos que contém projetos sustentáveis, incentivando os alunos a discutir sobre o assunto e colocá-los em prática. Mas, não é somente no exterior que as academias estão introduzindo os cursos na realidade do criador, Berlim (2012, p.71) aponta alguns dados do Ministério da Educação em relação às universidades de moda brasileiras, onde de acordo com dados de 2011 existem no Brasil 122 cursos de design de moda com reconhecimento do ministério. Considerando esses dados é necessário que estes profissionais estejam adequados para a nova realidade global, incorporando em seus trabalhos a sustentabilidade. Em termos de projetos, o programa Ecomoda, coordenado pela professora Neide Schulte, foi pioneiro. O projeto faz parte do programa de extensão da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e, desde o princípio de 2005, teve como objetivo a disseminação do conceito de sustentabilidade e do consumo consciente. O Ecomoda tem uma atuação incisiva no cenário da moda em Santa Catarina, mas também promove ações em outros estados e representa o Brasil em outros países da Europa e America Latina (BERLIM, 2012, p. 73). O Ecomoda UDESC é um exemplo entre os projetos inovadores de universidades que têm como foco outra visão em relação à moda, através do estabelecimento de um novo diálogo entre a moda, o consumidor e a natureza. Berlim (2009, p. 147), destaca que “Ética social, viabilidade econômica e preservação ambiental são, de fato, características do design contemporâneo”. E que, assim como o ciclo de uso de uma peça de roupa, temos que seguir evoluindo e nos adaptando as necessidades do meio, através de várias possibilidades, entre elas os exemplos citados nesse tópico, de designers e estilistas que introduzem a sustentabilidade nos seus projetos e coleções, as empresas na sua produção e venda, e também nas universidades onde os alunos como pesquisadores e estudiosos da área se atualizam para que possam assim utilizar em suas criações ideias inovadoras. Todos, desde profissionais a consumidores, estão em busca de ações que colaborem com o meio ambiente e todo seu contexto. Do fast fashion ao slow fashion O atual sistema de mercado dominante na indústria da moda preza pela velocidade. Produzir e vender roupas de baixo custo para o mercado de massa é a prioridade. Muitas vezes os fornecedores se veem apurados para dar conta da demanda de matéria-prima que a indústria exige, não levando em consideração o tempo que o meio-ambiente necessita para regenerar-se. Esse ritmo acelerado aumenta o volume de roupas produzidas e consumidas, excitando os consumidores a adquirir novas peças sem necessidade e esperar sempre por novidades. O economista Herman Daly propõe um modelo econômico que não se baseia em crescimento material, denominando de economia estacionária. “Aqui, a prioridade da economia é manter o estoque de recursos em nível estável, determinado pela capacidade do ecossistema de regenerar materiais e processar resíduos, em vez de expandi-lo sem considerar tal capacidade” (FLETCHER E GROSE, 2011, p. 126). As autoras apontam que a economia estacionária aplicada no mercado da moda permite que a economia cresça em termos qualitativos, e se adapte as necessidades de velocidade da indústria, pois a rapidez imposta gera um ciclo, onde fazer com rapidez significa que se pode fazer mais, provocando um grande impacto para o meio-ambiente. Para um produto criado por um designer ser de fato produzido para ser comercializado, hoje em dia levam-se em média três semanas. É fácil detectar qual produto é mais vendido e reabastecer o estoque de uma loja quando necessário. A mídia denominou essa cadeia de criação, cópia e produção rápida, como fast fashion4, cujos impactos socioambientais costumam ser abafados. Entretanto, não tem como contestar que a moda rápida traz respostas rápidas, economicamente falando. Com a rapidez do fast fashion, o consumidor também mudou a maneira de adquirir novas peças de roupa. Como a peça tem preço baixo, compra-se em quantidade, mas não com qualidade, descartando mais facilmente, já que não geram um valor emocional no consumidor. Obviamente a qualidade desse produto é proporcional ao valor, não resistindo ao efeito do tempo. Em oposição a este estilo de consumo, foi criado o movimento oposto, o slow fashion5, onde o lento não é considerado apenas como o oposto do rápido, “representa uma visão de mundo diferente, que especifica um conjunto distinto de atividades de moda para promover o prazer da variedade, a multiplicidade e a importância cultural da moda dentro de limites biofísicos” (FLETCHER E GROSE, 2011, p. 128). O slow fashion abrange uma produção de pequena escala, produção tradicional e materiais adquiridos na região, proporcionando ao consumidor confiança e controle no produto que causa impacto em suas vidas. 4 5 Traduzindo para o português, significa “Moda rápida”. Traduzindo para o português significa “Moda lenta”. Alguns consumidores ainda têm pré-conceitos tratando-se de moda sustentável, consideram sua estética hippie. Poucos, porém, sabem que alugar uma roupa ou comprar num brechó é considerado sustentável. Mastheson (2008) aborda de maneira inteligente alternativas de como a moda pode ser inserida para quem considera importante colaborar com o meio ambiente. É verdade, consumir quase tudo é ecologicamente prejudicial (produção, embalagem e transporte, tudo tem seu preço), mas isto não significa que eu irei usar o jeans do ano passado nas próximas oito temporadas. Por favor. Este é um plano mais realístico: seja prudente nas roupas e acessórios que você compra e nos hábitos que você tem quando compra e cuida deles6. Pensando nas peças que o consumidor não usa mais foi realizada a campanha Loja Vazia, durante o mês de abril de 2013, pela empresa de publicidade Loducca. A ideia consistiu em montar uma loja completamente vazia, no interior de um shopping, para ser preenchida por roupas doadas. A partir daí, foi gerado o contra-consumo, ao invés do consumidor entrar no shopping para consumir, ele foi convidado para trazer uma peça que não usa mais para doar para a campanha do agasalho do estado de São Paulo. Para promover a campanha, a Loducca convidou pessoas famosas como o jogador de futebol Neymar, além de consultores de moda para montarem vitrines com as próprias roupas doadas. Na Loja Vazia, o vendedor fez o papel de receptor, recebendo a roupa doada, e arrumando na loja que a princípio estava vazia. Quando o shopping fechava, a loja era esvaziada para começar um novo ciclo no dia seguinte. O projeto fez tanto sucesso, que a empresa Loducca disponibilizou um guia de aplicações, o projeto arquitetônico e os materiais necessários para construir a loja e oferece a opção de parceria para com outros shoppings7. Doação, triagem, capacitação e brechós em projeto sociais O estudo de caso foi realizado junto na SERTE - Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação de Florianópolis SC, mais especificamente na central de doações e brechós, em parceria com o Programa de Extensão Ecomoda e o Instituto Trama Ética. Identificou-se problemas gerados devido ao excesso de doações de forma inadequada e elaborou-se um guia para orientar os doadores e capacitar os voluntários para triagem e customização de roupas para a venda nos brechós. 6 Tradução livre. Christie Mastheson. Trecho do capítulo Green is the new black do livro Green Chic savin the earth in style. página 115, Surcebooks, Inc. 2008. 7 PRADO, Lais. A Loja Vazia. Disponível em: <http://www.ccsp.com.br/ultimas/63341/A-Loja-Vazia>. Acesso em: 12 jul. 2013. O Instituto Trama Ética foi formado em 2013 por um grupo de profissionais de diversas áreas (psicólogos, estilistas, administradores, professores, entre outros). Os integrantes do grupo têm em comum o objetivo de contribuir com os seus conhecimentos em projetos baseados em princípios socioambientais. O projeto Malharia Social que atua com capacitação, produção de vestuário e geração de emprego e renda, junto ao Presídio Feminino de Florianópolis é o primeiro projeto social a receber apoio do grupo. A partir das reuniões de estudo e análise do caso na SERTE, foi elaborado um guia para orientar as pessoas para doarem corretamente as roupas. Esses esclarecimentos de como proceder na hora de doar as peças são muito importantes para facilitar a triagem e o aproveitamento. Com o recebimento de doações da instituição SERTE, foi observado que as roupas devem seguir um critério semelhante ao lixo reciclado, devendo ser destinado limpo e separado conforme sua categoria. Considerando o volume de peças que o consumidor não usa mais e a proposta realizada na campanha “Loja Vazia”, se propôs para lojas e consumidores de Florianópolis uma parceria para receber as roupas que são trocadas ou doadas para que sejam transformadas e customizadas pela detentas capacitadas pelo projeto Malharia Social e por associações nas comunidades. Diante do levantamento realizado in loco na central de recebimento de doações na SERTE, e para facilitar o trabalho de triagem e melhorar o aproveitamento das peças doadas desenvolveu-se um guia para orientar os doadores que se baseou nos preceitos dos 5R´s (repensar, reduzir, reaproveitar, reutilizar, reciclar). Repensar e reduzir o consumo, reaproveitar e reutilizar as roupas e reciclar o que não puder ser aproveitado de outra forma. O guia elaborado elencou os seguintes procedimentos para separar peças de vestuário destinadas à doação: Repensar a quantidade de roupas que você tem e verificar as que realmente são usadas. Limpar e organizar o seu guarda-roupa, separando as peças que são usadas com menos frequência e que poderão ser doadas sem fazer falta; Reduzir o consumo, comprar o que for realmente necessário, não comprar por impulso; Reaproveitar e reformar as roupas, compartilhar com outra pessoa da família ou com amigos; Reutilizar as roupas para tranformar em outras peças e se estiverem desgastadas usar como pano de limpeza ou para enchimento de puffs, almofadas e outros; Reciclar tecido envolve um processo industrial que no Brasil está em desenvolvimento, é uma opção para peças que não têm aproveitamento de outra forma; Para facilitar a triagem e o aproveitamento das peças doadas: • Lavar as peças; • Separar as roupas por tipo, ou seja, bermudas, calças, camisas, camisetas, acessórios, entre outros, ou ainda as que tem algum defeito; • Pesquisar sobre a instituição que receberá as peças para saber qual o destino delas. A adoção desses procedimentos simples para doação de roupas facilita a triagem o encaminhamento das mesmas, seja para instituições, brechós ou projetos sociais que as reutilizam para fazer outros produtos, ou as customizam para agregar valor estético e estender a vida útil das mesmas, evitando que sejam descartadas e se tornem lixo. Os procedimentos descritos no guia para doação de peças do vestuário facilitam a triagem o encaminhando das mesmas. Na SERTE as roupas são encaminhadas para doação, venda nos brechós e mais recentemente para customização. Com a intervenção da customização se agrega valor estético e emocional às peças, se proporciona trabalho para as mulheres da comunidade, que recebem cursos de capacitação, e se resgata técnicas artesanais da cultura local. A customização também tem sido uma forma para prolongar o tempo de uso de produtos do vestuário. A expressão customização foi criada para traduzir um termo da moda americana “custom made”. A customização chegou ao Brasil no fim dos anos 90, criou um novo conceito de moda que personaliza e dá mais tempo de vida para as peças do vestuário. Customizar é conseguir dar nova vida a uma peça que estava em desuso. Outro conceito criado que contribui para minimizar o problema do descarte é o Upcycle que é o processo de transformar resíduos ou produtos inúteis e descartáveis em novos materiais ou produtos de maior valor, uso ou qualidade. Ou seja, significa transformar algo que já está no fim de sua vida útil em algo novamente útil sem que precise passar pelos processos de reciclagem. Esse material é utilizado para gerar novos produtos. Já existem profissionais e empresas que se dedicam a esse trabalho, e é crescente o número de marcas que aderem ao estilo Upcycle criando roupas com tecidos que sobraram ou a partir da desconstrução de uma peça de roupa. Na SERTE e no projeto Malharia Social as roupas em bom estado identificadas após a triagem são encaminhadas para customização e depois para venda nos brechós. As pessoas da comunidade e as presidiárias tem a oportunidade de fazer capacitação gratuita em customização, upcycle e outros nos cursos e oficinas oferecidas pelo Programa de Extensão Ecomoda da UDESC. Figura 1: Oficina de Customização Fonte: Acervo próprio. Fotografia Magda Brandelero. O estudo de caso acompanhou as etapas de identificação do problema na SERTE, a elaboração do guia para doação de roupas e as oficinas de capacitação em customização, upcycle e outras para a comunidade e para as presidiárias. As oficinas foram realizadas no CEART e no Presídio Feminino de Florianópolis. Considerações finais Com o estudo de caso realizado na SERTE - Sociedade Espírita de Recuperação, Trabalho e Educação de Florianópolis SC, mais especificamente na central de doação e nos brechós, identificou-se que o volume de doações de peças do vestuário tornou-se um problema devido a falta de orientação sobre a forma adequada de separação e entrega. Para contribuir na minimização desse problema elaborou-se um guia que está sendo divulgado para orientar os doadores e que vem trazendo resultados expressivos, facilitando a triagem. Alguns doadores estão entregando as roupas limpas e separadas por tipo de peça. A expectativa é que gradativamente a informação sobre o modo adequado de doar peças do vestuário seja amplamente difundida e que o ciclo de vida das mesmas seja ampliado com a customização, upcycle e outras técnicas artesanais e a venda nos brechós. O Programa de Extensão Ecomoda da UDESC desenvolveu oficinas de customização com base na aplicação dos preceitos 5R´s (repensar, reduzir, reaproveitar, reutilizar, reciclar), para capacitar a comunidade e os voluntários que trabalham nos brechós. As oficinas contribuem na capacitação de pessoas para trabalharem com o reaproveitamento e a reutilização de peças do vestuário para o retorno ao mercado econômico, gerando renda para o empreendedor individual ou para instituições como a SERTE. Além disso, promove a educação socioambiental deste público, e um direcionamento a um novo modo de consumo no setor de moda/vestuário, contribuindo para a sustentabilidade. O trabalho que iniciou na SERTE no início de 2013 foi ampliado para o presídio feminino de Florianópolis. No projeto Malharia Social, as presidiárias estão recebendo oficinas de capacitação de costura, customização e confecção de roupas e acessórios reutilizando peças doadas pela comunidade de acordo com o guia elaborado. As mulheres após a saída do presídio são convidadas a continuarem no projeto recebendo remuneração pelo seu trabalho. Esse é o objeto do próximo estudo de caso. Além da capacitação que prepara as presidiárias para que tenham oportunidades no mercado de trabalho quando finalizarem o tempo da pena, com o projeto elas recebem pagamento pelo trabalho, o que ajuda os familiares e possibilita uma reserva financeira para quando elas concluírem o tempo da pena. Outro benefício é a redução da pena, a cada três dias trabalhados, é reduzido um dia da pena. Os projetos elaborados e desenvolvidos pelo Programa de Extensão Ecomoda da UDESC são norteados pelos conhecimentos construídos na pesquisa. A pesquisa “Ecomoda: dimensões da sustentabilidade aplicadas ao produto do vestuário” orientou as atividades da extensão entre 2012 e 2013 ampliando-as principalmente na dimensão social: SERTE e Presídio Feminino. Referências bibliográficas BERLIM, Lilyan. Moda e Sustentabilidade. Uma reflexão necessária. São Paulo: Estação das Letras e Cores Editora, 2012 BLACK, Sandy. Eco Chic: the fashion paradox. Black Dog Publishing Limitid, London, 2008. FLETCHER, Kate & GROSE, Lynda. Moda & Sustentabilidade: design para mudança. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2011. LEE, Matilda. Eco Chic: o guia de moda ética para a consumidora consciente. 1 ed.São Paulo: Larousse. 2009 MATHESON, Christie. Green chic: saving the earth in style. Naperville: Soucebooks, 2008. PRADO, Lais. A Loja Vazia. Disponível em: <http://www.ccsp.com.br/ultimas/63341/A-LojaVazia>. Acesso em: 12 jul. 2013. SCHULTE, Neide Köhler. Contribuições da ética ambiental biocêntrica e do veganismo para o design do vestuário sustentável. Tese (Doutorado em Artes e Design) Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011. SERTE (Ed.). Quem somos: uma história <http://www.serte.org.br/serte>. Acesso em: 03 jun. 2013. de amor. Disponível em: