UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
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INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
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Ricardo Cuenca Instituto de Estudios Peruanos (Iep Peru)
APOIO EDITORIAL: Valéria Silva de Moraes
REVISORA: Marília Washington
DIAGRAMADOR: Cleyson Alberto Nunes Chagas
...............
Pareceristas ad hoc para este número:
Arlete Maria Monte de Camargo; Cely Taffarel; Dalva Valente Gutierrez; João Ferreira de Oliveira; José Gonçalves
Gondra; Kátia Regina de Souza Lima; Lucília da Silva Matos; Olgaíses Cabral Maués; Rosana Maria Oliveira
Gemaque; Salomão Hage; Sonia Maria da Silva Araújo; Sonia Regina dos Santos Teixeira; Valdemar Sguissardi;
Wenceslau Gonçalves Neto.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Ver a Educação
Volume 12 nº. 2
Julho/Dezembro 2011
BELÉM
Ver a Educação, Belém, v. 12, nº 2, p. 162, Jul./Dez. 2011
ISSN 1413-1498
Título e texto amparados pela Lei N° 5988, de 14 de dezembro de 1973
Copyright@ dos autores – 2011
ISSN 1413-1498
Edição de Texto: Vera Lúcia Jacob Chaves e Valéria Silva de Moraes
Revisão dos originais: Marília Washington
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Periodicidade: Semestral
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Ver a educação. v. 12, n. 2
(jul./dez. 2011). - Belém: UFPA/
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1. Educação - Periódicos
CDD. 370.5
Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto N. 1825, de 20 de dezembro
de 1907.
Ver a Educação
SUMÁRIO
ARTIGOS
AS REAÇÕES DOS PROFESSORES PORTUGUESES
FRENTE À POLÍTICA DE AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO
DOCENTE: TENSÕES E DESAFIOS
199
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
213
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA
NO PARÁ E A ASPIRAÇÃO DISCENTE
231
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E
MORIGERADOS” NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ
247
Cely do Socorro Costa Nunes
Renato Pinheiro da Costa
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo, Wagner Wey Moreira
Andreson Carlos Elias Barbosa
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR271
José Vieira Sousa, Maria Marta do C. P. Rodrigues,
Marcos Felipe Ferreira
EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE NA VIDA
SATERÉ-MAWÉ: UMA ANÁLISE BIOECOLÓGICA
Valéria A.C.M.Weigel, Maria Alice D’Ávila Becker
299
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO
NA ESCOLA313
Francisco Perpetuo Santos Diniz, Ana Cristina Costa,
Raimundo Erundino Diniz
BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO
COTIDIANO ESCOLAR329
Cristiane Elvira de Assis Oliveira
APRESENTAÇÃO
Dando continuidade a nova política editorial da Revista Ver a Educação que
tem como prioridade o resgate do débito com sua periodicidade, apresentamos o
segundo número do Volume 12, correspondente ao período de agosto a dezembro de 2011.
O diálogo sobre saberes e práticas educacionais pesquisadas pela comunidade acadêmica local, nacional e internacional, com vistas à promoção de uma
realidade educacional democrática e comprometida com a justiça social é o desafio mais promissor que a atual gestão da “Ver a Educação” se coloca.
A importância social, política, econômica, cultural e educacional de um
instrumento dessa natureza na região Amazônica e o compromisso com a divulgação do conhecimento científico produzido no Instituto de Ciências da Educação - ICED marca essa nova etapa da publicação da Revista Ver a Educação que
apresenta nesse número oito artigos científicos/acadêmicos originais, de autoria
de pesquisadores vinculados a instituições educacionais nacionais e estrangeira.
Os artigos resultam de estudos teóricos, pesquisas e reflexões sobre temáticas
variadas acerca do fenômeno educativo.
O primeiro artigo, de autoria da professora Cely Nunes, da Universidade
de Lisboa (Portugal) intitulado “As Reações dos professores portugueses frente à política de avaliação do desempenho docente: tensões e desafios”,
apresenta resultados da pesquisa realizada sobre a política de avaliação do desempenho docente adotada em Portugal que tem se constituído num grande debate
nacional daquele país. O objetivo do artigo foi o de analisar os posicionamentos
dos docentes portugueses acerca dessa política, com destaque para a reação da
Federação Nacional dos Professores de Portugal à atual política de avaliação do
desempenho docente, implementada em junho de 2010. A autora conclui que
tal política segue as recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e tem sido contestado pelos docentes que
criticam tanto a forma como o conteúdo da atual avaliação do desempenho o que
pode ter “contribuído para a suspensão temporária da referida política, a partir de
janeiro de 2011, por parte da Assembleia da República”.
O segundo artigo intitulado “A Formação de professores para a educação de jovens e adultos no Baixo Tocantins” de autoria de Renato Pinheiro
da Costa, tem o objetivo de analisar a construção das temáticas que subsidiam a
formação de professores para a modalidade de ensino da Educação de Jovens e
Adultos no curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Pará considerando
as abordagens teóricas, de pesquisas e de estruturação do referido curso. O autor
conclui que a Educação de Jovens e Adultos pode ser uma solução que venha
a contribuir para a correção da distorção idade-série e como um importante instrumento potente de combate ao analfabetismo e que, por isso, deve ser usado
adequadamente, dentro de um projeto político-pedagógico da rede municipal de
ensino, ou de uma estrutura pedagógica de alfabetização popular. Observa, ainda
que, dentre as Licenciaturas, apenas o Curso de Pedagogia tem se preocupado
com a formação de professores para atuarem nessa modalidade de ensino.
Com o objetivo de “reconhecer a identidade do profissional de Educação
Física que está sendo construída e se os Cursos Superiores de Educação Física no
Pará vão ao encontro da aspiração dos discentes” os autores Margarida Gordo e
Wagner Moreira apresentam o artigo intitulado “A Formação profissional em
Educação Física no Pará e a aspiração discente”. Para o desenvolvimento
do estudo foram analisados os Projetos Político-Pedagógicos da Universidade
do Estado do Pará e da Universidade Federal Pará e entrevistados os alunos
do último semestre desses cursos. Adotaram a Técnica de Elaboração e Análise
de Significado com a finalidade de identificar as aspirações dos discentes. Os
autores concluem que de acordo com os estudantes entrevistados o curso não
atende suas expectativas revelando uma fragilidade da identidade profissional em
Educação Física uma vez que os Projetos Político-Pedagógicos dos Cursos de
Educação Física, no Estado do Pará, limitam-se a ofertar a licenciatura plena e
indicam a necessidade de revisão do processo de formação desses profissionais.
Com o título “A Formação de cidadãos “distinctos e morigerados”
na Província do Grão Pará”, Andreson Barbosa apresenta os resultados do
estudo realizado com o objetivo de analisar o atendimento à criança desvalida
na então Província do Grão Pará, com destaque para a fundação do Instituto
Paraense de Educandos Artífices. Trata-se de uma pesquisa documental na qual
foram analisados “os relatórios presidenciais e dos diretores do Instituto, a legislação educacional local, minutas de ofícios, e jornais que circulavam na Província
à época”. Os resultados revelam que o Instituto se constituiu num instrumento
de consolidação do projeto português de conquista da América e que o atendimento oferecido se caracterizou como mais um instrumento de consolidação dos
ideais iluministas produzidos na Europa e, também, significou a possibilidade
única naquele contexto histórico de diferenciação e ascensão social dos filhos da
terra que recebiam no Instituto a formação de artífices.
O artigo intitulado “Evolução e transformações recentes na educação superior”, de autoria de José Vieira Sousa, Maria Marta do C. P. Rodrigues
e Marcos Felipe Ferreira apresenta “o processo histórico de surgimento e de
evolução da Educação Superior brasileira, bem como os condicionantes sociopolíticos e ideológicos de cada contexto, destacando de forma especial as influências neoliberais e a interferência dos organismos internacionais”. Os autores
defendem a tese de que a acelerada expansão do setor privado e a diversificação
da educação superior, após a década de 1990 foi facilitada pelas políticas governamentais e que o tipo de ensino ofertado não se preocupou com a qualidade, mas
com a possibilidade de aumentar o lucro desse setor. Nas conclusões, apontam a
necessidade de promover a expansão da educação superior, mas sem abrir mão
da qualidade necessária para a formação adequada às exigências da sociedade
contemporânea.
Valéria A.C.M.Weigel e Maria Alice D’Ávila Becker apresentam no artigo
“Educação, meio ambiente e saúde na vida Sateré-Mawé: uma análise
bioecológica” a discussão da relação entre educação, meio ambiente e saúde.
O foco do estudo “a relação entre cultura, meio ambiente e educação em comunidades do povo Sateré-Mawé, localizadas no rio Marau, no Município amazonense de Maués”. Com base na teoria bioecológica de Bronfenbrenner (1996),
as autoras interpretaram como está se apresentando, na área sateré-mawé, o arranjo dos fatores de risco e fatores de proteção em cada um dos quatro níveis
ambientais: microambiente, mesoambiente, exoambiente e macroambiente. Nas
conclusões é destacada a importância de se pensar a saúde relacionada ao meio
ambiente, pois “representa a maneira totalizante de compreender os processos
da vida na cultura sateré-mawé”.
O artigo intitulado “Territórios, rizomas e o curriculo na escola” de
autoria de Francisco Perpetuo Santos Diniz, Ana Cristina Costa e Raimundo
Erundino Diniz tem o objetivo de apresentar uma discussão sobre currículo para
a escola formal na “perspectiva da formação de um território-rizoma, ou seja,
de uma proposta de estudo flexível, não hierárquica, interdisciplinar e baseada
numa prática educativa voltada para o enfrentamento do modelo de educação
disciplinar dominante”. Trata-se de uma reflexão teórica sobre a noção de território-currículo no contexto da Ciência da Educação fundamentada nas obras
de Gilles Deleuze e Félix Guattari. Os autores defendem que “a escola deve criar
e recriar currículos-territórios que possam ir na contramão da territorialidade
imposta pelo Estado”. e que esses devem ser “flexíveis e conectados às transformações locais e globais da sociedade, considerar as multiplicidades de disciplinas
e saberes”
Finalizando este número da Revista Ver a Educação, Cristiane Elvira de
Assis Oliveira, em seu artigo intitulado “Brincadeiras das crianças no cotidiano escolar” apresenta a narrativa de professoras da Educação Infantil sobre as
brincadeiras no cotidiano escolar e dos jeitos das crianças brincarem no cotidiano
de uma escola municipal de educação em tempo integral de Juiz de Fora/MG.
Trata-se de uma pesquisa no/do/com o cotidiano escolar onde a pesquisadora
estabeleceu o contato direto e intensivo com as crianças, com as professoras e
com as práticas cotidianas. A autora conclui que “por meio da brincadeira, a
criança se conhece e conhece o mundo ao seu redor” e que a brincadeira do “fazde-conta” é considerada importante pelas professoras para compreender melhor
“o que a criança sente e pensa, como ela vê a realidade em que está inserida e
como vê o trabalho delas”.
Nossa expectativa é a de que as reflexões contidas neste número da Revista Ver a Educação contribuam para o debate acadêmico e favoreçam o aprofundamento das pesquisas neste campo de conhecimento. Deseja-se, no entanto, que
sua contribuição maior resida na possibilidade de estimular a reflexão, diálogo e
aproximação dos múltiplos olhares no campo da educação, bem como incentivar
pesquisas acadêmicas sobre o tema Educação nos seus mais diversos prismas.
Boa leitura!.
Vera Lúcia Jacob Chaves
Editora
AS REAÇÕES DOS PROFESSORES PORTUGUESES
À POLÍTICA DE AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO
DOCENTE: TENSÕES E DESAFIOS*
Cely do Socorro Costa Nunes*
Resumo: O artigo analisa as reações da Federação Nacional dos Professores de
Portugal à atual política de avaliação do desempenho docente, implementada em
junho de 2010. Para tanto, levantou-se no site da referida Federação, no período
de junho 2010 a março de 2011, um conjunto de manifestos dos quais pudessem
ser extraídos posicionamentos dos docentes no que se refere à discordância dessa
política. Ao analisar tal política do ponto de vista documental, conclui-se que esta
ancora-se, sobretudo, no atendimento da avaliação e das recomendações dos estudos
desenvolvidos pela OCDE (2009) acerca da avaliação de professores em Portugal.
Na ótica dos sindicatos, tem sido considerada como um dos elementos fundamentais
da engenharia educacional implementada pelo Estado avaliador. O modelo atual de
avaliação do desempenho docente é polêmico, por isso contestado pela classe docente
devido à sua inutilidade, manifestando-se contrária a ele no que se refere a sua forma
e conteúdo, situação que contribuiu para a suspensão temporária da referida política,
a partir de janeiro de 2011, por parte da Assembleia da República.
Palavras-chave: Avaliação. Política de avaliação docente. Desempenho docente.
REACTIONS OF PORTUGUESE TEACHERS TO EVALUATION
POLICY: TENSIONS AND CHALLENGES
Abstract: This article presents the results of the research entitled “Who is the Basic
Education teacher of the Municipal System of Education in Belém, and how much
is he (she) paid?” The objective was to draw a profile of teachers working for the
Municipality of Belém (State of Pará, Brazil) according to four indicators: sex; teacher
education; specific training according to practice area; remuneration. Bibliographic and
documentary research was used. According to the indicators, conclusions were reached
* Artigo decorrente do projeto de investigação “A inevitabilidade da avaliação escolar e do desempenho docente em Portugal: processos, tensões e desafios”, coordenado pela autora e financiado
pela Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF), do Instituto
de Educação, da Universidade de Lisboa.
* Doutora em Educação (UNICAMP). Investigadora da Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF). Professora do Mestrado e Doutorado em Avaliação
Educacional, no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Professora aposentada da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA). [email protected];
[email protected].
199
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
Cely do Socorro Costa Nunes
that most teachers are female, holders of higher education degrees with the exception
of those working in Early Childhood Education; with regard to remuneration,
data evidenced that regardless of their training, teachers receive equal salaries, the
differences in the overall remuneration being due to bonuses.
Keywords: Evaluation. Teachers’ Performance Assessment Policy. Teachers’
performance.
A PROBLEMÁTICA EM ESTUDO
Partindo de um referencial de análise crítico-dialética para compreensão
dos processos de avaliação educacional portugueses, este artigo objetiva, a partir
de estudos teóricos, documentos oficiais e sindicais, sistematizar conhecimentos
sobre a temática da avaliação do desempenho docente em Portugal, sobretudo,
documentar, por meio das vozes dos sindicatos de professores, um período
significativo da história recente dessa avaliação.
A predominância das políticas de avaliação e da avaliação de políticas que
se observa, na atualidade, nas sociedades mais desenvolvidas é muito recente e
revela a passagem de uma tendência de desenvolvimento de estudos e práticas da
avaliação educacional não mais centrada nas aprendizagens dos alunos, conduzida
por professores e confinada à sala de aula para uma avaliação mais ampla acerca
da organização pedagógica, curricular, dos atores e das finalidades educativas da
escola bem como das políticas que as orientam, de onde se destacam diferentes
modelos, domínios, avaliados e avaliadores (externos e internos).
Essa tendência, ao que nos parece, ancora-se na compreensão de que a
educação de qualidade é um direito do homem, portanto, implica verificar tal
cumprimento por meio da avaliação como campo científico. Há de se destacar,
contudo, que importante lacuna e pontos pendentes ainda estão presentes no
domínio da avaliação educacional que precisam ser superados como, por exemplo,
a constatação de que os resultados avaliativos em educação pouco têm gerado
impacto para a melhoria da qualidade do sistema educativo e muito menos indutores
de medidas para melhoria das escolas, da prática pedagógica dos professores e das
aprendizagens dos alunos, como podemos observar a partir dos estudos contidos
nos livros organizados por Flores (2010) e Alves e Machado (2010), por exemplo.
Como adverte Avalos (2010), a partir de pesquisas no campo da avaliação
docente, no Chile, não há bases empíricas em que se possa relacionar a avaliação
docente à melhoria do desenvolvimento profissional dos professores e à melhoria
das aprendizagens dos alunos. Provavelmente, porque se reconhece que, nessa
200
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
AS REAÇÕES DOS PROFESSORES PORTUGUESES À POLÍTICA DE
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOCENTE: TENSÕES E DESAFIOS
tríade, há diversos e diferentes determinantes que condicionam uma dada prática
educativa e interferem na qualidade desejada. De qualquer forma, são experiências
avaliativas que produzem um conjunto de informações sobre uma determinada
qualidade do sistema de ensino e, quando estas revelam que esse sistema está
em crise, as repercussões afetam mais dramaticamente determinados segmentos:
ora os alunos, ora os pais, ora os professores, ora gestores, ora a escola, ora os
governos, ora a sociedade.
Nessa perspectiva é que as avaliações realizadas por organizações
internacionais e/ou nacionais identificam e informam aos gestores, políticos
e sociedade civil sobre a qualidade do sistema educacional cujas orientações
delas decorrentes ajudam o Estado a tomar decisões políticas ao julgar o que é
mais prioritário e relevante para atenuar e corrigir os problemas identificados,
como podemos perceber quando a totalidade das recomendações da OCDE
(2009) para a avaliação de professores em Portugal foram incorporadas na
atual política de avaliação do desempenho docente (ADD), como por exemplo:
responsabilização dos professores por cumprimento de objetivos; definição de
padrões de desempenho e critérios de avaliação nacionais comuns; acreditação de
avaliadores externos; atribuição de prêmios de desempenho; reconhecimento de
méritos; manutenção do sistema de cotas para ascensão na carreira, entre outros.
A avaliação passa a ser concebida, então, como instrumento de medição
e de regulação (supra) nacional, mediadora da relação conhecimento e política.
Ou seja, nos discursos dos governantes e nas agendas educativas, percebe-se
claramente a influência da avaliação nos processos de decisão política quando esta,
orientada por evidências e resultados, reúne um conjunto de informação técnica
para fundamentar cientificamente e justificar, sem tantos constrangimentos, as
tomadas de decisão, impondo uma certa ordem ao caos onde predominavam
a ineficiência, ineficácia e o insucesso escolar identificados. Ademais, tem sido
utilizada também como justificativa para a canalização dos recursos financeiros
em determinadas áreas, na tentativa de evitar a má utilização deles e, portanto,
o seu desperdício em face da escassez do dinheiro público em tempos de crise
econômica mundial, como a que Portugal enfrenta atualmente.
Nessa nova configuração da gestão pública estatal, a avaliação, por
meio do conhecimento técnico produzido por ela, vem assumindo um papel
fundamental quanto a definição, implementação e controle e sustentação das
políticas educacionais e de outras políticas públicas. Por intermédio dela, o Estado
português passa a estimular e a desenvolver novas formas de conhecimento e de
legitimação quando busca dar cientificidade, validade, fidedignidade, credibilidade,
confiabilidade às medidas educacionais tomadas para combater as lacunas
201
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
Cely do Socorro Costa Nunes
detectadas na perspectiva de introduzir mudanças. Nesse cenário, sai de cena
o debate ideológico e político sobre tais políticas. Logo, desocultar a suposta
neutralidade da avaliação é pôr em exame as atuais políticas avaliativas no cenário
nacional português e internacional.
Mais recentemente, Portugal, em seus XVII e XVIII Governos
Constitucionais (2005/2009 e 2009/2013), assumiu, como uma das diretrizes
para promover a melhoria da qualidade do sistema educativo, a implementação
de políticas avaliativas: avaliação externa das escolas; auto-avaliação de escolas;
sistema de avaliação do desempenho do pessoal docente da educação pré-escolar e
dos ensinos básico e secundário; exames nacionais e provas aferidas e intermédias,
constituindo-se em uma ferramenta a serviço da gestão educacional e reveladores
de um programa/modelo nacional de avaliação do sistema educativo em curso,
possivelmente indutor de novas práticas e culturas avaliativas nas escolasi. Com
essas ações, tudo leva a crer que os resultados de algumas delas – como por
exemplo, dos exames nacionais do ensino básico e secundário, das provas aferidas e
intermédiasii (avaliação externa) e do PISA – retiraram da informalidade a avaliação
do desempenho docente, pois o que está em jogo, em tempos competitivos, é
a gestão da imagem pública; afinal, a autoestima dos professores e das escolas
elevadas é fundamental para mobilizar a comunidade educativa e de seu entorno
para enfrentar novos desafios. Todavia, essa é uma demanda atual em que as escolas
públicas portuguesas pouco tiveram a oportunidade de desenvolver (práticas
avaliativas docentes e de escolas) de maneira formativa. A ausência ou fragilidade
de experiências dessa envergadura pode ajudar a compreender a desconfiança e
receio dos professores quanto aos objetivos e processos avaliativos de desempenho
docente em curso.
A avaliação do desempenho docente (ADD) de natureza formativa é
processual, pedagógica, põe em evidência o contexto e objetiva melhorar ou
assegurar a qualidade do trabalho docente e a favorecer o seu desenvolvimento
profissional e pessoal contínuo. Nessa perspectiva, subtende-se que são práticas
avaliativas que contribuem para que os professores reflitam sobre as suas práticas,
aprendam com elas tendo em vista melhorá-las. Entretanto, a ADD é desenvolvida
por meio de uma avaliação somativa, quando o que importa é, na perspectiva de
prestação de contas, obter informações pontuais sobre o trabalho docente para
tomar alguma decisão burocrática a respeito desse profissional, como por exemplo,
progressão na carreira, incremento salarial, recebimento de prêmios, entre outros.
Combinar esses dois propósitos tem sido o desafio dos países para a melhoria do
sistema educativo, entre eles, o de Portugal.
202
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
AS REAÇÕES DOS PROFESSORES PORTUGUESES À POLÍTICA DE
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOCENTE: TENSÕES E DESAFIOS
QUEREMOS OUTRA AVALIAÇÃO. ESTA NÃO!iii
A avaliação do desempenho docente (ADD), em Portugal, com
consequências (para os docentes, para a escola e para a sociedade), sempre
foi um campo reconhecido no seio do professorado embora, na arena social,
conflituoso, de difícil concepção e complexa operacionalização. Os professores
não são contrários à avaliação do seu desempenho profissional; querem, contudo,
ser avaliados por um outro modelo de ADD, mais formativo, em que possam
participar de sua concepção e meta-avaliação.
A ADD está no centro das reformas educativas, nesse país. Não é de se
estranhar que, ora para acalmar os ânimos dos professores no que se refere à
insatisfação com o modelo da referida avaliação, ora para que o poder oficial
pudesse ter informações credíveis e fiáveis da qualidade do trabalho docente,
sucessivas políticas foram sendo editadas pelos governos, a partir da última década
do século XX até o presente momento (20 anos), ganhando estatuto legal, sendo
as mais expressivas: 1ª política implementada, em 1992, por intermédio do Decreto
Regulamentar 14/92, de 4 de Julho; 2ª política, regulada por meio do Decreto
Regulamentar 11/98, de 15 de maio; 3ª política, expressa por meio do Decreto
Regulamentar nº 2/2008, de 10 de Janeiro; 4ª política, promulgada em 23 junho
de 2010 (Decreto Regulamentar nº 2/2010), sempre associadas e subordinadas à
revisão do Estatuto da Carreira Docente. A sucessiva substituição delas, ao longo
das décadas, não se revela como novas políticas. A 1ª política pode ser interpretada
como a inspiradora das demais, que foram sendo adaptadas e refinadas em pontos
que pudessem adequar essa avaliação à avaliação do servidor público português
e ao projeto de reforma de Estado.
Devido à débil cultura avaliativa docente, no seio do professorado e no
governo central, de pouco domínio científico e político para o desenvolvimento
dessa avaliação bem como da dificuldade das escolas em trabalhar e tomar
decisões a partir dos resultados, as primeiras políticas pouco tiveram penetração
nas escolas, e aquelas que a desenvolveram a realizavam burocraticamente, mera
tarefa administrativa, o que levava os professores a questionarem a legitimidade
dessa prática e a duvidarem de suas consequências.
A partir de uma análise dos propósitos da ADD, em Portugal, resguardado
o contexto histórico e político em que ela se ancora, podemos inferir que estes
sempre estiveram associados à melhoria da prática pedagógica, das aprendizagens
dos alunos e da qualidade do sistema educativo; valorização do trabalho e da
profissão docente; desenvolvimento profissional; identificação das necessidades
formativas e progressão na carreira. Contudo, no decorrer dos tempos, esses
203
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
Cely do Socorro Costa Nunes
propósitos foram sendo ampliados e reconfigurados no jogo das forças políticas
entre os governos que se sucederam, o corpo docente e sindicatos, alinhados agora
às orientações da OCDE (2009), os quais passaram a expressar também: diferenciar
e premiar os melhores professores; progredir ou não na carreira, mediante o
resultado avaliativo; reconhecimento e valorização do mérito e da excelência; ativar
o trabalho de acompanhamento e supervisão da prática docente (monitorização da
qualidade do ensino/avaliação por pares, observação de aulas, feedback do trabalho/
desempenho); responsabilização do docente quanto ao exercício de sua atividade
profissional (cumprimento de objetivos e metas individuais e institucionais) e
prestação de contas (accountabilityiv). Questões que estão na base da discordância
dos professores sobre o modelo vigente da ADD, como veremos mais adiante.
Esses objetivos afinam-se com a política educativa mais ampla, em que
subjaz a ideia de que é necessário regular/controlar o trabalho docente (supervisão),
distinguir os mais aptos dos menos capazes (reconhecimento de mérito e da
excelência, diferenciar e premiar os melhores), prestar contas regularmente à
sociedade e ao Estado português sobre a qualidade da escola e, consequentemente,
do trabalho docente, por meio de indicadores padronizados de gestão. Objetivos
contestados pelos docentes e sindicatos dos professores e que estão na origem do
conflito do debate sobre a ADD. Essa contestação contribui para a suspensão do
atual modelo de ADD pela Assembleia da República, desde janeiro de 2011 até
a construção de um novo/outro modelo. Sobre esse feito, assim manifestam-se
os sindicatos:
A FENPROF saúda os professores e educadores pela
suspensão do atual regime de avaliação do desempenho
dos docentes. Livram-se, assim, escolas e docentes, de uma
inutilidade que em vez de resolver problemas os agravou,
que em vez de tranquilizar as escolas constitui factor de
perturbação, que em vez de promover a cooperação semeou
conflitos. Uma inutilidade porque, não sendo formativo,
este modelo destinava-se, quase só a garantir o que foi
´congelado´: a progressão nas carreiras. A suspensão deste
modelo deve ser particularmente saudado, até porque, nesse
sentido, muito contribuiu a luta dos professores. (FENPROF,
2011 [webpage]).
É de se destacar que os referidos objetivos também se afinam com as
reformas feitas no setor público, em geral, nomeadamente: aumento da idade para
aposentadoria; suspensão de progressão na carreira, por um período de dois anos;
contenção de aumentos salariais e, mais atualmente, redução salarial e corte dos
204
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
AS REAÇÕES DOS PROFESSORES PORTUGUESES À POLÍTICA DE
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOCENTE: TENSÕES E DESAFIOS
subsídios de férias e de natal dos servidores da administração pública, por força do
orçamento de estado para 2011/2012. Esses objetivos e a sua operacionalização
acabaram por gerar tensões no interior das escolas, visto que cindia as finalidades
da avaliação em três partes: desenvolvimento profissional, progressão na carreira
e prestação de contas. Na ótica do governo e da OCDE (2009), promover a
complementaridade e articulação entre elas tornou-se um grande desafio.
Simões (1998), Curado (2002), Alves e Machado (2010), Nunes e Rodrigues
(2011) caracterizaram e procederam a análises dos diferentes modelos de avaliação
do desempenho docente desenvolvidos, nas últimas décadas, em Portugal, das
quais sistematizamos as principais conclusões que poderão nos ser úteis para
compreender as razões dos professores contrários ao atual modelo de ADD.
Dentre outras, destacamos, de forma sintética: os modelos de ADD pouco
contribuíram para o alcance das finalidades que a fundamentam; a aceitação e a
aplicabilidade da ADD não se deram de forma consensual e homogênea, variando
conforme a natureza da organização da escola e da cultura avaliativa já estabelecida;
os modelos de ADD nascem dissociados de qualquer tentativa de análise das
condições objetivas em que o trabalho docente se desenvolve; os modelos de
ADD revelaram-se como um sistema de incentivo à atribuição de prêmios de
desempenho, reconhecimento e recompensa de mérito (progressão na carreira/
melhoria salarial/mudança de escalão); pouca fiabilidade dos avaliadores e dos
critérios avaliativos, entre outros.
No que se refere à aplicabilidade da atual política de ADD portuguesa,
predominantemente, desenvolvida no interior da escola, parece haver uma busca
incessante por desenvolvê-la para verificar se os perfis profissionaisv (geral, para
todos os professores, e específicos, para os da infância, ensino básico e secundário)
estão, de fato, sendo atendidos, num quadro nacional de referência para a profissão
docente em que se padroniza o desempenho do professor. A avaliação, portanto,
visa verificar e comparar se aquilo que se espera que os professores saibam e façam,
em termos de trabalho docente (perfis), de fato, eles são capazes de fazer (níveis de
desempenho). Institui-se, nessa lógica, a figura em destaque do “bom professor”,
quanto mais corresponder ao perfil desejado de um professor eficaz, ou seja, quanto
mais próximo forem os resultados avaliativos dos padrões de desempenho, mais
se determina o valor do professor e o seu mérito. Nesse domínio, questiona-se:
quanto vale um professor eficiente?
Sumariamente, podemos caracterizar que a atual política de ADD incide
sobre as seguintes dimensões: vertente profissional, social e ética; desenvolvimento
do ensino e da aprendizagem dos alunos; participação na escola e relação com
a comunidade educativa, triangulação em que tal modelo tem forte impacto
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
Cely do Socorro Costa Nunes
na organização do trabalho pedagógico do professor e da escola, visto que a
extensão desse trabalho (agora transitado em outros lugares: sala, escola, gabinete,
sociedade) contribui para intensificar a força produtiva. É desenvolvida por meio
de três instrumentos: observação de aulas, autoavaliação e portefólio do docente;
compõe a equipe de avaliadores um avaliador externo à escola (diretor/pares,
possuir grau acadêmico e estar situado, na carreira, em nível igual ou superior ao
avaliado). Essa avaliação é condição para o ingresso e a progressão na carreira,
renovação de contrato, graduação para efeitos de concurso e atribuição de prêmio
de desempenho. O resultado final da avaliação é expresso numa escala de 1 a 10,
correspondendo às seguintes menções qualitativas: excelente (9 a 10), muito bom
(8 a 8,9), bom (6,5 a 7,9), regular (5 a 6,4), insuficiente (1 a 4,9).
Mesclados os objetivos e a operacionalidade do atual modelo de ADD na
realidade escolar, muitas insatisfações foram sendo evidenciadas pelos professores.
Assim é que se percebe, nas notícias veiculadas pelos meios de comunicação,
sindicatos de classe e Federação Nacional dos Professores (FENPROF), que os
professores manifestam-se altamente resistentes a ela porque a julgam inútil e uma
interferência na autonomia profissional. Como consequência, demonstram, nos
discursos analisados, uma certa animosidade em relação ao atual modelo de ADD
devido a considerarem impessoais, uniformes, rígidos, burocráticos e superficiais,
por subestimarem outras conquistas feitas na trajetória do desenvolvimento
profissional como, por exemplo, a progressão na carreira. Em suas falas, um
profundo ceticismo desponta no que diz respeito à utilização dos resultados, tendo
em vista as suas finalidades, já que argumentam que podem servir para justificar
outras agendas políticas: eventuais punições, penalizações, sanções, imposições,
castigos, deméritos, ameaça ou premiação, recompensas e mérito, incentivos
materiais e morais. Um discurso ácido é, então, construído pelos docentes
contrários à utilidade desse modelo de avaliação:
Este modelo é uma clara inutilidade de consequências perversas […]
não tem carácter formativo e nem qualquer sentido […] o modelo não
é exequível […] perturbará fortemente o funcionamento das escolas e
cavará conflitos que são de todo indesejáveis.
Muitos docentes destacam que participam desse processo de forma
obrigatória e contrariada, uma vez que, provavelmente, sua autoridade e seu
respeito podem estar em xeque na comunidade escolar. Não é de se estranhar
que esse processo avaliativo tenha gerado um alto grau de descontentamento
e de contestação, por parte dos docentes, como pode ser observado pelas falas
contundentes dos sindicatos dos professores em desacordo dele, ocasionando
uma certa perturbação no trabalho pedagógico na escola.
206
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
AS REAÇÕES DOS PROFESSORES PORTUGUESES À POLÍTICA DE
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOCENTE: TENSÕES E DESAFIOS
É cada vez mais consensual que o modelo de ADD imposto à classe
docente, não só não contribui para o alcance de objetivos (formativos)
como se tornou um obstáculo ao normal funcionamento das escolas/
agrupamentos. A inimaginável loucura de por todos os docentes de uma
escola em permanente avaliação de dois em dois anos, uns como avaliados
outros como avaliadores, outros ainda simultaneamente como avaliados
e avaliadores, levou que se proliferasse, na maioria das escolas, uma
infindável `papelada` de utilidade muito duvidosa e conduziu a que se
degradasse o ambiente de trabalho entre os docentes.
Esse estado de ânimo dos professores portugueses diante da recente política
de ADD nos faz acautelar e refletir que toda e qualquer avaliação, nesse sentido,
como nos lembra Fernandes (2009, p. 21), é sempre um processo delicado e
moroso que tem que ser gerido pela administração e pelas escolas com particular
cuidado. Nesse cenário, nada promissor e muito adverso, grande parte dos docentes
argumentam que se encontram desnorteados ao ter que prestar contas a várias
instâncias, hierárquicas ou não (governo central, Ministério de Educação, gestores,
pais, alunos, demais colegas de profissão, família, sociedade, entre outros), da
provável qualidade de seu trabalho de forma pública, sentindo-se desanimados/
desmotivados, produzindo um discurso pedagógico em que revelam sentirem-se
real ou imaginariamente ameaçados. Podemos prognosticar, com relativa segurança,
que esse estado de reação, pouco mobilizador para o enfrentamento político,
acentua o desnorte dos professores quanto à possibilidade de reconhecer, no
processo de avaliação docente, uma oportunidade legítima de desenvolvimento
profissional e de melhoria da qualidade das instituições escolares.
Todo processo avaliativo tem consequências, causam impactos. Logo, não
é admissível um modelo de ADD cujo processo não esteja claro, consensuado e
legitimado pelos professores. Como nos adverte Murrillo (2007, p. 35),
Un sistema de evaluación del desempeño docente debería
siempre estar precedido de un profundo debate y sólo ser
implementado cuando haya una general aceptación por
parte de la comunidad educativa, fundamentalmente de
los docentes. Sin duda alguna, los sistemas de evaluación
impuestos no logran alcanzar el objetivo de mejorar la calidad
de enseñanza.
É no contexto dessa problemática que se define a construção de um
modelo consensual de ADD com orientações formativas como um dos grandes
desafios do atual governo português, pois somente se pode estimar a importância
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
Cely do Socorro Costa Nunes
dessa avaliação (e a adesão a ele) para os próprios professores, alunos, escola e
sociedade, se ela for negociada e estiver associada à avaliação de escolas, ambas
situadas como práticas indissociáveis do projeto educativo da escola. Decerto, a
análise dos resultados da ADD só pode se justificar se esta estiver ancorada, por
meio de análises, às demais políticas avaliativas do sistema de ensino português,
entre elas, a avaliação das políticas avaliativas.
3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
A história de vida pessoal, escolar e profissional dos professores permite
que eles construam significados acerca de seu trabalho; portanto, falar de avaliação
docente nos remete a identificar: onde esses professores desenvolvem seu trabalho?
Em que condições objetivas de trabalho constroem suas práticas? Que saberes
acionam para desenvolver o trabalho a contento? Essas questões nos levam a
afirmar que as políticas de ADD precisam considerar algumas dimensões que
afetam essas realidades como, por exemplo, políticas educacionais, organização
escolar; gestão e financiamento educacional; contexto social da escola, entre
outros, visto que tais dimensões, integradas ou não, dão um contorno específico
à profissionalidade docente que se estabelece em uma dada instituição educativa.
Questões que nos fazem refletir sobre o quanto é importante que as políticas de
ADD e seus resultados sejam geradores de debates e estudos sobre o exercício
do magistério, sob pena de ficarmos apenas na fronteira dos problemas e das
dificuldades que os docentes enfrentam no seu ofício laboral.
Os estudos internacionais sobre a avaliação docente (MURILLO, 2007;
ALVES; MACHADO, 2010; FLORES, 2010) nos permitem compreender o
modus operandi que os professores utilizam para desenvolver seu trabalho, os
mecanismos de defesa que eles acionam para ingressarem, permanecerem e
progredirem na carreira docente, bem como possibilitam captar as razões que
prevalecem para superar os problemas que emergem em sua prática bem como
compreender por que eles resistem a determinados modelos de ADD. Nessa
perspectiva, entendemos que a avaliação docente diz respeito a um dado contexto
de trabalho, a determinados sujeitos e práticas, a um dado projeto educativo e social
cujas materialidades vão configurando a profissão docente, dando a ela sentidos,
valores, significados, identidades e vozes; por isso a resistência dos professores
portugueses a essa política de ADD é justificável e necessária.
As políticas de ADD desenvolvidas por Portugal, nas últimas décadas, de
caráter somativo, meritocrático e classificador, distante de uma avaliação formativa,
pouco têm contribuído para que esse campo se torne prestigiado, valorizado,
208
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
AS REAÇÕES DOS PROFESSORES PORTUGUESES À POLÍTICA DE
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOCENTE: TENSÕES E DESAFIOS
respeitado do ponto de vista não só do discurso, mas, sobretudo, de ações
práticas. Condições que, provavelmente, combateriam a grande resistência dos
professores a essa avaliação e veriam nela outras utilidades. Podemos argumentar,
a partir do quadro teórico e documental que fundamentam este artigo, que a
ADD, em Portugal, enquadra-se em um sistema avaliativo meritocrático em que
prevalece um juízo de valor sobre o trabalho docente que pouco contribui para o
desenvolvimento profissional dos professores e a melhoria da qualidade educativa
das escolas e, sobretudo, reproduz uma crença de que essa avaliação não tem
finalidade pedagógica. Nesse domínio, a função pedagógica da ADD é minimizada
tendo em vista a função burocrática que a regula.
As falas dos sindicatos dos professores contrárias às políticas de ADD
das últimas décadas nos remetem à reflexão quanto ao porquê os professores
portugueses resistirem a todas elas e a qual modelo anunciam nessa resistência.
Nessa reação, estaria aí alguma aproximação à avaliação como violência simbólica,
aos moldes como analisa Pierre Bourdieu (1992)? Num impasse conflituoso,
faz-se necessária uma interlocução entre professores e Ministério da Educação
(ME) para rever posições e avançar no embate político. Em um processo negocial
desenvolvido pelo ME com as organizações sindicais representativas dos docentes
para a revisão e aprofundamento do sistema de ADD, a disputa pelo poder não
desaparece; como nos lembra Foucault (2008), ela se transforma, por isso é
importante entender as posições dos diferentes atores no campo avaliativo, o que
eles contestam, rechaçam, reivindicam e buscam garantir – e por que, em termos
de direitos, novos modelos que, de fato, atendam às reivindicações da categoria.
Daí porque não se pode fazer avaliação docente à revelia dos professores.
A ADD é um campo de poder e de contestação por ser um campo político;
portanto, não há modelos perfeitos e desenvolvidos sem tensões. Consoante a
esta perspectiva, há que se perguntar: quem tem o poder de definir o que é a
avaliação docente, qual a sua finalidade, o que vai ser avaliado, onde, quando e
por quem? O que se fará dos resultados? Quais serão as suas consequências? A
ADD, em Portugal, é inevitável e pode ser benéfica para os professores, escolas,
alunos, gestores e sociedade civil, desde que seja um processo negociado, claro,
com finalidades formativas, pedagógicas e sociais. Processo esse longo, complexo,
não linear, que precisa envolver contratualizações exequíveis para ambas as partes.
Exige mudanças de pensamento, ideias e atitudes porque, para ter consequências,
precisa abarcar dimensões sociais, culturais, morais e éticas.
Com efeito, podemos entender que, se as políticas de ADD implementadas
ao longo das últimas décadas, em Portugal, foram pensadas para possibilitar a
promoção na carreira, incentivar e favorecer o desenvolvimento profissional,
209
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
Cely do Socorro Costa Nunes
diagnosticar as necessidades formativas, prestar contas à sociedade e à gestão
pública, melhorar as práticas educativas e das escolas, os professores dela pouco
tiveram proveito para seu desenvolvimento profissional e pessoal. Pela manifestação
dos professores, aqui sumariamente apresentada, é visível a concordância com a
ADD, contudo discordam do modelo atual, no seu conteúdo e na forma como
tem sido implementado, o que põe em suspensão a adesão dos professores à
referida política. Reivindicam que esta deve ser fruto de negociação coletiva entre
o Ministério de Educação, professores e sindicatos, pautada por um paradigma
de avaliação formativa e que esteja incluída em um processo mais abrangente de
avaliação de escolas e avaliação das políticas educativas/avaliativas, entendidas
como processos indissociáveis, articulados e complementares.
Assim, um dos grandes desafios, para os professores e governos, tem
sido buscar um modelo de ADD em que a avaliação formativa, voltada para o
desenvolvimento pessoal e profissional dos professores, e a avaliação sumativa,
centrada na prestação de contas e responsabilização do trabalho, estejam articuladas
e associadas, tendo em vista a melhoria da qualidade do sistema educativo
português.
NOTAS
Compartilhamos com Clímaco (2009, p. 212), quando sublinha que não se chega à
cultura de avaliação por simples voluntarismo ou por pressão normativa, mas por opção
pela qualidade de vida escolar, aceitando as exigências que ela implica. A qualidade de
vida escolar não se dá, constrói-se.
i
As Provas de Aferição são aplicadas a todos os alunos matriculados nos quarto e
sexto anos de escolaridade (1º e 2º Ciclos do Ensino Básico), incidindo sobre Língua
Portuguesa e Matemática. Os Exames Nacionais do Ensino Básico são instrumentos
de avaliação somativa externa, que se aplicam nacionalmente aos alunos no final do
3º ciclo do Ensino Básico, incidindo sobre Língua Portuguesa e Matemática, tendo
uma valoração final de 30% da classificação. O calendário das provas, o regulamento
e as provas modelo são da responsabilidade do Ministério da Educação. Os Exames
Nacionais do Ensino Secundário são instrumentos de avaliação somativa, no Ensino
Secundário, incidindo sobre todas as disciplinas. Os Testes Intermédios, realizados
pela primeira vez no ano lectivo de 2005/2006, são instrumentos de avaliação
disponibilizados pelo GAVE (Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da
Educação) às escolas, ao longo do ano letivo, e têm como principais finalidades permitir
a cada professor aferir o desempenho dos seus alunos por referência a padrões de
âmbito nacional, ajudar os alunos a uma melhor consciencialização da progressão da sua
aprendizagem e, complementarmente, contribuir para a sua progressiva familiarização
ii
210
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
AS REAÇÕES DOS PROFESSORES PORTUGUESES À POLÍTICA DE
AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOCENTE: TENSÕES E DESAFIOS
com instrumentos de avaliação externa, processo a que estarão sujeitos no final dos
ciclos do ensino básico ou no ano terminal das disciplinas do ensino secundário. Versam
sobre Língua Portuguesa e Matemática (1.º Ciclo); Ciências Físico-Químicas, Ciências
Naturais, Geografia, História, Inglês, Língua Portuguesa, Matemática (3.º Ciclo);
Biologia e Geologia, Filosofia, Física e Química, Matemática (Ensino Secundário).
Movimento da Federação Nacional de Professores (FENPROF), contrário a atual
política de avaliação docente, cujas pressões levaram a Assembleia da República a
suspender a ADD em vigor e propor nova política. São membros da FENPROF (maior
organização sindical de professores de Portugal): Sindicato dos Professores do Norte
(SPN), Sindicato dos Professores da Região Centro (SPRC), Sindicato dos Professores
da Grande Lisboa (SPGL), Sindicato dos Professores da Zona Sul, Sindicato de
Professores da Região Açores (SPRA), Sindicato de Professores da Madeira (SPM) e
o Sindicato dos Professores do Estrangeiro (SPE).
iii
Para Afonso (2009, p. 16), “um sistema de accountability democraticamente avançado
inclui a avaliação, a prestação de contas e a responsabilização, mas dentro de articulações
congruentes que se referenciem ou sustentem em valores essenciais como a justiça,
a transparência, o direito à informação, a participação, a cidadania. […] Acrescenta
o autor, que um sistema de accountability assim alicerçado não pode ser reduzido a
uma prestação de contas ritualística ou simbólica, nem ser associado a perspectivas
instrumentais, hierárquico-burocráticas, gestionária ou de mero controlo.”
iv
Padrões de Desempenho Docente, instituído pelo Ministério de Educação por meio
do Despacho n° 16034/2010.
v
REFERÊNCIAS
AFONSO, Almerindo Janela. Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou
comparável. Crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings
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In: ALVES, Maria Palmira; MACHADO, Eusébio Andrade (Org.). O polo de
excelência: caminhos para a avaliação do desempenho docente. Porto (PT): Areal
Editores, 2010.
ALVES, Maria Palmira; MACHADO, Eusébio Andrade (Org.). O polo de
excelência: caminhos para a avaliação do desempenho docente. Porto (PT): Areal
Editores, 2010.
AVALOS, Beatrice. O sistema chileno de avaliação do desempenho docente. In:
FLORES, Maria Assunção (Org.). A avaliação de professores numa perspectiva
211
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
Cely do Socorro Costa Nunes
internacional: sentidos e implicações. Porto (PT): Areal Editores, 2010. (Coleção
Saberes Plurais).
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 4.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.
CLÍMACO, Maria do Carmo. A avaliação das escolas: experiência e
institucionalização. In: Fundação Calouste Gulbenkian. A autonomia das escolas.
2.ed. Lisboa (PT): Fundação Calouste Gulbenkian, 2009.
CURADO, Ana Paula. Política de avaliação de professores em Portugal: um estudo
em implementação. Lisboa (PT). Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para
Ciência e Tecnologia, 2002.
FERNANDES, Domingos. Para uma avaliação de professores com sentindo social
e cultural. Revista ELO, Guimarães (PT), n° 16, p. 19-24, maio 2009.
FEDERAÇÃO NACIONAL DOS PROFESSORES (FENPROF). Queremos
outra avaliação. Esta não! Lisboa (PT): FENPROF, 2011. Disponível em: http://
www.fenprof.pt. Acedido em: 15 jun. 2011.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 26. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra :
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FLORES, Maria Assunção (Org.). A avaliação de professores numa perspectiva
internacional: sentidos e implicações. Porto (PT): Areal Editores, 2010.
MURILLO, Javier Torrecilla (Coord.). Evaluación del desempeño y carrera
profesional docente: un estudio comparado entre 50 países de América y Europa.
Santiago (CL): OERALC/UNESCO, 2007.
NUNES, Cely do Socorro Costa; RODRIGUES, Pedro Miguel Freire da Silva.
A (in)evitabilidade da avaliação do desempenho docente em Portugal: processos,
tensões e desafios. In: FERNANDES, Domingos (Org.). Avaliação em educação:
olhares sobre uma prática social incontornável. Pinhais (PR): Melo, 2011, p.185-208.
SANTIAGO, Paulo; ROSEVEARE, Deborah; Van AMELSVOORT, Gonnie;
MANZI, Jorge; MATTTHEWS, Peter. Avaliação de Professores em Portugal –
Estudo da OCDE. Avaliação e Conclusões. Paris: OCDE, 2009. Disponível em:
http://www.oecd.org/edu/teacherevaluationportugal. Acedido em: 22 set. 2009.
SIMÕES, G. A. A avaliação dos professores como estratégia de desenvolvimento
profissional e organizacional. Dissertação (Mestrado em Ciências da Educação)―
Universidade de Lisboa, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Lisboa
(PT), 1998.
212
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 199-212, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
Renato Pinheiro da Costa*
Resumo: O presente trabalho visa discutir a Educação de Jovens e Adultos
considerando as abordagens teóricas, de pesquisas e de estruturação do Curso de
Pedagogia. Discute, também, a construção das temáticas que subsidiam a formação de
professores para a modalidade de ensino da Educação de Jovens e Adultos, trazendo
questões que tratam de compreender a relação entre o estudo e os pressupostos
teórico-metodológicos sobre a formação docente, problematizando sobre: quais são
as bases teóricas da Educação de Jovens e Adultos e como sua estruturação está sendo
administrada no sistema educacional brasileiro; em que incide, onde/quando ocorre
a educação de jovens e adultos; qual seu projeto para o ensino regular; se a formação
de educadores para a EJA leva em consideração a realidade social, econômica, política
e cultural dos educandos; como trabalhar a formação de professores para a EJA na
realidade amazônica. Destarte, com base em aportes teóricos sobre a modalidade
de ensino da EJA a contenda é situada no contexto do Curso de Pedagogia, da
Universidade do Estado do Pará, identificando a importância e a necessidade da
abordagem dos aspectos regionais e locais no processo de formação dos profissionais
para a Educação de Jovens e Adultos.
Palavras-chave: EJA, Ensino Superior, Formação de Professores.
TEACHERS’ EDUCATION FOR YOUTH AND ADULT EDUCATION
IN THE AMAZONIAN REGION OF THE LOWER TOCANTINS
RIVER
Abstract: This paper discusses the Youth and Adult Education [YAEd] teaching
modality considering the theoretical, research and structuring approaches to the
undergraduate program in Education (Pedagogy Course). It also examines the
construction of a thematic to subsidize teachers’ education for Youth and Adult
Education by addressing questions relative to the understanding of the relations
between the study and the theoretical and methodological assumptions about teachers’
education such as: what are the theoretical grounds of YAEd, and how does its
management structure look like within the Brazilian educational system? When/how
does Youth and Adult Education take place? What does it entice? What project does
it offer to formal education? Does teachers’ training for Youth and Adult Education
take into consideration the social, economic, political, and cultural realities of students?
* Mestre em Educação/Universidade Federal do Pará, professor da Universidade Estadual do Pará,
pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Currículo-NEPEC.
213
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
Renato Pinheiro da Costa
How should teachers’ education for YAEd be provided within the Amazonian reality?
Therefore, the debate proceeds based upon theoretical contributions to the YAEd
teaching modality and within the context of the State University of Pará Pedagogy
Course in order to identify the importance and the need of addressing regional and local
issues in the processes related to teachers’ education for Youth and Adult Education.
Keywords: Youth and Adult Education. Higher Education.Teachers’ Education.
INDRODUÇÃO
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se constitui historicamente pelas
lutas e tensões entre a sociedade e o Estado, entre a política assistencialista e a
mobilização da sociedade civil organizada. As contendas geradas nesse âmbito
deram substância para que a EJA atingisse o status de modalidade de ensino.
As normatizações estipuladas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
- Lei nº 9.394/96 (2003, p.48) determinam, no art. 62, que A formação de docentes
para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação
plena, em universidades e institutos superiores de educação […].
Desse modo, entender como as Instituições de Ensino Superior (IES)
organizam sua formação para o profissional da educação que atuará na EJA é
objeto da investigação ora relatada, pois os docentes egressos das licenciaturas das
IES encontram, nessa modalidade de ensino, um campo de atuação profissional.
Partindo desse pressuposto, a pesquisa baseada na metodologia de revisão
bibliográfica busca, nas fontes disponibilizadas em sites, livros, Projeto Político
Pedagógico do Curso de Pedagogia da Universidade do Estado do Pará e em
autores que discutem a temática da EJA, elementos que debatam sobre o perfil
do profissional da educação para a EJA para atuar na região do Baixo Tocantins.
CONSIDERANDO TEMAS PARA O ESTUDO DA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
Os jovens e adultos, como evidencia Souza (2009), têm seu envolvimento
com a estrutura educacional de longa data, remontando ao período colonial; no
entanto, o compromisso do sistema com essa parcela da população é bem novo.
A discussão sobre a história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil
sugere controvérsia, pois, ainda que sejam resgatados os dados da colonização
para tratar de sua temática, isso não significa que foi nesse período que surgiu
a Educação de Jovens e Adultos enquanto programa ou modalidade de ensino.
214
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
A partir do século XVI até o século XX, o que se tinha era a educação para
jovens e adultos e não educação de jovens e adultos, ou seja, havia a educação para
a catequização, para os gentios, para a alfabetização, para as vilas mais populosas,
como determinavam as decisões imperiais. Se os jovens e adultos estavam contidos
nesses grupos, eles poderiam ser atendidos, mas eles não eram o alvo principal da
política educacional do longo período da história educacional brasileira.
A diferenciação dos termos “para jovens e adultos” e “de jovens e adultos”
traz o entendimento de que, antes do século XX, não havia um planejamento
educacional governamental que contemplasse os jovens e adultos, mesmo porque,
nesse período, não se pode falar em sistema de ensino, pois órgãos como o
Ministério da Educação só serão criados, em 1932, com o nome de Mistério da
Educação e Saúde Pública.
Isso não significa que os jovens e adultos brasileiros não necessitassem ser
alfabetizados, ou que eles não tivessem acesso ao ensino ou fizessem movimentos
para ter como ingressar nos estudos, mas, enquanto membros pertencentes a um
programa específico, nele matriculados, somente a partir do século XX é que
teremos essa fixação.
Embora, já no século XX, a criação de programas voltados para a Educação
de Jovens e Adultos traga a inovação para o setor educacional, por se tratar de um
ensino direcionado a uma demanda específica de pessoas que, na idade própria
para o ingresso no ensino regular, não tiveram condições de acesso à escola,
pelos estudos de Arroyo (2006, p. 17), essa novidade fora do sistema de ensino
também tem seu movimento constituído, quando este autor diz: “Sabemos que
uma das características da EJA foi, durante muito tempo, construir-se um pouco
às margens, ou à outra margem do rio. Conseqüentemente, não vínhamos tendo
políticas oficiais públicas de educação de jovens e adultos”.
Pela exposição do autor, o movimento da criação da Educação de Jovens e
Adultos, no século XX, acontece dentro e fora da estrutura do Estado. Nessa mesma
linha de explicação, Souza (2009) aborda a história da Educação de Jovens e Adultos
mostrando que ela não acontecia somente dentro dos programas instituídosi, mas
as entidades e organizações civis também trabalhavam em seu favor.
O apanhado histórico da Educação de Jovens e Adultos indica, ainda,
que é somente a partir da década de 1980 que seu desenvolvimento vai deixar de
acontecer como projeto e/ou movimento alfabetizador e passar a se fixar como
modalidade de ensino.
Acompanhando o processo de desenvolvimento da constituição da
Educação de Jovens e Adultos no Brasil, pode-se analisar que, por ela ser antiga
como princípio educacional, mas nova enquanto estrutura de modalidade de
215
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
Renato Pinheiro da Costa
ensino, e por sua natureza estar vinculada ao ambiente governamental e popular
das organizações e movimentos sociais, as produções e pesquisas sobre sua
temática são recentes, constituindo limitado acervo bibliográfico, contudo, com
amplo campo para a investigação.
Como destaca Arroyo (2006, p. 18), “[…] não temos uma definição ainda
muito clara da própria EJA. Essa é uma área que permanece em construção, em
uma constante interrogação”. O incômodo do autor não deixa dúvidas quanto
à vastidão da abrangência dos estudos sobre EJA e ainda evidencia a falta de
pesquisas nessa área.
A Educação de Jovens e Adultos, adentrando o século XXI, embora esteja
presente em todos os cantos do Brasil, seus estudos não expressam, não expõem as
realidades da EJA das áreas urbanas em seus pormenores como centros, periferias,
ocupações, comunidades etc.; não trazem as particularidades do campo, como
regiões de ilhas, colônias, vilas agrícolas, quilombolas, áreas de ocupações etc.; isso
deixa claro o quanto essa temática de pesquisa está inexplorada, necessitando de
desbravadores que se aventurem a investigá-la.
Há ainda longo caminho a ser galgado pelos grupos de pesquisas, pelas
instituições de ensino superior, pelos pesquisadores e curiosos, pois há vasta área
desprovida de investigação, como expressam os dados do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq:
GRUPOS DE PESQUISA SOBRE EJA NAS REGIÕES DO PAÍS
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Série1
SUL
SULDESTE
NORDESTE
CENTRO OESTE
NORTE
7
17
11
4
5
Gráfico 1 – Grupos de pesquisas ligados ao CNPq que investigam a EJA nas
regiões do Brasil
Fonte: http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/
216
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
O gráfico acima, embora não expresse a real situação da realização de
estudos e pesquisas sobre a EJA no país, pois, além dos grupos declarados,
inscritos no CNPq, existem muitos outros que atuam de forma silenciosa como,
por exemplo, o Núcleo de Educação Popular-NEPii, vinculado à Universidade
do Estado do Pará, que não aparece na busca no CNPq, mas os dados expostos
na página virtual do Conselho servem para mostrar como, no Brasil, há uma
discrepância com relação aos grupos que investigam a EJA: enquanto há Regiões
com 17 grupos, na Região Norte, com território geográfico amplo, apenas cinco
grupos aparecem com estudos nessa área.
A desigualdade evidente na existência dos grupos de pesquisa sobre EJA nas
regiões brasileiras pode servir para mostrar como ainda essa é uma área de estudo
promissora, carente de olhares investigativos e como as diferentes realidades dos
jovens e adultos são relevantes para a pesquisa.
Os dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE 2007 sobre o Estado do Pará caracterizam bem essa realidade, pelo que
revela, na amostragem sobre o Plano Nacional de Desenvolvimento 2007, sobre
características complementares da educação de Jovens e Adultos e características
da Educação Profissional.
Fonte: http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?sigla=pa
A exposição parcial da estatística levantada pelo IBGE referente à realidade
da população jovem e adulta do Pará, com relação à educação profissional, é
um dado a ser considerado como fenômeno e enigma a ser desvendado pelos
217
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
Renato Pinheiro da Costa
pesquisadores, pois esses dados não são claros, posto não exibirem os motivos que
levaram à demanda de pessoas com 15 anos ou mais que enveredaram pelo viés
do profissionalismo e, ou, de modalidade de ensino destinado a um público seleto.
Quando se fala em constituir pesquisa no âmbito da Educação de Jovens e
Adultos, pode-se pensar radicalmente sobre aprofundamento nos estudos sobre
essa área de conhecimento, uma vez que os cursos de graduação que formam
profissionais para trabalharem com o público da EJA têm a oportunidade de
constituir considerável acervo de fontes para o embasamento teórico e prático
desse estudo.
No entanto, considerando a observação de Arroyo (2006) sobre a falta
de determinações claras do Conselho Nacional de Educação para os Cursos de
Pedagogia, sobre a formação de docentes para a EJA, vale ressaltar que, de todos
os artigos da Resolução CNE/CP nº1, de 15 de maio de 2006, que institui as
Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, apenas em três momentos é
enfatizada a EJA, determinação que pode restringir o interesse e tolher a dedicação
de professores, alunos e instituições de ensino superior em se envolverem com
essa modalidade de ensino.
A pouca ênfase do CNE sobre a EJA, na reformulação Curso de Pedagogia,
pode ser sinal de que a modalidade de ensino para jovens e adultos ainda é entendida
como não relevante para o sistema de ensino, como analisa Di Pierro (2008, p.50):
Na história recente, em que a prioridade da política
educacional foi universalizar o acesso à escola na infância e
adolescência, a escassez de recursos financeiros representou
um claro limite para que os poderes públicos cumprissem
seus compromissos na garantia do direito dos jovens e
adultos à educação.
Se, para o Conselho Nacional de Educação, o Curso de Pedagogia deve
dedicar a maior parte da carga horária de 3.200 horas aulas da formação docente
às séries iniciais do ensino regular, é presumível que outros órgãos que organizem
e financiem a educação do país não coloquem a EJA no mesmo grau de prioridade
que outras modalidades de ensino, tornando seu projeto instável quanto à aplicação,
o que fez que, em estruturas como o Plano Nacional de Educação, o previsto para
a EJA no decênio 2001–2010 não fosse implementado totalmente, não alcançando
a realização das metas como conclui Di Pierro (2010).
Na contramão do desafio da pouca ênfase dada à Educação de Jovens e
Adultos pelos órgãos nacionais que organizam a educação básica, professores,
pesquisadores, acadêmicos, coordenações de centros e cursos de graduação,
218
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
instituições de ensino superior e instituições não escolares ligadas aos movimentos
sociais, ousaram dar continuidade à luta histórica da EJA, instituindo grupos de
pesquisas, núcleos de formação popular, formando educadores em graduação e
pós-graduação com habilitação específica para atuarem nessa modalidade de ensino.
Como experiência popular de educação voltada para o público jovem e
adulto, ressalto o trabalho da Comissão Pastoral da Terraiii que, desde os anos
1991, implantou no município de Mojuiv 29 grupos de Círculo de Cultura que,
segundo a concepção de Freire (1989), é uma proposta de educação que rompe
com o modelo de sala de aula e da figura do professor e constrói uma segunda
opção para a educação que, a princípio, parece dicotômica por ser realizada fora
da estrutura da escola, ou seja, fora da estrutura formal de ensino, mas que tem a
finalidade de alfabetizar jovens e adultos que não tiveram a oportunidade nem a
condição de, na idade escolar, frequentar uma instituição de ensino.
Entidades como Comissão Pastoral da Terra, Sindicato dos Trabalhadores
Rurais, Paróquia do Divino Espírito Santo, Clube de Mães e Associação de
Mulheres, preocupados com o alto índice de analfabetismo da população jovem e
adulta de Moju, criaram estruturas para a alfabetização desse público, pois, embora a
escassez de escolas fosse a realidade da zona rural, a grande maioria dos habitantes
da cidade eram oriundos dessa realidade por causa do êxodo rural, situação gerada
pelas fazendas e projetos agropecuários implantados no Município.
No entanto, mesmo com todo o empenho e esforço das entidades populares,
a alfabetização de jovens e adultos, em Moju, exigia muito mais dedicação pelas
enormes proporções que a situação histórico-social de falta de escolaridade
impunha às famílias e ao próprio desenvolvimento do Município; desse modo,
a Secretaria Municipal de Educação de Moju– SEMED se empenhou para
desenvolver uma política educacional específica da EJA, como descreve Lima
(2010, p.77):
Educação de Jovens e Adultos em Moju, ao longo dos últimos
anos, de 2000 a 2009, vem conquistando espaço importante
na rede municipal de ensino. Segundo dados estatísticos do
último censo demográfico de 2000, o município apresenta
taxa de analfabetismo bastante elevada, de 30% da população
de 15 anos ou mais. Acredita-se que esta porcentagem vem
diminuindo, fruto de parcerias firmadas entre Governo
Federal, Governo Estadual, Instituições de Ensino Superior,
empresas, organizações não governamentais e Governo
Municipal, que favorecem o Programa de Alfabetização
Inicial para Jovens e Adultos. […]
219
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
Renato Pinheiro da Costa
Diante desse quadro, o município procurou investir
na formação dos docentes ligados à EJA, na tentativa
de equacionar as problemáticas metodológicas. Foram
ofertados nove cursos em diversas áreas do conhecimento;
e realizadas diversas oficinas, palestras e seminários. Houve
avanços significativos na formação dos docentes no período
de 2006/2009. Também foi garantida, aos egressos dos
programas de alfabetização, a matrícula na rede de ensino,
na modalidade EJA para continuação de estudos.
O exposto pela autora mostra como o desenvolvimento da EJA se tornou
necessário para o combate ao analfabetismo, no Município de Moju. Nesse
sentido, não bastou apenas pensar na implantação da modalidade de ensino, mas
criar condições para que essa fosse bem desenvolvida. E, entre essas condições,
a formação de professores é uma das necessidades de suma importância, pois
não basta apenas formar professores para as séries iniciais da educação básica;
a formação de graduados tem que ser projetada levando em consideração a
modalidade de ensino, ou seja, considerar a realidade dos educandos com quem
os profissionais da educação irão trabalhar.
No rol das instituições de ensino superior preocupadas em subsidiar a
formação dos graduados para atuarem na EJA temos, na região amazônica, a
Universidade do Estado do Pará, que, em 18 anos de fundação, se destaca nesse
cenário, pois estruturou o Curso de Pedagogia, atendendo às exigências da
reformulação do curso feitas pelo CNE, em 2006, e, ao mesmo tempo, projetando
a formação dos docentes para as finalidades de atuação na Educação de Jovens
e Adultos.
A exclusividade da formação docente da Universidade do Estado do Pará
para atuação na EJA é notória ao habilitar os pedagogos de acordo com a proposta:
O Curso de Pedagogia se propõe à formação de profissionais
que atuarão na docência em educação infantil e anos iniciais
do ensino fundamental (modalidades educação Especial
e educação de jovens e adultos), bem como em gestão
educacional, em ambientes escolares e não escolares. (UEPA,
2008 p. 39).
Nesse sentido, foram formuladas disciplinas como: Fundamentos da
Educação de Jovens e Adultos, Metodologias do Trabalho Pedagógico com Adultos
e Idosos, Produção de Materiais Didáticos para a Educação de Jovens e Adultos,
Jovens e Adultos em Diferentes Ambientes Educativos, e Estudos e Pesquisas na
Educação de Jovens e Adultos.
220
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
Embora, segundo a flexibilidade curricular, somente a disciplina
Fundamentos da Educação de Jovens e Adultos seja de oferta regular e a das demais,
eletiva, isso caracteriza que, no Curso de Pedagogia, da Universidade do Estado
do Pará, a Educação de Jovens e Adultos tem notoriedade, pois, na carga horária
total de 4.060 horas aulas do Curso de Pedagogia, os acadêmicos são munidos de
subsídios teóricos para atuação profissional nessa área.
Gráfico 2 – Carga horária dedicada à formação de educadores para EJA no Curso
de Pedagogia da UEPA.
400
Outras Disciplinas
EJA
3660
Fonte: UEPA, 2008.
A visualização do Gráfico 2, sobre a quantidade de horas dedicada à
formação de professores no Curso de Pedagogia, da Universidade do Estado
do Pará, mostra que em um total de 4.060 horas aulas, 3.660 horas são para as
diversas disciplinas do curso e 400 horas podem ser para a temática da Educação
de Jovens e Adultos, abordada em cinco disciplinas, entre obrigatórias e eletivas,
de 80 horas cada.
Para o desenvolvimento de um estudo de grande proporção, vale a pena
ressaltar que a carga horária normal do curso é, às vezes, excedida, devido ao
aprofundamento das temáticas que envolvem pesquisas e dedicação à aprendizagem,
no caso, em uma disciplina que tem 80 horas para ser desenvolvida em sala de aula,
equivalente a 16 aulas/encontros, quando são produzidos conteúdos culturais,
epistemológicos e de pesquisa que são trabalhados para além da sala de aula,
excedendo as 80 horas projetadas nas metas do curso. Tanto professor quanto
acadêmico, mesmo fora do ambiente universitário, não se desprendem do conteúdo
das aulas e estão em busca de respostas esclarecedoras sobre a situação do jovem
e do adulto na educação.
221
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
Renato Pinheiro da Costa
Visto que cada disciplina do Curso de Pedagogia se dedica a abordar
diferentes tópicos de conhecimento de cada área, com relação à formação de
professores, as ementas das disciplinas direcionadas à EJA compreendem:
FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
A disciplina visa analisar os pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa
na educação de pessoas jovens e adultas, realizando estudos sobre abordagens
epistemológicas e experiências de pesquisas e viabilizando a construção de projetos
de pesquisa nesta área do conhecimento. (UEPA, 2008, p.90).
Metodologias do Trabalho Pedagógico com Adultos e Idosos
(Eletiva)
A disciplina visa refletir sobre as políticas públicas, teorias
e práticas educativas com pessoas jovens, adultas e idosas,
focando o estudo para os sujeitos desta modalidade de
educação, a organização do trabalho educativo, metodologias,
dinâmicas pedagógicas, leituras e produções de textos.
(UEPA, 2008, p.110).
Produção de Materiais Didáticos para a Educação de Jovens
e Adultos (Eletiva)
Esta disciplina objetiva desenvolver estudos e, por meio
de pesquisas e oficinas pedagógicas, produzir materiais
pedagógicos, incluindo a produção de textos para a
educação de jovens e adultos. Utilizar-se-á além de recursos
tecnológicos e tradicionais, materiais alternativos e de sucatas
para a produção dos materiais pedagógicos. (UEPA, 2008,
p.111).
Educação de Jovens e Adultos em Diferentes Ambientes
Educativos (Eletiva)
Este disciplina objetiva desenvolver estudos teórico-práticos
sobre a educação de jovens e adultos em diferentes ambientes
educativos: instituições escolares e não-escolares, entre os
quais os ambientes hospitalares, os espaços de acolhimento
de idosos e ambientes comunitários e movimentos populares.
Buscar-se-à identificar nesses espaços as especificidades
educacionais de pessoas jovens, adultas e idosas, tendo como
referências teóricas e metodológica a educação popular.
(UEPA, 2008, p.112).
Estudos e Pesquisas na Educação de Jovens e Adultos
(Eletiva)
A disciplina visa analisar os pressupostos teóricometodológicos da pesquisa na educação de pessoas jovens e
222
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
adultas, realizando estudos sobre abordagens epistemológicas
e experiências de pesquisa e viabilizando a construção de
projetos de pesquisa nesta área de conhecimento. (UEPA,
2008, p.113).
O desenvolvimento das disciplinas pelo aporte teórico dos docentes,
considerando a contribuição dos alunos da graduação, tem rendido bons resultados,
haja vista que, na atualidade, muitos dos graduandos do Curso de Pedagogia têm
experiências profissionais de sala de aula, ou seja, já atuam como professores das
redes públicas de ensino e, em alguns casos, já trabalham na EJA, e isso tem sido
enriquecedor para as disciplinas da área, porque os acadêmicos trazem para a sala
de aula fatos concretos do dia a dia dos jovens e adultos com quem convivem.
Nesse sentido, as ementas das disciplinas que visam à efetivação acadêmica
dos educandos encontram, nas narrativas introduzidas pelos graduandos,
fundamentos complementares para a formação docente, já que, em alguns casos, as
fontes teóricas não conseguem abranger questões que surgem no contexto da EJA.
O Núcleo Universitário Regional do Baixo Tocantins (NURBAT/Campus
XIV, da UEPA), que está sediado em Moju, busca trabalhar a formação no Curso
de Pedagogia tentando aproximar a formação dos docentes das séries iniciais, que
também atuarão na EJA, da realidade regional, considerando que o Baixo Tocantins
é composto por sete Municípios com áreas urbanas, estradas e ribeirinhas.
Os educadores que são formados nesse contexto têm que dar conta de
um conteúdo de base comum que abranja questões teóricas, metodológicas,
epistemológicas, bibliográficas, de domínio de novas tecnologias e de política
educacional, e estar atentos às necessidades, às situações e construções regionais,
porque na Amazônia, no Estado do Pará, são produzidos conhecimentos
científicos, inovadores no campo da pesquisa, e nós temos que nos apropriar dessas
construções para entendermos melhor nossa realidade e incentivar a formação
de mais pesquisadores.
Como ressalta Oliveira (2004, p. 58), “os saberes, representações e
imaginários em relação à mata estão vinculados ao existir pessoal e em comunidade,
envolvendo situações de sobrevivência, consubstanciadas na caça, no plantio,
realizado no roçado som e derrubada da mata”. Para a autora, os rios, a mata, a
terra têm saberes que as populações amazônicas conseguem interpretar e com
eles se relacionar.
Os graduandos que irão trabalhar com os jovens e adultos das populações
rurais, ribeirinhas e urbanas da Amazônia têm que conhecer essa realidade e saber
extrair dela material cultural para alfabetizar.
223
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
Renato Pinheiro da Costa
Desse modo, as temáticas das aulas ao mesmo tempo em que abrangem
questões teóricas de autores universalizados como Paulo Freire, Moacir Gadotti,
Miguel Arroyo, Maira Clara Di Pierro, Sérgio Haddad, e outros mais, que, no Brasil,
aparecem como referências nas pesquisas sobre EJA, também devem considerar
questões pertinentes à EJA na Educação do Campo, a EJA na vida da pessoa
encarcerada, a alfabetização de adultos nas zonas ribeirinhas, os pescadores sem
escolas, e outros temas mais que podem render muita pesquisa e fazer surgir outros
nomes de referência sobre a Educação de Jovens e Adultos.
Durante 160 horas, do primeiro semestre, do ano letivo de 2011, tive a
oportunidade de trabalhar com a disciplina Fundamentos da Educação de Jovens
e Adultos, nas turmas de Pedagogia 2008/2 e Pedagogia 2009 do NURBAT, e
entre as preocupações que tive, enquanto ministrante da disciplina, uma foi gerar
o entendimento entre os acadêmicos de quem é o público da EJA, mostrando-lhes
que, longe da visão romântica que aparece na televisão dos senhores e senhoras
de cabelos brancos que aprendem a ler e escrever, existe uma massa de pessoas
que trabalharam o dia todo como pedreiros, carpinteiros, diaristas, mototaxistas,
bicicletaxistas, lavradores, artesãos e que, à noite, deixam de assistir a novela, o
futebol ou dormir cedo e fazem um esforço sobre-humano para ir para a escola,
que muitas vezes, ou todas as vezes, não o recebe como aluno de EJA, já que sua
estrutura foi arquitetada para o ensino básico regular, para crianças e adolescentes,
e não para jovens e adultos trabalhadores.
Nas instituições de ensino básico, durante o dia, tudo funciona bem, mas
à noite, quando esses jovens e adultos aparecem para estudar, é que é percebível
que a educação de qualidade não é para todos, pois os senhores e senhoras têm
que se acomodar em carteiras projetadas para uma pessoa de estatura física menor,
em salas de aula com iluminação inadequada, com docentes cansados que, por
causa do baixo salário, tiveram que aceitar mais a carga horária noturna da EJA
para ter um acréscimo salarial. E todos têm que considerar os riscos externos ao
ambiente escolar, ou seja, a violência que, ao sair da escola, os becos, vielas e ruas
proporcionam.
Outra questão enfatizada durante o desenvolvimento da disciplina foi a
intrínseca relação do educador com a realidade onde habita, pois, sendo de família
oriunda da região de ilhas e conhecedor da realidade da região, sei que os estudantes
do Curso de Pedagogia do NURBAT, que são moradores das cidades de IgarapéMiri, Abaetetuba, Moju, Tailândia, Barcarena, Mocajuba, Baião, entendem muito
bem a linguagem, os costumes, o nosso jeito de ser e viver amazônida; por isso
ressaltei a importância da formação para os alunos da EJA, valorizando questões
do cotidiano da população local, como a matemática do extrato bancário que
224
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
o aposentado não consegue ler, a literatura das palavras regionais, a geografia
da ocupação dos espaços urbanos pelas vítimas do êxodo rural, a história das
comunidades remanescentes de quilombos e outros temas inerentes ao aspecto
histórico, social e cultural da região.
Temáticas como essas, e muitas outras mais, em nada prejudicam o
desenvolvimento do conteúdo programático das disciplinas dos ciclos ou etapas da
EJA, mas contribuem para seu enriquecimento. E antes que questionem, esclareço
que não reivindico diferenciações na seleção dos temas das disciplinas por região,
mas que as questões regionais sejam consideradas no momento da elaboração dos
planos de aulas e nas construções dos livros didáticos, que seja dada a possibilidade
para um diálogo com os fatos e acontecimentos locais que os educandos da EJA
conhecem e compreendem.
Durante as aulas, muitas questões foram suscitadas, havendo também
contribuições de relatos de situações que os acadêmicos viveram junto às turmas
de EJA que tiveram oportunidade de acompanhar como, por exemplo, o fato
narrado por uma aluna da turma de Pedagogia 2008/2, que dizia que, na escola
em que ela ministrava aula para a turma da EJA, no turno noturno, ela encontrava
a escola fechada, pois a diretora da instituição não gostava de, na escola, ter uma
turma dessa modalidade de ensino. Outra aluna da turma de Pedagogia 2009 expôs
a situação de, por vezes, ter recebido, em sua turma de EJA, alunos encaminhados
pelo poder judiciário para cumprir medida socioeducativa, o que dava a entender
que estudar é um castigo ou meio de expiação para crimes.
Situações como essas me fizeram refletir que, em pleno século XXI, a
Educação de Jovens e Adultos sofre a herança da tradição educacional brasileira, pois,
pela análise de Soares (2008), os jovens e adultos sempre foram deixados à margem do
sistema de ensino, e na atualidade, existe essa continuidade nesse tipo de tratamento,
quando os administradores municipais e as secretarias de educação permitem que
profissionais sem formação adequada atuem nessa modalidade de ensino, quando
deixam para os jovens e adultos trabalhadores qualquer lugar desocupado na escola
e, ou, nos barracões comunitários das associações de bairro ou das igrejas, quando
as instituições de ensino não se organizam para ter funcionários suficientes para o
atendimento do turno da noite, ou quando os próprios alunos da EJA não se sentem
responsáveis pelo processo ensino-aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração a situação de pouca oferta de escolas, em
especial na zona rural, a realidade da distorção idade-série é um fato manifesto,
225
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
Renato Pinheiro da Costa
nesse sentido, pelas condições sociais, econômicas, de poucas escolas, de oferta
de número ínfimo de vagas, pela insuficiência de profissionais da educação para
atender à grande demanda, pela situação da enorme distância geográfica que separa
o educando da escola, a modalidade de ensino de Educação de Jovens e Adultos
pode ser uma solução que venha a contribuir para a correção dessa deformidade
no aprendizado.
Como registra a legislação e vários documentos do MEC, a EJA “Destinase àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio
na idade própria […]” (cf. INEP: Glossário...). Nesse sentido, é bom lembrar que a
EJA é um instrumento potente de combate ao analfabetismo e de correção da
discrepância na questão da idade-série; por isso, deve ser usado adequadamente,
dentro de um projeto político-pedagógico da rede municipal de ensino, ou de uma
estrutura pedagógica de alfabetização popular.
Percebo que a Educação de Jovens e Adultos é um campo muito vasto para
a pesquisa, espero que os educadores que estão sendo formados nas instituições
de ensino superior, habilitados para trabalhar com a modalidade de ensino da
EJA, apreendam a responsabilidade que têm ao assumirem o papel de educador
e possam contribuir produzindo subsídios para enriquecer o acervo de fontes
dessa área de conhecimento.
Produzir fontes vai muito mais além de escrever livros e artigos científicos,
mas passa pela produção de cartazes, elaboração de painéis, recorte e montagem
de figuras de papel crepom, cartolina e EVA, recursos didáticos que muitos
profissionais da área de exatas discriminam, mas que têm especial importância no
auxílio do processo ensino-aprendizagem.
Espera-se que surjam mais pesquisadores e grupos de pesquisa interessados
em abordar a temática da EJA nas suas linhas de pesquisas, pois ainda é pouco
o que conhecemos sobre a temática, carecendo de muito mais investigação e
investimento e incentivo à pesquisa para que possamos desenvolver um acervo
de informações referentes à Educação de Jovens e Adultos.
As universidades, faculdades e institutos de ensino superior, como entidades
educacionais comprometidas com o ensino, a pesquisa e a extensão em seu
processo formativo, são as instituições que, através dos grupos de pesquisa, têm
maior responsabilidade com a atividade de investigação sobre a EJA, pois os
fomentos à pesquisa chegam mais facilmente aos pesquisadores através de seus
canais institucionais possibilitando dedicação exclusiva de cientistas a essa área
de conhecimento.
Observo que somente o Curso de Pedagogia vem preparando professores
para atuarem na EJA; as outras licenciaturas não se preocupam se seu aluno
226
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA A EDUCAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS NO BAIXO TOCANTINS
egresso irá ser docente nessa modalidade de ensino. Como enfatizam Brianez e
Gama (2010) ao analisarem a estrutura curricular do Curso de Licenciatura em
Matemática, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), constataram que,
embora tenham ocorrido mudanças curriculares no curso, a EJA tem sido pouco
abordada. As coordenações de cursos de licenciaturas têm que considerar que este
é um setor de trabalho para os docentes e que seus alunos poderão trabalhar nele;
por isso, é necessário investimento nesse tipo de formação.
Sei que nas instituições de ensino superior são produzidos trabalhos
acadêmicos referentes ao conhecimento da EJA, uma vez que os graduandos
apresentam seminários, escrevem artigos, realizam estágios supervisionados nessa
modalidade de ensino; no entanto, esse conteúdo permanece dentro das salas
de aulas das universidades. Os docentes, professores de professores de jovens e
adultos, precisam expor esses materiais para que eles circulem no meio acadêmico
e, assim, consigamos romper com a barreira do anonimato ou do silêncio sobre
a formação de educadores para a EJA.
NOTAS
i
Segundo Souza (2009), os movimentos governamentais de Educação de Jovens
e Adultos foram: 1947 - Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos –
CEAA; 1950 – Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA;
1952 – Campanha Nacional de Educação Rural – CNER; 1952 – Campanha de
Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA; 1960 – O Movimento de Educação
de Base – MEB; 1970 – Movimento Brasileiro de Alfabetização – MOBRAL.
ii
O Núcleo de Educação Popular – NEP foi criado, em 2002, a partir da iniciativa
dos alunos do Curso de Pedagogia, da Universidade do Estado do Pará. O NEP
tem como coordenadora a professora Ivanilde Apoluceno e já atendeu mais de
300 pessoas.
iii
A Comissão Pastoral da Terra é uma organização da Igreja Católica que
desenvolve trabalhos junto aos trabalhadores rurais.
iv
Moju é um município do Estado do Pará distante cerca de 65km da capital do
Estado, sua economia é fundamentada principalmente na indústria madeireira,
agricultura familiar, comercio e serviço público.
v
Pelo dados encontrados no website http://www.mda.gov.br: O Território
Baixo Tocantins - PA abrange uma área de 36.024,20 Km² e é composto por 11
municípios: Abaetetuba, Acará, Baião, Barcarena, Cametá, Igarapé-Miri, Limoeiro
do Ajuru, Mocajuba, Moju, Oeiras do Pará e Tailândia.
227
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
Renato Pinheiro da Costa
Este termo está sendo empregado para diferenciar a população rural enquanto
sua situação geográfica, pois, na Amazônia a realidade rural ribeirinha e de ilhas
é diferente da realidade rural das comunidades da terra firme concentradas perto
das estradas e vicinais.
vi
REFERÊNCIAS
ARROYO, Miguel. Formar educadoras e educadores de jovens e adultos. In.
SOARES, Leôncio (Org.). Formação de educadores de jovens e adultos. Belo
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230
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 213-230, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO
FÍSICA NO PARÁ E A ASPIRAÇÃO DISCENTE
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo*
Wagner Wey Moreira**
Resumo: Este artigo tem como objetivo buscar reconhecer a identidade do profissional
de Educação Física que está sendo construída e se os Cursos Superiores de Educação
Física no Pará vão ao encontro da aspiração dos discentes desses cursos. Foram
analisados os Projetos Político-Pedagógicos da Universidade do Estado do Pará
(UEPA) e da Universidade Federal Pará (UFPA – campus Belém e campus Castanhal)
e entrevistados os alunos do último semestre desses cursos, usando-se como técnica
de análise a Técnica de Elaboração e Análise de Significado (MOREIRA; SIMÕES;
PORTO, 2005) para serem identificadas as aspirações dos discentes. Pode-se concluir,
com esse estudo, que os Projetos Político-Pedagógicos dos Cursos de Educação
Física, no Estado do Pará, limitam-se a ofertar a licenciatura plena; que para 100% dos
alunos entrevistados, o curso não atende às suas expectativas quanto à sua formação
profissional; que os discursos revelam a fragilidade da identidade profissional em
Educação Física, no Estado do Pará; finalmente, chama-se a atenção para que o
processo de formação seja revisto.
Palavras-chave: Formação Docente em Educação Física. Identidade profissional.
Aspiração discente..
PROFESSIONAL TRAINING IN PHYSICAL EDUCATION AND
STUDENT’S ASPIRATIONS IN PARÁ
Abstract: This article has the objective of recognizing the identity of Physical
Education professionals that is being built in Physical Education undergraduate
Programs, in the state of Pará, and whether these Programs will meet their students’
aspirations. The Political-Pedagogical Projects effective in the State University of Pará
(UEPA) and in the Federal University of Pará (UFPA) – campus Belém and campus
Castanhal – were analyzed; interviews were conducted with students attending the
last semester of the Physical Education Program. As for the analysis of data gathered
thereby, content analysis techniques were adopted (according to MOREIRA; SIMÕES;
Mestre em Educação (Universidade Federal do Pará). Professora do Instituto Federal do Pará.
Doutor em Educação (Universidade Estadual de Campinas). Professor da Universidade Federal
do Triângulo Mineiro (Programa de Pós-Graduação em Educação Física).
*
**
231
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo / Wagner Wey Moreira
PORTO, 2005), mainly to identify the aspirations of students. The study allowed
to conclude that the Political-Pedagogical Projects relative to Physical Education
Programs in the state of Pará establish the acquisition only of a full degree in Teaching,
that for 100% of the students interviewed the attended course does not meet their
expectations regarding professional training in the area, and that the official discourses
reveal the fragility of professional identity in Physical Education in the State of Pará;
it allowed as well to draw attention to the need that this training process be reviewed.
Keywords: Teacher’s training in Physical Education. Professional identity. Students’
aspirations..
INTRODUÇÃO
A produção de um artigo deve ser resultado de aspirações, e nestas estão
contidas, invariavelmente, recordações. Este escrito não foge à regra, pois é fruto
da vivência de seus dois autores, que se encontraram no Programa de Mestrado
em Educação, da Universidade Federal do Pará – UFPA, inicialmente, na relação
orientador-orientanda, relação essa que foi evoluindo ao constatarem que as
aspirações eram compartilhadas no foco da formação profissional em Educação
Física e que as recordações tangiam a um mundo sensível em que ambos acreditam.
Este artigo tem como objetivo buscar reconhecer a identidade do
profissional de Educação Física que está sendo construída e se os cursos superiores
de Educação Física, no Pará, vão ao encontro da aspiração dos discentes desses
cursos. Consideramos necessário dividir a apresentação em alguns tópicos a fim de
proporcionar uma visualização histórica da Educação Física, no Brasil e no Pará,
para que o leitor se situe no contexto histórico em que essa área chegou ao nosso
país e foi incluída no currículo oficial da escola. Posteriormente, são explicitados
os encaminhamentos metodológicos, as análises e discussões, e a conclusão a que
chegamos com esse estudo.
1 VISÃO PANORÂMICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL
Entre leis, decretos e resoluções, a Educação Física se movimentou e criou
corpo no cenário educacional brasileiro. Essa história foi referendada com o Parecer
nº 224, de 12 de setembro de 1882, que instituiu a Reforma do Ensino Primário e
várias Instituições Complementares da Instrução Pública, mais especificamente,
em seu Capítulo VII, intitulado Da Educação Física, que teve como seu relator o
baiano Rui Barbosa, considerado por muitos como o paladino da Educação Física
no Brasil. (SOARES, 2007; MARINHO e ACCIOLY, 1956)
232
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO
PARÁ E A ASPIRAÇÃODISCENTE
Embora outras tentativas tenham sido feitas, anteriormente, como o Decreto
nº 7.247, de 19 de abril de 1879, que instituiu a reforma educacional assinada
por Carlos Leôncio de Carvalho, foi com esse Parecer que a Educação Físicai
integrou-se ao currículo escolar, cujo principal conteúdo proposto pelo relator
fora a ginástica, baseada na concepção médico-higienista (MARINHO; ACCIOLY,
1956), dando ênfase ao método ginástico sueco, criado por Ling, por acreditar que
este continha uma proposta pedagógica em seu teor. (SOARES, 2007)
De acordo com Soares (2007), Rui Barbosa fora hábil, diplomata e
competente em suas tentativas para incluir a Educação Física no currículo
escolar. Direcionou seu discurso ressaltando o viés médico, higienista, científico,
moderno e inovador dessa matéria de ensino, para promover corpos saudáveis e
a regeneração da raça, a fim de amenizar o grande estado de miséria social vivido
pelo povo brasileiro.
Outro intelectual que defendeu a relevância da intervenção pedagógica da
Educação Física na escola foi o paraense José Veríssimo que, em 1890, publicou
o livro A Educação Nacional, no qual dedica um capítulo à Educação Física. Esse
livro, dada a sua importância histórica para a educação, foi reeditado, em 1985, e
nele detectamos alguns pontos de convergência e outros de divergência em relação
ao ideário de Rui Barbosa.
Ao contrário de Rui Barbosa, Veríssimo (1985) sugeriu que a Educação
Física assumisse em seu cerne características brasileiras bem delimitadas e que não
se restringisse aos movimentos ginásticos. Porém, suas ideias convergem quando
defende o enquadramento da Educação Física numa perspectiva educacional
direcionada para participar do processo de construção da educação de crianças e
de mulheres (respeitando suas peculiaridades e limitações), bem como de jovens
e adultos.
Faz-se oportuno ressaltar que os fatos até aqui abordados revelam uma
Educação Física incipiente, desprovida de um corpo teórico que a sustentasse,
conduzida e orientada por médicos e instrutores, numa perspectiva biologizante
e higienista, sem nenhum registro de um processo de formação de professores
ou até mesmo desses instrutores. (SOARES, 2007).
Segundo Veríssimo (1985), no Brasil, durante o século XIX, a Educação
Física era uma mera desconhecida, não possuía uma prática sistematizada, objetivos
a serem alcançados e, muito menos, professores preparados para a ministrarem
na escola, enquanto, na Europa, era considerada uma Arte Nacional. Apenas no
final desse período é que, envolvida pelos ideais europeus de patriotismo, iniciou
seu lento processo de afirmação na sociedade brasileira.
233
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo / Wagner Wey Moreira
Durante a primeira república, a qual cronologicamente se localiza entre
1889 e 1930, a Educação Física, no Brasil, deu continuidade ao seu processo de
afirmação, haja vista que, em 1891, a Associação Cristã de Moços (ACM), grande
influenciadora e incentivadora da prática esportiva sistematizada, é instalada no
Rio de Janeiro. Já nos idos de 1909, foi criada a Escola de Educação Física, da
Força Policial do Estado de São Paulo. Esses e muitos outros acontecimentos,
como edição de revistas e congressos de Educação Física com orientação médicohigienista, tomaram conta do cenário brasileiro à época e fomentaram a expansão
da Educação Física. (MARINHO; ACCIOLY, 1956).
No início do século XX, alguns intelectuais advogaram em favor da
Educação Física, principalmente no âmbito escolar e sob a perspectiva médicohigienista, como Fernando de Azevedo, Mário Süssekind de Mendonça, Jorge de
Moraes, Lima Barreto, entre outros, os quais se opuseram veementemente à prática
do esporte, alegando que esse imbecilizava seus adeptos e só era praticado por
uma pequena elite, não oportunizando a participação dos demais. E ratificavam
sua oposição ao esporte, criticando o reducionismo da Educação Física a este, e
deste (o esporte) ao futebol. (LINHALES, 2009).
Em 1928, com a Reforma de Ensino Fernando de Azevedo, ficou
estabelecida, para todos os níveis e estabelecimentos educacionais, a obrigatoriedade
da Educação Física, em sessões diárias para todos os alunos, reservando-se à
mulher, como havia sido indicado por Rui Barbosa e Veríssimo, atividades ginásticas
leves e próprias para a sua condição na sociedade, a de ter um corpo preparado
para a maternidade. (MARINHO; ACCIOLY, 1956; SOARES, 2007).
Apesar das várias discussões que envolveram o papel regenerador e
moralizador da Educação Física, nesse início de século, a área vivia um grande
entrave, a falta de pessoal habilitado para trabalhar, ou seja, ausência de uma política
de formação de professores. (MARINHO, 1954; MARINHO; ACCIOLY, 1956).
Diante desse problema, o tenente Inácio de Freitas Rolim e o Dr. Virgílio
Alves Bastos, em consonância com Fernando de Azevedo, diretor da Instrução
Pública do Distrito Federal, providenciaram, em 1929, um curso provisório de
Educação Física – baseado nos moldes do Centro Militar de Educação Física – com
o intuito de formar professores para a rede pública. A primeira turma formada
se constituía de militares, médicos, professores e monitores de Educação Física.
(MARINHO; ACCIOLY, 1956).
Mesmo de forma incipiente, esse é o primeiro registro sobre formação de
professores de Educação Física no Brasil, sendo realizada sob as tutelas militar e
eugenista. (MARINHO; ACCIOLY, 1956).
234
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO
PARÁ E A ASPIRAÇÃODISCENTE
2 VISÃO PANORÂMICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO PARÁ
A formação em Educação Física, no Pará, teve seu início, em 1967, com a
criação, pelo governo do Estado do Pará, do Curso Superior de Educação Física,
com o objetivo de suprir a necessidade de professores dessa área para a rede
estadual de ensino. (UEPA, 2010).
Vale ressaltar que, ainda nos anos de 1934 e 1940, foram realizados, em
Belém, dois cursos de Educação Física, que tinham como objetivo qualificar
professores normalistas para ministrarem aulas no ensino primário, tendo os
cursos duração de apenas um ano. (SANTOS, 1985)
O curso havia sido criado, porém, não existia um local para o seu
funcionamento; e após alguns acordos, dentre eles a doação, pelo Governo do
Estado, de uma grande área que pertencia ao Colégio Souza Franco para a Fundação
Educacional do Estado do Pará – FEP, foi construído o espaço físico que acolheu
o curso. Como parte do processo de efetivação da formação em Educação Física,
no Estado, em 1970, foi inaugurada a Escola Superior de Educação Física do Pará
– ESEF/PA. (SANTOS, 1985).
A criação da Escola Superior de Educação Física se consolidou com o
Decreto Nº 66.548, de 11 de maio de 1970, com sanção do Presidente Emílio
Garrastazu Médici (SANTOS, 1985). A matriz curricular do curso era regida pela
Resolução CFE Nº 69, de 1969, promulgada com os objetivos de implantar um
novo currículo para a área da Educação Física e estabelecer uma carga horária
mínima de 1.800 horas para a integralização curricular. (SILVA, 2009).
O primeiro processo seletivo para o preenchimento das setenta vagas
ofertadas – sendo 35 para homens e 35 para mulheres – foi realizado entre os
dias 20 e 23 de maio de 1970. Nessa seleção, houve oitenta e sete candidatos
inscritos, cinquenta e seis aprovados e apenas dezenove concluintes. A solenidade
de Colação de Grau aconteceu no Teatro da Paz, no dia 16 de dezembro de 1972.
O reconhecimento do Curso, com habilitação em Licenciatura e Técnico em
Desportos, com duração de um ano e meio, veio com a emissão do Parecer Nº
2.679, de 04 de agosto de 1976, do Conselho Federal de Educação – CFE, e do
Decreto Nº 78.610, de 21 de outubro de 1976, sancionado pelo Presidente da
República Ernesto Geisel. (SANTOS, 1985).
Outras alterações curriculares aconteceram, com o passar dos anos, com a
necessidade de melhorar e assegurar a qualidade da formação em Educação Física.
Porém, uma dessas mudanças, bem significativa, foi introduzida pelo Parecer CFE
Nº 215, de 11 de março de 1987, e pela Resolução CFE Nº 3, de 16 de junho
de 1987, com a criação do Bacharelado em Educação Física e a fixação da carga
235
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo / Wagner Wey Moreira
horária mínima de 2880 horas, com a duração do curso de quatro a sete anos.
(CONFEF, 2010).
Em 24 de fevereiro de 1994, a FEP foi extinta com a criação da Universidade
do Estado do Pará – UEPA, que incorporou os cursos ofertados pela antiga
Fundação. O Curso de Educação Física, da UEPA, que passou a ter essa
denominação, faz parte hoje do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde dessa
Universidade. (UEPA, 2010).
Alguns anos se passaram e, dentro de uma política de interiorização da
formação superior, a UEPA adentrou o interior do Estado com seus cursos,
inclusive para a área da Educação Física, sendo ofertada a Licenciatura em EF nos
cinco campi da Instituição: Belém, Altamira, Conceição do Araguaia, Santarém
e Tucuruí.
Todos os Cursos de Educação Física da UEPA são regidos e orientados pelo
mesmo Projeto Político-Pedagógico – PPP, que vem se modificando com o passar
dos anos, algumas vezes por recomendação dos órgãos avaliadores dos cursos
superiores, outras, para tentar acompanhar as mudanças, inclusive de paradigmas,
pelas quais a Educação Física brasileira vem passando.
Antes mesmo de a UEPA iniciar seu processo de interiorização, a
Universidade Federal do Pará implantou, no ano de 2000, o Curso de Educação
Física, em Castanhal, cidade próxima da capital, localizada na Região Nordeste
do Estado. A formação em Educação Física, na UFPA/Castanhal, também está
direcionada à Licenciatura e também já realizou algumas mudanças em seu PPP,
ao longo desses dez anos de curso.
A UFPA, preocupada com o grande número de belenenses cursando
Educação Física, em Castanhal – a finalidade do curso era fomentar a formação
de pessoas oriundas daquele município e região –, criou, em 2006, a Licenciatura
em Educação Física, no campus do Guamá, em Belém. Faz-se necessário ressaltar
que os diferentes Cursos de Educação Física, da UFPA, diferentemente do que
foi apresentado na UEPA, são regidos por PPPs distintos.
No ano de 2007, a formação em Educação Física, no Pará, cresceu de
forma rápida, com a criação de três cursos de Licenciatura para a área, ofertados
por instituições privadas.
O primeiro, pela Escola Superior Madre Celeste (ESMAC), localizada
no Município de Ananindeua, área metropolitana de Belém, propõe graduar,
anualmente, 200 professores e formou sua primeira turma em 2010. A ESMAC
integraliza uma carga horária de 3.360 horas, em um período mínimo de três anos e
meio e máximo de cinco anos. Sua matriz curricular engloba disciplinas relacionadas
às áreas biológica, de humanas, pedagógicas e do esporte, em seu núcleo obrigatório,
236
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO
PARÁ E A ASPIRAÇÃODISCENTE
possuindo, também, um elenco de disciplinas optativas, que perpassam temas de
intervenção do profissional de Educação Física. (ESMAC, 2010).
O segundo curso, da Escola Superior da Amazônia (ESAMAZ), forma, por
ano, cerca de 100 profissionais habilitados para exercerem a docência de Educação
Física na Educação Básica (ESAMAZ, 2010). Não foi possível conseguir outras
informações complementares sobre o curso, pois o link “Graduação” de seu
website está, há quase dois anos, em atualização, não podendo ser aberto. Em visita
à instituição para obter informações e outros dados, como a matriz curricular, por
exemplo, disseram-nos que acessássemos o site.
Nesse nascedouro de cursos de Educação Física, no Estado, a Universidade
Luterana do Brasil (ULBRA) foi a terceira instituição a criar a Licenciatura Plena
em Educação Física, no Pará, em curso sediado na cidade de Santarém, na região
do Tapajós, diplomando, anualmente, 50 professores habilitados para trabalharem
tanto em escolas quanto em academias, hospitais, clínicas, hotéis, clubes e demais
locais que exigem a atuação de um profissional de Educação Física; seu processo
de formação tem a duração de sete semestres, que totalizam três anos e meio com
carga horária total de 2.852 horas. (CEULS, 2010).
Como se pode observar, dentre os dez cursos existentes todos têm seu
processo de formação voltado para a Licenciatura, ou seja, a formação em
Educação Física, no Estado do Pará, habilita professores para atuarem na escola,
na Educação Básica, conforme Resolução nº 1, de 2002, que institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a formação de professores da Educação Básica.
No entanto, o Pará vem crescendo, também, em várias áreas que envolvem
a Educação Física, como academias de ginástica, clubes, hospitais, turismo,
reabilitação, treinamento desportivo, entre outras, que provavelmente não estão
sendo tratadas nos cursos de formação em Educação Física, no Estado, que se
limitam à Licenciatura.
Para melhor esclarecimento, desde 1987, foi criado o Bacharelado em
Educação Física, no Brasil, porém se misturava à Licenciatura, o que resultava
em um profissional generalista.
A Resolução CNE/CES nº 7, de 31 de março de 2004, que instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Graduação Plena (Bacharelado),
e definiu orientações específicas para a Licenciatura Plena em Educação Física, de
acordo com o que já se havia definido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Formação de Professores da Educação Básica, é bem clara quando afirma que
o licenciado em Educação Física terá como único campo de atuação a escola, a
educação formal. Por outro lado, o bacharel poderá atuar nos demais campos da
Educação Física, menos na escola de Educação Básica. (BRASIL, 2010).
237
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo / Wagner Wey Moreira
Mas os egressos dos cursos de Licenciatura em Educação Física, no Pará,
estão ocupando todos os campos de trabalho que a Educação Física possibilita, o
que nos leva a pensar na ilegalidade do exercício profissional, em uma indefinição
na identidade profissional em Educação Física, nas aspirações dos alunos em
relação ao exercício profissional, se estão sendo atendidas pela Licenciatura e pela
adequação dos PPPs dos cursos.
Deixaremos a questão da ilegalidade ou não do exercício da profissão no
Estado do Pará como ponto de reflexão para o leitor, e apresentaremos, em seguida,
a metodologia que seguimos e o resultado de nosso estudo, que visa identificar a
identidade docente em Educação Física, no Pará, e se a aspiração dos discentes
em processo de formação está sendo atendida.
3 METODOLOGIA
Para dar corpo à pesquisa, fizemos uso de três ferramentas metodológicas:
a pesquisa bibliográfica (livros, revistas especializadas, websites, teses e dissertações),
a pesquisa documental (Projetos Políticos Pedagógicos e legislação) e a pesquisa
de campo (entrevista).
As instituições investigadas foram a Universidade do Estado do Pará –
UEPA, campus de Belém, e a Universidade Federal do Pará – UFPA, campi de
Belém e de Castanhal. Os critérios estabelecidos para a escolha dessas Instituições
foram: a oferta de ensino gratuito; a proposta de desenvolverem seu processo de
formação baseadas e orientadas por Projetos Políticos Pedagógicos próprios; e a
viabilidade de acesso a esses documentos.
Os sujeitos da pesquisa foram os alunos que estavam cursando o último
semestre do Curso Superior de Educação Física, em instituições públicas, no
Estado do Pará. Os critérios de seleção desses alunos foi que se disponibilizassem,
livremente, a participar da pesquisa e que preenchessem e assinassem o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido. Participaram dessa pesquisa 12 alunos das
três unidades de ensino mencionadas.
As perguntas geradoras foram: — 1. O que, para você, é ser profissional de Educação
Física? — 2. Quais disciplinas você destaca como mais relevantes para a sua formação
profissional? Justifique. e — 3. As suas expectativas quanto ao exercício profissional estão
sendo atendidas pelo Curso? Por que?
Para a coleta e a análise dos dados, no que diz respeito ao discurso dos
alunos, utilizamos a Técnica de Elaboração e Análise de Unidades de Significado
(MOREIRA; SIMÕES; PORTO, 2005).
238
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO
PARÁ E A ASPIRAÇÃODISCENTE
Para analisar os Projetos Político-Pedagógicos – PPPs, das Instituições
pesquisadas, identificamos como pontos relevantes: as justificativas; os objetivos
gerais e específicos; as matrizes curriculares (disciplinas obrigatórias e eletivas);
as bases epistemológicas que serviram de orientação; e o perfil do profissional
que pretendem formar.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO
O PPP do Curso de Educação Física da UEPA, em vigor para as turmas do
5º até o 8º semestresii, foi construído em 1999, numa perspectiva participativa, por
uma comissão composta por um colegiado de curso e por um grupo de trabalho
constituído por representantes da comunidade acadêmica e da comunidade
externa, com a intenção de se fazer um corte em relação ao anterior, sendo no atual
privilegiadas as disciplinas pedagógicas em detrimento das biológicas e esportivas.
A fim de justificarem esse arranjo curricular que dá ênfase à licenciatura,
os elaboradores do projeto afirmam que, dentre vários aspectos inerentes à
Educação Física, há um de grande relevância que é o estabelecimento da ação
pedagógica em qualquer área de atuação, seja escolar ou não escolar. E mais, que
o trato pedagógico só se diferencia na ênfase que lhe é atribuída, de acordo com
o campo de atuação do profissional e os objetivos a atingir. A carga horária total
estabelecida para a integralização do curso de Educação Física, da UEPA, foi de
3.060 horas, obedecendo ao tempo mínimo de oito semestres e máximo de 14
semestres, possuindo em sua matriz disciplinas obrigatórias e eletivas.
Quanto ao curso de Educação Física da UFPA, campus Castanhal, seu início
foi no ano de 2000, estando o PPP respectivo em vigor, até a finalização dessa
pesquisa, o qual havia sido construído em 2004; seu currículo requer integralização
de uma carga horária total de 2.985 horas, contando com uma matriz de disciplinas
obrigatórias e optativas. Em seu PPP, o curso é denominado Licenciatura Plena
em Educação Física e se diz estar estruturado na Teoria da Complexidade, na
Motricidade Humana e na Pedagogia do Movimento, além de tomar como base a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira - LDB, de 1996, e os Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCNs.
O PPP do Curso de Educação Física da UFPA, em Belém foi, construído no
ano de 2006 com o objetivo de implantar o curso nessa instituição. A carga horária
total é de 3.124 horas, sendo a integralização curricular do curso feita em oito
semestres, como prazo mínimo, e em até 12 semestres, como prazo máximo. Esse
PPP tem uma matriz curricular composta por disciplinas obrigatórias relacionadas
às áreas da educação, da saúde e das ciências das humanidades e por disciplinas
239
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo / Wagner Wey Moreira
optativas que dão espaço para a área esportiva. O PPP da UFPA, campus de
Belém, analisado em nossa pesquisa sofreu alterações, e um novo projeto entrou
em vigor, a partir do ano de 2010.
Pela análise que fizemos dos PPPs dos Cursos de Educação Física das três
instituições estudadas – UEPA, UFPA Castanhal e UFPA Belém, observamos
avanços, mas também retrocessos. Avanços, no sentido de focar o ensino, a pesquisa
e a extensão, de incluírem disciplinas da área das humanidades com o intuito de
perceber o homem em seus vários aspectos, de incluírem os TCCs como tarefa
obrigatória para a conclusão do curso, entre outros.
Os retrocessos ficam, principalmente, por conta de limitarem a formação
em Educação Física à Licenciatura, haja vista o crescimento de um mercado que
extrapola a escola, bem como de se relegar, no sentido de pôr em segundo plano,
os conteúdos da Educação Física na escola, que são os jogos, as ginásticas, os
esportes, as lutas e as danças – pelo menos é o que preconizam os PCNs, reservando
a eles, quando muito, uma única disciplina, no núcleo de disciplinas obrigatórias,
que se limita à teoria, ou deixando a cargo das eletivas que, na maioria das vezes,
não são nem ofertadas.
Com as análises e discussões apresentadas em relação aos PPPs,
registraremos, nesse momento, o resultado das entrevistas com os alunos dos
cursos de Educação Física das instituições pesquisadas.
Tabela 1 – Correspondente à 1ª Pergunta: O que para você é ser profissional de Educação
Física?
Sujeitos / Unidade de
1
significado
2
3
4
5
6
7
8
9 10 11 12
Amigo de todos
X X
Orientador de saúde
X X
Diversificado
X X X X
Dominar os conteúdos
X X
X X
X
X
da Educação Física
Educador
X X X X
X X X X X
Total
%
2
2
4
16.66
16.66
33.33
6
50
9
75
A leitura que fazemos das respostas dos alunos e, consequentemente, das
unidades de significado capturadas, é a de que a maioria dos alunos entrevistados
não se sentiu seguro em responder o que é ser um profissional de Educação Física,
fato este que julgamos assustador, pois eles estão finalizando seu processo de
formação inicial em Educação Física e, ao que tudo indica, ainda não se localizaram
enquanto profissionais e demonstram carência de uma identidade que demarque
a profissão que escolheram.
240
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO
PARÁ E A ASPIRAÇÃODISCENTE
Tabela 2 – Correspondente à 2ª Pergunta: Quais disciplinas você destaca como mais
relevantes para sua formação profissional? Justifique.
Sujeitos / Unidade de
1
significado
Esportivas
Humanas
Biológicas
Pedagógicas
2
3
4
5
6
7
8
9 10 11 12
X
X
X X
X
X X
X X X
X X X
X
X X X X X
X X X X
Total
%
2
5
7
9
16.66
41.66
58.33
75
Optamos por não estabelecer uma discussão das disciplinas esportivas,
porque, na realidade, os alunos que as escolheram como mais relevantes, também
apontaram as pedagógicas, as biológicas e as humanas, ou seja, acreditam que todas
essas disciplinas servem de base para sua formação – talvez, esses alunos sejam
defensores de uma formação generalista – porém, alertam para a necessidade de
um comprometimento maior por parte do curso e dos professores, para que elas
sejam ministradas com mais qualidade, a fim de atenderem às suas expectativas e
aspirações profissionais.
Tabela 3 – Correspondente à 3ª pergunta: As suas expectativas quanto ao exercício
profissional estão sendo atendidas pelo Curso? Por quê?
Sujeitos / Unidade de
1
significado
Não atende
Professores
descompromissados
Ausência da prática
Universidade
desconectada do
mercado de trabalho
2
3
4
5
6
7
8
9 10 11 12
Total
%
12
100
X X X
3
25
X
5
41.66
5
41.66
X X X X X X X X X X X X
X
X
X X
X
X
X X X
De uma forma geral, a Tabela 3 demonstra um cenário sem muitas surpresas;
portanto, o nível de convergência atingido por algumas unidades de significado
que justificam o não atendimento às expectativas dos alunos, pensamos ser motivo
de preocupação, de uma reavaliação e de uma reformulação nos PPPs, na prática
docente dos professores formadores e nos próprios cursos.
No que concerne a uma análise do cruzamento entre o que dizem os PPPs
dos Cursos de Educação Física, da UEPA, UFPA Castanhal e UFPA Belém, e o
discurso dos alunos, alguns pontos nos chamaram a atenção, como a formação
exclusiva em licenciatura, tendo como consequência a limitação profissional, ou a
má formação profissional direcionada às demais faces do mercado de Educação
241
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo / Wagner Wey Moreira
Física; a ausência de algumas disciplinas, no núcleo obrigatório; o desconhecimento
dos alunos sobre o perfil do profissional que os cursos pretendem formar; a
insatisfação dos alunos com o Curso; e a desconexão entre teoria e prática essenciais
para o bom exercício profissional.
Talvez essa ausência da articulação da teoria com a prática seja decorrência
de o estágio curricular só acontecer no final do curso, causando nos alunos uma
profunda insegurança para encararem a realidade do mercado de trabalho, mais
especificamente suas funções na escola, já que os Cursos são de Licenciatura.
Para Betti (1991), o estágio curricular precisa ser repensado pelas
universidades e apoiado pelas atividades de extensão e atividades extracurriculares,
com o intuito de que os alunos possam vivenciar e aplicar os conhecimentos que
estão adquirindo na sala de aula. Para esse autor, o estágio curricular deveria ser
obrigatório a partir do 3º semestre do curso e fazer parte da rotina das disciplinas,
e não mais por um pequeno grupo de disciplinas que, geralmente, são ofertadas
no final do curso.
Segundo Pimenta (2006), a teoria deve proporcionar aos professores
subsídios para que possam analisar e compreender os contextos históricos,
culturais, sociais, organizacionais e de si mesmos, como profissionais, para que
possam intervir no processo educacional de seus alunos; mas pensamos que, sem
a articulação com a prática, os resultados das pesquisas em educação terão sempre
essa face pessimista.
Vale ressaltar que o processo de formação profissional perpassa longos
anos de preparação a fim de cumprir o objetivo de proporcionar aos “futuros
trabalhadores conhecimentos teóricos e técnicos que os preparem para o trabalho.”
(TARDIF, 2010, p.57). Porém, ainda segundo Tardif (2010), esse emaranhado de
conhecimentos precisa ser completado e estar articulado a uma vivência direta
com o exercício da profissão.
Veiga (2009) assinala que formar professores se constitui no ato de
preparar o docente para o exercício do magistério e que isso envolve uma ação a
ser desenvolvida com alguém que vai exercer o papel de educar, de aprender, de
pesquisar e de avaliar. Por isso, o processo de formação deve ser encarado como
multifacetado e plural, e deve ser constituído de um início e desprovido de um final.
Acreditamos que esses pontos identificados na pesquisa não constituem
novidade para os envolvidos com a Educação Física; porém, na maioria das
vezes, não passavam de suposições e achismos que precisavam ser perscrutados,
analisados, questionados e registrados, dado a carência de estudos direcionados à
formação em Educação Física.
242
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO
PARÁ E A ASPIRAÇÃODISCENTE
CONCLUSÕES
Como pesquisadores que somos nos envolvemos com os detalhes e as
nuanças da história da Educação Física, no Brasil, mais especificamente no Estado
do Pará, que na maioria das vezes é ignorada ou deixada de lado.
Ficou evidente, nesse estudo, que os PPPs dos Cursos de Educação Física,
no Pará, têm como proposta a formação de professores para atuarem na Educação
Básica. Sendo assim, é relevante pontuar que existem alunos que aspiram à mesma
formação proposta pelos PPPs, porém, há alunos que aspiram uma formação que
lhes possibilite trabalhar em outros campos da Educação Física, que não estão
sendo atendidos pelos cursos.
Outro ponto que julgamos necessário frisar é que tanto os PPPs dos cursos
quanto os alunos aspiram a uma identidade distanciada do paradigma mecanicista
e próxima de uma identidade plural. No entanto, os alunos revelaram, em seus
depoimentos, que as propostas dos PPPs ainda não conseguiram ser totalmente
efetivadas.
Nesse emaranhado entre o que propugna os PPPs e o que acontece no
dia-a-dia do Curso, acrescido da insatisfação dos alunos – revelada nessa pesquisa
– com esse processo todo que envolve sua formação profissional, está em jogo a
construção da identidade do profissional de Educação Física.
Diante do cenário desvelado em nossa pesquisa, propomos aos Cursos de
Educação Física, no Pará, que repensem seus PPPs, que revejam suas matrizes
curriculares e sejam coerentes com elas, que atentem para o perfil do profissional
que desejam formar e avaliem se ele está em consonância com o que a universidade
pode oferecer e com a demanda do mercado, que formem profissionais que possam
atuar com qualidade e segurança em todas as áreas da Educação Física, não os
limitando a uma única. Que façam o entrelaçamento entre teoria e prática, para
que os alunos já possam manter contato com a realidade profissional que os espera
desde o início da graduação. Que progridam na tríade ensino-pesquisa-extensão,
e que o belo discurso que representam os PPPs se transforme em ações que,
de fato, impulsionem essa dinâmica que movimenta o processo de construção,
desconstrução e reconstrução da identidade do profissional de Educação Física.
Chegamos ao fim deste artigo, mas não esgotamos aqui nossas inquietações,
questionamentos e proposições. E acreditamos na relevância de nossa pesquisa para
a Educação e para a Educação Física, principalmente, no sentido de ter construído,
em seu corpo, informações – advindas de fontes preciosas, que são os depoimentos
dos alunos – sobre como o processo de formação está acontecendo, no Pará, pois
há uma carência muito grande de estudos direcionados a essa área. Desejamos que
esse texto, ao ser consultado, possa gerar mais inquietações e questionamentos
que suscitem novas práticas e novos estudos em Educação Física.
243
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
Margarida do Espírito Santo Cunha Gordo / Wagner Wey Moreira
NOTAS
Alguns documentos oficiais do período imperial imprimiram à Educação Física a
nomenclatura de Ginástica, que se popularizou, formatou e difundiu a Educação
Física no mundo. Foi utilizando a nomenclatura Ginástica que as atividades
relacionadas ao corpo e ao movimento penetraram no âmbito educacional
compondo os currículos obrigatórios. (FIGUEIREDO; HUNGER, 2008)
i
ii
As turmas que entraram a partir de 2008 já estão sendo regidas por um novo PPP.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Ministério da Educação. (MEC). Conselho Nacional de Educação (CNE).
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nacionais para os cursos de graduação em educação física, em nível superior de
graduação plena. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ces
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CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA (CONFEF). Regulamentação
da Educação Física no Brasil. Elaboração de medidas legais e a criação de um
conselho. Rio de Janeiro: CONFEF, [http] 2010. História. Disponível em: http://
www.confef.org.br/extra/conteudo/default.asp?id=16. Acesso: 23 abr. 2010.
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sobre o número de vagas e do valor da mensalidade em Educação Física dessa
Instituição. Disponível em: http://www.esamaz.com/v01/vestibular-20122
Acesso: 03 abr.2012.
ESCOLA SUPERIOR MADRE CELESTE (ESMAC). Apresenta informações
sobre o Curso de Educação Física da ESMAC. Disponível em: http://www.esmac.
com.br/view_superiores.php?id=5 Acesso: 03 abr.2012.
FIGUEIREDO, J. F.; HUNGER, D. Do conhecimento histórico das ginásticas
e sua relevância na formação e atuação profissional em Educação Física.
EFDEPORTES [Revista Digitial]. Buenos Aires, v. 13, n. 126, nov. 2008. Disponível
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LINHALES, M. A. A escola e o esporte: uma história de práticas culturais. São
Paulo: Cortez, 2009.
MARINHO, I. P. História da Educação Física e do desporto no Brasil. Rio de
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244
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO
PARÁ E A ASPIRAÇÃODISCENTE
MARINHO, I. P.; ACCIOLY, A. R. História e organização da Educação Física e
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Acesso: 03/05/2012.
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VEIGA, I. P. A. A aventura de formar professores. Campinas: Papirus, 2009.
VERÍSSIMO, J. A educação nacional. 3 ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
245
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 231-246, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS
E MORIGERADOS” NA PROVÍNCIA DO GRÃO
PARÁ: 1870-1889
Andreson Carlos Elias Barbosa*
Resumo: O artigo objetiva apresentar sucintamente os resultados de um estudo mais
amplo sobre o atendimento à criança desvalida no Grão Pará, destacando o Instituto
Paraense de Educandos Artífices. Tem como questão base: qual o objetivo principal do
governo da Província com a fundação desse Instituto? As fontes primárias utilizadas
foram: os relatórios presidenciais e dos diretores do Instituto, a legislação educacional
local, minutas de ofícios, e jornais que circulavam na Província à época. Os resultados
revelam que o atendimento oferecido se caracterizou como mais um instrumento de
consolidação dos ideais iluministas produzidos na Europa, materializados no projeto
civilizador de transformar índios e mestiços em cidadãos “distinctos e morigerados”.
Palavras-chave: Província do Grão Pará. Criança desvalida. Instituto Paraense de
Educandos Artífices.
THE EDUCATION OF CITIZENS “OF DISTINCTION AND
GOOD MANNERS” IN THE GRÃO PARÁ PROVINCE: 1870-1889.
Abstract: The article intends to present the results of a larger study on the assistance
to deprived children in Grão Pará, highlighting the Instituto Paraense de Educandos
Artífices. The basic question addressed: what was the main objective of the provincial
government with the foundation of this Institute? The primary sources were the
reports of issued by the presidents of the Province, and the directors of the Institute,
the local educational legislation, drafts of letters, and newspapers that circulated in the
Province at that time. The results show that the service rendered was characterized
in one more tool for consolidation of the ideals of the Enlightenment produced in
Europe, embodied in the civilizing project designed to turn the indians and mestizos
into citizens of distinction and good manners..
Keywords: Grão Pará Province. Deprived children. Instituto Paraense de Educandos
Artífices.
* Mestre em Educação. Professor da Fundação Escola Bosque, da Rede Municipal de Belém. Pesquisador do grupo ECOS/UFPA.
247
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
INTRODUÇÃO
A partir de 1850, o Brasil passa por profundas alterações proporcionadas
pelo contexto político de estabilidade que se constituiu no Segundo Reinado, já
que, nessa época, o turbulento período das rebeliões regenciais havia passado. Na
Amazônia, também, foi um período muito importante, principalmente por conta
da exploração extensiva dos seringais e da elevação da demanda pela borracha,
no mercado internacional; da introdução da navegação a vapor; da chegada dos
imigrantes nordestinos.
Nesse contexto, torna-se central, do ponto de vista histórico e cultural, a
preocupação com a construção da identidade nacional e com o desenvolvimento
e o progresso do país, o que provocou a implantação de medidas importantes,
de grande impacto social. A educação era uma dessas medidas consideradas
imprescindíveis para se atingir os objetivos desejados. José Veríssimo, homem das
letras e político paraense, defendia que a educação era uma condição inalienável
para garantir “a superação de traços degenerescentes das raças que predominavam
na conformação do tipo humano miscigenado dominante nesse espaço geográfico
– o caboclo” (ARAÚJO, 2007, p.11).
Por conta desses propósitos, nas décadas finais do século XIX, assistese à criação de diversas instituições visando ao atendimento educacional,
principalmente da população pobre. O objetivo era educar para se alcançar uma
nação transformada e regenerada, capaz de formar o indivíduo para a nova realidade
social a ser construída, ordenada pelo Estado e pensada por intelectuais que
julgavam o Brasil um país desorganizado, principalmente quando comparado às
nações do mundo civilizado (GONDRA, 2002). As instituições criadas convergiam
em direção a um objetivo básico: civilizar as camadas mais amplas da população.
Dentre as iniciativas, destaca-se a criação dos Institutos. Estabelecimentos
que, além de funcionarem como instituições de acolhimento e disciplinamento,
com forte presença dos pressupostos higienistas, de intenso moralismo e
religiosidade, tinham como propósito oferecer assistência às crianças desvalidas,
proporcionando-lhes, além do ensino teórico, a educação profissional com vistas
à formação de cidadãos úteis a si e à nação.
O Brasil teve internatos, desde os tempos coloniais, mas é a partir do
Segundo Reinado que eles assumem um papel de destaque na realidade nacional,
com função política mais definida. Para Bezerra Neto (1998, p.189), o investimento
na construção dessas instituições representava “a materialização dos anseios de
vários grupos sociais que vivenciavam as transformações ocorridas na sociedade
paraense, a partir das últimas décadas do século XIX, embalados na crença do
progresso social e moral dos povos”.
248
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
A intenção era a de que os asilos e instituições desse gênero atendessem
ao público que antes recorria às Santas Casas de Misericórdia e, principalmente,
às Rodas dos Expostos; isto é, essas novas instituições atenderiam àqueles que
necessitavam do “aparato jurídico-assistencial destinado a educá-los e corrigilos” (RIZZINI, 2009, p.98). A principal diferença é que ofereceriam um serviço
a mais: a formação profissional, com o objetivo de constituir sujeitos capazes de
desenvolver uma ocupação favorável ao mercado. Isso, no plano político, impediria
a disseminação de pensamentos considerados subversivos e revolucionários,
especialmente no que diz respeito às propostas de mudanças de sistema de
governo. Esperava-se, com isso, o aumento da riqueza do país, com o crescimento
da produção e a melhoria na qualidade dos produtos fabricados e dos preços
comercializados.
Foram fundadas Escolas de Aprendizes Artífices nas capitais de dez
províncias do país, muitas delas situadas nas cidades nas quais, anteriormente,
existiram as Casas de Órfãos ou similares, todas voltadas para o ensino de um
determinado ofício mecânico, visando a educar pelo trabalho, considerado
“elemento reabilitador” (MARQUES; LANGE, 2008, p.93).
1 A JUSTIFICAÇÃO E OS FUNDAMENTOS DE UMA OBRA – O
INSTITUTO PARAENSE DE EDUCANDOS ARTÍFICES
Nas últimas décadas do século XIX, Belém vive uma verdadeira
transformação, proporcionada, principalmente, pelos recursos advindos do ciclo
gomífero. Em 1872, a capital da Província do Pará era a quarta maior cidade do
Império e palco de diversificadas relações estabelecidas entre seus moradores.
Segundo Guimarães (2006), o desenvolvimento da urbe belenense deveu-se,
sobretudo, à resolução do problema do alagadiço do Piry, que deu à cidade um
ar de reforma e causou grande transformação: “uma ampliação das fronteiras
urbanas da cidade, redefinindo as áreas de habitação” (GUIMARÃES, 2006, p.48).
O aterramento das áreas alagadas impulsionou, também, a implementação
de outras modificações infraestruturais. A navegação a vapor, o calçamento e
a iluminação das ruas, foram tentativas da elite local de construir aqui outra
cidade para morar, mais agradável e condizente com a atual condição. Por isso,
grande parte das modificações citadas teve o centro como espaço exclusivo de
desenvolvimento.
Também os lucros com a exploração da borracha fizeram com que as
elites sentissem uma necessidade, cada vez maior, de consumir supérfluos. Toda
essa efervescência econômica gerou uma grande demanda por trabalhadores
249
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
especializados para atuação nas mais diferentes áreas. Bibliografias que tratam
dos ofícios da época apresentam uma extensa lista das mais variadas atividades
laborais praticadas pelas pessoas mais pobres que circulavam pelas ruas de Belém
(principalmente na Rua dos Mercadores, ponto comercial mais importante da
cidade): lavadeiras, padeiros, ambulantes diversos (vendedores de frutas, de peixes,
de artefatos de madeira), caiadores, moços de recado, vassoureiros etc. (BELTRÃO,
2008). Para atuar em todas essas e outras atividades, muitas vezes, se precisava de
conhecimentos específicos.
O embelezamento da cidade, com suas grandes fachadas e gradis suntuosos,
também exigia artífices talentosos e preparados, mas ela não dispunha de tais
profissionais. Dessa forma, pensou-se no ensino profissional como uma solução
para dar uma ocupação útil às pessoas mais pobres que perambulavam pelas ruas,
com tabuleiros na cabeça, destas tirando toda a sofisticação que as reformas haviam
produzido, ao mesmo tempo em que se atendiam às demandas de conhecimentos
especializados para o desenvolvimento da Província; por isso, nesse sentido, o
ensino profissional passou a ser grandemente valorizado.
O ensino profissional não foi algo típico da segunda metade do Oitocentos,
pois, ainda no Período Colonial, a “educação profissional era prioritária para o
aprendizado de ofícios mecânicos que pudessem servir de ocupação e de sustento”
(FONSECA, 2008, p.535), mas é “com o positivismo e a força revolucionária das
teorias evolucionistas” (RIZZINI, 2008, p.46), que as iniciativas acerca de uma
educação de artes e ofícios tomam outro fundamento. Prova disso é a construção de
lugares específicos para se ministrar a educação profissional. Enquanto, no Período
Colonial, a educação profissional “fazia-se por meio do envio das crianças para os
mestres e mestras de ofício, com os quais aprenderiam a garantir o seu sustento”
(FONSECA, 2008, p.539), no Oitocentos, ela acontece em instituições específicas.
É nesse contexto que o ensino profissionalizante assume um caráter mais
formal, tudo com vistas à execução eficiente de um projeto de nação livre das
amarras de seu passado colonial (RIZZINI, 2008). Para isso, uma das ideias
pensadas foi a “fundação de grandes estabelecimentos totaisi de internamento e
de segregação da sociedade para crianças e adolescentes carentes e sem-família.”
(MARCÍLIO, 2006, p. 206) que, por meio da educação profissionalizante,
forneceriam a mão de obra necessária para o desenvolvimento do Brasil. Esse
contingente poderia inclusive ser utilizado na nascente industrialização brasileira
que carecia de pessoas preparadas para os mais diversos ofícios.
As autoridades consideravam, também, que a permanência dos meninos
nesses institutos de formação de artífices se associava perfeitamente aos anseios
civilizatórios, já que se apresentava como alternativa para que eles não se
envolvessem em atividades ilícitas (UJIIE; PIETROBON, 2008).
250
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
Segundo Bercho (2009, p.19), a escolha do modelo asilar não foi mera
coincidência, muito ao contrário, ele era visto “como um espaço único para a
disciplina do corpo” e tinha “como objetivo educar, formar, proteger e corrigir
menores abandonados” (MARCÍLIO, 2006, p.208), e a profissionalização era
considerada “o meio ideal para desenvolvimento do hábito e do amor ao trabalho
e como uma forma de preparar meninos e meninas, para serem úteis à sociedade”
(MARCÍLIO, p.214). A principal vantagem desse sistema era que ele proporcionava
a inclusão social de forma regulada ao se direcionar a um contingente populacional
específico, ao qual era capaz de dar assistência e servir de “medida de controle
social” (GONDRA; SCHUELER, 2008, p.108). Com relação a isso, Quiroga (2010)
diz que, no Brasil, a implementação do modelo de atendimento filantrópico possuía
características mais elitistas e conservadoras, se comparado com os desenvolvidos
em outros países.
A instalação do Instituto Paraense, em paralelo ao crescimento das demandas
promovidas pela Belle Époque, assim como pelas transformações da cidade, é um
exemplo da tentativa da elite governante da Província de “enquadrar os homens
livres pobres à ordem social como trabalhadores no processo de formação do
mercado livre na província paraense” (BEZERRA NETO, 1996, p. 45). Segundo
Rizzini (2004, p. 305), “a escassez de braços na Província, a perspectiva da abolição
do elemento servil e a expectativa de que os desvalidos fossem úteis à Província e as
suas famílias, compunham as justificativas para a criação da instituição educacional”.
Internatos como o Instituto Paraense se constituíram em solução para
“retirar a criança do seu meio deletério e educá-la para a nação que se idealizava”
(RIZZINI, 2009, p. 71), representando uma nova forma de socializar adequadamente
os meninos, já que, entre seus muros, simulava-se uma nova sociedade na qual
“as crianças foram induzidas a um novo mecanismo de organização do viver
através da implementação do comportamento social burguês” (BERCHO, 2009,
p. 21); ou seja, os artífices aprenderiam a viver, posteriormente, fora dos muros
institucionais sem causar grandes problemas às autoridades. Esse era, aliás, um
dos grandes sonhos nacionais: a construção de uma ordem civilizada (GONDRA,
2003). Para isso, a filantropia tornava-se uma ideia bem atrativa, principalmente
para a elite nacional, já que seus adeptos “passam a constituir uma espécie de elite
pensante no país que atua[va] no que para eles se constituía a modernização de
concepções e instituições sociais de diferentes áreas e domínios.” (QUIROGA,
2010, p. 8. Grifos da autora).
Essa elite “enxergava a população como composta por seres primitivos e
bárbaros” (RIZZINI, 2009, p. 87) e acreditava que o ideal filantrópico “permitiria
exercer um melhor controle sobre a sociedade” (MARCÍLIO, 2006, p. 206), o
251
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
que, sem dúvida, era muito oportuno na preparação do homem higiênico, bom
trabalhador e, principalmente, disciplinado (MARCÍLIO, 2006, p.207). Para isso,
os filantropos colocam “os conhecimentos técnico-científicos como o fundamento
de sua ação [...]” e realizam “uma poderosa articulação entre saber e poder”
(QUIROGA, 2010, p.7). As principais consequências disso são as hierarquias e a
divisão de poderes que se manifestavam na organização e na utilização dos espaços
internos do asilo (SCHUELER, 2000). É por conta disso que podemos afirmar que
“a matriz filantrópica permanece extremamente impregnada de valores morais em
relação ao que o grupo de ‘esclarecidos’ considerava como as formas corretas de
condução da vida pessoal, familiar e social dos atendidos” (QUIROGA, 2010, p.9).
Tais formas passam a estar presentes em todas as iniciativas propostas
pelos intelectuais da modernidade, inclusive na própria estrutura e organização dos
estabelecimentos de atendimento. Bercho, discorrendo sobre a finalidade dos
espaços físicos dessas instituições, afirma que eles eram pensados para produzir
uma ordem onde os educandos
[...] deveriam mover-se segundo a obediência de um tempo
não menos rígido e calculado. O controle do tempo era
essencial para o bom andamento das atividades diárias. Uma
vez que os alunos tivessem regras para cumprir no decorrer
do dia, se mantivessem ocupados, não sobraria tempo nem
espaço para a sociedade ou para o desenvolvimento de vícios
prejudiciais ao desenvolvimento físico e moral dos alunos
(BERCHO, 2009, p. 20).
A admissão da criança no Instituto significava uma verdadeira separação
entre o menino e sua família; uma separação não apenas espacial, mas de
comportamento e atitudes. Ao regressar para sua comunidade original, esse menino
deveria estar completamente moldado e assumir uma postura diferente em família.
Isso acontecia porque, ao longo do tempo em que as crianças permaneciam
internadas, eram doutrinadas por meio de “atividades moralmente corretas quanto
aos preceitos higiênicos de educação” (BERCHO, 2009, p.21), muito distante dos
modos de viver das populações mais carentes.
Como dito anteriormente, o Instituto também fazia parte de um processo
que se propunha a civilizar a Amazônia. Mas que civilização era pretendida? Para
Castanha, a civilidade é o ponto de chegada quando já se superaram a barbárie e a
selvageria, características mais contundentes de um estado de desordem. Segundo
esse autor, é civilizada a nação que consegue contribuir “para a construção de uma
sociedade ordenada e hierarquizada, onde os indivíduos saberiam quais eram os
252
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
espaços que poderiam e deveriam ocupar.” (CASTANHA, 2006, p.17). Gondra e
Schueler afirmam que civilização é
[...] o autocontrole e a introjeção de determinados hábitos
e normas de conduta, de formas de comer, vestir, morar,
conversar, amar e sentir, [e] passou também a expressar os
níveis de desenvolvimento artístico, teológico, econômico
e científico da humanidade, numa perspectiva claramente
etnocêntrica, que conferia superioridade à civilização
ocidental européia (GONDRA; SCHUELER, 2008, p. 69).
Portanto, a civilidade, que é o atributo que a educação buscará incutir no
cidadão para fazê-lo civilizado, deve ser “entendida como o controle de emoções
e formação disciplinada como um todo.” (VEIGA, 2002, p.95). Esse conceito
civilizador foi altamente influenciado pela ideia de filantropia que produziu um
verdadeiro redirecionamento no foco de interesse da assistência social, que se
desloca da salvação da alma para a “salvação do corpo e da sociedade.” (RANGEL,
2010). Martins (2004, p.26) ratifica isso, quando afirma “que o assistencialismo
no Brasil, até o século XIX, configurava-se nas ações das instituições religiosas
de cunho caritativo que carregavam uma dupla função: a piedade e a proteção
da moral social”. Assim, as iniciativas antes motivadas pelos caritativos valores
cristãos passam a ser empreendidas pelo Estado. A filantropiaii passa, então, a
qualificar o socorro aos necessitados, que deixa de ser uma virtude cristã para
ser uma virtude social; a generosidade passa a ser compreendida como um valor
próprio do homem bem-nascido.
A maior diferença entre os conceitos de filantropia e caridade é a motivação.
A caridade, mais relacionada aos ideais cristãos de amor ao próximo, pede a
renúncia da vaidade de quem a pratica; já a filantropia, ao contrário, tem no desejo
da publicização do ato generoso cometido seu principal foco, pois é justamente essa
divulgação que dará a visibilidade necessária à obra praticada, servindo de exemplo,
ou motivo de honraria. Outra diferença era que, até então, a Igreja havia praticado a
assistência social muito mais que o Estado, mas esse quadro começa a ser alterado
porque, agora, o governo assume uma postura mais atuante (OLIVEIRA, 2005).
Pela leitura dos relatórios (dos presidentes da Província, dos diretores do
Instituto e dos diretores da Instrução Pública) e de leis sancionadas no período
delimitado neste estudo (1870-1889), constata-se quão fortes foram os sentimentos
filantrópicos que motivaram os cidadãos a se interessar pelo atendimento às
crianças desvalidas, mesmo com muitas dificuldades em operar, na prática, suas
ações.
253
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
A ideia de fundação de um instituto de educandos para o ensino de ofícios
mecânicos foi apresentada à Assembleia Provincial pelo Presidente da Província
do Pará, João Alfredo Correa de Oliveira, quando afirma já haver encarregado o
titular da Secretaria de Obras Públicas de projetar essa instituição, “na qual o orphão
e o filho do pobre recebessem instrução primaria, e aprendessem convenientemente
as diversas artes á que se quisessem dedicar segundo as aptidões manifestadas”
(GRÃO-PARÁ. RPPP, 1870, p. 22. Grifos nossos).
Segundo Bezerra Neto (1996), João Alfredo só não conseguiu fundar o
instituto pretendido por conta das dificuldades orçamentárias impostas pelos
recursos limitados do tesouro público provincial, o que levou, inclusive, quando
a instituição foi fundada, à diminuição do número de educandos (de 50 para
30), como se previu, inicialmente, por meio da lei provincial de criação do
estabelecimento. Essas dificuldades também atrasaram o início das atividades do
Instituto em quase dois anos.
A motivação para atender a população a que se destinava o estabelecimento
era tão grande que a abertura das matrículas contou com anúncios públicos
(JORNAL DO PARÁ, 02/06/1872), o que demonstra o grande interesse das
autoridades provinciais de atingir o público-alvo a ser efetivamente alcançado e,
também, deixa claro que as autoridades provinciais, de alguma forma, entendiam
serem os periódicos importantes instrumentos de comunicação com as pessoas.
A segunda situação que demonstra a importância do Instituto para a
Província é a sua festa de inauguração. O Jornal do Pará publicou uma detalhada
matéria sobre o ocorrido, na qual diz que a inauguração contou com a presença
das autoridades mais importantes da Província, que discursaram exaltando a
relevância daquela iniciativa. A reportagem não se furta em descrever o prédio e
elogia, especialmente, a localização. O banquete ofertado também não é esquecido,
assim como os diversos brindes levantados durante a sua degustação.
Mas esse não foi o único momento de exaltação do estabelecimento.
Posteriormente, as autoridades não cessaram de relembrar as elevadas expectativas
que tinham com essa instituição e o impacto que ela poderia causar na Província
paraense. Os periódicos informam que eram constantes os visitantes ilustres,
como os presidentes da Província, que iam, quase sempre, com o objetivo de
averiguar como transcorria o atendimento. Outros anúncios e matérias publicadas
tratavam das festividades e cerimônias para as premiações anuais, como aparece
na reportagem do jornal a seguir:
Teve logar ante-hontem n’este estabelecimento publico de
instrucção mechanica e solemnidade de distribuição dos
premios aos alumnos, que mais se distiguiram no anno
254
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
lectivo, assistindo ao acto o Exm. Sr. Presidente da Provincia e
muitas pessoas distinctas da nossa sociedade. (A REGENERAÇÃO,
27/12/1874. Grifos nossos).
Até mesmo membros da família imperial, como o Conde D’Eu, estiveram
em visita ao Instituto. Os relatórios apresentados à Assembleia Provincial contêm
muitas das falas acerca do Instituto, após essas visitas, como, por exemplo, o de
5/11/1872, em que o Barão de Villa da Barra observa que, apesar estar instalado
há apenas quatro meses, o Instituto já “promette prestar á província relevantes
serviços, sendo de máxima utilidade a seus filhos que se vão applicando ás artes
e officios mecânicos” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1872, p.21). Da mesma forma, em
seu relatório de 18/04/1873, o Barão de Santarém não se furtou a dizer que o
Instituto “continua a funcionar regularmente e promette os benefícios que se deve
esperar de sua instituição.” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1873, p.10).
Cinco meses depois, outro Presidente, seguindo a linha de seus antecessores,
afirma que o Instituto é um estabelecimento que “vae progredindo de modo
satisfactorio” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1873, p.29), sendo que o Instituto dentre
“todas as instituições creadas no intuito de promover a instrucção publica, é [esta]
sem duvida das poucas que nos apresenta debaixo d’um ponto de vista mais util á
sociedade, pelos vantajosos resultados que della se deve esperar” (GRÃO-PARÁ.
RPPP, 1873, p.28) e pelo fato de ser o único “habilitado a constituir artistas distinctos
e amestrados” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1877, p.97. Grifos nossos).
Preparar artistas habilitados era, no entender do presidente Gama Malcher,
o principal alvo da formação oferecida naquele estabelecimento. O diretor
José Luiz Coelho, em relatório de 1878, escreve que a instituição visava formar
mecânicos práticos. Gama Abreu adere a essa ideia, ao afirmar que se destinava a
“crear homens praticos e não discursadores” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1879, p.24),
mostrando claramente a dicotomia entre trabalho intelectual e trabalho braçal,
sendo este último destinado às camadas mais pobres da população. Dessa forma,
o Instituto ofereceria “á provincia artistas com habilitações muito superiores ás
que até aqui possuíam; e não só habeis, como com hábitos de disciplina e moralidade,
que, inoculados nos primeiros annos, difficilmente se perderão” (GRÃO-PARÁ.
RPPP, 1881, p.57. Grifos nossos).
Os jornais paraenses também apresentaram interessantes opiniões a respeito.
Alguns classificavam o Instituto como “uma instituição meritória, de finalidades
altruísticas, destinando-se a uma trajetoria brilhante na senda educacional.” (O
ARTÍFICE, 03/06/1946). Outros reconheciam que o “desenvolvimento da
industria em seus diversos ramos não é sómente uma conveniencia economica de
255
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
ordem muito elevada, é mais do [que] isso, [é] uma palpitante necessidade social
de todos os centros da população.” (CORREIO DO NORTE, 18/09/1882).
Segundo o Presidente Guilherme Francisco Cruz, o Instituto era um
“estabelecimento prometedor de progresso e azylo utilíssimo aos engeitados da
fortuna” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1874, p.5). Para Gama Abreu, era uma instituição
“d’aquellas em que mais confiança deve ter a provincia” (GRÃO-PARÁ. RPPP,
1881, p.57), por ser
[...] de elevada importancia [para esta]; e si o elemento
pedagogico e o scientifico, realmente applicados ao preparo
de aptidões sociaes e industriaes forem devidamente
considerados [...], serão compensadas as despezas que custao
á província e correspondidos os intuitos humanitarios e
civilisadores que presidirão a fundação d’ellas. (GRÃOPARÁ. RPPP, 1882, p.7).
A sociedade também fazia vigilância sobre o estabelecimento, como
demonstra uma carta de um cidadão, que se identifica como um amigo do progresso,
enviada a um jornal paraense, que visitara o Instituto e se dizia muito satisfeito
com o que tinha visto, pois encontrara “grande differença no estabelecimento,
[...] notando o asseio, ordem e disciplina da casa, gostando sobre tudo muito de
ver o respeito e polidez dos novos educandos que pela maior parte são todos de
menoe idade.” (A PROVINCIA DO PARÁ, 07/06/1879).
2 A OBRA IMAGINADA E AS DIFICULDADES REAIS DO INSTITUTO
PARAENSE DE EDUCANDOS ARTÍFICES PARA FORMAR CIDADÃOS
MORIGERADOS
O ano de 1874 é o primeiro em que um Presidente apresenta as dificuldades
vivenciadas com aquele estabelecimento. Ele informa que, ao assumir a presidência
da Província, ao contrário dos seus antecessores, encontrou o Instituto em situação
precária. Antes disso, quando se tratava das condições físicas e infraestruturais do
estabelecimento, a maior preocupação era com a ampliação e melhoria do espaço
visando a atender um maior número de educandos. Todavia, as solicitações não
faziam críticas às condições do estabelecimento. Domingos da Cunha Junior,
por exemplo, quando solicita, em 1873, a ampliação dos cômodos do edifício,
principalmente aqueles onde funcionavam as oficinas, além de melhoria no espaço
da enfermaria e em outros, evita qualquer avaliação comprometedora.
256
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
Já Vicente de Azevedo, em seu relatório de 1874, afirma que, assim que
assumiu a presidência da Província, dispôs-se a visitar o estabelecimento. Confessa,
contudo, que se frustrou por não tê-lo encontrado em boas condições. Ele havia
obtido boas informações de um estabelecimento semelhante, no Maranhão, e
acreditava que iria encontrar o Instituto paraense em melhores condições ou, pelo
menos, em condições iguais àquelas disseminadas sobre o Instituto maranhense,
principalmente porque a Casa de Educandos Paraense havia servido de modelo
à Casa fundada no Maranhão.
A partir desse momento, ainda que elogiando a iniciativa e reconhecendo
seu valor, os presidentes não cessam de apresentar todos os pontos precários
e suas sugestões para o melhoramento das condições, como na Falla de Sá e
Benevides, em que afirma que o Instituto não tem se desenvolvido adequadamente,
principalmente por conta das condições físicas do prédio do estabelecimento em
grande precariedade (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1875).
Pelos relatórios presidenciais, constata-se que as solicitações dos chefes de
governo não eram atendidas com presteza, já que algumas queixas se repetiam,
ao longo dos anos, sem qualquer solução por parte da Assembleia Provincial. Os
jornais, também, se apresentavam muito insatisfeitos com a postura da Assembleia
e criticavam: “Apellar para a assembléa seria o mesmo que clamar no deserto.” (A
PROVÍNCIA DO PARÁ, 19/04/1876).
Essas dificuldades com a estrutura física do prédio persistem ao longo
de todo o Período Imperial, valendo salientar que a maior parte delas nunca foi
resolvida plenamente, enquanto outras receberam apenas soluções parciais por
parte da Assembleia da Província do Grão Pará. Tais problemas infraestruturais
traziam constrangimentos de toda natureza, especialmente porque incidiam sobre
o estado sanitário do estabelecimento. Em tempos de higienismo, a avaliação
negativa do estado sanitário de uma instituição de caráter filantrópico como o
Instituto prejudicava politicamente a imagem do governo da Província. São várias
as menções, nos relatórios, acerca dos problemas sanitários.
A enfermaria, inclusive, era um dos espaços mais importantes para se avaliar
a qualidade do estado sanitário. Os diferentes relatórios dos diretores apontam que a
enfermaria existente era contrária ao modelo ideal necessário para aquele momento
de higienismo, talvez porque alguém tenha tido a infeliz ideia “de estabelecer uma
officina de cortume” (A PROVÍCIA DO PARÁ, 14/01/1877), bem ao seu lado.
Embora em nenhum relatório seja feita uma avaliação completa da enfermaria,
pode-se deduzir, pelos melhoramentos propostos nos relatórios presidenciais e dos
diretores do Instituto, o estado no qual se encontrava. João Capistrano Bandeira
de Mello Filho aponta que ela precisava ser completamente renovada (GRÃO257
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
PARÁ. RPPP, 1877), pois a atual “se acha[va] muito mal collocada para ter uma
livre ventilação, [assim] como é extremamente acanhada” (GRÃO-PARÁ. RPPP,
1878, Ann.: “REL. IPEA”, p.III), sem capacidade de comportar 12 doentes.
As reclamações permanecem, por muitos anos, e somente no Relatório de
2 de fevereiro de 1889 é que o Presidente Pernambuco afirma, finalmente, que
a enfermaria “está em boas condições hygienicas” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1889,
p.44). Coincidentemente, essa avaliação positiva só acontece quando o médico
responsável pelo serviço de saúde é substituído, o que provoca dúvidas sobre a
veracidade da avaliação, já que, durante todos os anos anteriores, o estado sanitário,
em particular o da enfermaria, foi alvo de todas as críticas do Dr. Jayme Bricio.
Em 1878, o Presidente José Joaquim do Carmo ainda aponta a precariedade
do estado sanitário do Instituto, embora não diga quais reparos considerava
necessários. Outros presidentes, porém, foram bem claros quanto ao que desejavam
para melhorar as suas condições higiênicas. Essas propostas estavam focadas,
basicamente, nos espaços de convívio dos educandos, como os dormitórios, por
exemplo, quase sempre superlotados, além de melhor infraestrutura para a higiene
pessoal.
Reivindicava-se a “construcção de dormitorios espaçosos, onde não estejão
os educandos como actualmente, agglomerados” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1877,
p.102), nos quais “o ar ambiente se ache mais livre e á cada instante mudado”
(GRÃO-PARÁ. RPPP, 1878, Ann.: “REL. IPEA”, p.I). Já no que dizia respeito à
higiene pessoal, a maior dificuldade era com os banheiros e abastecimento de água
para as práticas de higiene básica, pois, quanto aos banheiros, o estabelecimento
era mal servido.
O Presidente Bandeira de Mello Filho, foi o primeiro a propor a “construcção
de [...] banheiros que possao fornecer banhos freqüentes, visto o uso destes não
constituir simplesmente um meio de aceio, porem muito contribuir para a boa
saude e vigor dos educandos.” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1877, p.102). A prática dos
banhos, portanto, era considerada “necessaria á salubridade dos educandos, que
d’elles se vêem privados.” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1880, p.43) por conta da ausência
de um bom poço com bomba.
Em 1881, o diretor do Instituto, em relatório encaminhado à presidência,
informa que “[até] esta data não tem ainda o estabelecimento um poço nem um
banheiro capaz para os educandos” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1881, Ann.: “REL.
IPEA”, p.LIII). Segundo esse Relatório..., o médico do estabelecimento, também,
salienta a necessidade da “construcção de, pelo menos, 2 grandes banheiros”
(p.LXIV), pois, segundo ele, no “estabelecimento póde-se dizer que nem um poço
ha, visto que o que existe, além de péssima agua, não a fornece em quantidade
258
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
sufficiente” (p.LXIV). Reivindicava-se, também, “a construcção de duas latrinas
inglezas, com tubos conductores que levem as materias fecaes para o competente
deposito, que deve ter respiradouro. Em cada latrina deve existir um deposito
d’agua para lavagem e asseio das mesmas.” (p.LXV).
Ao dirigir-se à Assembleia Provincial, o Presidente Gama Abreu apresenta
essa necessidade e solicita recursos para melhoramentos nessa área e alerta que,
de acordo com a recomendação médica, “é preciso estabelecer banheiros e
bôas latrinas, o que, se me concederdes verba, será executado.” (GRÃO-PARÁ.
RPPP, 1881, p.56). Pelos relatórios presidenciais, pode-se deduzir que, a despeito
dos apelos, a Assembleia Provincial não se comoveu, pois, anos depois, outro
Presidente ainda solicitava: “Que sejão construidos dous banheiros e latrinas
inglezas.” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1885, p.27). Essa solicitação é feita também pelo
diretor do Instituto, em 1886, ao afirmar que o estabelecimento precisava “de um
banheiro mais espaçoso e hygienico [...] afim de se poder conservar a disciplina e
moralidade entre os educandos.” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1886, Ann.: “REL. IPEA”,
p.86). Esse problema não foi resolvido, pois, constantemente, ele reaparece nos
relatórios presidenciais, até fins de 1889.
Outro objeto de reivindicação, nos relatórios presidenciais e nos dos
diretores do Instituto, era o almoxarifado, o local onde todos os pertences do
Instituto eram guardados e funcionava a própria administração. Não à toa, já em
1874, o Presidente apontou a necessidade de “ampliar o depósito do almoxarifado
[...] já insufficiente para comportar as obras preparadas nas oficinas.” (GRÃOPARÁ. RPPP, 1874, p.29). Nos anos posteriores, as reclamações continuaram, e,
em 1879, o Presidente ainda continua a apontar a necessidade de reformas no
almoxarifado, pois, em relatório remetido a ele pelo diretor do Instituto, aquele
espaço encontrava-se em péssimo estado e era inadequado para os seus fins.
Finalmente, no ano de 1880, foi construído um novo almoxarifado que, em
1885, sofreu nova reforma. A despeito disso, as críticas à estrutura do setor e
à necessidade de melhorá-lo permaneceram, pois, em 1889, ainda se referiam à
necessidade de ampliar e melhorar suas condições.
Todas essas dificuldades comprometiam a execução dos fins do Instituto,
como vimos anteriormente. Afora esses objetivos, existia um que, embora não
aparecesse formalmente, era o grande desejo das autoridades imperiais: uma
sociedade morigerada “definida como uma produção de indivíduos estética e
politicamente saudáveis” (NICOLAZZI, 2000, p.2. Grifo do autor). Portanto,
estabelecimentos como o Instituto Paraense eram, sem dúvida, espaços
privilegiados para esse processo de doutrinação, pois a “preparação da mente
e do corpo para o trabalho deveria começar nos primeiros anos de vida, pois a
259
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
infância era considerada a fase da vida ideal para formar o caráter das pessoas.”
(MARIN, 2006, p.122).
O vocábulo morigerado aparece, pela primeira, vez no Relatório
Presidencial, de 1870, que, coincidentemente, é também o relatório em que o
Instituto é citado pela primeira vez. Nele, o Presidente João Alfredo afirma que
o estabelecimento produziria os bons artistas de que a Província tanto precisava,
mas forjaria também “cidadãos morigerados” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1870, p.22).
O termo está relacionado, desde o início, ao Instituto Paraense de Educandos
Artífices, locus da “socialização para o trabalho [e que] seria capaz de dignificar e
transformar a existência das pessoas, de modo a orientá-las para a edificação do
bem individual e social” (MARIN, 2006, p.122). Esse termo aparece, ainda, mais
sete vezes, em outros relatórios presidenciais, para classificar os educandos que
melhor se adaptavam ao processo educativo e que, por isso, recebiam, inclusive,
distinção sobre os demais.
Embora, hoje, a palavra morigerância seja pouco usual, no século XIX,
os governantes e autoridades costumavam usá-la para se referir a um coletivo de
sujeitos considerados preparados para desenvolver o país. No entendimento da
época, morigerada era a pessoa doutrinada para agir e reagir de uma determinada
forma. Poderiam ser chamados assim aqueles homens “que compartilhavam do
ideário da positividade do trabalho e da acumulação. Também eram morigerados
aqueles que sabiam comportar-se dentro de determinadas regras de etiqueta
consideradas civilizadas.” (PEREIRA, 1996, p.12).
Marin (2006, p.127), discorrendo acerca do ensino profissionalizante
oferecido à infância desvalida na Colônia Blasiana (Goiás), diz que o processo de
morigeração da sociedade feito nas instituições profissionais voltadas para a infância
desvalida pretendia formar homens morigerados, ou seja, “capazes de trabalhar
para o engrandecimento da pátria”, transformando os “indivíduos em cidadãos
solidários ao ideário burguês” (NICOLAZZI, 2000, p.2), pois tinha o objetivo tornar
as pessoas trabalhadoras aptas a contribuírem para o desenvolvimento do país.
Dessa forma, os morigerados, que tanto se desejava formar no Instituto de
Educandos, seriam aqueles cidadãos cooperativos, que se submeteriam a toda e
qualquer condição e situação sem fazer reclamações ou reivindicações, agindo sempre
com a devida civilidade, e, porque não dizer, docilidade, pois o mais importante era
que, independentemente de quaisquer inconvenientes e/ou limitações, os sujeitos
trabalhassem de forma prestativa e laboriosa. (GILLIES, 2007).
Assim, cabia aos meninos matriculados no estabelecimento “obedecer ao
diretor e aos demais funcionários, mostrando-se sempre atentos aos seus conselhos
e às suas advertências.” (MARIN, 2006, p.121). A formação dada por meio das
260
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
aulas e oficinas era uma das formas de se alcançar esse objetivo; o controle sobre
o comportamento era outra. Na verdade, tudo o que era executado ou pensado
dentro do Instituto tinha como propósito principal favorecer a concretização
desse objetivo (o alcance da morigerância), visando atender às demandas sociais.
Para incentivar ainda mais a morigerância, ao cursar as disciplinas e oficinas
do Instituto, um educando poderia, além do aprendizado teórico e prático, adquirir
uma menção especial por apresentar-se mais capacitado que os demais em algum
aspecto, pois fazia parte do regulamento daquele estabelecimento a distinção por
meritocracia. A premiação, presente desde o primeiro Regulamento do Instituto
(1872), era concedida em três categorias: “capacidade moral, capacidade intellectual
e capacidade industrial” (Art.94), distribuídos os prêmios a partir de determinados
critérios e de acordo com procedimentos específicos.
Segundo esse Regulamento, o prêmio consistia numa medalha de prata com
a inscrição da categoria a que se referia e conferia, a quem a recebesse, alto grau
de distinção, tanto que deveria ser “trazida pelo premiado, todas as vezes que sair
á rua, e nas occasioes de formatura do corpo” (Art.96).
O prêmio por capacidade intelectual resultava da avaliação de aproveitamento
dos alunos feita pelos professores nas aulas ofertadas, ou na chamada parte
teórica. O prêmio por capacidade moral decorria da observação da conduta do
educando, no dia a dia do estabelecimento, de sua morigerância, conceito que era
extremamente valorizado e merecedor de todo reconhecimento. Para escolher o
educando que receberia esse prêmio, era formado um júri composto pelo agente,
pelo escriturário e pelo almoxarife do estabelecimento. Já o reconhecimento por
capacidade industrial relacionava-se à perícia apresentada por um educando na
manufatura dos diferentes produtos ensinados pelos mestres nas oficinas do
Instituto. A qualidade do trabalho concluído e um conjunto de características
observadas eram os critérios que os mestres usavam para apontar os educandos
mais habilidosos nos seus respectivos ofícios.
A atribuição dos prêmios era muito rigorosa, tanto que, caso os educandos
não atingissem os critérios considerados mínimos para ter direito a elas, não a
receberiam de forma alguma. Um exemplo disso é que, no ano de 1875, “por não
ter nenhum dos educandos apresentado uma obra de primor” (GRÃO-PARÁ.
RPPP, 1875, p.37), ninguém recebeu o prêmio de capacidade industrial.
Os prêmios faziam parte da realidade das instituições de abrigamento pelo
seu intenso caráter meritocrático. Segundo Marin (2006, p.125), a “premiação [...]
visava distinguir e valorizar os alunos interessados em aplicar os ensinamentos
repassados pela instituição”. Pela leitura dos relatórios, deduzimos que a entrega dos
prêmios era feita em circunstâncias festivas, patrocinadas pelo tesouro provincial.
261
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
No entanto, em 1879, isso começa a mudar, já que o Presidente da Província
determina que o valor dispensado para a comemoração deveria sair do caixa do
próprio Instituto e não do tesouro provincial, como acontecia anteriormente
(GRÃO-PARÁ. Officio de 10 de Janeiro de 1879).
Além das premiações, a rotina do Instituto também possuía outras práticas
para diferenciar os educandos uns dos outros. Independentemente da forma, a
morigerância ainda era o critério principal. Ela possibilitava, por exemplo, que
os meninos adquirissem o direito de assumir uma liderança sobre os demais. De
acordo com os relatórios presidenciais, era comum que os educandos fossem
divididos em três ou quatro grupos, e cada um tivesse um educando “tirado
d’entre os mais idôneos e morigerados” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1875, p.35) para
supervisioná-lo.
Outra forma de distinção se dava quando os educandos atuavam nas várias
funções daquele estabelecimento. Eles eram escolhidos por serem os mais aptos,
mas também por serem os mais morigerados. O exercício de uma função implicava
total diferenciação, na rotina do educando, assim como acesso a espaços vedados
aos demais, como o almoxarifado e a despensa, por exemplo. Esses meninos,
também, conviviam mais com os funcionários do que com seus pares, criando
relações diferenciadas, no contexto institucional.
De acordo com o primeiro Regulamento do Instituto Paraense de Educandos
Artífices (1872), o cargo de agente bem como os empregos de fiel, amanuense
e enfermeiro poderiam ser exercidos por educandos que mostrassem aptidão e
capacidade (GRÃO-PARÁ. IPEA, 1872, Art.87). O Regulamento acrescenta,
também, que o diretor tinha a prerrogativa de “nomear temporariamente um
educando dos mais idoneos para auxiliar o serviço de escripturação do almoxarifado
e expediente” (Art.87).
A organização do espaço físico também deveria ajudar no controle. Não
foram poucas as solicitações para que o terreno ao redor do prédio do Instituto
fosse murado, já que “um estabelecimento d’estes é sempre cercado de muros”
(GRÃO-PARÁ. RPPP, 1881, Ann.: “REL. IPEA”, p.LII). Diferentes presidentes
insistiram nessa obra o que demonstra que ela era de extrema necessidade para
a vigilância. A delimitação do espaço proporcionada por um muro, controlando,
assim, o acesso do e ao meio externo, era tida como garantia de melhor controle
e disciplina. As reivindicações eram que se murassem “as suas faces lateraes, afim
de se poder conservar a disciplina e moralidade entre os educandos” (GRÃOPARÁ. RPPP, 1885, Ann.: “REL. IPEA”, p.86).
Os registros mostram que a vigilância deveria ser realizada, em todos
os momentos, desde as refeições até a hora de dormir, pois uma das medidas
262
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
requeridas era “também fechar os alojamentos, de modo a evitar-se que os
educandos ausentem-se durante a noite” (GRÃO-PARÁ. RPPP, 1874, p.28).
Outra preocupação era que os meninos pudessem se envolver sexualmente, já
que a adolescência, fase em que a maioria se encontrava, é uma época típica para
tais descobertas. Quando o número de educandos chega aos 123, o Presidente
classifica-o de excessivo e alerta não ser “possivel conservar [ahi] tão grande numero
de menores, obrigados a dormirem no mesmo leito, aos dois e aos três, contra todas
as regras da hygiene por falta absoluta de acomodações” (GRÃO-PARÁ. RPPP,
1889, p.11). Essa preocupação pode ser mais bem entendida quando articulada à
informação dada pelo Dr. Jayme Pombo Bricio, em seu relatório médico, que anexa
um quadro demonstrativo das enfermidades tratadas em que constam referências
à existência de educandos acometidos de doenças venéreas.
As punições a que estavam sujeitos os educandos não previam os castigos
físicos, no entanto, não se pode afirmar, com certeza, que eles não eram aplicados,
pois consta que, em determinado momento, o Presidente da Província foi
informado que os mestres das oficinas usavam desse expediente para com os
educandos; por isso, cobra esclarecimentos e sentencia “recomendo a vmc., que
caso de ser isto exacto, haja de prohibir semelhante uso, que essa directoria jamais
consentirá.” (A CONSTITUIÇÃO, 13/02/1886).
Segundo Irma Rizzini (2004), os castigos físicos há muito haviam sido
abolidos da maioria das províncias brasileiras, inclusive a paraense; mas a
pesquisadora encontrou, em suas investigações, uma grande quantidade de
documentos em que os pais informam e reclamam dos castigos aplicados aos seus
filhos pelos professores. Quanto ao Instituto, não foi encontrada, nem antes nem
depois dessa data, qualquer menção a esse tema. Também não foi encontrada, por
parte do diretor, qualquer resposta (negação ou justificativa) quanto à solicitação
que o Presidente fazia.
Seja como for, a questão da disciplina era muito importante e precisava
ser aplicada a qualquer custo, pois se acreditava que, mesmo não sendo possível
“fazer comprehender aos meninos as razões pelas quaes tal ou qual preceito lhe
é imposto; entretanto, com aquelles de uma certa idade haverá fructo nisto.” (O
MONTE ALEGRENSE, 21/03/1886).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos anos de 1850, depois de várias crises financeiras e das revoltas
regenciais em, praticamente, todas as regiões do país, o Império vive uma fase
de consolidação política. Mais do que nunca, as propostas pensadas nos anos
263
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
anteriores começam a ser experimentadas, dentre elas, a aliança entre educação
e assistência social.
Esse período é tão fértil que nele pode-se observar uma verdadeira
ampliação geográfica da educação popular, assim como o surgimento, em todo o
território nacional, de dezenas de asilos, escolas e institutos, que se apresentavam
como alternativas ao modelo escolar tradicional e se direcionavam para públicos
específicos. Os institutos, por exemplo, eram destinados, principalmente, à
formação profissional, oferecendo instrução nas artes e ofícios aos meninos
desvalidos.
Na Amazônia, as ideias iluministas, pelo menos no plano do imaginário
governamental, chegam com força total. A educação passa a ser difundida como
o melhor caminho para a Província do Grão Pará chegar à condição de civilizada,
em pé de igualdade com a capital e mesmo com os países do continente europeu. É
nesse momento, também, que se começa a discutir como esse processo civilizador
deveria ser oferecido à população, com base em uma dada representação dos povos
amazônicos, sua origem e história. A miscigenação, no bojo dos debates sobre
povo e educação, passa a ser considerada a principal responsável pelo atraso no
qual se afirmava viver o amazônida, uma gente de arco e flecha. Esse pensamento
era comum na maioria dos governantes e grupos militares.
Em 1872, foi fundado o Instituto Paraense de Educandos Artífices,
uma resposta dos governantes à modernidade que já havia chegado à capital da
Província, trazida, principalmente, pelos vultosos recursos que começavam a
circular no comércio belenense, com a expansão da exploração da borracha. Ele
foi destinado ao atendimento de crianças e jovens desfavorecidos. Sendo uma
instituição que se enquadrava na nova mentalidade do final do século 19, que
metamorfoseava a assistência social de face caritativa, ligada principalmente aos
ideais religiosos, à filantrópica, de caráter mais científico, atrelada aos ideais do
iluminismo. O Instituto também se apresentava como uma proposta civilizadora
da população local, principalmente a mais pobre, marcada pela mestiçagem,
fortemente rejeitada pelos governantes.
Esse estabelecimento visava atender, também, à necessidade de se constituir
uma força de trabalho que garantisse o atendimento de todas as demandas forjadas
no dia a dia da Belle Époque dos trópicos, pois, à medida que os anos passavam, crescia
a demanda por labutadores cada vez mais especializados. Mas, além da formação
profissional, se queria também que os homens instruídos fossem doutrinados para
adquirirem o verdadeiro sentimento de amor ao Brasil, principalmente de amor ao
trabalho, contribuindo voluntariamente para a construção e o desenvolvimento
do país. Esses homens seriam morigerados, ou seja, aqueles que compreendiam
264
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
perfeitamente o seu lugar no processo produtivo e não procuravam outro espaço
de atuação, ficando satisfeitos com o que tinham.
Alguns homens das letras acreditavam que, para uma melhor morigeração,
as pessoas precisavam ser doutrinadas desde pequenas; por isso, a idade inicial de
admissão ao Instituto era de sete anos. Além disso, fazia-se necessário submeter os
meninos à mais rígida disciplina para que, desde cedo, eles não tivessem dificuldades
relacionadas à insubordinação.
Não à toa o regime disciplinar controlava todo o dia deles, inclusive o tempo
considerado livre, e era praticamente uma reprodução dos regimentos disciplinares
militares, pois se utilizavam de várias práticas, típicas do militarismo, como uso
do uniforme, exercícios militares, atividades físicas etc.
Os educandos só podiam sair do Instituto devidamente autorizados e,
mesmo quando fora do estabelecimento, ainda estavam sujeitos a várias normas,
como a de não falar com estranhos, por exemplo, entre outras. Em contrapartida, o
próprio regime disciplinar encontrava formas de compensar a rígida disciplina com
prêmios e distinções concedidas a cada ano aos meninos que se destacavam nos
aspectos valorizados pela direção e pelo corpo de funcionários do estabelecimento.
Assim, o Instituto assumia um importante papel na sociedade paraense: o
de formar homens e profissionais úteis a si mesmos e à nação, além de desenvolver
indivíduos perfeitamente ajustados à sociedade e dóceis. Garantia-se, assim, que
os meninos não se entregassem aos vícios e imoralidades tão repudiadas à época.
Pelos relatórios dos presidentes da Província e dos diretores do
estabelecimento, os fins almejados se materializavam na organização pedagógica
e curricular, pois tudo era pensado para se garantir os objetivos propostos.
A jornada pedagógica, segundo os regulamentos do Instituto Paraense,
ocupava os meninos, de dia e à noite, com diversas atividades formativas; entre
estas, destacamos as orações, realizadas em diferentes momentos do dia. Essas e
outras atividades religiosas, oriundas das tradições da Igreja Católica, eram mais um
ingrediente na receita da morigerância. No mais, tudo tinha hora predeterminada,
controlada pelo ressoar da sineta, e isso era fundamental para o controle dos corpos
e das mentes dos educandos.
Apesar dos investimentos considerados altos, o Instituto Paraense não
chegou a causar grande impacto na vida das camadas mais pobres. Primeiro,
porque o número de meninos atendidos, ao longo dos seus quase trinta anos de
funcionamento durante o Período Imperial, foi muito reduzido, não chegando
nem a mil e quinhentos meninos, número insignificante diante do quantitativo
de crianças desvalidas existentes na Província, como apontam os relatórios da
diretoria da instrução pública e como comprovam as insistentes solicitações de
ampliação do número de educandos.
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
Andreson Carlos Elias Barbosa
Segundo, por não ter atendido às crianças indígenas, historicamente muito
exploradas nas mais diversas atividades nas ruas da capital e nas casas dos homens
ilustres. Quanto às crianças ingênuas e libertas, também tiveram um número de
atendimentos quase insignificante, mesmo sendo essas as principais vítimas da
pobreza daquela época.
Mas para os meninos atendidos e suas famílias, a passagem pelo Instituto
foi um diferencial em suas vidas, pois, ao saírem do estabelecimento, os educandos
tinham uma profissão especializada, o que favorecia encontrar mais facilmente
uma colocação no mercado, prova disso é que alguns dos oficiais retornavam ao
Instituto como mestres das oficinas.
Embora não se tenha dados concretos para afirmar, supõe-se ademais que
o pecúlio recebido quando do desligamento auxiliou a muitos daqueles rapazes
a iniciarem suas vidas profissionais fora do Instituto e garantirem assim o seu
sustento, mesmo que em determinados períodos esse valor não tenha sido assim tão
elevado. Portanto, de alguma forma o Instituto, se não causou um grande impacto
na situação de pobreza vivenciada na Província do Grão Pará, com certeza causou
grandes transformações na vida dos meninos que puderam receber a formação
oferecida por ele.
Ao fim e ao cabo, o Instituto foi um instrumento usado na consolidação
do projeto civilizador iniciado desde a conquista da América pelo português e
que acabou se transformando em recurso dos homens miscigenados da Província
para se manter, ainda que precariamente, ao realizar atividades consideradas de
segunda categoria em uma sociedade que, ao longo do século 20, já na condição
de Estado do Pará, servirá ao avanço do capitalismo.
O Instituto foi, sem dúvida, reapropriado pelos filhos da terra, que
encontraram nele uma forma de diferenciação e ascensão social. Por meio do ensino
recebido, os meninos eram apresentados à sociedade em uma nova condição − a
de trabalhadores especializados (artífices). Ao assumir tal condição, esses novos
trabalhadores passaram a almejar um nível social que, antes, jamais seria atingido
apenas por seus esforços, o que pode explicar o grande número de solicitações
para a admissão encaminhadas a cada dia ao Presidente da Província.
Apesar de os pais saberem das restrições a que seus filhos seriam submetidos,
para muitos meninos e suas famílias ingressar no Instituto era a única alternativa
que se lhes apresentava.
266
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
A FORMAÇÃO DE CIDADÃOS “DISTINCTOS E MORIGERADOS”
NA PROVÍNCIA DO GRÃO PARÁ: 1870-1889
NOTAS
Estabelecimentos e, ou, instituições totais são locais “onde um grande número
de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla
por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente
administrada.” (GOFFMAN, 1974).
i
Sobre o tema, ver: NASCIMENTO, Denise Raimundo. Fundação Ataulpho de
Paiva – Liga Brasileira Contra a Tuberculose: um século de luta. Rio de Janeiro:
Quadratim; 2002; MESTRINER, Maria Luiza. Estado entre a filantropia e a
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ii
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 247- 270, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES
NA EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
José Vieira Sousa*
Maria Marta do Couto P. Rodrigues**
Marcos Felipe Ferreira***
Resumo: O presente artigo aborda o processo histórico de surgimento e de evolução
da Educação Superior brasileira, bem como os condicionantes sociopolíticos e
ideológicos de cada contexto, destacando de forma especial as influências neoliberais
e a interferência dos organismos internacionais. A tese defendida é de que, nas duas
últimas décadas, houve acelerada expansão e diversificação da Educação Superior
com forte incentivo e facilitação da participação do setor privado, muitas vezes de
qualidade duvidosa. Dessa forma, resta o desafio de se pensar políticas de expansão
da educação nesse segmento, sem abrir mão da qualidade necessária para a formação
adequada às exigências da sociedade contemporânea.
Palavras-chave: Educação Superior. Brasil. Evolução. Expansão. Diversificação.
EVOLUTION AND RECENT CHANGES IN BRAZILIAN HIGHER
EDUCATION
Abstract: This article addresses the historical process of the emergence and evolution
of Brazilian higher education, as well as the socio-political and ideological conditions
in each context, especially highlighting neoliberal influences and the interference of
international organizations. The argument is that in the last two decades there has been
rapid expansion and diversification of higher education with strong encouragement
and facilitation of private sector participation, often of dubious quality. Thus, there
remains the challenge to think of educational policies relative to the expansion of this
segment, without compromising the quality required for proper education according
to contemporary society demands.
Keywords: Higher education. Brazil. Evolution. Expansion. Diversification.
Doutor em Sociologia. Professor da Universidade de Brasília (Programa de Pós-Graduação em
Educação).
**
Doutoranda em Educação (Universidade de Brasília). Professora do Centro Universitário de
Patos de Minas.
***
Especialista em Ciência da Computação e mestrando em educação pela Universidade de Brasília.
Professor do Centro Universitário Euro-Americano – DF.
*
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A abordagem das questões educacionais passa necessariamente pela
consideração do tempo e do espaço nos quais as políticas e as práticas educativas
são refletidas, decididas, construídas e vivenciadas. No que tange à Educação
Superior, os condicionantes sociopolíticos e ideológicos, inerentes a cada contexto
histórico, são múltiplos, desafiadores e complexos.
Dessa forma, a Educação Superior nascida tardiamente em terras brasileiras
teve que lidar, desde seus primórdios, com questões inusitadas que a realidade
lhe apresentava. O seu surgimento ocorreu somente no início do século XIX, de
forma lenta e desarticulada, desprovido de um projeto de universidade articulado
às necessidades e aos anseios da sociedade brasileira. No entanto, na segunda
metade do século XX, presencia-se uma expansão acelerada, com facilitação e
incentivo da participação do setor privado nesse segmento educacional, fato este
que tem se arrastado até dos dias de hoje.
Nessa perspectiva, o presente estudo objetiva descrever e analisar o processo
de evolução e crescimento da Educação Superior do país, enfatizando as políticas
de expansão definidas para esse nível educacional.
Para tanto, o texto está estruturado em três blocos de abordagens. Na
primeira parte, são enfatizadas as principais políticas e diretrizes que nortearam
a evolução histórica da Educação Superior brasileira. Em seguida, situa-se a
discussão, a partir da década de 1980, destacando as influências neoliberais e
a interferência dos organismos internacionais no ensino superior. No terceiro
bloco, abordam-se as tendências mais recentes dos processos de expansão e
diversificação da Educação Superior brasileira, procedendo a análises quantitativas
de sua expansão, no período entre 2001 e 2009.
1 EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: SURGIMENTO TARDIO E
EVOLUÇÃO
Para compreender a Educação Superior brasileira no contexto atual, faz-se
necessário lançar o olhar para seus primórdios, elucidando as condições e os fatores
do contexto histórico-político que determinaram a sua criação e expansão. Nesse
sentido, Cunha (2003) considera que quaisquer prognósticos sobre os rumos da
Educação Superior do país pressupõem lançar o olhar para as transformações
sociopolíticas tanto do Estado brasileiro, quanto de outros países. “A previsão da
direção da mudança no campo do ensino superior no Brasil é uma tarefa bastante
arriscada, já que não se pode considerá-la independentemente dos processos de
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
mudança sócio-política, nos contextos nacional e internacional, ambos passando
por grandes turbulências” (CUNHA, 2003, p. 195).
No contexto atual, a dimensão quantitativa por si só representa um desafio
a ser considerado no árduo exercício de combinar expansão e qualidade. De
acordo com os dados oficiais, em 2009, o número de matrículas na Educação
Superior brasileira aumentou, em sete anos, considerando o período entre 2002 e
2008, passando de 3,5 milhões para 5,9 milhões, formando, a cada ano, quase um
milhão de alunos (INEP, 2011). Segundo a mesma fonte, os 5.954.021 alunos da
Educação Superior brasileira estavam matriculados, no mesmo ano, em 28.671
cursos de graduação presencial e à distância. Esses cursos estavam distribuídos em
2.314 instituições de educação superior (IES), sendo 245 públicas e 2.069 privadas.
No biênio 2008/2009, houve crescimento de 3,8% no número de
instituições públicas e 2,6% no daquelas de natureza privada. Do ponto de vista
da organização acadêmica, nesse último ano, havia 186 universidades, 127 centros
universitários, 1.966 faculdades e 35 institutos federais.
Diante de dados estatísticos desse porte, reveladores do crescimento e
da expansão da Educação Superior brasileira, faz-se necessário considerar que
ainda existe muito por fazer, tanto no sentido de ampliar o acesso e assegurar a
permanência nesse nível de educação, quanto em garantir sua qualidade. Dessa
forma, é pertinente afirmar que a Educação Superior, no país, continua em
processo de construção e de consolidação, tanto no aspecto quantitativo quanto
no qualitativo.
A história da Educação Superior, no Brasil é marcada por tensões
permanentes entre polos distintos, como público/privado, padronização/
diversificação, democratização/elitização e qualidade/quantidade. Por outro lado,
é importante ressaltar que, desde o seu nascedouro, esse nível educacional teve
que enfrentar as condições políticas que permearam o Estado brasileiro em seus
períodos de transição, ficando assim dependente do entendimento dos governantes.
No período colonial, segundo Cunha (2003), existiam, no Brasil, apenas
cursos superiores de Filosofia e Teologia, oferecidos pelos jesuítas, uma vez que
Portugal impedia o desenvolvimento do ensino nas suas colônias, temendo que
os estudos pudessem contribuir para os movimentos de independência.
Com a proibição da criação de universidades na colônia,
Portugal pretendia impedir que os estudos universitários
operassem como coadjuvantes de movimentos
independentistas, especialmente a partir do século XVIII,
quando o potencial revolucionário do Iluminismo fez-se
sentir em vários pontos da América. (CUNHA, 2003, p. 152).
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
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Nesse cenário, as famílias com poder aquisitivo e privilegiadas enviavam
seus filhos à Europa para darem continuidade aos estudos, garantindo, assim, a sua
formação acadêmica em nível superior. Na realidade, o ensino superior brasileiro
só passou a existir em instituições formais com a vinda da Família Real Portuguesa
para o Rio de Janeiro, em 1808. Nesse sentido, Masetto (1998, p.9-10) explicita que
[...] com a transferência da corte portuguesa para o Brasil
e a interrupção das comunicações com a Europa, surgiu a
necessidade de formação de profissionais que atendessem
a essa nova situação e, por conseguinte, a exigência de
criação de cursos superiores que se responsabilizassem por
essa formação. Na década de 1820, criaram-se as primeiras
Escolas Régias Superiores: a de direito em Olinda, estado
de Pernambuco; a de medicina em São Salvador, na Bahia;
e a de Engenharia, no Rio de Janeiro. Outros cursos foram
criados posteriormente como os de agronomia, química,
desenho técnico, economia, política e arquitetura.
O ensino superior brasileiro nasceu fragmentado em diferentes instituições
e localidades, com faculdades profissionais. Os primeiros cursos superiores, no
Brasil, foram criados, no início do século XIX, nas áreas de Engenharia, Medicina
e Direito, com o objetivo de formar os quadros de profissionais requeridos pela
Corte.
Por muito tempo, a Educação Superior brasileira foi privilégio de poucos.
Mesmo com a introdução dos primeiros cursos no país, ela continuou sendo
elitizada, voltada para a formação profissionalizante e oferecida em escolas isoladas.
Com a Proclamação da República, em 1889, as discussões sobre a Educação
Superior, especificamente sobre as universidades, se intensificaram, fazendo com
que vários projetos fossem apresentados, propondo sua criação no Brasil.
Segundo Cunha (2003, p.158), “[...] o período que vai da reforma de 1891 até
1910, foram criadas no Brasil 27 escolas superiores: nove de Medicina, Obstetrícia,
Odontologia e Farmácia; oito de Direito; quatro de Engenharia; três de Economia
e três de Agronomia.”
O mesmo autor credita o surgimento da universidade brasileira, em parte,
a um ato do poder legislativo, na emenda ao orçamento de 1915, autorizando o
presidente da República, quando julgasse conveniente, a reunir em universidades
as faculdades federais existentes no Rio de Janeiro.
Nessa perspectiva, a Universidade do Rio de Janeiro pode ser considerada
a primeira universidade brasileira, criada a partir desse modelo, em 1920, com
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
a aglutinação das faculdades de Medicina, de Engenharia e de Direito. Vale
ressaltar que, em 1937, essa universidade foi transformada em Universidade do
Brasil, passando a ser referência e modelo a ser seguido por todas as instituições
e cursos superiores que fossem criados a partir de então. Essa prática de reunir
estabelecimentos profissionais de ensino superior pré-existentes para a formação
de universidades perdurou pelas décadas seguintes, e ainda nos dias de hoje é
possível deparar tal situação.
Entre as relevantes iniciativas empreendidas, na década de 1930, em relação
à Educação Superior brasileira, merece destaque a criação da Universidade de
São Paulo (USP), em 1934. A USP surgiu da união da recém-criada Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras com as já existentes Escola Politécnica de São Paulo,
Escola Superior de Agricultura, Faculdade de Medicina, Faculdade de Direito e
Faculdade de Farmácia e Odontologia.
Em 1945, ao fim do Estado Novo, o território brasileiro contava com
cinco universidades, a saber: Universidade do Brasil, Universidade de São Paulo,
Universidade do Rio Grande do Sul, Universidade de Minas Gerais e Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Em geral, essas universidades eram basicamente
instituições de ensino e se limitavam a espaços de práticas de ensino, sem grandes
compromissos com a pesquisa e a extensão.
A ruptura com esse modelo de universidade comprometida basicamente
com o ensino se deu, segundo Cunha (2003), em função da criação de três
instituições – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A SBPC, criada no ano
de 1948, em São Paulo, foi um espaço importante no intercâmbio de pesquisas
entre pesquisadores brasileiros e na busca de apoio e financiamento do Estado
e da sociedade para projetos de pesquisas nas diferentes áreas do saber. Por
sua vez, CNPq e Capes, órgãos criados no início dos anos de 1950, passaram
a dar importante contribuição na formação dos pesquisadores brasileiros e,
consequentemente, na estruturação da universidade como espaço de produção
de conhecimento.
Com a criação dos três órgãos supracitados, voltados exclusivamente para
questões e interesses da Educação Superior, os professores e pesquisadores das
universidades brasileiras ampliaram o intercâmbio com pesquisadores de outros
países e, portanto, passaram a ter oportunidade de conhecer e conviver com outros
tipos de organizações de ensino superior.
Dessa forma, as mudanças no ensino superior brasileiro, além de inúmeras,
foram muito rápidas, nas décadas de 1960 e 1970, desencadeando a massificação,
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uma vez que a educação passou a ser vista como um grande negócio, minimizando,
inclusive, a responsabilidade do Estado de seu dever de oferecê-la ou de expandir
a sua oferta. Além disso, tornou-se comum a prática de isenção fiscal, por parte do
Estado, para os empresários da área educacional e, consequentemente, a expansão
desenfreada de IES privadas.
Do ponto de vista da política educacional, a maioria dos estabelecimentos
privados e isolados de ensino surgiu da proliferação de IES, a partir dos anos de
1970, e até hoje, inúmeros deles apresentam deficiências na formação acadêmica
oferecida aos alunos. Sob esse ângulo, é pertinente destacar que um conjunto
bastante expressivo deles está voltado para a formação aligeirada dos estudantes,
por meio apenas da transmissão ensejada pelo ensino, imperando, na maioria das
vezes, o descompromisso com a prática da pesquisa.
2 EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL A PARTIR DOS ANOS DE 1980:
INFLUÊNCIAS NEOLIBERAIS E INTERFERÊNCIA DOS ORGANISMOS
INTERNACIONAIS
Avançando para a década de 1980, percebe-se que, nessa época, o Brasil
começa a adequar-se ao modelo neoliberal. As ideias privatistas já existentes
foram, nesse momento, incrementadas pelos discursos e orientações neoliberais, as
quais passam a levar, para dentro das instituições de ensino, a lógica da produção
mercantil. “O processo resultante de uma nova fase de reestruturação capitalista
é marcado por políticas de centralização, de diferenciação e de diversificação
institucional e, especialmente, de privatização da esfera pública.” (DOURADO,
2002, p. 235).
Na década de 1990, respaldados pelas críticas neoliberais ao Estado
intervencionista, os governantes brasileiros enfatizam a necessidade de menor
atuação e controle estatal em relação às políticas sociais, como condição para
o crescimento econômico. Ao mesmo tempo, defendem a necessidade de uma
reforma do Estado em consonância com os paradigmas neoliberais. Referindo-se
ao projeto dessa reforma, defendido pelo então presidente Fernando Henrique
Cardoso (FHC), Dourado (2002, p.236) assim se posiciona:
Consubstanciando essa lógica, propõe ainda o enxugamento
da máquina estatal e privatização de bens e serviços em que
a reforma do Estado é entendida como superação de “visões
do passado de um Estado assistencialista e paternalista” por
meio da transferência da produção de bens e serviços “à
sociedade, à iniciativa privada”.
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EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
As políticas adotadas pelo governo de FHC ocasionaram consequências
desastrosas e impactantes para a Educação Superior, tais como: (i) sucateamento
das universidades públicas, em função dos cortes e verbas; (ii) não abertura de
concursos públicos para professores e técnico-administrativos; (iii) excessiva
expansão da Educação Superior privada com verba pública. Nesse cenário,
é pertinente também relembrar o papel dos organismos internacionais que
contribuíram para a implantação das políticas educacionais neoliberais no Brasil,
de modo particular o Banco Mundial. Ao se referir ao Banco Mundial, o referido
autor afirma que
[...] é notório o papel que esse organismo exerce no âmbito
educacional na América Latina e, particularmente, no Brasil
ao difundir, entre outras medidas, em seus documentos uma
nova orientação para a articulação entre educação e produção
do conhecimento, por meio do binômio privatização e
mercantilização da educação. [...] esses indicadores revelam
o caráter utilitarista presente nas concepções do Banco
Mundial para a educação, pois fragmentam, desarticulam a
luta pela democratização da educação em todos os níveis,
entendida como um direito social inalienável. (DOURADO,
2002, p. 238-239).
Nas políticas propostas pelo Banco para a educação, fica evidente a visão
reducionista à dimensão econômica, focada exclusivamente no custo/benefício.
Embora suas políticas, em geral, priorizem a destinação dos seus recursos para a
Educação Básica, ele não tem deixado de prescrever orientações a serem seguidas
pelos governantes dos países da América Latina, incluindo também o Brasil, em
relação à Educação Superior.
Neste sentido, é fundamental destacarmos as recomendações
do Banco Mundial para a educação superior contidas no
documento La enseñanza superior: las leciones derivadas de
la experiencia (1995), cujas prescrições são claras no sentido
de: 1) privatização desse nível de ensino, sobretudo em países
como o Brasil, que não conseguiram estabelecer políticas
de expansão das oportunidades educacionais pautadas
pela garantia de acesso e eqüidade ao ensino fundamental,
bem como, pela garantia de um padrão de qualidade a esse
nível de ensino; 2) estímulo à implementação de novas
formas de regulação e gestão das instituições estatais,
que permitam alterações e arranjos jurídico-institucionais,
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visando a busca de novas fontes de recursos junto a iniciativa
privada sob o argumento da necessária diversificação das
fontes de recursos; 3) aplicação de recursos públicos nas
instituições privadas; 4) eliminação de gastos com políticas
compensatórias (moradia, alimentação); 5) diversificação
do ensino superior, por meio do incremento à expansão
do número de instituições não universitárias; entre outras.
(DOURADO, 2002, p. 240).
É necessário reconhecer, ao longo do processo histórico, as mudanças
realizadas pelos governantes, norteadas pelas recomendações supracitadas, bem
como os instrumentos e as estratégias utilizadas na legitimação dessas prescrições,
de modo particular em relação à Educação Superior. Nesse sentido, é pertinente
destacar a Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/96)
e o Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010), instituído pela Lei nº 10.172, de
9 de janeiro de 2001, como os dois principais balizadores das mudanças propostas
pelo governo de FHC.
No que diz respeito ao disposto pela referida LDB para a Educação Superior,
as orientações apresentadas, nos artigos 43 ao 57, estão permeadas por um misto
de flexibilização e descentralização, de um lado, e de padronização e controle, de
outro lado, prevendo procedimentos avaliativos uniformizados.
No entanto, a partir da promulgação dessa lei, de forma especial nos
artigos supracitados, as características requisitadas das universidades ficaram mais
explícitas, principalmente em relação ao seu corpo docente. A lei prevê que, pelo
menos, um terço do corpo docente tenha titulação acadêmica de mestrado ou
doutorado e que a mesma proporção tenha o regime de trabalho de tempo integral.
Outro fato importante ocorrido no governo de FHC foi a criação
do Conselho Nacional de Educação, em 1995, o qual, entre outras funções,
assumiu a incumbência de deliberar sobre a autorização, o credenciamento e
o recredenciamento periódico das IES. Destaca-se, ainda, a criação do Exame
Nacional de Cursos, conhecido também como “provão”, pela Lei nº 9.131, de
1995, com o objetivo de aferir o desempenho dos estudantes e, consequentemente,
a avaliação do ensino de graduação.
Em atendimento ao previsto no artigo 87, no parágrafo 1º, da LDB
9.394/96, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado no início da década
de 2000; no entanto, segundo Severino (2008), o plano parecia não estar entre
as prioridades do governo de FHC, uma vez que a primeira versão apresentada
à Câmara dos Deputados foi elaborada por um movimento da sociedade civil
organizada. Também é preciso considerar que a aprovação do PNE ocorreu mais
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EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
no sentido de cumprir os dispositivos legais da Constituição Federal, de 1988, e
da LDB, de 1996, que previam a sua criação. Dessa forma, o descaso era tamanho
que não houve nem definição e aprovação de recursos financeiros para a sua
implantação, fazendo com que o Plano se limitasse mais a uma carta de intenções.
No entanto, cumprir essa determinação legal, [...] parece
que não era intenção claramente assumida pelo governo da
época, tanto que quem primeiro encaminha à Câmara dos
Deputados um Projeto de Plano foi a própria sociedade civil
organizada, a partir de iniciativas do Fórum Nacional em
Defesa da Escola Pública. Quando protocolado esse projeto,
o governo desengaveta o seu, que passou a ser então um
anexo do Projeto da Sociedade. A ofensiva governamental
e a postura pouco autônoma dos deputados logo fizeram
prevalecer o projeto oficial, impondo a concepção do
Executivo. E mais uma vez esse documento legal tende
a limitar-se a declarações de intenções, pois mecanismos
concretos de financiamento não foram definidos. [...]
Também não foram elaborados os Planos Estaduais de
Educação que deveriam, por força da própria Lei do
PNE [...]. No que diz respeito ao ensino superior, o Plano
estabelece como meta atingir 30% de matrículas em dez
anos. (SEVERINO, 2008, p.81-82).
Tudo indica que o pouco empenho, nesse caso, está relacionado com o
hábito de descomprometimento de término de governo, tão comum aos nossos
políticos em fim do mandato, pois 2001 era o penúltimo ano de governo do
segundo mandato de FHC (1999-2002).
Terminado o governo de FHC, assume a Presidência da República, em
janeiro de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva, ocupando o cargo também por dois
mandatos consecutivos (2003-2006 e 2007-2010). Vale lembrar que, durante o
governo do presidente Lula, três ministros passaram pelo Ministério da Educação.
De 1º de janeiro de 2003 a 27 de janeiro de 2004, o ministro da educação foi
Cristovam Buarque. Com a saída de Cristovam Buarque, assumiu o Ministério da
Educação Tarso Genro, ali permanecendo até julho de 2005. Com o afastamento
de Tarso Genro, foi nomeado para a pasta Fernando Haddad, permanecendo
nesse cargo até o final do governo Lula. Como se verifica, Haddad permaneceu
por mais de cinco anos à frente do MEC, durante o mandato do presidente Lula.
Quanto às políticas do governo Lula para a Educação Superior, essas
se iniciaram com a constituição de um Grupo de Trabalho Interministerial
(GTI), nomeado pelo Decreto Presidencial de 20 de outubro de 2003, quando
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
Cristóvam Buarque ainda estava à frente do Ministério da Educação. Esse Grupo
foi encarregado de analisar a situação da Educação Superior brasileira, de forma
especial das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), e apresentar um
plano de ação. O referido Decreto explicita as funções do GTI logo em seu
primeiro artigo.
Art. 1º Fica instituído Grupo de Trabalho Interministerial
encarregado de, no prazo de sessenta dias a contar
da publicação deste Decreto, analisar a situação atual
e apresentar plano de ação visando à reestruturação,
desenvolvimento e democratização das Instituições Federais
de Ensino Superior – IFES.
Parágrafo único. O plano de ação a que se refere o caput
deverá contemplar, entre outros aspectos, medidas visando
a adequação da legislação relativa às IFES, inclusive no que
diz respeito às suas respectivas estruturas regimentais, bem
assim sobre a eficácia da gestão, os aspectos organizacionais,
administrativos e operacionais, a melhoria da qualidade
dos serviços e instrumentos de avaliação de desempenho.
(BRASIL, 2003).
Segundo Otranto (2006), o relatório final do GTI foi divulgado,
extraoficialmente, em dezembro de 2003. O documento é composto de quatro
partes, enfocando ações emergenciais, autonomia universitária, complementação
de recursos (financiamento) e as etapas para a implementação da Reforma
Universitária, então proposta. O texto se inicia reconhecendo a situação de crise
da Educação Superior brasileira, em especial das universidades federais, mas atribui
o problema à crise fiscal do Estado, sem maiores aprofundamentos quanto à sua
origem. Em seguida, procura demonstrar que a crise já está atingindo, também,
as instituições privadas, que viveram uma expansão acelerada, a partir da segunda
metade da década de 1990, e, à época, encontravam-se ameaçadas pelo risco da
inadimplência generalizada dos estudantes e de uma crescente desconfiança em
relação aos seus diplomas. Após esse preâmbulo, o documento aponta as soluções:
um programa emergencial de apoio à Educação Superior, especialmente às
universidades federais, e uma reforma universitária mais profunda (BRASIL, 2003).
Nesse sentido, a reforma pretendida, segundo Trópia (2007), teria que
perseguir quatro objetivos: (i) ampliação do quadro docente e de vagas para
estudantes; (ii) educação à distância; (iii) autonomia universitária; (iv) financiamento.
As propostas apresentadas pelo Grupo de Trabalho Interministerial para
a Educação Superior, no governo Lula, vêm, de certa forma, legitimar a reforma
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EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
de Estado iniciada na segunda metade dos anos noventa, a qual propunha uma
nova concepção de Estado moderno. De acordo com Bresser-Pereira (1996), seu
idealizador, essa Reforma implicaria novas funções para o Estado, que deveria ser
um “Estado regulador e transferidor de recursos, e não um Estado executor.” (p.20)
A autonomia universitária prevista no relatório-diagnóstico do GTI ilustra
bem essa postura do Estado visando à transferência de responsabilidades, uma vez
que delega à própria universidade pública o desafio de superar a crise financeira que
a assola, por meio da liberdade que é dada às Instituições Federais de Educação
Superior (IFES) para captar e administrar recursos, inclusive oriundos de fontes
privadas. Nessa mesma vertente, o Estado justifica a impossibilidade de atender à
demanda pela Educação Superior e propõe a educação à distância como alternativa
para a democratização do acesso a esse nível educacional.
O certo é que o diagnóstico produzido pelo GTI e as ações sugeridas
e incorporadas ao Anteprojeto de Reforma Universitária foram levadas ao
conhecimento público para discussões, gerando inúmeras críticas. No entanto,
como era de se esperar, houve as mais diversas reações de diferentes segmentos em
relação à proposta apresentada. Nesse cenário, merecem destaque as contraposições
levantadas pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior (ANDES-SN), segundo as quais os reais objetivos da reforma conduziam
para: (i) a privatização do sistema federal de educação superior; (ii) a restrição
da autonomia das universidades públicas; (iii) o aumento da autonomia das IES
privadas, entre outros. Em agosto de 2004, esse Sindicato explicita as insatisfações
dos profissionais das IES federais.
O ANDES-SN defende com todas as suas forças o direito
de todos os que possuem um rosto humano à educação
pública, gratuita e de alta qualidade em todos os níveis. Mais
do que um intangível bem público, a educação é um dever do
Estado. É inadmissível, para o ANDES-SN, que o mercado
seja convocado pelo governo federal para garantir esse direito
humano fundamental. O mercado nunca socializou direitos
e jamais poderá fazê-lo.
A defesa da tese de que o setor privado é “notoriamente
mais eficiente” e que, portanto, a expansão deverá ter como
eixo o fortalecimento das instituições particulares, por meio
de parcerias entre o setor público e o privado [...], apagando
as distinções entre as esferas pública e privada é, para o
ANDES-SN, o principal tema de discussão da agenda da
educação superior. (ANDES-SN, 2004, p. 6).
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
No entanto, ao mesmo tempo em que o anteprojeto de reforma de Educação
Superior, com seus respectivos princípios, era debatido e criticado por alguns
segmentos sociais, as políticas do governo para esse nível de educação eram,
paralelamente, implantadas.
Entre as políticas do governo Lula para a Educação Superior brasileira,
definidas no período de 2003 a 2010, são abordadas, nesse estudo, as três
consideradas como as mais relevantes, tanto em função da materialização e da sua
permanência no contexto atual, quanto pelos impactos que elas têm ocasionado
nesse nível educacional, a partir dos indicadores gerados.
Essas políticas estão voltadas, de forma especial, para a avaliação, a regulação
e a expansão da Educação Superior no país, as quais estão materializadas no Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior – Sinaes, no Programa Universidade
para Todos – ProUni e no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais – Reuni.
Conforme foi destacado anteriormente, durante os dois mandatos do
Presidente Lula, compreendidos entre o ano de 2003 e o ano de 2010, estiveram à
frente do Ministério da Educação três ministros, sendo cada um responsável pela
apresentação e condução de propostas específicas. Dessa forma, o diagnóstico
da situação da Educação Superior, no início do governo Lula, fora conduzida
pelo Ministro Cristóvam Buarque. Quanto à criação do Sinaes e do ProUni, no
ano de 2004, se deu na gestão do Ministro Tarso Genro. A instituição do Reuni,
em 2007, ocorreu quando Fernando Haddad era então o Ministro da Educação.
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) pode
ser considerado como ponto marcante entre as políticas do governo Lula para
a Educação Superior, tendo sido instituído pela Lei n. 10.861, de 14 de abril de
2004, com a função de conduzir o processo de avaliação desse nível de educação.
Em 9 de julho do mesmo ano, foi sancionada a Portaria Ministerial nº 2.051, com
o objetivo de regulamentar os procedimentos de avaliação propostos por esse
Sistema. Logo em seu Art. 1º, § 1º, a referida lei explicita suas finalidades:
O SINAES tem por finalidades a melhoria da qualidade
da educação superior, a orientação da expansão da sua
oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e
efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção
do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades
sociais das instituições de educação superior, por meio da
valorização de sua missão pública, da promoção dos valores
democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da
afirmação da autonomia e da identidade institucional.
(BRASIL, 2004a).
282
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
Embora a lei deixe clara a qualidade da Educação Superior como sendo a
finalidade maior do Sistema de Avaliação, Trópia (2007) alerta que a criação do Sinaes
com a função de garantir a avaliação das IES, dos cursos e dos alunos, também
objetiva legitimar e robustecer o papel do Estado como regulador do sistema.
O seu objetivo oculto é ajustar a educação superior
brasileira às exigências de avaliação inseridas nos
documentos emanados dos organismos internacionais,
de forte cunho quantitativo e competitivo. Supostamente
um indutor do aumento da qualidade de cursos e
fiscalizador das instituições particulares, o SINAES
serviria, na realidade, para coagir as IES a se adequarem
ao modelo que está sendo implantado. (TROPIA,
2007, p. 6).
De acordo com sua respectiva legislação, o Sinaes deve garantir a avaliação
da tríade: instituições de educação superior, cursos de graduação e desempenho
dos estudantes.
No que tange à avaliação institucional, o artigo 3º, da referida Lei prevê: “§
2º - Para a avaliação das instituições, serão utilizados procedimentos e instrumentos
diversificados, dentre os quais a autoavaliação e a avaliação externa in loco.”
Dessa forma, o processo de autoavaliação é desenvolvido no âmbito de cada IES,
sob a coordenação de sua Comissão Própria de Avaliação – CPA. Já a avaliação
institucional externa é realizada pelas comissões de avaliadores designados pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP),
para efeitos de credenciamento1. As IES com o Índice Geral de Cursos – IGC2 três,
quatro ou cinco ficam dispensadas da avaliação in loco para fins recredenciamento.
Em relação à avaliação dos cursos de graduação, esses são avaliados in loco
pelas comissões designadas pelo INEP, tanto para efeito de autorização quanto
de reconhecimento, a partir de três dimensões, a saber: (i) Organização didáticopedagógica; (ii) Corpo docente; (iii) Instalações físicas. Os cursos com Conceito
Preliminar do Curso – CPC3 três, quatro ou cinco ficam dispensados da avaliação
in loco, para fins de renovação de reconhecimento, tornando-se o CPC o conceito
definitivo do curso.
E, por fim, o terceiro tripé do Sinaes consiste na avaliação da performance
dos alunos das IES, por meio do Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes
– Enade, o qual objetiva avaliar: (i) o desempenho dos alunos, com relação aos
conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos de
283
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
graduação; (ii) o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias
ao aprofundamento da formação geral e profissional; (iii) o nível de atualização
dos estudantes com relação à realidade brasileira e mundial. A periodicidade
máxima de aplicação do Enade, em cada área, é trienal, sendo a participação do
aluno obrigatória, uma vez que o exame é considerado componente curricular
obrigatório do curso.
O Sinaes merece ser identificado, também, como outra política legitimadora
da proposta de reforma de Estado, dos meados dos anos 1990, pois, a partir dele,
se deu ênfase à avaliação como procedimento de monitoramento das IES, dos
cursos e do desempenho dos estudantes. Dessa forma, o referido Sistema contribui
para legitimar os princípios da Reforma empreendida com vistas à descentralização
dos serviços e ao controle dos resultados.
O Programa Universidade para Todos (ProUni) foi proposto pelo governo
Lula, com o objetivo de ir ao encontro da grande demanda por acesso à Educação
Superior gratuita, a qual não era atendida pelas IES públicas, e também objetivava
atender à determinação do Plano Nacional de Educação/2001-2010, que
estabelecera um prazo de dez anos para o aumento de matrículas na Educação
Superior, de 12% para 30%, devendo a participação do setor público ser igual ou
maior que 40%.
Com o intuito de expandir a oferta da Educação Superior gratuita e,
consequentemente, elevar o número de matrículas nesse nível educacional, o
governo convoca as IES privadas tidas como filantrópicas ou sem fins lucrativos,
as quais gozam de isenções fiscais, a se corresponsabilizarem nesse processo de
expansão de vagas com gratuidade.
A idéia geral do PROUNI [sic] era de que, para terem
direito à isenção fiscal, as IES privadas ficariam sujeitas a
uma contrapartida, na forma de bolsas de gratuidade nos
cursos superiores de graduação e seqüenciais de formação
específica. Os beneficiados seriam estudantes provenientes
de famílias de baixa renda, negros, indígenas e pardos,
deficientes físicos e professores das redes públicas de ensino
(neste caso, independentemente de situação financeira e
racial). (CUNHA, 2007, p. 818-819).
Vale lembrar que, ainda na fase de discussão do Projeto de Lei do ProUNI,
houve mudanças significativas, não ficando o Programa restrito às IES privadas
sem fins lucrativos, mas estendendo-se às demais instituições privadas com
fins lucrativos, contando que essas firmassem adesão, acatando as condições
284
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
estipuladas pelo Programa. O referido autor enfatiza os embates enfrentados pelo
governo, desde as primeiras propostas de criação do Programa, já que o projeto
original sofreu expressivas alterações com a finalidade de atender aos interesses
dos gestores das IES privadas e, em consequência, garantir a aprovação dos seus
embasamentos legais.
A primeira configuração do Programa Universidade para
Todos foi o Projeto de Lei (PL) n. 3.582, enviado ao
Congresso Nacional em maio de 2004. A pressa em implantar
o programa, assim como a criação de um fato consumado, de
modo que o Congresso não pudesse mudar muito a proposta
do MEC, levou o Presidente a baixar a Medida Provisória
(MP) n. 213, de 10 de setembro de 2004. Para facilitar a
tramitação, a MP foi ao encontro de parte dos interessados
das IES privadas, fortemente representadas na Câmara dos
Deputados e no Senado. Muito modificada no Congresso
Nacional, a medida provisória resultou na Lei n. 11.096, de
13 de janeiro de 2005, sancionada quando já apareciam os
primeiros efeitos do Programa, a partir da adesão de várias
instituições. (CUNHA, 2007, p. 818).
Mesmo diante de tantos dissensos, o certo é que o ProUNI encontra-se, no
contexto atual, devidamente regulamentado pelos dispositivos legais da Medida
Provisória (MP) n.213 que instituiu o Programa Universidade para Todos, do
Decreto nº 5.245, de 18 de outubro de 2004, que regulamentou a MP e a Portaria
nº 3.268, de 19 de outubro de 2004, que estabeleceu os procedimentos para adesão
das IES privadas ao Programa. E, por fim, em 13 de janeiro de 2005, o Programa
passou a ser regulado na sua totalidade pela Lei nº 11.096/2005, cujo Art. 1º
estabelece os critérios para a concessão de bolsas integrais e de bolsas parciais,
de 50% ou de 25%, para estudantes de IES privadas com ou sem fins lucrativos.
Dando continuidade às políticas do governo Lula para a Educação Superior,
enfatiza-se o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (Reuni), instituído por meio do Decreto nº 6.096, de 24 de
abril de 2007. Esse Programa tem como objetivo principal, definido em seu Art.
1º, “[...] criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação
superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e
de recursos humanos existentes nas universidades federais.”
O Programa prevê, ainda no seu art. 1º, como meta global, “§1º a elevação
gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para
noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por
285
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano”.
Com essa meta, pressupunha-se que haveria racionalização dos gastos públicos,
uma vez que seria elevado o número de alunos concluintes, bem como o número de
alunos por docente. De acordo com o artigo 2º, do referido Decreto, o Programa
se pauta pelas seguintes diretrizes:
I – redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas
e aumento de vagas de ingresso, especialmente no período
noturno;
II – ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação
de regimes curriculares e sistemas de títulos que possibilitem
a construção de itinerários formativos, mediante o
aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes
entre instituições, cursos e programas de educação superior;
III – revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos
cursos de graduação e atualização de metodologias de ensinoaprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade;
IV – diversificação das modalidades de graduação,
preferencialmente não voltadas à profissionalização precoce
e especializada;
V – ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil;
e
VI – articulação da graduação com a pós-graduação e da
educação superior com a educação básica. (BRASIL, 2007).
Por essa lógica, o Reuni prevê maior volume de apoio financeiro às
universidades federais que apresentarem projetos visando a reduzir as taxas de
evasão, estimular a ocupação de vagas ociosas e aumentar vagas para ingressantes,
de modo especial no turno noturno.
De acordo com o previsto no artigo 3º, do Decreto supracitado, à medida
que cada universidade federal apresentar o seu plano de reestruturação, o Ministério
da Educação liberará recursos financeiros para:
[Art. 3º...]
I – construção e readequação de infra-estrutura e
equipamentos necessárias à realização dos objetivos do
Programa;
II – compra de bens e serviços necessários ao funcionamento
dos novos regimes acadêmicos; e
III – despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das
atividades decorrentes do plano de reestruturação.
286
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
Dessa forma, verifica-se, mais uma vez, a presença do Estado com menor
responsabilidade pela manutenção e pela expansão da Educação Superior e com
maior grau de regulação e controle, em nome da qualidade. A contrapartida para
investimentos e concessão de financiamentos às IFES consiste no atendimento
dos princípios estabelecidos pelo Estado os quais, na maioria das vezes, estão
condicionados pela lógica mercadológica de qualidade. No entanto, para Cunha
(2007), o Reuni pode significar uma oportunidade de crescimento no número de
matrículas nas IES públicas, de modo especial nas federais.
Ainda que o REUNI tenha recebido críticas variadas,
principalmente por não levar em conta as peculiaridades
das universidades federais, ele pode ver a impulsionar o
crescimento do alunado desse segmento do ensino superior.
Em suma, o REUNI está para o segmento federal do setor
público, assim como o PROUNI está para o setor privado.
(CUNHA, 2007, p. 821).
Na realidade, a política de expansão das instituições federais, iniciada em
2007, representou um intenso esforço do governo de fortalecer o caráter público
e estatal da Educação Superior, já que o Programa tem como objetivo contribuir
também para que o setor público atinja o percentual de 40% das matrículas desse
nível educacional, previstas no Plano Nacional de Educação de 2001-2010.
Nessa perspectiva, pode-se considerar que o conjunto das políticas
iniciadas em 2003 representa o início de um movimento singular na história da
educação do país. Isto porque, pela primeira vez, preveem estratégias objetivando
o crescimento de matrículas na Educação Superior, de forma especial na rede
pública, oportunizando, assim, a um maior número de brasileiros usufruírem da
excelência acadêmica desses espaços educacionais, concretizando, de certa forma,
o real papel e as finalidades da universidade pública.
No entanto, ainda há muito por se fazer, uma vez que existem inúmeras
fragilidades nas políticas recentes da Educação Superior, e estas ainda estão,
portanto, muito aquém das necessidades do país, pois segundo estudos de
Sguissardi (2009):
(i) Cerca de 10% dos estudantes, na faixa etária entre
18 e 24 anos, têm se concentrado em IES privadas com
o pior desempenho;
(ii) Apenas 1% do PIB nacional tem sido investido
nas IFES;
287
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
(iii) A contratação de professores para as IFES,
proposta pelo GTI, em 2003, de 5.100 docentes/ano,
se efetivou no governo Lula apenas na proporção de
1.350 docentes/ano;
(iv) A questão salarial de docentes e funcionários das
IFES, nos últimos dez anos, tem gerado sucessivos
e longos períodos de greves pelo reajuste dos seus
vencimentos, desencadeando, assim, transtornos para
o processo acadêmico universitário;
(v) A intensa rotatividade dos docentes, no setor
privado, de forma especial os doutores, submetidos a
baixos salários e a condições de trabalho desfavoráveis;
(vi) As incertezas que ainda persistem quanto à eficácia
do ProUni que, por um lado, beneficia candidatos que,
de outra forma, não teriam acesso à Educação Superior;
mas, por outro lado, beneficiam e fortalecem IES de
baixa qualidade.
Diante do exposto, é pertinente ressaltar a necessidade de políticas públicas
de Educação Superior que zelem pelas condições favoráveis ao ensino, à pesquisa
e à extensão universitária, em IES públicas ou privadas.
Nessa perspectiva, faz-se necessário empreender o exercício de antecipar
análises e prognósticos, respaldados em elementos e indicadores estatísticos,
quanto às tendências recentes que têm permeado a expansão e a diversificação da
Educação Superior brasileira, visando ao delineamento de políticas e alternativas
para esse nível educacional nas próximas décadas.
3 TENDÊNCIAS RECENTES DA EXPANSÃO E DIVERSIFICAÇÃO DA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
A expansão privatista das vagas e a mercantilização do sistema foram
alguns dos traços mais marcantes da Educação Superior brasileira, notadamente,
a partir dos anos 1990. Essas características fundamentais ajudaram a delimitar o
perfil dessa atividade no meio social e contribuíram para determinar um caminho,
provavelmente, mais voltado para o atendimento de demandas do mercado de
trabalho e aos interesses econômicos.
De acordo com Chaves (2008), os dois mandatos de cada um dos governos
de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) e de Luiz Inácio Lula
288
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
da Silva (2003-2006 e 2007-2010) marcaram a instalação de políticas neoliberais,
que tiveram como algumas de suas principais características a privatização de
alguns serviços do Estado e a intensificação da abertura do mercado para o
investimento estrangeiro. Um dos desdobramentos dessas políticas foi a diminuição
da presença do Estado tanto na área produtiva quanto na área social. O argumento
que sustentava esta postura era o de que, reduzindo a presença do Estado na
economia, haveria, também, a redução de gastos públicos excessivos com pessoal
e políticas sociais.
Com relação à Educação Superior, verificou-se a redução de investimentos
públicos nas IES, induzindo-as à captação de recursos da esfera privada. Além
disso, houve a implantação de programas de financiamento direto aos estudantes
da rede privada, com a criação de bolsas de estudos, como foi o caso do ProUni,
discutido na subseção anterior. Medidas dessa natureza deixaram evidente a ideia
de que a Educação Superior deixava de ser um direito social para se transformar em
mercadoria. A partir de então, se instalava a privatização do sistema de Educação
Superior com o surgimento de diversos incentivos legais que proporcionaram a
expressiva expansão de IES privadas bem como um grande aumento da oferta de
vagas, nessas instituições, e a quase estagnação da oferta, nas instituições públicas,
notadamente ao longo do governo FHC.
Assim, percebeu-se o surgimento de uma grande heterogeneidade do
sistema de Educação Superior no Brasil. Nasciam instituições, tanto públicas
como privadas, que ofereciam ensino presencial, semi-presencial e à distância,
todas com formato previsto na legislação, como, por exemplo, a criação dos
cursos sequenciais por campo do saber e dos cursos tecnológicos. Outras IES
apresentavam propostas curriculares diversificadas para um mesmo curso, como
no caso das habilitações. Dessa forma, se, por um lado, a diversificação do sistema
de ensino trazia uma variedade de opções para os estudantes, por outro, ajudava
a comprometer a qualidade do ensino, bem como a tornar o sistema de avaliação
mais ineficiente e contribuir para a maior mercantilização do sistema.
Conforme Sousa (2006), a expansão da Educação Superior brasileira, na
década de 1990, foi impulsionada pelas políticas adotadas pelo governo Fernando
Henrique Cardoso, que encarava esse nível de educação como elemento estratégico
para o desenvolvimento nacional. Um dos reflexos dessa política pode ser
observado quando se verifica o crescimento do número de cursos de graduação
presenciais criados entre 1990 e 2004, conforme Gráfico 1, no qual se pode
perceber um aumento considerável, a partir da segunda metade da referida década.
289
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
Gráfico 1 ─ Evolução da oferta dos cursos de graduação entre 1990 e 2004.
20000
18644
18000
16000
14399
14000
12000
10585
10000
8000
6000
4712
5081
5562
1990
1992
1994
6644
6950
1996
1998
4000
2000
0
2000
2002
2004
Fonte: Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/default.asp>.
Acesso em: 10 Jan. 2011.
O Gráfico 1 mostra como foi o comportamento da oferta de cursos
de graduação, entre os anos de 1990 e 2004. Nele, se percebe que, até 1998, o
crescimento é pequeno e, a partir de então, cresce de forma acentuada. Não por
acaso, verifica-se que o crescimento da oferta de cursos de graduação coincide com
o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB – Lei Nº 9.394/96
(BRASIL, 1996) e de outros instrumentos legais que foram marcando a implantação
das novas políticas públicas para o ensino, no país. Segundo Chaves (2008, p.
331), “[...] entre outras alterações adotadas a partir da LDB, merece destaque a
flexibilização/fragmentação por meio da diversificação institucional e a expansão
pela via do setor privado, acentuando a privatização desse nível de ensino”.
Constata-se, também, que a flexibilização não conseguiu se caracterizar
como uma marca benéfica para o sistema. Sobre a caracterização desse cenário,
Sguissardi (2009) aponta alguns dados e aspectos da Educação Superior, no período
entre 1994 e 2002, bastante significativos e característicos da implantação das
políticas públicas da época e que, de certa forma, ainda fazem parte da conjuntura
atual em que se encontra o sistema de Educação Superior. Dentre eles, o autor
destaca os seguintes:
(i) a baixa cobertura do sistema: naquela ocasião, verifica-se
que, em relação à população da faixa etária entre 18 e 24
anos, a taxa de cobertura líquida foi de aproximadamente 7%,
contra os 30% apresentados por países como a Argentina,
o Chile e o Uruguai, em 2002;
(ii) a diversidade institucional: em 1994, das 851 IES,
127 eram universidades, 87 faculdades integradas e 637
290
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
faculdades ou instituições isoladas;
(iii) a privatização do sistema: em 1994, 22,5% das IES eram
públicas e 77,5%, privadas. Em 2002, 11,9% eram públicas
e 88,1%, IES privadas.
Dados disponibilizados pelo INEP, em 2010, relativos ao censo da educação
superior de 2009, mostram que o crescimento da oferta de cursos de graduação
continuou ocorrendo, a partir de 2004, conforme atesta a síntese apresentada no
Gráfico 2.
Gráfico 2 ─ Evolução da oferta dos cursos de graduação entre 2001 e 2009.
30000
27827
25000
20000
15000
12155
14399
16453
18644
20407
22101
23488
24719
10000
5000
0
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Fonte: Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/default.asp>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
O Gráfico 2 mostra a evolução da oferta de cursos presenciais de
graduação, entre 2001 e 2009. A partir dos dados nele apresentados, verifica-se
que, diferentemente do período entre 1990 e 2004, mostrado no Gráfico 1, o
crescimento foi bastante acelerado ao longo deste.
No período 2002-2004, o crescimento médio anual era de aproximadamente
2.100 vagas. Já entre 2005-2008, houve uma pequena diminuição do ritmo desse
crescimento, que girou em torno de 1.500 vagas. A partir de 2008, o crescimento
volta a ser forte, passando para 3.108 vagas, entre 2008 e 2009. Esse crescimento
pode ser um reflexo do crescimento por que passava a economia brasileira, naquele
período, além da própria força de mercantilização do sistema de Educação Superior
incentivado pelas políticas públicas vigentes à época.
O comportamento numérico da diversidade institucional, considerando
todas as IES, pelo critério de sua organização acadêmica, no período entre 2005
e 2009, é apresentado no Gráfico 3, a seguir.
291
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
Gráfico 3 ─ Evolução numérica das IES entre 2005 e 2009.
30000
27827
25000
20000
15000
12155
14399
16453
18644
20407
22101
23488
24719
10000
5000
0
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Fonte: Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/default.asp>.
Acesso em: 10 Jan. 2011.
Os dados do Gráfico 3 indicam, em relação à evolução da quantidade de
IES, no período entre 2005 e 2009, um crescimento acentuado das faculdades, bem
como um pequeno crescimento entre as universidades e centros universitários,
além de uma queda bastante acentuada de outras IES.
Constata-se que, mesmo não havendo um grande crescimento, em termos
globais, de aproximadamente 7%, houve um crescimento expressivo das faculdades,
em torno de 16%, considerando o período analisado. Por outro lado, houve uma
considerável redução de outras instituições de ensino, de 184 para 35.
Uma das constatações, a partir dos dados mostrados, é que os estabelecimentos
denominados “outras IES” tendem a diminuir, enquanto crescem as faculdades de
forma acentuada. Uma das explicações para esse fato é que, com a mercantilização
acentuada do sistema privado de Educação Superior, a concorrência aumentou,
e as instituições menores ficaram inviáveis economicamente.
Uma observação, dentre outras, é que o ritmo de aumento da oferta de
cursos de graduação, combinado com um aumento menos expressivo da quantidade
total das IES, pode demonstrar uma preocupação das instituições existentes em
diversificar a oferta dos cursos.
Informação relevante também é revelada quando se verifica a evolução do
quantitativo da oferta de matrículas na Educação Superior, considerando tanto
as IES públicas como aquelas de natureza privada. O Gráfico 4, a seguir, mostra
a evolução das matrículas em cursos presenciais, no período 1999-2009.
292
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
Gráfico 4 ─ Evolução das matrículas entre 1999 e 2009.
30000
27827
25000
20000
15000
12155
14399
16453
18644
20407
22101
23488
24719
10000
5000
0
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
Fonte: Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/default.asp>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
A partir dos dados do Gráfico 4, é possível fazer as seguintes constatações:
(i) o crescimento total das matrículas é bastante acentuado,
até 2005, e menos acelerado, a partir desse ano;
(ii) no caso das instituições particulares (com fins lucrativos),
o crescimento é praticamente constante, em todo o período;
(iii) em relação às instituições privadas (sem fins lucrativos),
o crescimento é pequeno, até 2005, e vai caindo, a partir
desse ano;
(iv) as instituições públicas apresentam crescimento pouco
significativo, ao longo do período. Dessa forma, percebe-se
um lento crescimento das matrículas nessas instituições, no
período retratado no gráfico analisado.
Os dados mostrados no Gráfico 4 são bastante esclarecedores a respeito
da conjuntura institucional histórica recente da Educação Superior. Tomando
as mesmas informações que deram origem a ele e estabelecendo um histórico
percentual bianual do comportamento das matrículas, tem-se a síntese apresentada
no Gráfico 5, a seguir.
293
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
Gráfico 5 ─ Evolução percentual bianual das matrículas entre 1999 e 2009.
80,0%
60,0%
40,0%
20,0%
0,0%
-20,0%
2001
2003
2005
2007
2009
-40,0%
-60,0%
TOTAL
PÚBLICAS
PRIVADAS
PARTICULARES
Fonte: Disponível em: <http://www.inep.gov.br/superior/censosuperior/default.asp>.
Acesso em: 10 Jan. 2011.
Por meio dos dados apresentados no Gráfico 5, verifica-se que:
(i) o ritmo de crescimento geral bianual das matrículas
caiu, principalmente a partir de 2003;
(ii) no caso das instituições particulares, o ritmo começa
em franco crescimento, em 2001, cai, até 2005, e volta
crescer, sempre em ritmo acentuado;
(iii) as instituições privadas conseguem manter um
ritmo de matrículas constante, até 2005, e depois cai
acentuadamente;
(iv) em relação às instituições públicas, começam com
um pequeno crescimento do ritmo, até 2003; depois,
se submetem a uma queda, até 2005, e, após esse ano,
vai recuperando lentamente o ritmo, experimentando
um pequeno crescimento, até 2009.
Os dados estatísticos apresentados nos gráficos precedentes ajudam a
constatar como houve uma expansão da Educação Superior privada, no Brasil,
demonstrando mais um dos êxitos da implantação do neoliberalismo no sistema
desse nível de educação.
Por último, salienta-se que, segundo Sguissardi (2009), ainda que tenham
ocorrido algumas reformas implantadas no governo Lula, nos dois mandatos,
o cenário aponta mais para a continuidade das políticas anteriores, propostas
por FHC. O autor afirma isso, mesmo considerando as tentativas de setores da
sociedade de fortalecer o setor público e regulamentar o sistema de Educação
Superior, sobretudo no que refere ao setor privado/mercantil.
294
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esse estudo, procurou-se analisar as repercussões dos ideais
sociopolíticos e ideológicos na educação superior em cada contexto histórico,
de forma especial a partir da reforma de Estado, ocorrida na segunda metade da
década de 1990.
Na conjuntura atual, faz-se necessário considerar que, no mundo, de uma
forma geral, a Educação Superior passa por mudanças muito significativas. Devido
ao seu alcance, tais mudanças requerem um novo olhar sobre a educação como
porta de entrada para a construção da cidadania e, consequentemente, para o
desenvolvimento da humanidade.
A valorização e a busca pela educação escolar ocorrem, de um modo geral,
em diferentes lugares e contextos. Nesse mesmo sentido, percebe-se, ao longo da
história da educação brasileira, um crescente movimento por políticas voltadas
para a democratização e para a expansão da Educação Superior. No entanto, no
Brasil, esse nível de educação continua a requerer outras políticas, para além da
expansão, pois defender apenas a proliferação desse segmento, sem levar em conta
a qualidade do ensino oferecido, é perigoso, uma vez que a política expansionista
pode contribuir para o surgimento de IES e de cursos de qualidade duvidosa,
os quais, por sua vez, não dispõem das condições necessárias para proporcionar
a formação de sujeitos devidamente qualificados com as múltiplas dimensões
requeridas pela contemporaneidade.
Nessa perspectiva, o grande desafio da Educação Superior brasileira, no
contexto atual, consiste em garantir o seu crescimento sem abrir mão da qualidade,
uma vez que as IES têm por função possibilitar a instrumentalização dos indivíduos
com conhecimentos que os habilitem a atuar e intervir na realidade social.
Enfim, a formação acadêmica consistente que articule as dimensões do
ensino, da pesquisa e da extensão, permitindo ao ser humano se descobrir como
sujeito produtivo e transformador das condições reais da sua existência individual e
social, deve constituir função primordial de toda instituição de Educação Superior.
295
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
José Vieira Sousa / Maria Marta do Couto P. Rodrigues / Marcos Felipe Ferreira
NOTAS
Vale ressaltar que tanto a avaliação interna quanto a externa são realizadas
considerando dez dimensões estabelecidas pelo Sinaes: (i) missão e o Plano de
Desenvolvimento Institucional; (ii) política para o ensino, a pesquisa, a pósgraduação e a extensão; (iii) responsabilidade social da instituição; (iv) comunicação
com a sociedade; (v) políticas de pessoal; (vi) organização e gestão da instituição;
(vii) infraestrutura física; (viii) planejamento e a avaliação; (ix) políticas de
atendimento aos estudantes; (x) sustentabilidade financeira.
1
O Índice Geral de Curso (IGC) é um indicador de qualidade de IES que considera,
em sua composição, a qualidade dos cursos de graduação e de pós-graduação
(mestrado e doutorado). Seu resultado final é expresso em faixas de 1 a 5, sendo
utilizada, para a graduação, para cálculo desse índice, a média dos Conceitos
Preliminares de Curso (CPC) da instituição, enquanto, para a pós-graduação, o
IGC utiliza a nota da Capes.
2
No cálculo do CPC são considerados 40% relativos aos insumos os quais são:
20% a titulação de doutores; 5 % a titulação de mestre; 5% o regime de trabalho
docente (parcial ou integral); 5% a infra-estrutura; 5% a questão pedagógica.
Os outros 60% são relativos ao Enade, sendo: 15% o desempenho dos alunos
ingressantes; 15% o desempenho dos estudantes concluintes e 30% o Indicador
de Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado - IDD.
3
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296
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EVOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÕES RECENTES NA
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298
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 271- 298, jul./dez. 2011
EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE NA VIDA
SATERÉ-MAWÉ: UMA ANÁLISE BIOECOLÓGICA
Valéria A.C.M. Weigel*
Maria Alice D’Ávila Becker**
Resumo: O texto discute as relações entre educação, meio ambiente e saúde em
comunidades sateré-mawé. Focalizam-se saberes e valores morais e míticos que dão
sentidos e significados a comportamentos na produção do bem-estar; e elementos das
condições sociais, econômicas e políticas do contexto em que se (re)produz a saúde.
A análise baseia-se na teoria bioecológica de Bronfenbrenner (1996), segundo a qual
a apreensão das pessoas se dá em contextos que compreendem a interação de quatro
níveis ambientais: microambiente, mesoambiente, exoambiente e macroambiente.
Nesses níveis combinam-se fatores de risco e fatores de proteção em arranjos sempre
provisórios. Foi produzida uma interpretação de como está se apresentando, na área
sateré-mawé, o arranjo desses fatores em cada um dos quatro níveis ambientais.
Palavras-chave: Educação e meio ambiente. Sateré-Mawé. Educação e saúde.
EDUCATION, ENVIRONMENT AND HEALTH IN SATERÉ-MAWÉ
LIFE: A BIOECOLOGICAL ANALYSIS
Abstract: The text discusses the relations between education, environment and health
in Sateré-Mawé communities. Knowledge as well as moral and mythical values are
focused which assign senses and meanings to behaviors in the production of wellbeing, and to elements of the social, economic, and political conditions of the context
within which health is (re)produced. The analysis is based on the bioecolgical theory
of Bronfenbrenner (1996), according to which apprehension of people takes place in
contexts that comprise the interaction of four environmental levels: microenvironment,
mesoenvironment, exoenvironment and macroenvironment. In these levels factors
of risk and factors of protection are combined in always temporary arrangements. An
interpretation has been produced as to how such arrangements are present in the area
sateré-mawé in relation to these factors in each one of the four environmental levels.
Keywords: Education and environment. Sateré-Mawé. Education and health.
Doutora em Ciências Sociais (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Professora da Universidade Federal do Amazonas.
**
Doutora em Psicologia (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Professora da
Universidade Federal do Amazonas.
*
299
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
Valéria A.C.M. Weigel / Maria Alice D’Ávila Becker
INTRODUÇÃO
Este texto apresenta resultados de um subprojeto de pesquisa desenvolvido
como parte de um projeto integrado1. A pesquisa reuniu uma equipe interdisciplinar
unida por um eixo temático mais amplo, focalizando a relação entre cultura, meio
ambiente e educação em comunidades do povo Sateré-Mawé, localizadas no rio
Marau, no Município amazonense de Maués.
De acordo com o levantamento demográfico participativo, realizado
por Teixeira (2005), contando com a presença dos próprios índios na equipe, a
população dos Sateré-mawé foi definida em 8500 indivíduos, dos quais 3288 moram
na área Marau-Urupadi, área essa que tem o nome de dois rios subafluentes do
rio Amazonas.
O povo Sateré-Mawé tem contato com o homem branco “há quatro séculos
e está espalhado em uma área de 788.528 hectares demarcados e homologados
pelo governo federal na calha central da Amazônia brasileira, compreendendo os
municípios de Barreirinha, Maués e Parintins no Amazonas, bem como Itaituba
e Aveiro no estado do Pará” (PEREIRA, 2003). O acesso à área Marau-Urupadi
se faz pelo rio Maués-Açu, no Município de Maués (AM).
O estudo da temática desse texto – a relação entre educação, meio ambiente
e saúde, tema do subprojeto* – foi desenvolvido com a colaboração de um bolsista,
professor sateré-mawé2. O interesse pela questão da saúde, enquanto um recorte no
âmbito da temática ambiental, foi definido por um grupo de aproximadamente 40
professores sateré-mawé, no momento de discussão e planejamento da pesquisa,
durante a realização de um Encontro Pedagógico, evento promovido, em uma das
aldeias, pela Secretaria de Educação do, onde se localiza o território sateré-mawé.
Ao definir a saúde como um dos focos de interesse, quando se propôs uma
investigação sobre meio ambiente, tornou-se evidente a lógica totalizante com a
qual a cultura sateré-mawé constrói conhecimentos e compreensão da realidade.
Esta totalidade ficou expressa nas palavras de dois professores, ao responderem o
que entendiam por meio ambiente: “meio ambiente é a nossa vida!” (SO, de Marau
Novo/rio Marau) e “meio ambiente é como a gente vive com os animais, com as
plantas, com as nossas coisas!” (JSO, de Nova União/ rio Marau).
Na base desse interesse por saúde no trato da questão ambiental, está a
percepção de professores e lideranças indígenas sobre um acervo de conhecimentos
que está se perdendo, de uma geração para outra. Na sua percepção, isso tem
se dado, tanto porque há uma crescente desvalorização dos conhecimentos
tradicionais em favor dos conhecimentos dos brancos, quanto porque não há registro
e sistematização dos conhecimentos tradicionais (uma ciência do concreto, na expressão
300
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE NA VIDA
SATERÉ-MAWÉ: UMA ANÁLISE BIOECOLÓGICA
de Lévi-Strauss, 1989), registro esse que precisa ser feito. Nas palavras de um dos
entrevistados, “os velhinhos estão morrendo e levando junto o seu saber [sobre
a natureza]! Por isso precisam ser pesquisados!” (SMA, Nova Aldeia/rio Marau).
Por outro lado, na discussão da pesquisa, manifestou-se, também, uma
preocupação quanto à produção e à reprodução da saúde dos Sateré-Mawé,
pelo modo como estão vivendo – na relação gente/ambiente – a assunção de
comportamentos, valores e atitudes, e tendo acesso a bens de consumo materiais e
não materiais, os quais são apropriados da cultura urbana da sociedade envolvente.
Lideranças e professores expressam o temor de que esses processos possam
representar prejuízos para a saúde do povo, caso não sejam mais bem conhecidos,
refletidos e redirecionados.
Desse modo, o estudo da relação gente/ambiente na produção/reprodução
da saúde focalizou tanto os saberes, os valores morais e míticos que dão sentidos
e significados às atitudes e comportamentos na produção do bem-estar físico e
espiritual quanto elementos das condições sociais, econômicas e políticas que
caracterizam o contexto em que se produz / reproduz a saúde dos Sateré-Mawé,
do rio Marau.
No fazer da pesquisa, realizaram-se registros etnográficos em três
comunidades (tendo, cada uma, entre 50 e 80 habitantes), as quais foram definidas
por um critério sociogeográfico: distância / proximidade da área urbana (a cidade
de Maués, AM), o que implicava maior / menor circulação dos indígenas no meio
citadino. Quanto mais distante fica a aldeia, menor a circulação dos indígenas na
cidade, uma vez que os grandes deslocamentos – desde as comunidades mais
distantes, nas cabeceiras dos rios – têm um custo elevado, tanto pelo combustível
quanto pelo tempo despendido para chegar à cidade.
Desse modo, criam-se diferenças entre as comunidades (em número de 37
na área pesquisada, de acordo com Teixeira, 2005), pela forma como estão expostas
às múltiplas inter-relações com os grupos citadinos. Definiram-se, então, para a
pesquisa, duas comunidades do alto rio Marau (bem distantes da cidade) e uma
do médio rio Marau (mais próximas da cidade). O acesso a qualquer comunidade
se faz sempre de barco e o deslocamento até as comunidades do alto rio durava
em torno de um dia e meio.
Nas três comunidades, foram realizadas entrevistas coletivas em que adultos
(mulheres e homens) e líderes da comunidade respondiam e discutiam perguntas
e respostas de um questionário-roteiro. Também, foram efetivadas entrevistas
semiestruturadas com cinco professores, três agentes de saúde, dois tuxauas, duas
senhoras e um senhor mais velho, a fim de aprofundar questões, assim como foram
realizadas observações diretas e registros etnográficos em trabalho de campo.
301
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
Valéria A.C.M. Weigel / Maria Alice D’Ávila Becker
Construídos os dados, elaborou-se uma análise das questões investigadas,
com base na teoria bioecológica apresentada por Bronfenbrenner (1996), por
considerar-se que essa teoria permite uma profícua abordagem da articulação meio
ambiente/saúde/educação, pela série de integrações progressivas que envolve.
Essa teoria focaliza as pessoas, vendo-as como seres ativos, capazes de
operar mudanças em si e no ambiente. Mas apreende as pessoas em processos
que sempre ocorrem em contextos que são constituídos em interações, as quais
são engendradas em diversos níveis de diferentes sistemas e em diferentes tempos.
Tais contextos compreendem a interação de quatro níveis ambientais articulados
de modo concêntrico, constituindo o meio ambiente ecológico; tais níveis são:
microambiente, mesoambiente, exoambiente e macroambiente (KOLLER, 2004).
Nesses níveis diferentes de contextos, em combinações variadas, operam
o que Bronfenbrenner (1996) denomina de fatores de risco e fatores de proteção,
constituindo arranjos sempre provisórios de continuidades e mudanças que
ocorrem ao longo do ciclo de vida. Nesse texto, produzimos uma interpretação
da forma como se apresenta, na área sateré-mawé pesquisada, o arranjo desses
fatores em cada um dos quatro níveis ambientais apontados pelo autor.
1 COTIDIANO: RELAÇÕES INTERPESSOAIS, COSTUMES E ROTINAS
O primeiro nível ambiental, denominado microssistema ou microambiente,
compreende o contexto das relações e interações interpessoais vividas no cotidiano,
por intermédio de papeis sociais e atividades rotineiras, articulando as pessoas em
suas famílias com os parentes mais próximos.
Nesse nível, consideramos haver três principais fatores de risco ao bem-estar
ou à saúde das pessoas sateré-mawé. Em primeiro lugar, certa dificuldade de
relacionamento entre velhos e jovens, criando-se, por vezes, barreiras à transmissão
/ reprodução de um acervo de conhecimentos tradicionais sobre a natureza e a vida.
Nesse sentido, afirma, um entrevistado, sobre os sistemas de cura na comunidade:
“Os velhinhos estão morrendo e levando os saberes tradicionais; há uma crescente desvalorização
dos tratamentos e curas tradicionais”. Essa fala refere-se ao fato de que os velhinhos
não transmitem seus conhecimentos com a mesma frequência de antigamente (o
que é feito oralmente), porque há poucos interessados em ouvi-los para aprender
o que eles sabem.
Em segundo lugar, outro fator de risco consiste na fome e na escassez de
alimentos, principalmente entre as das comunidades do alto rio Marau, engendrando
uma dura e acirrada luta pela sobrevivência. Nessas comunidades, o rio é pouco
piscoso e a caça torna-se cada vez mais difícil, pelo aumento populacional tanto
302
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE NA VIDA
SATERÉ-MAWÉ: UMA ANÁLISE BIOECOLÓGICA
dentro da área sateré-mawé quanto nos limites dessa área, habitada por grupos
populacionais não indígenas. Para o tuxaua da Comunidade Marau Novo,
Antigamente, os índios [sateré-mawé] eram muito poucos e, hoje em
dia, são muitos moradores. É por isso também que acabou com os peixes
e também com as caças. [...] O que é doença? Não tendo comida, tem
doença. Sem se alimentar, a pessoa fica doente. Não tendo alimentação,
fica prejudicada a saúde da família. Quando não cuidamos do corpo
e da casa, ficamos doentes. Não ter saúde é ter dor no corpo, dor de
dente, dor de barriga, e com dor, a pessoa emagrece. Saúde é quando
tem fartura de alimentação, porque a alimentação é muito importante.
Sem alimentação, a saúde não existe. Comida só é carne e peixe. Não
é todo o dia que os sateré-mawé comem, mas eles trabalham todos os
dias, e também, quando tem sua alimentação, ele não tem hora para
comer é muito diferente do branco.
E como um terceiro fator de risco, aponta-se um crescente desinteresse,
entre os jovens, pela execução de atividades básicas da produção da existência da
vida sateré-mawé como fazer roça. Nas palavras de um senhor da comunidade
Aldeia Nova,
Os jovens não querem saber de plantar, nem de criar [animais]. Os
antigos já alertavam para a necessidade da gente plantar mais e fazer
criação [de animais]; mas os jovens não querem saber de fazer isso.
Estou preocupado com a indolência de alguns jovens [sateré-mawé]
que não querem trabalhar nem na roça nem no artesanato. São os pais
que trabalham: no guaranazal [plantação de guaraná, principal
produto econômico do povo Sateré-Mawé], na roça, na pesca,
na produção de objetos [vassouras, peneiras e outros].
Por outro lado, como fatores de proteção, consideram-se as próprias relações
familiares, pois existe um cuidado, uma constante preocupação de pais e mães
em relação às crianças e jovens, manifestando um forte sentimento de vida que
se transforma em vetores de continuidades.
2 AS COMUNIDADES E SUAS INTER-RELAÇÕES
O segundo nível ambiental é denominado mesossistema ou mesoambiente.
Bronfenbrenner (1996) o define como o conjunto de microssistemas e as
interrelações neles vividas pelas pessoas. Ou seja, são as relações e interações
estabelecidas na comunidade e entre comunidades.
303
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
Valéria A.C.M. Weigel / Maria Alice D’Ávila Becker
Nesse nível ambiental, constituem-se como fatores de risco: o uso contínuo
do veneno timbó, que tem provocado a gradativa diminuição do peixe; o acúmulo
de materiais não degradáveis no rio e nas comunidades; o crescente aumento do
uso de drogas lícitas (bebidas alcoólicas) e ilícitas, nas comunidades mais próximas
do centro urbano; e o desleixo, principalmente entre os jovens, em relação aos
métodos de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, como a Síndrome
da Imunodeficiência Adquirida – SIDA (ou AIDS). Esses fatores foram apontados
por um grupo de quatro homens (um deles era agente de saúde) e três mulheres
da comunidade Marau Novo, nas seguintes narrativas:
Antigamente, tinha muito peixe no rio Marau, mas o pessoal do antigo
gostava de usar o timbó [veneno usado para pescar]. O timbó é
plantado pelo índio sateré-mawé; tem dois tipos de timbó. O branco e o
vermelho. O vermelho quase não mata o peixe porque é fraco. O timbó
branco tem veneno forte; ele mata todo tipo de peixe.
Hoje em dia, quase não existe a caça e a pesca dentro da área saterémawé.
O uso excessivo do timbó matou muito peixe.
Há um desaparecimento crescente [dos peixes], também pela queima
do igapó quando está seco e das margens dos rios. Isso mata a comida
do peixe e ele vai embora.
Sobre a Aids, sabem que não é curável e se pega pelo sexo, sangue e
seringa contaminada. Alguns agentes de saúde não conversam sobre isso,
não ensinam. Tem pessoas que não sabem o que é Aids; os auxiliares de
saúde não querem falar sobre isso. Eles não ensinam noções de higiene
para as famílias. Tem muita doença sexualmente transmissível no rio
Marau, principalmente gonorréia. Comunidade saudável é aquela que
não consome remédio.
No contexto do mesoambiente, quanto aos fatores de proteção, apontamos,
inicialmente, a atuação dos tuxauas e dos agentes de saúde nas aldeias. Os tuxauas
são líderes respeitáveis que promovem ações aglutinadoras, voltadas para o bemestar de todos na comunidade, tais como os puxiruns – que são mutirões, como os
de limpeza dos locais de trabalho e convivência – e as festas. A ação aglutinadora
do tuxaua é tão mais sentida quanto mais a comunidade está distante da cidade.
Os agentes de saúde atuam sob orientação de enfermeiros não indígenas, seja
nas ações preventivas, como as campanhas de vacinação, seja no encaminhamento
de doentes aos polos de atendimento ambulatorial (postos onde atende um
enfermeiro não índio, responsável por uma área com várias comunidades próximas)
ou aos hospitais na cidade.
304
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE NA VIDA
SATERÉ-MAWÉ: UMA ANÁLISE BIOECOLÓGICA
Nesse contexto, outro fator de proteção é a atuação da escola indígena,
mediando informações e conhecimentos sobre o mundo dos brancos. No
que concerne à saúde, as atuações do professor e do agente de saúde são
complementares, pois ambos exercem um trabalho educativo de informação e de
formação de novos estados de consciência quanto aos cuidados com o corpo, o
espírito e o meio. Isto pôde ser observado nas respostas para o que é água limpa.
Nos discursos dos entrevistados, foi perceptível a incorporação de informações
importantes, mediadas por esses dois agentes de educação, o professor e o agente
de saúde indígena:
Água limpa: para ter água limpa tem que ter poço e água encanada
[como na comunidade de Nova Aldeia]. Água do rio tem que
coar e pôr hipoclorito para tomar. Antigamente, nós, Sateré-mawé,
tomávamos qualquer água. Hoje, entrou a Saúde [Secretaria
Municipal de Saúde e Organizações não governamentais],
entrou mais explicação e ensinou a gente a tratar a água. Agora, com
o poço [artesiano], já tem mais ajuda para a comunidade. A maioria
já aprendeu a tomar água tratada.
Água limpa é água coada num pano, a água do rio; a água do poço
não precisa coar. Quando chove, a água [do rio] fica turva; tem folha
velha que senta no fundo da panela. No inverno, a chuva leva muita
sujeira pro rio; mas dá pra limpar a água, é só coar. A água mal
tratada prejudica nossa saúde. Água suja é quando joga [no rio]
garrafa, saco plástico, pilha... Aí, suja a água! Mas dá pra limpar,
porque não é como na cidade, onde a água é podre. Lá, parece que
não dá pra limpar a água! Água limpa é cozinhar um pouco e colocar
um clorozinho! Água limpa é quando não é jogado coisas para sujar
a água. Tem que ser bem tratada, organizado; água mal tratada é
quando joga vidro, plástico, pilha.
Outro fator de proteção, consideramos serem as matrizes coletivistas da
cultura sateré-mawé, as quais se constituem num forte vetor de continuidade da
vida comunitária. Um exemplo está contido neste depoimento: “A caça é feita para
o alimento; quando a gente caça, aquela caça é dividida pelas famílias da comunidade. Então,
o povo gosta de tomar o guaraná de manhã cedo e depois de comer alguma coisa. Tem gente que
não tem hora para tomar o guaraná. [O guaraná é produzido em forma de bastão – o
pão de guaraná – que se rala e se mistura em água; esse suco é tomado e apreciado
sempre em rodas de conversação, em que a cuia vai passando de mão em mão,
compartilhada por todos, enquanto conversam].
305
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
Valéria A.C.M. Weigel / Maria Alice D’Ávila Becker
3 RELAÇÕES DAS COMUNIDADES COM AS INSTITUIÇÕES
O terceiro nível contextual é o exossistema ou exoambiente que se constitui
nas relações estabelecidas com as diferentes instituições. Nesse nível, apontamos
como fatores de risco, em primeiro lugar, a dependência criada das aposentadorias,
quando as famílias têm um idoso aposentado e um crescente desinteresse pela
agricultura, entre os jovens, principalmente dessas famílias.
Em segundo lugar, pode-se considerar como fator de risco a desinformação
tanto sobre as doenças sexualmente transmissíveis quanto a desinformação sobre o
que fazer com o lixo, como mostraram a professora e o professor da comunidade
de Aldeia Nova:
Em todas as comunidades jogam pilhas, ferro, e vem pra cá pelo rio.
Toda sujeira é lixo, mas lixo é diferente: pilha, sacola e lata é diferente
[porque não são biodegradáveis]. A minha família joga esse lixo
numa vala; poucas famílias fazem isso; as outras jogam ao redor da casa.
Estou preocupado com o lixo produzido na área, principalmente as
pilhas jogadas [nos arredores da comunidade]; acho que as pilhas
velhas estragaram o laranjal da comunidade!
Outros fatores de risco a serem considerados são as condições adversas
na venda do guaraná, que é o principal produto de comercialização; os conflitos
entre instituições indígenas sateré-mawé; e a atuação fundamentalista de algumas
missões evangélicas que tendem a desconstruir sistemas de valores culturais do
povo indígena.
Como fatores de proteção podem ser apontados, nesse contexto: a atuação
da prefeitura, por meio dos técnicos de suas secretarias; a atuação de grupos
religiosos que respeitam as bases culturais do povo indígena; a atuação da
FUNAI, por intermédio do Posto Indígena; e a atuação do INDASPI (Instituto
de Desenvolvimento e Saúde de Populações Indígenas)³.
4 IDEOLOGIAS, CRENÇAS E TRADIÇÕES
O quarto nível contextual é denominado macrossistema ou macroambiente, sendo
constituído pelo conjunto de crenças, valores, ideologias, sistemas simbólicos,
religiões e classes sociais. Nesse nível, constituem fatores de risco: a adoção acrítica
de modelos, comportamentos e padrões estéticos dos brancos (principalmente,
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE NA VIDA
SATERÉ-MAWÉ: UMA ANÁLISE BIOECOLÓGICA
na alimentação, na adoção de estratégias de cura e uso de remédios), como pode
ser apreendido na fala deste professor sateré-mawé entrevistado:
Há uma crescente desvalorização dos tratamentos e curas tradicionais.
Muitos não valorizam o pajé; são os não índios, os católicos e
protestantes e alguns sateré-mawé que acham que o pajé é o demônio.
Os protestantes não aceitam de jeito nenhum. Isso desvaloriza o trabalho
do pajé, do benzedor e do pegador de ossos. Quando o pajé não consegue
curar, é porque é coisa de médico. Hoje, são pouquíssimos os pajés que
existem. Antigamente, os próprios sateré-mawé mataram vários pajés,
porque eles foram acusados de mandar matar pessoas. Não existem
pessoas lutando para recuperar o uso dos remédios caseiros.
É perceptível, também, tanto nos discursos de alguns jovens e adultos
escolarizados quanto nas observações do cotidiano das comunidades, uma
transformação de valores e sentidos tradicionais, pela assunção de lógicas diferentes
na constituição e na organização dos sentidos dados às situações de mal-estar/bemestar do corpo e da alma. Tuxauas e professores(as) entrevistados externaram sua
preocupação com o fato de haver uma crescente desvalorização dos tratamentos e
curas tradicionais, e um aumento da busca pelos remédios do branco, mesmo quando
existem processos de cura próprios. Nos registros do professor da comunidade
de Marau Novo, está apontado esse processo:
No dia 29, nós fizemos reunião junto com os pais dos alunos. Nós
discutimos sobre o remédio caseiro; muitas pessoas não usam quase o
remédio caseiro. As comunidades conhecem muitos remédios naturais,
mas usam os remédios dos brancos. Nós discutimos a vida saterémawé. O tuxaua C. falou sobre as pessoas mais antigas; ele falou
sobre recursos e que já passavam dificuldade naquela época. Ele falou
sobre remédio caseiro e remédio do branco. Antigamente, não existia o
remédio do branco na comunidade. Também naquele tempo existia o
remédio caseiro, e era mais valorizado pelo povo Sateré-mawé. Quando
a pessoa ficava doente, com dor de barriga, naquela época, eles não se
preocupavam com remédio do branco, mas eles usavam seu próprio
remédio. Mas depois que o branco entrou na área sateré-mawé, o povo
usou o remédio do branco. Hoje em dia, o remédio caseiro existe muito
na área sateré-mawé, e é preciso valorizar esse remédio.
Ainda podem ser considerados como fatores de risco tanto as situações
violentas que os índios enfrentam quando vêm à cidade quanto as distâncias
geográficas das comunidades nas cabeceiras dos rios, dificultando o atendimento
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
Valéria A.C.M. Weigel / Maria Alice D’Ávila Becker
à saúde e a melhor participação na divisão social dos bens culturais; e ainda, o
desinteresse de segmentos jovens pelos saberes tradicionais.
Os fatores de proteção, nesse contexto, são: a existência de sistemas de valores e
conhecimentos tradicionais; a dificuldade de acesso às comunidades situadas no alto
dos rios, possibilitando fortalecimento de formas tradicionais de convivialidade;
e a vivência de crenças religiosas.
5 EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E (RE)PRODUÇÃO DA SAÚDE
Nesse trabalho, a educação foi entendida como uma prática social ampla e
básica na construção da cultura, da sociedade, da realidade, na medida em que, no
âmbito do simbólico, a educação participa do movimento dialético de transmissão/
criação/recriação de conhecimentos e representações que operam na organização
do real (TEIXEIRA, 1990).
Assim, por um processo mediado por práticas educativas – porque
engendram um movimento duplo de aprender/ensinar/aprender – grupos
humanos, como os Sateré-Mawé, formam/conformam seus membros, ao
mesmo tempo em que, pelo mesmo processo, são por esses membros formados/
conformados. A partir dessa concepção, Brandão (1981) afirma que ninguém
escapa da educação, pois ela é própria da produção do humano.
Nos depoimentos apreendidos na pesquisa, ficou expresso esse movimento
dialético de educação, no reconhecimento da existência dos saberes sobre a
natureza – e que fazem a mediação gente/ambiente/saúde – os quais devem ser
logo aprendidos com os velhinhos, pois estes “estão morrendo e levando consigo os
saberes tradicionais”.
Por outro lado, os depoimentos também mostraram que a educação das
pessoas, nas comunidades, tem outros agentes, mostrando que a educação escolar
não é o único modo dos Sateré-Mawé se educarem formalmente. Agentes como a
Secretaria Municipal de Saúde e as Organizações Não Governamentais exercem,
também, um papel educativo, mediando apropriação de conhecimentos, além das
mudanças de comportamentos e de valores, como expresso neste depoimento:
Hoje entrou a Saúde [Secretaria Municipal de Saúde e
Organizações não governamentais], entrou mais explicação e
ensinou a gente a tratar a água. Agora com o poço [artesiano] já tem
mais ajuda para a comunidade. A maioria já aprendeu a tomar água
tratada. [...] Água limpa é cozinhar um pouco e colocar um clorozinho!
Água limpa é quando não é jogado coisas para sujar a água.
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EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE NA VIDA
SATERÉ-MAWÉ: UMA ANÁLISE BIOECOLÓGICA
Essa pessoa, em sua representação sobre a relação gente/ambiente/saúde,
já exprime a incorporação de elementos do conhecimento científico, resultado
das relações educativas desses agentes externos à aldeia. Por outro lado, esse
depoimento nos aponta as possibilidades do trabalho pedagógico da escola saterémawé, enquanto mediadora de um tipo de conhecimento que, ao ser apropriado,
pode compor, com os conhecimentos tradicionais, respostas interculturais aos
problemas de saúde, entre outros, enfrentados pelas comunidades da área MarauUrupadi.
As representações sobre lixo têm um elemento marcadamente constituído
pela possibilidade da não degradação, sendo apontados como lixo, principalmente,
os materiais industrializados. Apenas as professoras e professores referiram-se
a materiais degradáveis (como dejetos animais), que consideram como lixo pela
capacidade contaminadora das águas do rio. De um modo geral, a ideia de lixo
constitui-se da inutilidade e da possibilidade de contaminação do meio, da sujeira e
da poluição provocada e do prejuízo causado à saúde, ideias claramente construídas
num processo intercultural articulado pela atuação da escola:
Lixo é papel velho, folha velha, casca de fruta; o pior é pilha velha,
saco plástico. Os peixes e os pássaros defecam no rio, e não tem como
limpar. Em todas as comunidades, jogam pilhas, ferro, e vem pra cá,
pelo rio. Toda sujeira é lixo, mas lixo é diferente: pilha, sacola e lata
é diferente [porque não são biodegradáveis]. A minha família
joga esse lixo numa vala; poucas famílias fazem isso; as outras jogam
ao redor da casa (Professora da Comunidade de Nova Aldeia).
Estou preocupado com o lixo produzido na área, principalmente
as pilhas jogadas [nos arredores da comunidade]; acho que as
pilhas velhas estragaram o laranjal da comunidade! (Professor da
Comunidade de Nova Aldeia).
A GUISA DE CONCLUSÃO
Este trabalho de pesquisa teve seu ponto alto na forma como a equipe foi
constituída, envolvendo pesquisadoras da universidade e um pesquisador iniciante,
professor sateré-mawé. Essa composição, por certo, representou uma rica troca
de conhecimentos e mediou aprendizagem a todos os membros da equipe.
Para o pesquisador-bolsista sateré-mawé, o processo significou transitar por
campos simbólicos completamente novos, envolvendo racionalidades, linguagens
e rituais que são próprios do mundo acadêmico, como apresentar oralmente o
trabalho, escrever relatórios e usar o computador. Para as pesquisadoras, também
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
Valéria A.C.M. Weigel / Maria Alice D’Ávila Becker
representou aprendizagem lidar com outros ritmos e outra lógica no modo de
abordar questões cotidianas do fazer a pesquisa.
No que concerne à temática definida para estudo – a relação gente/
ambiente/saúde, o fato de pensar-se em saúde quando se aborda meio ambiente
representa a maneira totalizante de compreender os processos da vida, na cultura
sateré-mawé. Nesses processos, imbricam-se pessoas, animais, plantas, coisas e
espíritos, cruzando-se mundos de naturezas diversas num único compósito de
tempos e espaços variados, mas articulados e complementares.
Do ponto de vista da educação indígena sateré-mawé, o trabalho de pesquisa,
além de contribuir para a formação do professor que participou como bolsista,
também contribuiu para produção de conhecimento apresentado em material
didático a ser utilizado nas escolas das aldeias.
NOTAS
A pesquisa recebeu financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado
do Amazonas (FAPEAM), dentro do Programa Jovem Cientista Amazônida (JCA).
1
Sivano de Oliveira, professor da comunidade Marau Novo e bolsista de iniciação
científica; participou do desenvolvimento do subprojeto “A relação gente/ambiente
na produção da saúde sateré-mawé”.
2
No final de 2006, o INDASPI foi substituído por outra instituição que passou
a cuidar da saúde indígena.
3
REFERÊNCIAS
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Coleção Primeiros Passos.
BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano:
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FIGUEROA, Alba Lucy. Guerriers de l’écriture e commerçants du monde
enchanté: histoire, identité et traitement du mal chez lês Sateré-Mawé. (Amazonie
Centrale, Brésil). 1997. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)— École des Hautes
Études en Sciences Sociales. Paris (FR), 1997.
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
EDUCAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE NA VIDA
SATERÉ-MAWÉ: UMA ANÁLISE BIOECOLÓGICA
KOLLER, Sílvia Helena. Ecologia do desenvolvimento humano. In: ______.
Pesquisa e intervenção no Brasil. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas (SP): Papirus, 1989.
PEREIRA, Manuel Nunes. Os Índios Maués. Rio de Janeiro: Organização Simões,
[1954], 2003.
TEIXEIRA, Pery (Org.). Sateré-Mawé: retrato de um povo indígena. Manaus:
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TEIXEIRA, Maria Cecília Sanchez. Antropologia, cotidiano e educação. Rio de
Janeiro: Imago, 1990.
TOURRAINE, Alain. A crítica da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1994.
311
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 299- 312, jul./dez. 2011
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO NA
ESCOLA
Francisco Perpetuo Santos Diniz*
Ana Cristina Lima da Costa**
Raimundo Erundino Santos Diniz***
Resumo: O presente artigo discute a possibilidade de pensar o currículo da escola
formal na perspectiva da formação de um território-rizoma, ou seja, de uma proposta
de estudo flexível, não hierárquica, interdisciplinar e baseada numa prática educativa
voltada para o enfrentamento do modelo de educação disciplinar dominante.
Primeiramente, são apresentados os conceitos de território e rizoma, segundo Deleuze e
Guattari, para dar fundamento à noção de território-currículo no contexto da Ciência da
Educação. Em seguida, discute-se o currículo como a possibilidade de uma integração
de saberes, conhecimentos, práticas educativas a serem desenvolvidas na escola formal
e direcionadas à cidadania, à consciência política e à transformação social. Enfim, a
análise feita entende o currículo num contexto holístico, crítico, flexível, rizomático,
interdisciplinar e aberto a possibilidades de um novo fazer educacional.
Palavras-chave: Território. Rizoma. Currículo.
TERRITORIES, RHIZOMES AND THE SCHOOL CURRICULUM
Abstract: This article discusses the possibility of thinking the formal school`s
curriculum from the perspective of formation of a rhizome-territory, that is, a
flexible study proposal, non-hierarquical, interdisciplinary, and based on educational
practices oriented as to confront the dominant disciplinary education model. Firstly,
Deleuze and Guattari’s concepts of territory and rhizome are presented in order to
set basis for the notion of territory and curriculum within the context of the Sciences
Especialista em Geografia da Amazônia (Faculdades Integradas Brasil Amazônia - FIBRA). Mestrando em Educação (Universidade do Estado do Pará). Professor da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC-PA) e da Secretaria Municipal de Educação de Ananindeua (SEMED).
**
Especialista em Fisioterapia Pneumofuncional e Fisioterapia nas Disfunções Traumato-Ortopédicas. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação (Universidade do Estado do
Pará – UEPA). Docente da Universidade do Estado do Pará.
***
Mestre em Planejamento do Desenvolvimento em Trópico Úmido (Universidade Federal do
Pará: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA/UFPA). Professor da Secretaria Estadual de
Educação (SEDUC-PA) e da Secretaria Municipal de Educação de Ananindeua (SEMED). Professor das Faculdades Integradas Brasil Amazônia (FIBRA).
*
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
Francisco Perpetuo Santos Diniz / Ana Cristina Lima da Costa / Raimundo Erundino Santos Diniz
of Education. Next, the curriculum is discussed as possibility for the integration of
knownledges, experiences, educational practices to be developed in formal schooling
regarding citizenship, political awareness, and social transformation. Finally, the
analysis considers the curriculum in a holistic context, critical, flexible, rhizomatic,
interdisciplinary, opened to the possibilities of new educational doings.
Keywords: Territory. Rhizome. Curriculum.
INTRODUÇÃO
O território é uma categoria de análise que pode ser utilizada para a discussão
da dimensão curricular da realidade educacional brasileira, numa perspectiva
transformadora e comprometida com a superação do modelo de educação
dominante que ignora saberes, conhecimentos, e favorece a especialização das
disciplinas ratificando a prática do ensino e a aprendizagem sem relação entre os
vários ramos do saber e contextos locais dos educandos.
O conceito de território é bastante discutido, na Ciência Geográfica e
nas Ciências Naturais. O conceito de território se relaciona ao uso do poder, à
dominação, à apropriação do espaço físico e às relações estabelecidas entre os
homens e a natureza, os animais e o meio circundante. Contudo, outras Ciências
Sociais e Humanas vêm rediscutindo esse conceito, a exemplo da Filosofia, da
Sociologia e da Psicologia. O sentido dado ao território envolve a apropriação na
perspectiva subjetiva, afetiva, sentimental, ontológica, entre outros. A discussão do
conceito de território, nas Ciências da Educação, está muito marcada pelas relações
que envolvem o homem do campo e os processos educativos em ambientes formais
escolares e não formais. Aqui, o território se insere como um eixo de debate da
Ciência da Educação e é entendido como possibilidade de discussões sobre o
currículo, o ensino e a aprendizagem.
A noção de território advogada no presente trabalho se fundamenta nos
pressupostos teóricos de Gilles Deleuze e Félix Guattari, defendidos na obra O
Que é Filosofia? (1992) e nos cinco volumes de Mil Platôs. Na primeira obra, os
autores afirmam que o conceito não é algo nunca visto antes, mas é resultado da
formação de conceitos anteriormente definidos. A mesma regra serve para a noção
de território como princípio básico uma nova territorialização ante um território
anteriormente existente. Já em Mil platôs (1995), o território possui como estrutura
basilar o constante porvir, a relação com a terra e a construção de processos de
desterritorialização.
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO NA ESCOLA
Deleuze e Guattari (2005, v.3) afirmam que são quatro os fatores que
determinam a formação de territórios: os agenciamentos coletivos de corpos,
os agenciamentos maquínicos de enunciação¹, a desterritorialização e a
reterritorialização. Os agenciamentos maquínicos de corpos e os agenciamentos
coletivos de enunciação não são contraditórios como numa relação binária, não
se opõem, nem se hierarquizam como o modelo árvore raiz. Desenvolvem-se
concomitantemente. O movimento de desterritorialização tem a ver com o
abandono de territórios. E a territorialização é o processo pelo qual se constrói
o território. A desterritorialização não ocorre sem a reterritorialização – são
inseparáveis e se completam, a exemplo da relação existente entre a orquídea e a
vespa, destacadas por Deleuze e Guattari:
Como é possível que os modelos de desterritorialização e
os processos de reterritorialização não fossem relativos, não
estivessem em perpétua ramificação, presos uns aos outros?
A orquídea se desterritorializa, formando uma imagem,
um decalque da vespa; mas a vespa se reterritorializa, no
entanto, tornando-se ela mesma uma peça no aparelho de
reprodução da orquídea; mas ela reterritorializa a orquídea,
transpondo o pólen. A vespa e a orquídea fazem rizoma
em sua heterogeneidade. (DELEUZE; GUATTARI, 1995,
v.3, p. 18).
A desterritorialização nunca ocorre isoladamente e é sempre resultado de um
processo coletivo. Desterritorializar-se não significa a volta a uma territorialização
anterior, como se fosse uma volta a um estado anteriormente existente. A
desterritorialização se desenvolve com o processo de territorialização. Vejamos o
que dizem Deleuze e Guattari sobre esse processo:
Ela implica necessariamente um conjunto de artifícios pelos
quais um elemento, ele mesmo desterritorializado, serve de
territorialidade nova ao outro que também perdeu a sua.
Daí todo um sistema de reterritorializações horizontais e
complementares, entre a mão e a ferramenta. (DELEUZE;
GUATTARI, 1995, v.3, p. 41).
A desterritorialização, para Deleuze e Guattari, é de dois tipos: a
desterritorialização relativa e a desterritorialização absoluta. A primeira refere-se ao
sócius, em que as sociedades abandonam os territórios que, concomitantemente,
são reterritorializados. Criamos e recriamos territórios constantemente. Os
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
Francisco Perpetuo Santos Diniz / Ana Cristina Lima da Costa / Raimundo Erundino Santos Diniz
autores argumentam que o Estado e o capitalismo são produtos do processo de
desterritorialização e sobrecodificação. Por outro lado, as sociedades pré-capitalistas
são eminentemente territoriais, na medida em que sua relação com a terra é oposta
à gerada pelas ações do Estado e do capital, pois desenvolvem uma relação com
a terra que supera o simples domínio de uma propriedade. A terra é a extensão
da identidade, da subjetividade e da cultura. Apesar de o Estado, historicamente,
desterritorializar as populações pré-capitalistas, elas criam estratégias de
enfrentamento desse processo, com o devir de novas territorializações em face das
desterritorializações que sofrem. Portanto, a desterritorialização relativa envolve
a criação de territórios num constante porvir criando rotas de fuga e unindo-se
a outras multiplicidades, dispostas a se relacionarem com outros filamentos que
não param de modificar-se e unir-se. Ressalta-se que a desterritorialização absoluta
refere-se a um estado de qualidade em relação à desterritorialização relativa e
opera no plano do pensamento, no plano das ideias. A todo o momento, estamos
criando novas ideias, consequentemente, estamos abandonando antigos territórios,
estamos nos desterritorializando.
Ao analisarem o processo de desterritorialização que os nômades sofriam
em decorrência da territorialização do Estado, Deleuze e Guattari (1995, v.3)
evidenciaram, de forma muito clara, a dinâmica de criação e abandono de
territórios. Fica claro que os nômades, pelo constante movimento de deslocamento
e fluidez que realizam nos espaços que habitam, se caracterizam pela edificação
de espaços lisos. O nômade representa a essência da territorialização imposta
pelo Estado, na medida em que as terras anteriormente pertencentes a seu grupo
passam a ter valor no mercado, sofrem uma dinâmica de codificação e controle.
Mas o nômade, em decorrência da desterritorialização que sofre, abre um porvir na
relação com o Estado. A terra, para o nômade, não tem valor-mercadoria, é o sócius
coletivo. O sócius configura o espaço liso, o mais apto à realização do movimento
de territorialização e desterritorialização:
Para o nômade, ao contrário, é a desterritorialização
que constitui sua relação com a terra, por isso ele se
reterritorializa na própria desterritorialização. É a terra que
se desterritorializa ela mesma, de modo que o nômade aí
encontra um território. A terra deixa de ser terra, e tende a
tornar-se simples solo ou suporte. (GUATTARI; ROLNYK,
2010, p. 53).
Mesmo com a desterritorialização do nômade, sabemos que toda relação
social tem por base um meio físico, pois seria impossível concebermos as dinâmicas
316
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO NA ESCOLA
econômicas, políticas, ideológicas, religiosas, enfim, os processos sociais sem uma
base territorial. Toda relação humana está situada num contexto espacial, caso
contrário estaríamos levitando ou flutuando e ela estaria se desenvolvendo no vácuo.
Em uma mesma base física, são produzidos inúmeros territórios que variam
em perspectiva econômica, cultural, política, afetiva, subjetiva etc. A produção de
territórios por uma população, povoados ou grupo de pessoas pode ser entendida
como ações e projeções que buscam legitimar o controle de um conjunto de
lugares, processos e ideias com delineamentos bem definidos. O território possui
uma essência funcional que é expressa pelos seus múltiplos usos. O homem está
em constante interação com o espaço físico onde vive e reproduz a base material
e simbólico-subjetiva de sua existência. A ideia de território dada por Deleuze e
Guattari apresenta as seguintes propriedades:
A noção de território é entendida aqui num sentido muito
amplo, que ultrapassa o uso que dela fazem a etologia e
a etnologia. Os seres existentes se organizam segundo
territórios que os delimitam e os articulam aos outros
existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode ser
relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema
percebido no seio do qual um sujeito se sente “em casa”.
O território é sinônimo de apropriação, de subjetivação
fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto dos projetos e das
representações nos quais vai desembocar, pragmaticamente,
toda uma série de comportamentos, de investimentos, nos
tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos.
(GUATTARI; ROLNYK, 2010, p. 388).
A formação de territórios, para Deleuze e Guattari (1995, v.1), compreende
a existência de processos que se articulam, se transformam, se renovam. Não
existe um centro gerador de territórios. O território é originado a partir de diversas
vertentes: subjetivas, políticas, econômicas, espaciais, entre outras. Nesse sentido,
a existência de um território implica conexão com outros territórios, é o que dá
origem a novas territorializações que se edificam e se desfazem num constante
porvir, numa dinâmica de construção e integração, feito o crescimento de raízes
que nunca param de crescer e se reproduzir.
Deleuze e Guattari (1995, v.1) flexibilizam o conceito de território, não
definindo regras de análise, mas compreendendo-o como possibilidade de um
movimento que se renova, se articula, se desfaz. O território é a expressão de um
conjunto de processos que se integram. É a cartografia antecipada e discutida numa
outra vertente; é o rizoma que se anuncia, sem alarde, sem reforço ao corte, é mais
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Francisco Perpetuo Santos Diniz / Ana Cristina Lima da Costa / Raimundo Erundino Santos Diniz
uma haste que se abre ao novo, fazendo e desfazendo processos inconclusos e
heterogêneos, feito raízes que crescem e se propagam. O conceito e o território são
raízes metafóricas que incentivam discussões e reflexões. Não importa a definição,
mas a possibilidade constante de redefinir o definido.
Um conjunto de raízes em sentido figurado compreende vários territórios.
Um território integra-se a outro, estando apto a entrelaçar-se e modificar-se. O
território, a exemplo dos rizomas, é o devir-raízes, maleável, sua natureza-terraraízes inspirando expansão e inconclusão.
Deleuze e Guattari (1995, v.1) especificaram os princípios da formação do
rizoma, cujo conceito é originário da Biologia. O termo rizoma foi sistematizado na
Botânica, sendo caracterizado pela união de raízes que não param de se reproduzir,
sendo muito difícil identificar seu início e suas direções. O crescimento constante
das raízes resulta na formação de um conjunto de teias complexas de raízes, a
exemplo das gramíneas. Contudo, a perspectiva rizomática dada pelos autores
supera a ideia do rizoma enquanto processo natural e adquire uma perspectiva
ontológico-filosófica:
O rizoma conecta um ponto qualquer com outro ponto
qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente
a traços de mesma natureza; ele põe o jogo o regime de signos
muitos diferentes, inclusive estados de não signos; o rizoma
não se deixa reconduzir nem ao uno nem ao múltiplo. Ele
não é o uno que se torna dois, nem mesmo que se tornaria
diretamente três, quatro ou cinco etc. Ele não é múltiplo que
deriva do uno... Ele não tem começo nem fim, mas sempre
um meio pelo qual ele cresce e transborda. (DELEUZE;
GUATTARI, 1995, v. 1, p. 32).
É nítida, nessa primeira definição de rizoma, a ideia de processualidade,
fato que marca a cartografia definida pelos autores. É importante ressaltar que o
rizoma não apresenta modelos definidos a serem copiados e reproduzidos. Pelo
contrário, o rizoma é marcado pela transformação constante que, ao modificar-se,
acaba negando sua origem, não no sentido de simples oposição, mas de mudar
sua natureza gerativa, mesmo que apresente marcas de sua gênese de formação.
Deleuze e Guattari (1995, v.1) especificaram os seis fundamentos do
rizoma: a conexão, a heterogeneidade, a multiplicidade, a ruptura a-significante,
a cartografia e o decalque.
O primeiro fundamento do rizoma é o da conexão. Da mesma forma que
ocorre a interseção das raízes de determinadas plantas, como as gramíneas, que
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO NA ESCOLA
ao se unirem dão origem a novas raízes, o rizoma, na perspectiva ontológica, está
num constante movimento de expansão ou territorialização-desterritorialização².
A cada vez que ocorre a expansão das hastes, filamentos ou linhas de fuga do
rizoma, são formadas novas conexões:
Qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer
outro ponto e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou
da raiz que fixam um ponto, uma ordem... Num rizoma,
ao contrário, cada traço não remete necessariamente a um
traço lingüístico: cadeias semióticas de toda a natureza
são aí conectadas a modos de codificação muito diversos.
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, v.1, p. 15).
O segundo princípio do rizoma é a heterogeneidade, caracterizada pela
conexão gerada que impulsiona a formação de novos grupos de hastes os quais
apresentam, em sua essência, a diversidade. A cada linhagem que se conecta, surgem
novas cadeias ou territórios diferentes dos anteriores e aptos a se integrarem a
outras linhagens. As linhagens são formadas sem hierarquias. Deleuze e Guattari
criticam a Teoria Linguística de Chomski pelo constante retorno a um ponto
principal, a língua matriz, a reflexão da sociedade, da política e da economia, feita
a partir da supervalorização da gramática normativa:
A árvore lingüística à maneira de Chomski começa ainda num
ponto S e procede por dicotomia... Na lingüística, mesmo
quando pretende-se ater-se ao explicito e nada supor da
língua, acaba-se permanecendo no interior das esferas de um
discurso que implica ainda modos de agenciamento e tipos
de poder sociais particulares. (DELEUZE; GUATTARI,
1995, v.1, p. 15).
A multiplicidade é o terceiro princípio do rizoma e é gerada a partir da
mudança natural do rizoma. O rizoma tanto pode crescer quanto pode parar de
crescer quando, em determinados momentos, setores ou áreas congelam-se e,
novamente, voltam a crescer, surge a multiplicidade. Quando o rizoma se expande
através de suas “raízes”, processo inerente à sua natureza, a multiplicidade se afirma.
A multiplicidade é o rizoma que se expande e que muda sua origem.
O quarto princípio do rizoma é o da ruptura a-significante que se constitui
nos cortes feitos no rizoma. O mais importante não é a ênfase ao corte, mas a
possibilidade de regeneração e proliferação do rizoma. Quando se dá demasiado
valor ao corte, corre-se o risco de congelar o processo de expansão do rizoma.
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
Francisco Perpetuo Santos Diniz / Ana Cristina Lima da Costa / Raimundo Erundino Santos Diniz
A ruptura a-significante implica não caricaturizar a imagem do corte ou enfatizar
um mapa recortado:
Seguir sempre o rizoma por ruptura, alongar, prolongar,
revezar a linha de fuga, fazê-la variar, até produzir a linha mais
abstrata e a mais tortuosa, com n dimensões com direções
rompidas. Conjugar os fluxos desterritorializados. Seguir as
plantas: começando por fixar os limites de uma primeira linha
segundo círculos de convergência ao redor de singularidades
sucessivas; depois, observando-se, no interior desta linha,
novos círculos de convergência se estabelecem com novos
pontos situados fora dos limites e outras dimensões.
((DELEUZE; GUATTARI, 1995, v.1, p. 20).
A ruptura a-significante expressa o processo pelo qual ocorre o abandono
do território com o desenvolvimento de uma nova reterritorialização. Uma depende
da outra, numa relação que demonstra interdependência.
O quinto princípio do rizoma é a cartografia, identificada como o
acompanhamento do processo de formação de mapas, territórios, territorializações
e desterritorializações. Um mapa é formado com o processo de desenvolvimento
do rizoma.
Quando o mapa deixa de ser rizomático e passa a ser decalcado, torna-se
um modelo árvore raiz que se constitui no sexto princípio do rizoma. O decalque
é a imagem congelada do mapa. Um rizoma, quando não se expande, torna-se a
imagem do decalque do mapa. Não há mapa sem processo, sem linhas de fuga
que crescem e se rompem, formando territorializações e desterritorializações:
O mapa é aberto, é conectável em todas as suas direções,
desmontável, reversível, suscetível de receber modificações
constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptarse a montagens de qualquer natureza, ser preparado por
um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se
desenhá-lo numa parede, concebê-lo como obra de arte,
construído como uma ação política ou como uma meditação.
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, v.1, p. 22).
O mapa não apresenta cadeia genealógica definida, não possui tronco
germinador, é o rizoma em si. “O rizoma se refere a um mapa que deve ser produzido,
construído, sempre desmontável, conectável, reversível, modificável, com múltiplas
entradas e saídas, com suas linhas de fuga”. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, v.1, p.
23). O decalque hierarquiza, impõe escalas de influência aos elementos constituintes
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO NA ESCOLA
do modelo árvore-raiz. “Ele gerou, estabilizou, cristalizou o rizoma, e já não
reproduz senão ele mesmo”. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, v.1, p.17). Entre
ambos, não existe oposição. O decalque pode ser formado a partir do rizoma e o
rizoma pode romper-se do decalque e formar um mapa. Para Deleuze e Guattari
o mapa é a expressão da multiplicidade do rizoma.
O rizoma, quando discutido para se analisar o currículo, a escola e a
construção de práticas educativas, abre a possibilidade de novo pensar e novo
fazer educacionais. O princípio da conexão do rizoma dá às disciplinas curriculares
margem para se integrarem sem hierarquias. A heterogeneidade incentiva a
superação de conteúdos já decalcados. A multiplicidade orienta a necessidade de se
realizar, no currículo, metamorfoses, mudanças. A ruptura a-significante pretende
“misturar-se” com o atual modelo de conhecimento, realizando transformações,
sem valorizar os cortes. A cartografia representa os saberes formados no cotidiano
escolar, e o decalque é o modelo de educação vigente erodido pela luta políticopedagógica que nunca se esgota. O currículo-rizoma é um mapa formado por
territorializações criadas e recriadas, no interior da escola formal, e direcionado a
uma identidade libertadora.
O currículo, quando pensado na perspectiva do rizoma, não apresenta
começo nem fim. O currículo até pode apresentar decalque, porém deve ser
constantemente repensado. O currículo-rizoma é múltiplo, diverso, adaptável, não
nega sua origem, mas cria possibilidade de inovação, invenção e conexão.
Enfim, o currículo-rizoma funde saberes: a ciência, a religião, a filosofia,
o senso comum, as artes e o mito formam cosmos, teias que são tecidas como
fios de crochê, sempre abertas a novos pontos, mas que almejam traçar várias
direções e visam à construção de complexas redes de conhecimento, conectadas,
sem vaidades, que dialogam entre si, se abrem e convidam à integração entre as
disciplinas curriculares.
O CURRÍCULO E A DIVERSIDADE DE SABERES NA ESCOLA
O currículo oficial, definido pelo Ministério da Educação para ser seguido
pelas escolas de todo o país, se caracteriza por fragmentação e especialização das
disciplinas. Em decorrência da falta de políticas governamentais direcionadas
ao trabalho com e ao ensino de conteúdos da Língua Portuguesa, Matemática,
Geografia, História, Filosofia, Sociologia, Ciências Naturais, entre outras, cria-se
um quadro de separação de conteúdos que, em geral, favorece a construção de
planos de abstração, o que impede conjecturas a propósito da realidade sociopolítica
e cultural dos alunos. A superespecialização das disciplinas curriculares é reflexo
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
Francisco Perpetuo Santos Diniz / Ana Cristina Lima da Costa / Raimundo Erundino Santos Diniz
da hierarquização e da especialização dos ramos científicos impostos pelo modelo
de ciência dominante.
O modelo de ciência dominante é ocidental, tem suas bases centradas
no racionalismo aprimorado no século XVI. O conhecimento científico nega
outras formas de conhecimento, não considera a subjetividade, o senso comum,
a aprendizagem, a construção e a socialização de conhecimentos feitos a partir de
vivências individuais e coletivas. Nesse contexto, a natureza é separada do homem
e vista como uma grande engrenagem regida por leis invariáveis pertencentes a
uma complexa máquina que deve ser domesticada, dominada. Para Deleuze e
Guattari (1995, v.5), a ciência hegemônica é regia e apresenta leis imutáveis que
buscam padronizar as realidades e fenômenos.
A análise dos fatos sociais, no modelo hegemônico de ciência, deve ser
conduzida a partir de modelos advindos das ciências tidas como exatas e naturais.
Já as Ciências Sociais nasceram embebidas com o positivismo. As leis que regiam
a natureza deviam ser as mesmas que determinariam a sociedade. A sociedade
deveria ser estudada de forma neutra, objetiva, sem juízos de valor, sem pré-noções
ou conceitos, sem paixões, nem ideologias, nem crenças.
Para Santos (2010), o pensamento moderno é pós-abissal e não derivativo,
envolve uma ruptura radical com as formas ocidentais modernas de pensamento
e ação. Usando uma epistemologia do sul, confronta a monocultura da ciência
moderna com uma ecologia de saberes. A ecologia de saberes baseia-se na ideia
de que o conhecimento é interconhecimento e postula a noção da diversidade
epistemológica do mundo – o reconhecimento da existência de uma pluralidade
de formas de conhecimento, da impossibilidade de uma epistemologia geral. O
pensamento abissal consolidou a crença na ciência como única forma válida e
rigorosa no que tange à produção do conhecimento.
Acompanhando a crítica ao rigor do modelo de ciência dominante e a falta
de integração sobre as diversas expressões de conhecimentos, Morin (2004) aborda
a necessidade de valorizar a complexidade do conhecimento rumo à ecologia de
saberes, em que o pensamento complexo é tido como a aproximação, a relação,
as misturas e integrações dos conhecimentos separados pelo próprio processo
de desenvolvimento das ciências. O pensamento da complexidade valoriza a
reciprocidade das partes, advoga que o local modifica o todo e o todo, o local;
reconhece a diversidade na unidade e abre-se ao contexto planetário, não abre as
fronteiras entre as disciplinas, mas transforma o que produz as fronteiras, o que
organiza o conhecimento.
Da mesma forma que o conhecimento científico impõe um modelo a ser
seguido, desconsiderando outras formas de conhecimento, o currículo da escola
322
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO NA ESCOLA
formal vem sendo historicamente ditado e estruturado numa separação explícita
entre as ciências ditas curriculares e outras formas de saberes científicos e não
científicos. Tal situação favorece a permanência de um modelo educacional
segregador, que reforça as desigualdades sociais. O conhecimento produzido
a partir do currículo escolar é abstrato, especializado e enfadonho. Contudo,
a complexidade do conhecimento impõe à escola a possibilidade de romper
com as formas de ensino fragmentadas e sem conexões, ao mesmo tempo em
que abre a possibilidade de se construir um território, no interior da escola, no
próprio currículo oficial, para a reformulação da educação em base críticas e com
funcionalidade social.
O modelo de ciência, de currículo e de escola dominantes vem sendo
criticado por um conjunto de transformações advindas de vários campos
científicos, políticos, culturais e sociais:
Essa crise é não só profunda como irreversível; julgo que
estamos a viver um período de revolução científica que se
iniciou com Einstein e a mecânica quântica e não se sabe
ainda quando acabará; terceiro, que os sinais nos permitem
tão só especular acerca do paradigma que emergirá deste
período revolucionário, mas que, desde já, pode afirmar-se
com segurança que colapsarão as distinções básicas em que
assenta o paradigma dominante. (SANTOS, 2009, p. 68).
Para Santos (2009), o paradigma científico vem sendo abalado pela teoria da
relatividade, pela física quântica, pela crítica ao rigor da matemática, pelos avanços
da microfísica, da química e da biologia fundamentais na teoria dos sistemas o que
favoreceria a imutabilidade da ciência moderna.
A ciência hegemônica e as formas de conhecimentos marginalizados, as
concepções de mundo e os saberes dos educandos encontram-se num processo de
territorialização e desterritorialização em decorrência das interseções e dependência
entre ambas. São as zonas de fugas, as fronteiras que são construídas e movidas
num constante movimento de ida, volta e transformação.
Deleuze e Guattari (1995, v.1) reconhecem a existência de uma fronteira
aberta e em constante movimentação entre o modelo da ciência rígida e a ciência
nômade³, aqui entendida como feita por todos os grupos de conhecimentos e
saberes marginalizados pela ciência oficial:
Por isso, o mais importante talvez sejam os fenômenos
fronteiriços onde a ciência nômade exerce uma pressão sobre
a ciência do estado, e onde, inversamente, a ciência de Estado
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
Francisco Perpetuo Santos Diniz / Ana Cristina Lima da Costa / Raimundo Erundino Santos Diniz
se apropria e transforma os dados da ciência nômade. Isso é
verdade da arte dos campos e da castramentação, que sempre
mobiliza as projeções e os planos inclinados: o Estado
não se apropria dessa dimensão da máquina de guerra sem
submetê-la a regras civis e métricas que vão limitá-las de
modo estrito, controlar, localizar a ciência nômade, e proibi-la
de desenvolver suas conseqüências através do campo social.
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, v.5, p. 27).
Santos (2009) também reconhece a existência de fronteiras entre as ciências
hegemônicas e as formas de conhecimentos e saberes marginalizados, que se
interconectam à semelhança de rizomas:
Os fatos observados têm vindo a escapar ao regime de
isolamento prisional a que a ciência os sujeita. Os objetos têm
fronteiras cada vez menos definidas; São constituídos por anéis
que se entrecruzam em teias complexas com os restantes dos
objetos, a tal ponto que os objetos em si são menos reais que
as relações entre eles. (SANTOS, 2009, p. 73).
Quando Santos (2009) afirma que o conhecimento é parcelado nas
especializações da ciência, reportamos ao modelo árvore-raiz definidos por
Deleuze e Guattari, na obra Mil Platôs (1995, v.1; v.3; v.5). A Ciência Moderna e o
Currículo seriam a grande árvore do conhecimento, e seus galhos assemelham-se às
especializações das disciplinas escolares. Esse modelo expressa o sexto princípio do
rizoma, o decalque, caracterizado pela imagem estática de um modelo hegemônico
de ciência e de currículo. Por outro lado, quando Santos afirma que os objetos
possuem fronteiras definidas e que se intercruzam, formando teias complexas,
relacionamos tal noção ao quarto princípio do rizoma, à ruptura a-significante, em
que se desenvolveriam os processos de territorialização e desterritorialização. Por
fim, as linhas de fuga comuns aos rizomas unir-se-iam a outras raízes formando
novas teias complexas.
TERRITÓRIOS, RIZOMAS, EDUCAÇÃO E CURRÍCULO
Os modelos científicos e curriculares hegemônicos determinaram a
fragmentação e a especialização das Ciências e das disciplinas curriculares e se
constituíram numa grande árvore-decalque. Os galhos e folhas da árvore-mãe são
todas as disciplinas – Física, Sociologia, Matemática, Geografia, Química, Filosofia,
História, Letras, Artes, Biologia, entre outras que brotaram, no século XIX, de
uma única matriz, o positivismo – e são afirmados na escola formal na atualidade.
324
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO NA ESCOLA
Há predominância de um grande território da especialização e hierarquização
do saber. A escola e o currículo são influenciados e determinados pelas
territorializações do decalque científico dominante. Contudo, Deleuze e Guattari
(1995, v.1; v.3), Santos (2009) e Morin (2004) discursaram sobre as fronteiras entre
o saber científico, os saberes populares e todas as outras formas de expressão de
saberes, e sobre todas as suas complexidades. Cabe ao Estado negar sua função, a
escola; aos educadores e a todos os comprometidos com uma proposta educativa
voltada para a consciência política e cidadania, revalorizar as fronteiras entre as
ciências, buscar incessantemente as relações entre o saber científico e o senso
comum, romper com as amarras dos conteúdos que são impostos de forma
abstrata no interior das escolas.
A perspectiva de territórios e rizomas orienta uma nova proposta de
educação. Deleuze e Guattari (1995), ao afirmarem que a territorialização
implica desterritorialização, abrem um espaço para uma profunda reflexão sobre
as relações possíveis entre a territorialização da ciência e o entendimento do
saber numa perspectiva complexa, escolar e curricular. A fronteira que se forma
entre a conexão de saberes é caracterizada pela interação de conhecimentos que
abarcam multiculturalismo, África, indígenas, religiosidade, sincretismo religioso,
beberagem na Amazônia, cultura popular, meio ambiente, senso comum, saber
científico, cidadania, direitos humanos, disciplinas curriculares, entre outros, todos,
sem exceção, formando um rizoma ou um conjunto de rizomas, com fronteiras
abertas à multiplicidade, a heterogeneidade, a constituição de mapas e territórios, a
superação de decalques, a interdisciplinaridade, pertencentes a uma grande teia de
conhecimentos, holisticamente aceita, sem hierarquizações e especializações. Cabe à
escola compor uma haste de um rizoma maior, composto pelos movimentos sociais,
igrejas, ONGs, universidades, intelectuais e movimentos organizados, e caminhar
rumo à fronteira da liberdade objetivando romper o decalque social e científico
que cristaliza a divisão de classes e a abstração de saberes. A escola, a educação
e a luta política, vistas de forma integrada, se constituem em territórios-rizomas
cuja territorializações desterritorializam a territorialização abissal da sociedade
enrijecida em que vivemos.
Quando se questiona o rigor e a dureza do currículo escolar oficial e se abre
a discussão para a inserção de novas práticas, teorias, saberes e conhecimentos
sobre o local e o global, a ciência e o cotidiano, a dureza e a leveza das disciplinas
curriculares, novas possibilidades de fazer educação são constituídas. O currículo
visto na perspectiva rizomática não abandona as disciplinas oficiais – une-se a
elas, mas abre-se ao novo, ao porvir ao processo educativo, ao novo território que
desterritorializa a ciência de Estado e o currículo duro da escola oficial.
325
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
Francisco Perpetuo Santos Diniz / Ana Cristina Lima da Costa / Raimundo Erundino Santos Diniz
A escola deve imitar o nômade e revalorizar a territorialidade do sócius,
da vivência local, da identidade que é formada a partir do meio circundante. O
nômade cria e recria territórios. A escola deve criar e recriar currículos-territórios
que possam ir na contramão da territorialidade imposta pelo Estado.
O território-currículo da escola deve ser flexível, conectado às
transformações locais e globais da sociedade, considerar as multiplicidades de
disciplinas e saberes, evitando, dessa forma, decalcar currículos que reproduzam
o modelo árvore-raiz da educação. O currículo que se congela nega o processo,
nega o porvir da cartografia deleuze-guattariana.
O currículo é o devir que se anuncia, é o mapa da educação que é formado
e muda a partir de iniciativas coletivas que se rompem e se espalham polarizando
novas práticas, novos caminhos. O currículo-território – ou currículo na perspectiva
do rizoma – não estabelece hierarquia entre as ciências e disciplinas curriculares,
considera as expressões de saberes, não tem árvore genealógica nem caminhos
previamente estabelecidos, não se configura na grande árvore de conhecimento,
evita o modelo de decalque.
O território-currículo compreende a ruptura a-significante, expressa o
abandono de territórios em decorrência de uma territorialização que se impõe
composta por linhas de fuga, prontas a emergirem em mapas de um porvir. O
currículo inerte é o decalque em si, parou o rizoma. É o rizoma decalcado. O
território-currículo comunga com a ecologia de saberes e vê a escola como raízes,
rizomas, saberes e conhecimentos que se interceptam, que não se congelam,
mudam, e que não param no tempo. Portanto, se a escola e o modelo de educação
vigentes no Brasil não se modificarem, como acontece com os rizomas que
estão em constantes transformações, estarão fadados ao fracasso e continuarão
reproduzindo conhecimentos hierarquizados e desvinculados da sociedade.
326
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
TERRITÓRIOS, RIZOMAS E O CURRICULO NA ESCOLA
NOTAS
Para Deleuze e Guattari (1995, v. 3) os agenciamentos de corpos são as relações
expressas nas subjetividades criadoras de certas identidades físicas e de dependência
entre os sujeitos, a ex: das relações pai, mãe e filho; Professor-aluno, Chefeempregado. Já os agenciamentos coletivos de enunciação compreendem a formação
da subjetividade que é exterior ao indivíduo, ou seja, os sistemas religiosos,
econômicos, sociais, políticos, entre outros são responsáveis pela elaboração da
personalidade das pessoas. A subjetividade não nasce de dentro do sujeito, mas
vem de fora e é internalizada.
1
O movimento de desterritorialização tem haver com o abandono de territórios e a
territorialização é o processo pelo qual se constrói o território. A desterritorialização
não ocorre sem a reterritorialização. Ambos são inseparáveis e se completam a
exemplo da orquídea e da vespa. A desterritorialização nunca ocorre isoladamente
e é sempre resultado de um processo coletivo.
2
Para Deleuze e Guattari (1995, v. 5): as populações pré-capitalistas desenvolvem
uma relação com a terra que supera o simples domínio de uma propriedade. A terra
é a extensão da identidade, subjetividade e cultura. Apesar do Estado historicamente
desterritorializar as populações pré-capitalistas, as mesmas criam estratégias de
enfrentamento desse processo, com o devir de novas territorializações frente às
desterritorializações que sofrem. Portanto, a desterritorialização relativa, envolve
a criação de territórios num constante porvir, criar rotas de fugas e unire-se a
outras multiplicidades, como num rizoma. A desterritorialização absoluta referese a um estado de qualidade em relação à desterritorialização relativa e opera no
plano do pensamento, no plano das idéias. A todo o momento estamos criando
novas idéias, conseqüentemente estamos abandonando antigos territórios, estamos
nos desterritorializando. Porém, o pensamento só existe a partir do meio, a Terra.
3
REFERÊNCIAS
DELEUZE, Guilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio de Janeiro: Ed.
34, 1992. (Coleção TRANS).
______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. (5 v.). São Paulo: Ed. 34, 1995, v.1.
______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. (5 v.). São Paulo. Ed. 34, 1995, v.3.
______. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. (5 v.). São Paulo. Ed. 34, 1995, v.5.
GUATTARRI, Félix; ROLNYK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. 10.
ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
327
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
Francisco Perpetuo Santos Diniz / Ana Cristina Lima da Costa / Raimundo Erundino Santos Diniz
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento.
17. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
SANTOS, Boaventura de S. Da ciência moderna ao novo senso comum – A
crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 4. ed. São Paulo:
Cortez. 2009.
______. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia
de saberes. In: SANTOS, Boaventura de S.; MENESES, Maria Paula. (Org.).
Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010; p. 31- 83.
328
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 313-328, jul./dez. 2011
BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO
ESCOLAR1
Cristiane Elvira de Assis Oliveira*
Resumo: Neste texto, busca-se apresentar o que as professoras da Educação Infantil
narram a respeito das brincadeiras e dos jeitos de as crianças brincarem no cotidiano
escolar. As brincadeiras das crianças, no recreio coletivo, estão despertando nas
professoras a imaginação, atualizando suas memórias. Outros jeitos de brincar emergem
nas brincadeiras infantis, ampliando os saberes fazeres das professoras. Por meio da
brincadeira, a criança se conhece e conhece o mundo ao seu redor. As professoras
consideram o faz-de-conta importante para se descobrir o que a criança sente e pensa,
como ela vê a realidade em que está inserida e como vê o trabalho delas. Destaca-se,
também, a importância do tempo do brincar para as crianças, numa escola de educação
em tempo integral.
Palavras-chave: Brincadeira. Criança. Cotidiano..
CHILDREN’S PLAY IN SCHOOL LIFE QUOTIDIAN
Abstract: This paper seeks to present what teachers in Early Childhood Education
recount about the plays and the ways children play in quotidian school life. Children’s
play at the collective playtime seemed to awaken imagination in teachers, updating
their memories. Other ways of playing emerge in children’s play, expanding teachers’
know-how. By means of playing the child knows him/herself as well as his/her
surrounding world. Teachers consider the make-believe an important aid to find out
what the child feels and thinks, how he/she sees the reality within which he/she is,
and how he/she sees their work. It is also highlighted the importance of playing time
for children in a full-time school.
Keywords: Play. Children. Quotidian.
* Pedagoga. Mestre em Educação (Universidade Federal de Juiz de Fora).
329
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
Cristiane Elvira de Assis Oliveira
AS ARTES DE FAZER UMA PESQUISA NO/DO/COM O COTIDIANO
ESCOLAR
Como parte da pesquisa de Mestrado em Educação, a escritura deste texto
busca apresentar narrativas de professoras da Educação Infantil, coautoras na/da
pesquisa, a respeito das brincadeiras e dos jeitos das crianças brincarem no cotidiano
de uma escola municipal de educação em tempo integral de Juiz de Fora/MG. A
pesquisa de Mestrado que eu teci tem como objetivo problematizar, com professoras2
da Educação Infantil, indícios das temporalidades no/do/com o cotidiano dessa
escola municipal. É importante dizer que concebo como indícios o que Ginzburg
(1989) denomina pormenores, minúcias, pistas que “permitem captar uma realidade
mais profunda” (p. 150), fios que compõem um tapete com uma trama homogênea
e densa, constituindo instrumentos úteis na tessitura³ da pesquisa.
Ao vincular a escola às experiências cotidianas, tenho como desdobramento
suas temporalidades. Compreendo temporalidades como a forma pela qual se
experiência o tempo. Posso dizer, assim, que, na escola, há coexistência e síntese
de múltiplas temporalidades. Penetrar na temporalidade que é múltipla não é fácil,
é um desafio. Desafio esse que a pesquisa me lançou. Considero temporalidades
um tema significativo, original, sobre o qual se dispõe de poucas investigações,
reflexões e atenção por parte das(os) pesquisadoras(es).
Meu interesse em ter como objeto de estudo as temporalidades no/do/com
o cotidiano escolar emergiu de um trabalho de iniciação científica desenvolvido no
projeto Tempos na escola, realizado com crianças de cinco anos da escola mencionada,
com o livro Armando e o Tempo, da autora Mônica Guttmann (2004), no período
em que fui graduanda pesquisadora4. Foi nessa escola que teci a pesquisa de Mestrado.
Desde a minha participação no projeto de pesquisa e extensão Tempos
na escola, vinculado a um Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, estive
mergulhada (ALVES, 2008a) no cotidiano dessa escola, tecendo narrativas,
participando de reuniões e estudos, construindo textos envolvendo questões
cotidianas experienciadas no seu interior. Realizei, também nessa escola, o estágio
curricular do curso de Pedagogia e, em um dos anos da pesquisa, semanalmente,
experienciava o seu cotidiano, como uma das ações de atuação na/da pesquisa
Tempos na escola.
Estar, desde a graduação, envolvida com a pesquisa, a qual se constitui
para mim num eixo de formação docente, possibilita-me o movimento práticateoria-prática (ALVES, 2010), movimento esse que nos propicia compreender que
as práticas estão articuladas às teorias, “parte-se de práticas para formular teorias
que só se mantêm quando voltam a se realizar em práticas” (p. 71). Assim, eu e
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BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO ESCOLAR
as professoras temos a possibilidade de partir das práticas, buscar propostas para
(re)significá-las, produzindo teorias. Dessa forma, o cotidiano vai se relevando
como um tempo-espaço de produção de redes de conhecimentos e de temporalidades
significativas para nossos saberes fazeres. Além disso, vou me constituindo uma
pesquisadora-professora sensível às questões da prática cotidiana, colocando-me a
fazer perguntas, assumindo uma postura investigativa (GARCIA, 2002) e buscando
alternativas favoráveis junto com a escola.
Minha maior motivação, também, para desenvolver uma pesquisa na pósgraduação em educação foi a clareza da importância da pesquisa como eixo de
formação docente, por estar me formando professora e querer experienciar/
pesquisar/estudar no/do/com o cotidiano escolar.
A pesquisa que teci no/do/com o cotidiano da já referida escola municipal
se fez na reinvenção de seu cotidiano, fazendo que eu me lançasse num intenso
mergulho no tempo-espaço dessa instituição. Ir para o cotidiano dessa escola,
envolvendo-me com ela, viabilizou-me um contato mais próximo com as crianças,
com as professoras e com as práticas cotidianas, como também conhecer e sentir
seus acontecimentos, seus mistérios e sua intensidade.
Crianças com infâncias enigmáticas, como diz Larrosa (2006), a infância
como o outro que “inquieta a segurança de nossos saberes, questiona o poder de
nossas práticas” (p. 184). Pensar a infância como um outro é pensar essa inquietação
e esse questionamento. É também pensar a presença da criança como enigmática,
pois suas lógicas desestabilizam nossas lógicas adultas.
Kohan (2004) apresenta outra forma de conceber a infância, compreendendo-a
não somente de acordo com a cronologia, mas reconhecendo-a, também, na
dimensão da experiência, na intensidade da duração, possibilitando-nos perceber a
coexistência de “duas infâncias, uma da cronologia; a outra de um tempo intenso,
contemporâneo, presente. As duas convivem. A primeira remete a nossa biografia
primeira, às crianças; a outra não tem idade, diz respeito à potência de cada idade”
(p. 59). Assim, a infância não é apenas uma etapa do desenvolvimento humano,
é a condição da experiência, expressando a forma como cada uma experiencia a
vida, já que ser criança, nessa perspectiva, é algo que independente da idade, pois
representa a maneira de viver, ser, estar no/com o mundo.
Na tessitura da pesquisa, utilizei como aporte teórico-político-epistemológicometodológico (OLIVEIRA; SGARBI, 2008) a pesquisa no/do/com o cotidiano.
Esta me permite ir costurando a pesquisa de acordo com o que a realidade vai me
possibilitando tecer (GARCIA, 2003), viabilizando exprimir o que é possível e não
o que é certo e errado, dicotomias essas da ciência moderna. Essa pesquisa me
leva a buscar nas experiências, nas entrelinhas, no entremeio, na fronteira aquilo
que o paradigma moderno ofuscou.
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
Cristiane Elvira de Assis Oliveira
Pesquisar no/do/com o cotidiano implica
Pedir licença para entrar na escola. Ser convidada a entrar.
Sentir-se estranha ao entrar na escola. Preparar-se para
entrar na escola. Aprender com o poeta ser no caminho
que se faz o caminho. Pôr-se a aprender onde pensávamos
ir para ensinar. Ir aprendendo cotidianamente a reaproximar
a prática e teoria até que se confundam e voltem a ser o
que um dia hão de ter sido, apenas práticateoriaprática, sem
divisões ou hierarquias. Mergulhar na prática com as práticas,
descobrir a riqueza da teoria em movimento que se atualiza
no cotidiano, enriquecida pelo que a cada dia se revela como
novo (GARCIA, 2003, p. 204).
A pesquisa no/do/com o cotidiano valoriza a oralidade das praticantes
(CERTEAU, 2008), daí a importância de suas narrativas para a pesquisa. A narrativa
é uma forma legítima de expressar o conhecimento, ou seja, com a narrativa temos
a possibilidade de conhecer e de narrar o mundo, a vida cotidiana, as pesquisas e
o conhecimento (OLIVEIRA, 2010). Assim, a narrativa se configura como outra
forma de escrita e de narrar o cotidiano, a qual me auxilia no que Alves (2008a)
vai chamar de narrar a vida e literaturizar a ciência.
As narrativas trazem à tona a oralidade, possibilitando reflexões
epistemológicas, cuja beleza, força e riqueza se perderiam se fossem aprisionadas
no discurso científico moderno.
Vale a pena arriscar-se, vale a pena usar a seu modo as
regras da academia e da escritura, vale a pena “literaturizar”
a ciência, humanizar os conhecimentos e seus processos
de tessitura, vale a pena reencantar o mundo da ciência,
inserindo nele, a novidade utópica das narrativas plenas de
vida (OLIVEIRA, 2010, p. 9).
Ao narrar uma história, somos o narrador praticante (ALVES, 2008a), traçando
e trançando as redes de temporalidades que nos chegam; nelas inserimos sempre
um fio dos nossos modos de contar. Compartilhando nossas histórias de vida,
estamos narrando nossas experiências cotidianas, posto que narrar histórias é,
então, uma vasta experiência humana (ALVES, 2008a).
Isso expressa que experiência e narrativa caminham juntas. A narrativa é
uma forma de caracterizar os fenômenos da experiência humana, e seu estudo se
torna apropriado para muitas áreas das Ciências Sociais, visto que a investigação
narrativa vem sendo utilizada no estudo da experiência educativa, pois nós seres
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO ESCOLAR
humanos somos seres contadores de histórias, seres que, individual e socialmente,
experienciamos vidas relatadas (CONNELLY; CLANDININ, 2008). Assim, o
estudo da narrativa possibilita experienciarmos o mundo.
O mergulho em outras lógicas do cotidiano escolar possibilitou conhecê-lo e
compreendê-lo, viabilizando-me mais intimidade com a escola. Ao mergulhar por
inteira nesse cotidiano, tive como viver a experiência de estar com as crianças,
ouvindo, dialogando e conhecendo histórias, experienciando temporalidades. Na
escola, o acolhimento das professoras e das crianças fez com que eu me sentisse
mais à vontade de estar com elas nos diferentes tempos-espaços.
No processo de tessitura da pesquisa, meu primeiro movimento foi mergulhar
no cotidiano de uma turma de segundo período, crianças de cinco e seis anos,
pesquisando temporalidades no/do/com o cotidiano escolar, de agosto a dezembro
de 2010. Busquei experienciar as possíveis redes de temporalidades em dois dias da
semana, nas terças e quartas-feiras, no período em que estive presente na escola,
permanecendo nela em tempo integral, de 7h30min a 16h30min.
Os indícios de temporalidades foram anotados em um caderno que
denominei Narrativas no/do/com o cotidiano, na forma de narrativas. Em vários
momentos, me deparei com as seguintes inquietações: o que narrar? Como narrar?
Quais seriam os indícios que emergiriam do cotidiano para a pesquisa? Mas permitime apenas experienciar aquele cotidiano e narrar o que acontecia toda semana,
naqueles dois dias em que estava mergulhada.
Durante o mergulho, eu auxiliava as professoras, compartilhava ideias com
elas a respeito da escola de educação em tempo integral e das temporalidades.
O que conversávamos, eu narrava no meu caderno. Brincava e interagia com as
crianças. Estas gostavam de deixar suas marcas no meu caderno. Aproximavam-se
de mim, conversavam e queriam saber o que estava anotando.
Somando-se ao meu mergulho no cotidiano escolar, para o segundo
movimento da pesquisa, reli as narrativas que fiz e construí a organização de cinco
encontros com as professoras da Educação Infantil. Para esses encontros, organizei
minhas narrativas, as quais foram feitas a partir dos indícios de temporalidades
emergidos da turma do segundo período, das reuniões pedagógicas, dos diferentes
tempos-espaços do cotidiano escolar. Os indícios de temporalidades, eu os escrevi em
forma de excertos e questões, trazendo-os para os encontros e problematizandoos com as professoras.
Na perspectiva da pesquisa no/do/com o cotidiano, a escola passa a
não ser mais considerada como um tempo-espaço no qual ocorre a transmissão
do conhecimento, mas sim passa a ser concebida como um espaço de criação
permanente de saberes. Assim, a relação pesquisadora e sujeitos na/da pesquisa
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Cristiane Elvira de Assis Oliveira
acontece na tessitura e na troca constante de saberes, ou seja, ambos pesquisam
juntos o cotidiano. A escola se configura numa trama complexa, perpassada por
diversas noções de sujeito, de vida e de conhecimento, que apresenta sua arquitetura
temporal, onde pulsam vidas/corações e valores são tecidos.
A ESCOLA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL DE
JUIZ DE FORA/MG
Antes, a escola se localizava num tempo-espaço de uma casa alugada pela
Prefeitura de Juiz de Fora, cujo espaço era bastante restrito para o desenvolvimento
das atividades cotidianas, mas a instituição não se deixava limitar por essa questão,
pois buscava estratégias para a realização delas. Um espaço em que todas(os)
estavam muito próximos fisicamente, o que não impedia que essa escola pequena
se fizesse aconchegante... Uma escola pela qual tenho um enorme carinho e apreço.
A escola ainda experiencia a adaptação a esse novo espaço. O novo prédio possui
térreo e mais três andares. No pátio, há quadra coberta e descoberta, parquinho,
brinquedoteca. Quanto ao seu espaço físico, as salas de aulas são espaçosas. Com
a mudança do espaço físico, a escola passou a atender à Educação Infantil e aos
anos iniciais do Ensino Fundamental. Antes, atendia só à Educação Infantil. Nessa
instituição, aumentou o número de crianças e de profissionais.
O horário de funcionamento permaneceu o mesmo das 7h30min às
16h30min com três turnos para as profissionais, de 7h30min a 11h30min; de
10h30min a 13h30min; e das 12h30min às 16h30min. Uma escola em período
integral para as crianças, pois permanecem nove horas na instituição, enquanto a
maioria das professoras trabalha apenas em um turno. As crianças da Educação
Infantil são provenientes de creches públicas ou particulares, sendo boa parte dos
pais, mães e responsáveis trabalhadores nas proximidades do centro da cidade.
Junto com as professoras referência – as quais passam maior tempo da
carga horária curricular com as crianças; tanto no turno da manhã como no da
tarde, há uma professora referência –, a escola possui profissional de música,
artes, capoeira, libras e educação física, aulas essas que acontecem juntamente
com o horário das professoras referência, em alguns dias, pela manhã, em outros,
à tarde, tendo o módulo-aula sessenta minutos. Nesse ano de 2011, algumas aulas
têm duração de duas horas.
A escola tem como proposta fazer da ampliação do tempo da(o) aluna(o),
momentos qualitativos, buscando aliar cuidado e educação, desenvolvendo a
educação integral. No projeto político-pedagógico, está registrada a necessidade
de se repensar constantemente os tempos-espaços. É salientado que a escola tem
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BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO ESCOLAR
buscado oportunizar às crianças a liberdade de optar pela atividade que mais lhes
interessa.
Na escola, é desenvolvido o projeto Contação de histórias, no qual são narradas
histórias, semanalmente, por uma das professoras. Promovem-se passeios culturais
com as(os) alunas(os). Fazem parte, também, das atividades cotidianas, a parada
literária – para a qual é entregue ao(à) professor(a) que está na turma uma cestinha
com livros, indo ele(a) para um cantinho com as crianças, trabalhar os livros – e
o recreio coletivo com todas as crianças, no qual a brincadeira se faz presente em
vários jeitos de brincar. A escola tem o brincar como peça principal do currículo,
porque acredita que, por meio das brincadeiras, as crianças conhecem o mundo
em que vivem e aprendem questões importantes para a vida.
O QUE NARRAM AS PROFESSORAS ACERCA DAS BRINCADEIRAS
DAS CRIANÇAS?
As professoras da Educação Infantil têm, nesse ano de 2011, como uma
das propostas pedagógicas, o recreio coletivo, no qual as crianças experienciam
brincadeiras que estão despertando nas professoras a imaginação, atualizando suas
memórias. “Assim como a poesia, os jogos infantis despertam em nós o imaginário,
a memória dos tempos passados” (KISHIMOTO, 1997, p. 20). Outros jeitos de
brincar emergem nas brincadeiras das crianças, ampliando os saberes fazeres das
professoras. No recreio coletivo, as crianças têm possibilidades de reinventar as
brincadeiras, fazendo a professora Cecília5 se lembrar da maneira como brincava
junto com sua irmã, na infância.
Cecília: “- Eu acho que é o brincar mesmo, aquele recreio coletivo;
outro dia, eu achei tão gostoso o recreio coletivo que teve outro dia, na
semana passada; é a oportunidade das crianças brincarem. Eu até
me lembrei daquele elástico, saí daqui suada - nossa! -, eu lembrei
eu e minha irmã brincando de elástico - que delícia! A gente tem que
resgatar essas coisas com as crianças; elas curtiram muito, e eu achei
tão interessante que é o momento – igual você falou, Clarice – de ter
[se] encantado com sua turma, elas viajam na imaginação. Elas viajam
tanto na imaginação que eu contei para minha filha, ‘- Mãe, eu te vejo
fazendo isso’. O elástico, eu brincava de elástico; mas, na brincadeira,
eu e minha irmã púnhamos na cadeira, éramos duas; então, a cadeira
servia como se fosse outro, de pular, aquela coisa toda, uma regra que
tinha de brincar de elástico. De repente, eu olhei... Quando eu vi os
meninos entrando dentro do elástico e brincando de trenzinho com aquele
elástico, eu achei mágico. Minha filha olhou para mim: ‘ Mãe, toda
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
Cristiane Elvira de Assis Oliveira
criança faz isso’. Eu falei... Não sei se é que eu brinquei com o elástico e
nunca tinha observado; aí estou eu, ensinando pular de elástico, quando
eu olhei, de repente, aqueles quatro toquinhos de gente, [...] aluno da
[...], ele lá dentro, puxando elástico e andando, mais três atrás dele,
como se fosse um trem - eu achei muito legal! Então, são coisas que a
gente tem que ter mais tempo para isso. [Cora diz que a gente precisa].
Porque foi, apesar de ter sido na quadra coberta... Nossa, vai ser um
auê, vai ser um barulho! Mas não foi. Até que os espaços foram bem
organizado; não sei se foi o primeiro momento, novidade para eles nós, no início, pensamos: assim, o que vamos fazer? - Né, Cora? Eu
olhei para aquela caixa: - Gente, aqui não tem nada; e olha que todo
mundo brincou! Aquela quantidade de brinquedo não ia ser suficiente;
cada sala tinha que ter uma caixa. A Cora falou: “- Vamos fazer
uma roda”. A [...] deu a ideia de pegar peteca e de brincar de ‘corre,
cutia’. Cada uma foi dando uma ideia; aí, quando a gente viu, estava
todo mundo brincando.”
Em uma de nossas cirandas de conversa, coloquei para as professoras: “vocês
professoras se colocam no lugar das crianças, pensando o tempo delas e levam em consideração a
criança que foram? Já fizeram alguma relação, assim, de algumas atitudes da criança na escola
que as fizeram lembrar a criança que já foram?” As docentes têm estabelecido relações
dos seus tempos de infâncias com o tempo das crianças.
Cecília: “Eu coloquei, até, também, a respeito do recreio coletivo;
também, essas brincadeiras, que é uma coisa muito interessante, que,
como é livre, a gente viu como é importante. Isso você consegue perceber, o
aluno até o faz-de-conta, o poder de criação que eles têm, que a gente, às
vezes, não permite que eles mostrem isso para a gente. Numa atividade
livre, igual o recreio coletivo, se a gente parar e começar a analisar as
brincadeiras. Eu lembro que teve um dia, eles pegaram elástico; aí,
eu achei muito interessante, que eu fui ensinar como é que brinca com
elástico, que eu falei: ‘– Nossa, que delícia! Eu já brinquei tanto disso e
tal’. Aí, eu brincando, e de repente, eu vi as crianças brincando de uma
maneira diferente, por não conhecerem a brincadeira do elástico, e tudo
eu achei muito interessante: eles entraram, cinco, dentro do elástico; foi
fazendo trenzinho no elástico. Aí, eu fiquei pensando: que gostoso que
é ver uma brincadeira que eles fazem. A gente dá uma volta assim ao
passado: – Poxa vida, que legal! Eu já brinquei disso. E até entra no
meio e começa a brincar também. Quem comentou isso também, outro
dia, eu acho que foi a [...], professora de artes, que estava também
ensinando uma brincadeira para os meninos: “– Nossa, já brinquei
muito disso.” Outra, pulando corda. Então, é o momento da gente
ficar até mais próxima – né, Clarice? A Clarice, geralmente, chega no
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO ESCOLAR
finalzinho do recreio coletivo; você ainda pega – né? – o recreio coletivo.”
Clarice: “– Pego! É uma delícia!”
Cecília: “–Esse, acontece toda semana; mas com a gente, por exemplo,
é de quinze em quinze dias. Tem sido, assim, uma coisa muita rica!
A gente vê os meninos pegando fantasias, eles mesmos escolhendo a
fantasia que eles querem. Então, eu acho que deveria acontecer mais
vezes. Sabe, isso não é perca de tempo. ‘–Ah, estou fora de sala de aula
de novo’. A gente ouve isso o tempo todo. Mas é muito rico. Eu tenho
observado; nós até já fizemos alguns comentários, nas reuniões; não sei
se você [dirige-se à Elvira] até chegou a perceber como tem melhorado
[com] essas atividades, como ela tem sido uma rotina para as crianças
ouvir a história; elas estão aprendendo muito mais a ouvir a história,
se educando mesmo para isso e, nas brincadeiras, a gente pelo menos
não percebe mais brigas, entre eles, de competição por brinquedo; nada;
se sentem bem livres, e cada um respeitando o espaço o tempo de estar
brincando com aquele brinquedo; troca, numa boa; misturam o tempo
todo; não tem aquele negócio, essa coisa, essa turma; eles se misturam o
tempo todo – né, Edna? Os maiores, juntos, com eles. Sabe, moderando
isso... É uma coisa muito interessante. Eu acho que a gente, realmente,
colocar para ser rotina, mesmo, na escola, fazer parte do nosso currículo,
essas atividades”.
A narrativa de Cecília traz a importância do tempo da brincadeira para o
desenvolvimento infantil. As professoras salientam que as brincadeiras coletivas,
no recreio, têm permitido às crianças se organizarem na rotina escolar, interagirem
com outras crianças, e têm também contribuído para a autonomia das crianças.
Isso vem sendo possibilitado pelo recreio coletivo, o qual, segundo as professoras,
deve ser incorporado ao currículo da escola.
Cecília: “– Então, dentro desse currículo, eles falam muito desse tempo,
o respeito ao tempo, o respeito às brincadeiras, lembrar que as crianças
são crianças, que têm que brincar. O brincar é o quê”?
Cecília: “– Eu acho que é o brincar, mesmo, aquele recreio coletivo.
Outro dia, eu achei tão gostoso o recreio coletivo que teve outro dia,
na semana passada. É a oportunidade das crianças brincarem [...]”.
[...]
Cecília: “– O olhar atento mesmo, né? A todo momento, nas
brincadeiras, é o momento que a gente consegue perceber mais,
principalmente, nas brincadeiras livres, né?”
A professora apresenta a dimensão da infância, enfatizando a importância de
a criança ser criança, tendo sua infância respeitada. A criança tem um modo todo
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
Cristiane Elvira de Assis Oliveira
particular, singular, de se inserir no seu meio, de ver e olhar o mundo, e constrói
uma narrativa da vida ao seu redor, (re)significando o seu cotidiano.
Junto a isso, Cecília disse que as crianças viajam na imaginação. Vigotski (1998,
p.122) salienta que a
[...] criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo
ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem
ser realizados, e esse mundo é o que chamamos de brinquedo.
A imaginação é um processo psicológico novo para a criança;
representa uma forma especificamente humana de atividade
consciente, não está presente na consciência de crianças
muito pequenas e está totalmente ausente em animais.
A criança, quando brinca, toma certa distância da vida cotidiana e entra no
mundo imaginário (KISHIMOTO, 1997). Por meio da brincadeira, a criança se
conhece e conhece o mundo ao seu redor. É também nas brincadeiras que nós
conhecemos mais as crianças e podemos intervir em alguma questão experienciada
por elas nos seus cotidianos.
A brincadeira, como um campo simbólico, possibilita o deslocamento da
criança no tempo-espaço. Por meio da brincadeira, a criança desenvolve a linguagem e
internaliza palavras do mundo. Na brincadeira de faz-de-conta, podemos observar
como as crianças lidam com o mundo ao seu redor.
Cora: “– Como, na segunda-feira agora, aqui, é o dia do brinquedo,
eles ficam mais livres; então, hoje, eu achei super interessante que eles
estavam brincando, e, de repente, eu olho [e] um dos alunos havia
organizado outros cinco, sentados nas carteirinhas, e estava com a régua
na mão: ‘– Preste atenção, olhe aqui no quadro: o que você está vendo?’
[ela ri]. Aí, ele veio cá: ‘– Tia, você está vendo: eu sou professor, estou
dando aula para eles.’ Então, eu achei muito interessante – sabe? Era
o momento deles e eles fizeram a opção de brincar de escola; e de repente,
a gente descobre muito a respeito do que a criança está vivenciando, de
como ela está elaborando esse processo nessa brincadeira. O faz-de-conta,
eu acho importantíssimo para a gente descobrir o que a criança sente,
pensa, como ela vê a realidade [em] que ela está inserida, como ela vê
o meu trabalho, porque acaba [...] ainda bem que ele não gritou: ‘viu
gente, só estava mostrando [a régua]’, assinalando: ‘– Olhe aqui em
cima.’ E é aquele impossível. [falou em direção à Cecília].
Cecília: “– O observar eles livremente, nas brincadeiras, esse faz-deconta na escola de tempo integral, eu acho uma questão tão importante;
está brincando, fazendo de conta que é isso, fazendo de conta que é
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO ESCOLAR
aquilo, a gente – né? Consegue perceber a formação que eles estão
precisando até para se planejar com relação a isso”.
Na narrativa de Cora, perpassa a questão da imitação, pela criança, de algo
externo, reinventando-o. De acordo com Vigotski (1998), a imitação pode ser um
dos caminhos para o aprendizado e para a compreensão do sujeito, sendo uma
das formas de as crianças internalizarem o conhecimento externo. É por meio da
imitação que as crianças têm a possibilidade de realizar ações que ultrapassam o
limite de suas capacidades (REGO, 1995).
A brincadeira de faz-de-conta, também é conhecida como “simbólica, de
representação de papéis ou sociodramática, é a que deixa mais evidente a presença da
situação imaginária.” (KISHIMOTO, 1997, p. 39). Segundo essa autora (1997, p. 39),
Ela [brincadeira] surge com o aparecimento da representação
e da linguagem, em torno de 2/3 anos, quando a criança
começa a alterar o significado dos objetos, dos eventos,
a expressar seus sonhos e fantasias e a assumir papéis
presentes no contexto social. O faz-de-conta permite não
só a entrada no imaginário, mas a expressão de regras
implícitas que se materializam nos temas das brincadeiras. É
importante registrar que o conteúdo do imaginário provém
de experiências anteriores adquiridas pelas crianças, em
diferentes contextos.
A brincadeira tem um papel importante no processo de desenvolvimento
infantil, atuando, também, na zona de desenvolvimento proximal.
Ela [brincadeira] também é responsável por criar “uma zona
de desenvolvimento proximal”, justamente porque, através da
imitação realizada na brincadeira, a criança internaliza regras
de conduta, valores, modos de agir e pensar de seu grupo
social, que passam a orientar o seu próprio comportamento
e desenvolvimento cognitivo. (REGO, 1995, p. 113).
É fundamental pensar que a brincadeira não pode ser tomada como atividade
secundária, na prática cotidiana, principalmente na Educação Infantil, uma vez que
tem uma importante função pedagógica, cabendo a nós, professoras e professores,
refletir acerca dessa questão.
Para que as brincadeiras infantis tenham lugar garantido no
cotidiano das instituições educativas é fundamental a atuação
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Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
Cristiane Elvira de Assis Oliveira
do educador. É importante que as crianças tenham espaço
para brincar, assim como opções de mexer no mobiliário,
que possam, por exemplo, montar casinhas, cabanas, tendas
de circo etc. O tempo que as crianças têm à disposição
para brincar também deve ser considerado: é importante
dar tempo suficiente para que as brincadeiras surjam, se
desenvolvam e se encerrem. (REGO, 1995, p. 113).
Com isso, faz-se necessário pensar o tempo da brincadeira. Como está sendo
o tempo da brincadeira, no cotidiano escolar? As crianças estão satisfeitas com
o tempo que é destinado à brincadeira? Será que nós, professoras e professores,
temos voltado nossos olhares para as brincadeiras infantis? Como está sendo
trabalhada a imagem da infância no cotidiano escolar?
Kishimoto (1997, p. 19) nos diz que
A imagem da infância é reconstituída pelo adulto por meio
de um duplo processo: de um lado, ela está associada a todo
um contexto de valores e aspirações da sociedade, e, de outro,
depende de percepções próprias do adulto, que incorporam
memórias de seu tempo de criança. Assim, se a imagem de
infância reflete o contexto atual, ela é carregada, também, de
uma visão idealizada do passado do adulto, que contempla
sua própria infância. A infância expressa no brinquedo
contém o mundo real, com seus valores, modos de pensar
e agir e o imaginário do criador do objeto.
ALGUNS ACHADOS NA PESQUISA
Entrelaçada com a questão de a criança ser respeitada nas suas especificidades,
as professoras demonstram sensibilidade e respeito pela temporalidade de cada
uma, visualizando outras formas de as crianças experienciarem o tempo da
brincadeira no cotidiano escolar.
Cecília: “- [...] delas [crianças] terem um momento mais livre delas,
de percorrem a escola; seria, de repente, aqueles cantos, mas nós é que
não estamos preparadas para isso; [para] a criança ter, por exemplo, o
livre acesso: eu quero ouvir história, então, vamos para a sala de leitura;
eu quero fazer um trabalhinho, então, vai para a sala de artes; eu acho
que essa seria a escola ideal de tempo integral. A criança ter aquele
tempo de sala de aula. Mas depois, o outro tempo seria livre para ele
buscar, igual a gente faz: os cantos das oficinas ser, assim, o dia a dia
da criança, ter opção de escolha.”
340
Ver a Educação, v. 12, n. 2, p. 329-344, jun./dez. 2011
BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO ESCOLAR
Em diálogo com Garcia (2002), esta destaca a importância da sensibilidade
das professoras, pois acredita que a escola pode contribuir para o desenvolvimento
da sensibilidade do outro, enriquecendo a formação das crianças.
Quem vive esta experiência, se torna melhor professora. Sim,
porque a gente é melhor professora não só porque estudou,
mas porque viveu essas oportunidades de se emocionar
e deixar a emoção transbordar, aparecer, sem esconder,
sem precisar se mostrar neutra por ter sido ensinada a ter
vergonha de se emocionar. Não tem de ser neutra, tem é
que se deixar encharcar de emoção para poder ter mais
sensibilidade com os alunos e alunas, a fim de melhor
compreender o seu compreender. (GARCIA, 2002, 107).
Clarice tem o saber de que, numa escola de educação em tempo integral,
educamos integralmente as crianças, seja na sala de aula, no refeitório, no banheiro,
na quadra, nos corredores, no parque. Coelho (2002), em suas reflexões, considera
necessário que entendamos todas as atividades desenvolvidas nessa escola como
educativas.
Clarice: “– [...] quando eu cheguei aqui na escola, no primeiro dia,
eu ouvi da boca da diretora uma coisa que me chamou muita atenção:
você levar para lavar as mãos, você levar para almoçar; isso é muito
pedagógico, isso também é educativo. Então, assim, eu tomo cuidado;
hoje, eu tenho que levar para almoçar, eu tenho que levar para tomar o
café da manhã; então, o que eu vou fazer como professora? Isso também
faz parte do meu trabalho como professora. Então, assim, para mim,
está sendo muito interessante, pois eu estou aprendendo a lidar com essas
questões, ampliando o universo do que possa ser educativo.”
As professoras se preocupam com o tempo que está sendo oferecido às
crianças. Ressaltam a necessidade do tempo livre para elas, de forma que possam
experienciar seu próprio tempo no cotidiano escolar. Como concretizar e propiciar
isso, na prática cotidiana? A temporalidade da professora está relacionada à sua
formação; daí, segundo Clarice, fazem-se necessárias outras formações para que
sejam desconstruídas e problematizadas algumas práticas.
Posso dizer que as discussões em torno da infância envolvem questões e
noções teóricas, suscitam tensões políticas e trazem desafios na/para as práticas
cotidianas. As professoras da Educação Infantil, coautoras na/da pesquisa,
consideram a brincadeira do faz-de-conta importantíssima para se descobrir
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Cristiane Elvira de Assis Oliveira
o que a criança sente e pensa, como ela vê a realidade em que está inserida e
como vê o seu trabalho. Destacam, também, a importância do tempo do brincar
como a possibilidade de um tempo livre para as crianças estarem aprendendo,
se desenvolvendo, experienciando no intenso movimento da vida e do cotidiano
reinventados, no tempo na/da escola de educação em tempo integral.
NOTAS
Texto apresentado no Congresso Infâncias e Brinquedos de Ontem e Hoje,
realizado na Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói/RJ, entre os dias
10 a 13 de outubro de 2011.
1
Estou utilizando professoras no feminino pelo fato de serem estas as coautoras
na pesquisa.
2
“O termo tessitura foi buscado na música permitindo compreender o modo
como se relacionam as notas musicais para compor uma peça” (ALVES, 2008b, p.
42). Junto a isso, no cotidiano escolar, é o modo como nós fomos experienciando
e narrando esse cotidiano e a pesquisa.
3
Segundo Alves (2008b), “a escrita conjunta desses termos têm, também, a ver com
a busca de superação das marcas que em nós estão devido à formação que tivemos
dentro do modo hegemônico de pensar, representado pela ciência moderna, na
qual um dos movimentos principais é a dicotomização desses termos, vistos como
‘pares’ mas opondo-se entre si” (p. 41).
4
5
Os nomes apresentados são pseudônimos.
342
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BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS NO COTIDIANO ESCOLAR
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à Educação, dentro da linha editorial da revista; também a originalidade do tema
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e a qualidade do texto.
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c) Corpo do texto, ao longo do qual não deve haver identificação autoral.
Deve conter: Introdução: apontar o objeto e propósito do estudo, descrever
os avanços alcançados com a pesquisa. Relatos de pesquisa devem se utilizar da
346
introdução para apresentar a contextualização do problema por meio de revisão
bibliográfica. Metodologia: apresentar a trajetória teórico metodológica que
norteia a pesquisa. Referenciar as técnicas padronizadas. Análise e discussão:
Interpretar os dados e apresentar os resultados relacionados aos conhecimentos
existentes. Conclusão ou considerações finais: Trata-se do fechamento do texto
indicando os resultados finais. Referências: Somente as citações que figuram no
texto devem ser referenciadas.
d) Referências bibliográficas – Devem obedecer a NBR-6023/2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), sendo ordenadas alfabeticamente
pelo sobrenome do primeiro autor. Nas referências bibliográficas de até três autores, todos poderão ser citados, separados por ponto e vírgula. Nas referências
com mais de três autores, citar somente o primeiro autor, seguido da expressão
et al. A exatidão das referências constantes na listagem e a correta citação de seus
dados no texto são de responsabilidade do(s) autor(es) dos trabalhos. Alguns
exemplos de referências bibliográficas constam a seguir:
Livros:
(um autor):
APPLE, M. W. Educação e poder. 2ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas. Tradução de
Maria Cristina Monteiro. 1989.
(até três autores):
JUNQUEIRA, S. A.; MENEGUETTI, R. G. K; WACHOWICZ, L. A. Ensino
religioso e sua relação pedagógica. Petrópolis: Vozes, 2002.
(mais de três autores):
CASTELLS, M. et al. Novas perspectivas críticas em educação. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1996.
Capítulos de livros:
SGUISSARDI, V. A universidade neoprofissional, heterônoma e competitiva. In:
MANCEBO, D.; FÁVERO, M. de L. A. (Org.). Universidade: políticas, avaliação e
trabalho docente. São Paulo: Cortez, 2004. p. 33- 52.
Artigos em Periódicos:
LOURENÇO FILHO, M. B. Antecedentes e primeiros tempos do INEP. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 42, n. 95, p. 8-17,
jul./set. 1964.
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PARO, V. H. Administração escolar e qualidade do ensino: o que os pais ou responsáveis têm a ver com isso? In: SIMPOSIO BRASILEIRO DE POLITICA
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347
Teses e dissertações:
FERREIRA, L. R. O Público e o privado nas universidades públicas: análise da fundação de apoio privada FADESP no gerenciado dos recursos para a UFPA (2004
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da Educação da Universidade Federal do Pará Programa de Pós-Graduação em
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Artigo de periódico (formato eletrônico)
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Livro em formato eletrônico
SÃO PAULO (Estado). Entendendo o meio ambiente. São Paulo, 1999. v. 1. Disponível em: <http://www.bdt.org.br/sma/entendendo/atual/htm>. Acesso
em: 8 mar. 1999.
Artigo assinado (jornal)
DIMENSTEIN, G. Escola da vida. Folha de S. Paulo, São Paulo, 14 jul. 2002.
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Artigo não-assinado (jornal)
FUNGOS e chuva ameaçam livros históricos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5 jul.
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DF: Senado Federal, 1988.
Relatório oficial
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ Relatório 2006. Belém, 2007. (mimeogr.).
e) Notas: quando existirem, devem ser numeradas seqüencialmente e colocadas no final do artigo. Não é permitido o uso de notas bibliográficas. Para isso,
deve-se utilizar as citações no texto: a identificação das referências no corpo do
trabalho deve ser feita com a indicação do(s) nome(s) do(s) autor(es), ano de
publicação e paginação. Ex: (Nunes, 1995, p. 225).
348
f) Tabelas e figuras – As tabelas deverão ser numeradas, consecutivamente, com
algarismos arábicos, na ordem em que foram incluídas no texto e encabeçadas
por seu título, evitando-se a não repetição dos mesmos dados em gráficos. Na
montagem das tabelas, recomenda-se seguir as “Normas de apresentação tabular”, publicadas pelo IBGE. Quadros são identificados como tabelas, seguindo
uma única numeração em todo o texto. As ilustrações (fotografias, desenhos,
gráficos etc.) serão consideradas figuras. Estes elementos devem ser produzidos
em preto e branco, apresentando, sempre que possível, qualidade de resolução
(a partir de 200 dpis) para sua reprodução direta.
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