A OBRA DE ARTE E SUA REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA: UMA ANÁLISE DA PEÇA O QUE FAREI COM ESTE LIVRO E SUA PERSPECTIVA HISTÓRICA E FILOSÓFICA Devalcir Leonardo (UNESPAR – Campus Campo Mourão) [email protected] RESUMO: José Saramago, escritor português, busca suscita nos leitores um novo olhar para a realidade, diante disso, esta comunicação irá destacar sua obra dramática, em especial a peça O que farei com este livro?(1980). A peça tematiza a agonia de Camões para publicar seu poema épico Os Lusíadas. Vivendo em uma situação de miséria, Luís Vaz apela para os poderosos da época, mas não tem nenhum apoio, restando a possibilidade de vender os direitos autorais da obra por 50 mil réis. Para aprofundar a leitura crítica da peça tomaremos como enfoques teóricos e metodológicos as reflexões de Walter Benjamim (2012) em especial o conceito de história e memória, além dos apontamentos sobre a obra de arte e sua reprodutibilidade técnica. Outro teórico importante para tratar sobre a obra de arte livre ou dirigida é György Lukács (2009). Com relação aos aspectos da estética dramática tomaremos como base os apontamentos de SZONDI (2003) e Anatol ROSENFELD (2008) para tratar da teoria do drama moderno e suas relações com o texto de Saramago. Como resultado deste estudo buscar-se-á apresentar reflexões sobre a perspectiva histórica e filosófica da obra arte e suas implicações para o saber humano. INTRODUÇÃO O conjunto da obra de José Saramago tem merecido uma constante atenção por parte da academia, pois seus romances suscitam nos leitores um novo olhar para a realidade, como afirma Leyla-Perrone Moisés, em sua obra Inútil Poesia (2000, p. 195): “O escritor quer recuperar o passado [...], porém o passado não pode ser alterado pelo presente, mas o futuro sim. Ao falar do passado, é sempre no presente que Saramago está pensando [...]”. Nesse sentido, Saramago escreve sobre o passado, lança críticas e desmistifica a história oficial, escreve sobre o presente por meio de metáforas que desnudam a realidade, e escreve olhando para o futuro, na perspectiva de provocar em seus leitores constantes 33 estranhamentos diante do cotidiano, proporcionando elementos para a compreensão das transformações do mundo moderno. Saramago tem seu reconhecimento como escritor pelo destaque de sua obra romanesca. No entanto, outros gêneros literários como o conto, a poesia, a crônica e o teatro também apresentam valores estéticos quase que na mesma envergadura que o romance. Diante disso, as peças O que farei com este livro?(1980), A segunda vida de São Francisco (1987) e A noite (1979). Respectivamente as peças retratam os mais variados dramas humanos. A primeira peça tematiza a tentativa Camões para publicar sua obra épica Os Lusíadas. Vivendo em uma situação de miséria, Luís Vaz apela para os poderosos da época, mas não tem nenhum apoio, restando a possibilidade de vender os direitos autorais da obra por 50 mil réis. Na fala de Camões, fica explícito sua luta pela sobrevivência: “Mas preciso comer, precisamos, minha mãe e eu. Dai-me cinquenta mil réis que eu entrego o privilégio, fazei do livro o que quiserdes, vendei o que puderes. (SARAMAGO, 2008, p.88). Já na peça a Segunda Vida de São Francisco, Saramago ironiza ao extremo a prática capitalista da igreja, neste caso específico a Ordem Franciscana, pois Francisco volta depois de morto e reencontra sua Ordem corrompida pelo lucro. Na peça A noite, Saramago cria um microcosmo da sociedade portuguesa em um escritório de um jornal, na data anterior à revolução de 25 de abril de 1974. O jornal funciona como uma metonímia da sociedade, de um lado os donos do jornal e funcionários apoiadores do regime fascista; de outro, os trabalhadores, em especial os tipógrafos. No entanto, com objetivo de refletir sobre a questão da obra de arte na história e na contemporaneidade tomaremos como base de análise da peça O que farei com este livro? e suas relações com a educação. Nesta obra Saramago lança mão da retomada histórica de Portugal tematizando não mais um Camões gloriosos e vencedor, mas sim um Camões que vive na pobreza não tendo nem o que comer. Neste contexto, tem-se uma proletarização do artista ao estabelecer um valor à sua obra, com afirma Marx e Engels (1989, p. 36): “A burguesia despojou de sua auréola todas as atividades até então reputadas veneráveis e encaradas com piedoso respeito. Do médico, do jurista, do sacerdote, do poeta, do sábio fez seus servidores assalariados.” 34 Portanto, o presente estudo pretende analisar o texto dramático O que farei com este livro? identificando a ruptura deste modelo do produção da arte nos dois momentos históricos distintos em 1572 ano da publicação da obra Os Lusíadas e em 1980 ano da publicação da peça de José Saramago. Para elucidar tais contextos as reflexões de Walter Benjamim sobre a obra de arte e sua reprodutibilidade, bem como, os conceitos sobre História e Memórias serão fundamentais no decorrer do estudo. MATERIALISMO HISTÓRICO E A OBRA DE ARTE O estudo terá como fundamentação teórica o materialismo histórico. Para isso, apresentaremos breves conceitos deste método, destacando o Manifesto do Partido Comunista (1987), na sua primeira edição publicada em Londres em 1848. Esse manifesto representou e representa uma análise da sociedade burguesa, classificada por Marx como uma classe revolucionária comparada com a sociedade da Idade Média. Marx e Engels (1987, p. 35) analisam a sociedade burguesa e outras sociedades anteriores tendo como base a luta de classes, ao afirmarem que “A história de toda humanidade até hoje é a história de lutas de classes”. Os filósofos reafirmam que “A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Limitou-se a colocar novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta no lugar da anterior” (MARX e ENGLES, 1989, p. 35). Nesta nova sociedade moderna, o proletariado é considerado por Marx como a verdadeira classe revolucionária: “De todas as classes que hoje em dia defrontam a burguesia só o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As demais classes vão-se arruinando e soçobram com a grande indústria; o proletariado é o produto mais característico desta sociedade [...]” (MARX e ENGLES, 1989, p. 43). O Manifesto apresenta algumas das principais bases do materialismo histórico e dialético. Segundo Tonet (2013: 127), “a compreensão histórico-social também nos permitiu, sempre com base na busca da origem, da natureza e da função social, [...]. Essa concepção radical de mundo e de conhecimento científico, expressa a perspectiva da classe trabalhadora”. 35 Com relação à especificidade do texto dramático, outros teóricos como ARISTOTELES, Arte Poética (2004); ANATOL ROSENFELD, O Teatro Épico (1985); PETER SZONDI Teoria do drama moderno (2003); PASCOLATI Operadores do Texto Dramático (2009), BENJAMIN (2012) e LUKÁCS (2009). Estes teóricos apresentaram um suporte teórico fundamental para melhor análise do texto teatral. Portanto, para Marx a obra de arte ocupa um espaço privilegiado, pois ao produzir a arte busca-se romper com o processo de alienação imposto ao homem no ato da criação, no entanto, esse processo de desalienação constitui-se algo de muita complexidade assim como toda engrenagem da sociedade capitalista. Mas para Marx deve-se reeducar os sentidos humanos, segundo o filósofo: para o ouvido não musical a mais bela música não tem sentido algum, não é objeto. [...] A formação dos cinco sentidos é um trabalho de toda história universal até nossos dias. O sentido que é prisioneiro da grosseira necessidade prática tem apenas um sentido limitado (MARX, 1987, p. 178). Diante disso, ao aprofundar a leitura do texto teatral O que farei com este livro? buscar-se-á apresentar elementos estéticos-filosóficos a fim possibilitar uma reflexão no sentido de superação do processo de alienação entre o leitor e o mundo. Referências ARISTÓTELES. Arte Poética. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2004. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução: Sérgio Paulo Rounet. São Paulo: Brasiliense, 2012. BRECHT, Bertolt. Estudos sobre o teatro. 2ª ed. Trad. Fiama Pais Brandão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. LUKÁCS, György. Marxismo e Teoria da Literatura. Seleção, Apresentação e Tradução Carlos Nelson Coutinho. 2º ed. Editora Expressão Popular: São Paulo, 2010. ____. Introdução a uma Estética Marxista. Tradução Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 2º Ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970. MARX, Karl e ENGLES, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Edições Progresso, 1987. Impresso na URSS. 36 ____. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1987. PASCOLATI, Sonia Aparecida Vido. Operadores de Leitura do Texto Dramático. In.: Teoria Literária: abordagem históricas e tendências contemporâneas. Org. Thomas Bonnici & Lúcia Osana Zolin. 3º ed. rev. e ampl. –-Maringá: Eduem, 2009. PERRONE-MOISÉS, Leila. Inútil poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2008. SARAMAGO, José. O que farei com este livro? São Paulo: Companhia das Letras, 1998. SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. TONET, Ivo. Método Científico: uma abordagem ontológica. São Paulo: Instituto Lukács, 2013. VÁZQUEZ, Adolfo Sánches. As Idéias Estéticas de Marx.Tradução Carlos Nelson Coutinho. 2º ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 37