VICE-REITORIA DE ENSINO DE GRADUAÇÃO E CORPO DISCENTE
COORDENAÇÃO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
METODOLOGIA DO ENSINO DE MATEMÁTICA A
Rio de Janeiro / 2008
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À
UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
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Sumário
UNIDADE I
O ENSINO DA MATEMÁTICA NAS ESCOLAS
1.1 Sobre o Ensino da Matemática............................................................... 03
UNIDADE II
O MÉTODO GENÉTICO PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA
2.1. Introdução ............................................................................................ 09
2.2. O Método Genético ............................................................................. 10
2.3. O Método Genético e a História da Matemática ................................. 11
2.4. A Epistemologia Genética de Jean Piaget ........................................... 12
2.5. Algumas Digressões Filosóficas para Finalizar................................... 13
UNIDADE I
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O ENSINO DA MATEMÁTICA NAS ESCOLAS
1.1 Sobre o Ensino da Matemática
Elon Lages Lima
IMPA, Rio de Janeiro, RJ
Os jornais publicaram recentemente notícias de um estudo feito pelo MEC,
segundo o qual o ensino de matemática nas escolas brasileiras foi o que pior
desempenho teve entre todas as matérias do currículo normal nos últimos anos.
Por conta disso, fui entrevistado pelo Jornal do Brasil (duas vezes) e pela TV
Educativa do Rio de Janeiro. No que segue, tentarei resumir algumas coisas que disse
naquelas ocasiões, ou penso que disse, ou que deveria ter dito. Pouco importa se o
registro não é exato. Essas são minhas opiniões, hoje como ontem (P. são as perguntas
que me fizeram e R. são as minhas respostas).
P. Por que o ensino da Matemática vai tão mal?
R. Todo o ensino vai mal.
P. Mas o da Matemática vai pior, não vai?
R. Entre muitas coisas más, uma delas é sempre pior do que as outras.
P. Há algum motivo para a Matemática ir pior?
R. Há vários.
P. Um dos motivos seria o fato de a Matemática ser mais difícil?
R. Não. Qualquer criança cuja capacidade mental lhe permita aprender a ler e escrever é
também capaz de aprender a Matemática que se ensina no primário (1ª à 4ª série). Mas
geralmente, todas as matérias que se ensinam no primeiro grau (até a 8ª série)
apresentam essencialmente o mesmo grau de dificuldade e nenhuma delas exige
pendores, habilidades ou talentos especiais para aprendê-la.
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P. Então todo jovem normal é, em princípio, capaz de aprender toda a Matemática que
deve ser ensinada até a 8ª série?
R. Absolutamente, sim. Sem dúvida.
P. E isso, de fato, acontece?
R. No Brasil, não. Noutros países (como o Japão), sim.
P. Isso quer dizer que os jovens desses países são mais inteligentes do que os nossos?
R. De maneira nenhuma. Nem mais nem menos. Há, por exemplo, brasileiros de
descendência japonesa em número suficiente para vermos que não é assim.
P. Você disse que são vários os motivos para o baixo rendimento no ensino da
Matemática. Quais são eles?
R. Antes disse, eu havia dito que todo o ensino vai mal. Por isso acho melhor começar
por aí. Os países ricos, aqueles onde o povo tem uma vida mais confortável, são
precisamente aqueles em que as pessoas têm acesso a uma educação de melhor
qualidade. Isso significa escolas bem-equipadas e professores competentes. Esse quadro
resulta da conscientização, arraigada na cultura nacional, de que a educação, além de ser
a única porta para ao bem-estar, é um direito do cidadão e um dever do Estado.
P. Como poderíamos esperar professores competentes no Brasil, com salários tão
baixos?
R. Os salários dos professores brasileiros que atuam no primeiro e segundo graus são
simplesmente vergonhosos. Humilhantes. Por isso as escolas têm tanta dificuldade para
recrutar professores capazes e os cursos de licenciatura estão vazios. Entretanto, os
baixos salários não são, em si, a causa primordial do problema. São antes uma
conseqüência de não ter o nosso povo a noção exata do valor da educação e de seus
representantes eleitos padecerem do mesmo mal. Se houvesse entre nós a
conscientização a que me referi acima, haveria o reconhecimento da importância dos
professores e isso se refletiria nos seus salários, como ocorre nos países civilizados.
P. Podemos agora focalizar a Matemática?
R. Sim. Ao contrário das demais matérias que se estudam na escola, que se referem a
objetos e situações concretas, a Matemática trata de noções e verdades de natureza
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abstrata. Aliás, essa é uma das razões da sua força e sua importância. A afirmação
2 x 5 =10 tanto se aplica aos dedos de duas mãos quanto aos jogadores que disputam um
jogo de basquete. A generalidade com que valem as proposições matemáticas exige
precisão, proíbe ambigüidades e por isso requer mais concentração e cuidado por parte
do estudante. Por outro lado, o exercício dessas virtudes durante os anos de escola ajuda
a formar hábitos que serão úteis no futuro. A perseverança, a dedicação e a ordem no
trabalho são qualidades indispensáveis para o estudo da Matemática. Note-se que não se
trata de talentos e que não se nasce dotado delas.
P. Então, afinal de contas, a Matemática é mais difícil?
R. Se o fato de exigir empenho, atenção e ordem significasse ser mais difícil, a resposta
(relutante) seria sim. As idéias e regras matemáticas no nível que estamos considerando
são, porém, todas extremamente simples e claras, bem mais simples e claras, por
exemplo, do que as regras da crase (ou mesmo do que a lei do impedimento do futebol).
Por isso, continuo afirmando que toda pessoa de inteligência média, sem talentos ou
pendores especiais, pode aprender toda a Matemática do ginásio, desde que esteja
disposta a trabalhar e tenha uma orientação adequada. Aqui já vão dois dos motivos:
pouca dedicação aos estudos por parte dos alunos (e da sociedade que os cerca, a
começar pela própria família) e despreparo dos seus professores.
P. Ainda há outros?
R. Não se esqueça do motivo primordial, a que aludi acima: a falta de um
reconhecimento nacional de que sem educação não há progresso e o conseqüente
descaso oficial pelo sistema escolar. Mas há outros, sim. O conhecimento matemático é,
por natureza, encadeado e cumulativo. Um aluno pode, pro exemplo, saber praticamente
tudo sobre a proclamação da república brasileira e ignorar completamente as capitanias
hereditárias. Mas não será capaz de estudar Trigonometria se não conhecer os
fundamentos da Álgebra, nem entenderá essa última se não souber as operações
aritméticas, etc. Esse aspecto de dependência acumulada dos assuntos matemáticos leva
a uma seqüência necessária, o que torna difícil “pegar o bonde andando” e muitas vezes
provoca uma síndrome conhecida como “ansiedade matemática”.
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P. Que é isso?
R. É o medo que algumas pessoas têm da Matemática. No passado, ele era repartido
com o medo do Latim, mas este foi abolido, juntamente com quase tudo que requeria
trabalho no currículo escolar. Restou a Matemática, mas as pessoas costumam disfarçar
sua ansiedade matemática com um aparente (e curioso) orgulho que as leva a
vangloriarem-se de que são péssimas nessa matéria, que sempre a detestaram etc. É
engraçado que muitas dessas pessoas escrevem mal, mas não admitem isso. Ninguém se
orgulha de dizer que escreve chuva com “x”, que não emprega corretamente a crase ou
que diz “aluga-se bicicletas”.
P. Qual é a origem da ansiedade matemática?
R. São várias. Uma das mais freqüentes é a tentativa de aprender um assunto sem estar
preparado para ele. Outra é passar os anos escolares nas mãos de professores incapazes,
que muitas vezes usam a arrogância, a ironia e a humilhação como disfarces para sua
ignorância e com isso provocam aversão à matéria que deviam ensinar. Há também a
mera preguiça de pensar.
P. Aos poucos você vai revelando os motivos para o pouco êxito no ensino da
Matemática: Em primeiro lugar, o sentimento de que a educação é o caminho para o
bem-estar não é suficientemente forte no espírito do nosso povo. Esse é o motivo
fundamental, no seu entendimento. Os demais são: 1º) A Matemática, por ser exata,
requer atenção, cuidado e ordem. 2º) O conhecimento matemático é cumulativo; cada
passo precisa dos anteriores. 3º) Raramente a Matemática é bem ensinada. Você tem
alguma proposta para melhorar esse estado de coisas?
R. Quanto ao motivo primordial, ele tem muito a ver com o amor-próprio nacional. Em
1806, depois da batalha de Jena, onde o exército prussiano teve seu orgulho esmagado
por Napoleão, os alemães concluíram que desenvolvimento (e, em última análise, força)
depende substancialmente de educação. E processaram uma reforma radical. O sistema
educacional tornou-se central na sociedade. As universidades foram modificadas e os
professores secundários ganharam alto prestígio social. O progresso do país, a partir daí,
foi notável. Exemplos mais recentes de ressurgimento das cinzas com base na educação
podem ser vistos no Japão e na Coréia. No nosso caso, que se pode fazer? Talvez
gritarmos bem alto “brasileiros, criem vergonha na cara!”.
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Quanto às peculiaridades da Matemática, ela é importante porque é exata, geral e
se ocupa das noções mais básicas da vida humana: número e espaço. Deixamo-la assim
e amemo-la por isso.
Finalmente, quanto ao ensino, não há mistério nem milagre. O bom professor é
aquele que vibra com a matéria que ensina, conhece muito bem o assunto e tem um
desejo autêntico de transmitir esse conhecimento, portanto se interessa pelas
dificuldades de seus alunos e procura se colocar no lugar deles, entender seus problemas
e ajudar a resolvê-los. Não há fórmulas mágicas para ensinar Matemática. Não há
caminhos reais, como Euclides já dizia a Ptolomeu. A única saída é o esforço honesto e
o trabalho persistente. Não só para aprender Matemática, mas para tudo na vida.
P. Devo entender que você não tem proposta a fazer?
R. Pelo contrário, tenho algumas.
Diante do exposto, a única ação viável deve ser dirigida ao professor, visando
melhorar a qualidade do seu trabalho. O problema é bem menor nas escolas particulares,
onde é possível manter os bons professores melhorando seus salários e se livrar dos
piores, demitindo-os (É possível, mas nem sempre isso é feito.). Na escolar pública, que
abriga a vasta maioria dos alunos ( e que deveria abrigar todos), a situação é mais
complicada. Aumentar simplesmente os salários não resolve nada porque a qualidade
dos professores que nela trabalham não vai melhorar por isso. Se o problema do
professorado consiste em mau preparo e baixos salários, as duas coisas devem ser
atacadas simultaneamente.
Acho que deveria haver todo ano um exame nacional para habilitação de
professores, feito em três níveis: 1ª a 4ª séries, 5ª a 8ª e segundo grau.
Acho que deveria haver uma tabela salarial especial para professores aprovados
nesse exame.
Acho que o ensino até a 8ª série deveria ser obrigatório, com o mesmo currículo
para todos os estados do país.
Acho que o poder público deveria instituir programas de reciclagem para
preparar os professores para os exames de habilitação.
Acho que o ensino do segundo grau deve continuar sendo bifurcado, não em
clássico e científico, como era antigamente, mas em preparar o jovem para o mercado
de trabalho.
Estas são, em resumo, minhas propostas.
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Considerações sobre o texto
Apesar de o texto ser de 1995, a situação do ensino de Matemática não mudou,
pelo contrário, piorou.
Após a leitura, como você responderia as questões do texto? Você concorda as
propostas do professor Elon? Você acrescentaria outras? Quais?
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UNIDADE II
O MÉTODO GENÉTICO PARA O ENSINO DA MATEMÁTICA
Roberto Ribeiro Paterlini
2.1. Introdução
Costuma-se designar com a expressão "ensino tradicional" da Matemática o
método em que o professor expõe aos estudantes os conceitos, resultados e técnicas de
uma determinada matéria da Matemática. Esses conceitos, resultados e técnicas, no
chamado ensino tradicional, são apresentados em uma seqüência lógico-dedutiva, sob
uma forma acabada, usando as definições, teoremas e métodos em sua expressão mais
refinada obtida até aquele momento.
O "ensino tradicional" da Matemática é também, às vezes, designado por "ensino
bourbakiano", em homenagem ao personagem fictício Nicolas Bourbaki, cognome
utilizado por um grupo de matemáticos. Assim como Euclides que, no século terceiro
antes de Cristo, procurou sintetizar o conhecimento matemático de seu tempo em uma
estrutura lógico-dedutiva, esse grupo de excelentes matemáticos tentou fazer o mesmo
com o conhecimento matemático de meados do Século XX.
Todos nós conhecemos a influência que Os Elementos de Euclides exerceram no
ensino da Matemática ao longo de muitos séculos, e sabemos que o ensino bourbakiano
é empregado em alto grau em nossas escolas, seja da educação básica, seja da educação
superior. Isso não deixa de ser surpreendente, pois o método bourbakiano não é
utilizado pelos matemáticos em suas atividades de investigação. O exemplo mais
clássico desse fenômeno vemos em O Método [Arquimedes], em que Arquimedes relata
como investigava os fatos matemáticos e depois se esforçava em inseri-los na
metodologia lógico-dedutiva utilizada em sua época, seguindo uma metodologia distinta
daquela que havia gerado sua descoberta.
Não nos deteremos em analisar esse aparentemente estranho fenômeno, exceto
para alertar que não temos reparo algum a fazer. Por que razão iríamos depreciar Os
Elementos, de Euclides, sabendo da paixão científica que causou a inúmeros estudiosos
ao longo dos tempos? Talvez tudo se explique se compreendermos nosso ciclo, em que
tivemos a tarefa de desenvolver a mente concreta.
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Entretanto, os ciclos vêm e vão, e a força centrípeta da evolução não nos permite
estacionar no que foi conseguido. Enquanto o novo ciclo apenas desponta, constatamos
a necessidade de mudar. O ensino tradicional não responde mais às necessidades,
muitos reparos podem ser feitos. Procura-se um novo paradigma no ensino da
Matemática, que possa "formar alunos mais criativos e críticos". Para isso várias
propostas têm sido implementadas, como o Ensino da Matemática através de
Problemas e o desenvolvimento curricular em rede (PIRES).
Aqui nos propomos a fazer uma exposição sucinta do chamado Método Genético
para o ensino da Matemática.
2.2. O Método Genético
O Método Genético para o Ensino da Matemática propõe o uso de seqüências
ensino-aprendizagem construídas segundo a gênese e desenvolvimento do assunto
objeto de estudo.
O Método Genético aborda uma teoria matemática a partir de suas idéias mais
simples, primitivas, segundo as condições naturais de seu aparecimento na tela mental
ou na história. Os conceitos, resultados e técnicas de uma teoria passam a ser objetos reconstruídos, vivenciados, têm uma história de investigação, de perguntas, de procura de
respostas, na experiência do estudante.
No meio matemático, a expressão "método genético" parece ter sido utilizada
pela primeira vez por Otto Toeplitz em 1926. Autor de um livro didático de Cálculo
Diferencial e Integral, no qual usou este método, Toeplitz estava convencido de que os
estudantes adquirem compreensão dos conceitos e métodos do Cálculo apenas quando
se lhes apresenta a gênese e desenvolvimento.
Harold M. Edwards também utilizou o método genético em sua apresentação do
Último Teorema de Fermat. Segundo esse autor, a melhor maneira de superar a
dificuldade em aprender uma teoria matemática abstrata é ignorar os tratados modernos
até que se tenha estudado sua gênese. Em sua visão, o método genético consiste em
examinar as origens históricas de uma idéia com a finalidade de melhor motivar seu
estudo, em contraste com o método tradicional, que não coloca atenção nas perguntas e
apenas apresenta as respostas.
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São duas as vertentes com que se pode implementar o método genético para o
ensino da Matemática. Uma utiliza a História da Matemática. A outra consiste em
examinar a forma como os indivíduos aprendem e, com essa informação, construir
seqüências ensino-aprendizagem que levem em conta a gênese e o desenvolvimento do
assunto. Essa última forma, que podemos chamar de epistemológica, é utilizada nas
séries iniciais em um pequeno número de escolas, geralmente aquelas que desenvolvem
o ensino construtivista. A escola média e a escola superior ficam fora. O método
histórico tem sido mais usado em conferências especializadas sobre Matemática
avançada, mas poderá ser aplicado nas escolas média e superior, já que a literatura
necessária para isso tem aumentado bastante (infelizmente a maioria em língua inglesa).
2.3. O Método Genético e a História da Matemática
A História da Matemática é, sem dúvida, a mais importante fonte disponível
para a construção de seqüências ensino-aprendizagem segundo o método genético. Na
história, observamos a gênese e evolução dos conceitos e técnicas matemáticas. No
nascimento de uma teoria geralmente se encontram questões relevantes que podem
explicar o "porque" deste nascimento. Ali estão as perguntas iniciais, as técnicas mais
simples, que podem servir de introdução às técnicas mais complexas surgidas
posteriormente.
Em seu livro The Calculus, a Genetic Approach, Toeplitz segue a inspiração
histórica para apresentar os conceitos do Cálculo ao estudante. Inicia com uma
discussão sobre as especulações dos antigos matemáticos gregos sobre os processos
infinitos, a teoria das proporções, o método da exaustão, a medida da circunferência de
Arquimedes, o conceito de número, limites de seqüências e séries numéricas. O estudo
da integral definida se inicia com a quadratura da parábola por Arquimedes, e a
retomada desse problema 18 séculos após com Cavalieri. A derivação é apresentada
com o estudo do problema de se encontrar a tangente a uma curva em um ponto, com
problemas de máximos e mínimos e o conceito de velocidade de Galileu. O estudo dos
logaritmos lança uma luz sobre a relação entre derivada e integral. O livro termina com
aplicações a problemas de movimento, como o pêndulo, oscilações, leis de Kepler e de
Newton. Toeplitz deixou o livro inacabado, tendo falecido em 1940 em Jerusalém, após
deixar a Alemanha em 1939.
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Harold M. Edwards, em Fermat's Last Theorem, a Genetic Introduction to
Algebraic Number Theory, também utilizou o método histórico. Inicia o livro com o
estudo dos ternos pitagóricos. Ali está presente o impulso original, quando os
matemáticos da Antiga Grécia se propuseram a tarefa de encontrar todas as soluções de
uma determinada equação. O autor apresenta as técnicas iniciais, o método da descida
infinita de Fermat, a demonstração de Euler do caso
, e assuntos correlatos que
deram ensejo ao nascimento da teoria algébrica dos números. Prossegue com a teoria
dos ideais de Kummer, a teoria de Gauss das formas quadráticas binárias e encerra com
contribuições de Dirichlet.
Aqui lembramos a lei biogenética da Psicologia, que afirma que o indivíduo,
desde seu nascimento até sua maturidade, repete as principais etapas do
desenvolvimento. Desta forma, o uso da história no ensino da Matemática é proposto
por muitos estudiosos, por exemplo, o matemático Felix Klein.
Vários autores apontam a diferença entre estudar História da Matemática e seu
uso para o ensino. Silva afirma que "o simples estudo desta disciplina não fornece ao
professor condições para introduzi-la em sala de aula" (confira [Silva], página 136).
Segundo Toeplitz, o historiador recorda todos os fatos ocorridos, sejam bons ou ruins;
por outro lado, o método genético seleciona a gênese e os pontos cardeais de problemas,
fatos e provas. Segundo Edwards, a história da Matemática não se detém na descrição
da teoria, a não ser no mínimo necessário para o entendimento dos fatos, e o método
genético não busca um estudo detalhado dos eventos que não contribuem para o
entendimento do assunto.
2.4. A Epistemologia Genética de Jean Piaget
Não parece ser muito simples criar seqüências ensino-aprendizagem com o
método genético investigando como os indivíduos aprendem. Talvez essa seja uma
tarefa difícil para nós que aprendemos pelo método antigo. Talvez seja por que nos falte
treinamento, ou falte literatura adequada. O conhecimento científico desenvolvido nessa
área se limita às crianças, à pré-escola e às séries iniciais.
As investigações de Jean Piaget sobre a natureza e a origem do conhecimento,
especialmente do conhecimento matemático, incentivaram muitos especialistas a
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estudarem formas de transpor para o ambiente escolar suas teses. Constance Kamii,
especialista em Educação Matemática, trabalhou com estudantes das séries iniciais em
escolas americanas, e, juntamente com colaboradores, escreveu vários livros propondo
atividades para o ensino da Aritmética. Ela e seus colaboradores propõem eliminar a
instrução tradicional da Aritmética e substituí-la por situações diárias em sala de aula e
jogos em grupo. As atividades propostas em seus livros constituem exemplo de ensino
genético da Matemática.
2.5. Algumas Digressões Filosóficas para Finalizar
A epistemologia de Piaget não apenas propõe uma forma de ensinar-aprender
diferente do método tradicional, mas nos estimula a ir em direção a uma visão relativa
do nosso particular conhecimento matemático. Por exemplo, lemos em [Kamii 3] página
26: Educadores matemáticos tradicionais dizem, com freqüência, que um número é uma
propriedade de um conjunto e que um conjunto de oito objetos, por exemplo, tem a
propriedade "oito". Para mim, esse é um sério engano. Conjuntos não fazem nada por
si mesmos e não podem "ter" uma propriedade. O ato de "possuir" é produzido pela
criança que constrói os conceitos numéricos e os impõe aos conjuntos. Essa afirmação
pode ser esclarecida por uma apresentação da teoria dos números de Piaget, na qual
ele estabelece que a criança constrói os conceitos numéricos sintetizando dois tipos de
relações: de ordem e de inclusão hierárquica.
Se um matemático afirma alguma coisa sobre os números, não vou interpretar
nada, pois quem sabe as limitações de comunicação que está encontrando para
conseguir expressar sua idéia. Quem ousaria interpretar o conceito de número que havia
na mente de Ramanujan? Mas parece que lá na escola fundamental é assim que chegam
às coisas, o oito fica sendo uma propriedade do tal conjunto.
Se conseguirmos vivenciar a idéia de que a Teoria dos Números e tudo o mais na
Matemática são modelos cognitivos, talvez as coisas mudem.
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Exercícios de Auto-avaliação
1- Responda: O que você entende como método genético para o ensino da Matemática?
Quais as diferenças entre estudar história da Matemática e o método genético?
2- Escolha um assunto do ensino fundamental e monte um aula com ênfase no método
genético.
Leituras Complementares
BEREMIZ SAMIR - 0 CALCULISTA
Chamo-me Beremiz Samir e nasci na pequenina aldeia de Khói, na Pérsia, à
sombra da pirâmide imensa formada pelo Ararat. Muito moço ainda, empreguei-me,
como pastor, a serviço de um rico senhor de Khamat (cidade situada na base do Monte
Ararat).
Todos os dias, ao nascer do sol, levava para o campo o grande rebanho e era
obrigado a trazê-lo ao abrigo antes de cair a noite. Com receio de perder alguma ovelha
tresmalhada e ser, por tal negligência, severamente castigado, contava-as várias vezes
durante o dia.
Fui, assim, adquirindo, pouco a pouco, tal habilidade em contar que, por vezes,
num relance calculava sem erro o rebanho inteiro. Não contente com isso passei a
exercitar-me contando os pássaros quando, em bandos, voavam, pelo céu afora. Torneime habilíssimo nessa arte.
Ao fim de alguns meses – graças a novos e constantes exercícios – contando
formigas e outros pequeninos insetos, cheguei a praticar a proeza incrível de contar
todas abelhas de um enxame! Essa façanha de calculista, porém, nada viria a valer,
diante de muitas outras que mais tarde pratiquei.
Esse é um pequeno resumo da vida do nosso calculista. Vejamos, então, algumas
de suas histórias e os problemas resolvidos por ele. Leia, com atenção, cada problema e
faça o que se pede.
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A Dívida de um Joalheiro
... Esse homem (e apontou para o joalheiro) veio da Síria vender jóias em Bagdá;
prometeu-me que pagaria, pela hospedagem, 20 dinares se vendesse as jóias por 100
dinares, pagando 35 se as vendesse por 200.
Ao cabo de vários dias, tendo andado daqui para ali, acabou vendendo tudo por
140 dinares. – Quanto deve pagar, consoante a nossa cominação, pela hospedagem?
– Devo pagar apenas vinte quatro dinares e meio! – replicou logo o mercador
sírio. – Se para a venda de 200 eu pagaria 35, para venda de 140 eu devo pagar 24 e
meio!
Proporção feita pelo mercador de jóia: duzentos está para trinta e cinco, assim
como cento e quarenta está para x ou:
200 : 35 :: 140 : x (multiplicando os meios e dividindo pelo extremo, o resultado
será x = 24,5 – total da dívida.)
– Está errado! – Contrariou irritado o velho Salim. –Pelas minhas contas são 28.
Veja bem: Se para 100 eu deveria receber 20, para 140, da venda, devo receber 28. E
vou provar.
E o velho Salim raciocinou do seguinte modo: - Se para 100 eu deveria receber 20, para
10 (que é a décima parte de 100), eu deveria receber a décima parte de 20.
– Qual é a décima parte de 20?
– A décima parte de 20 é 2.
– Logo, para 10, eu deveria receber 2.
– 140 quantos 10 contêm?
– 140 contêm 14 vezes 10.
Proporção feita pelo dono da hospedaria: 100 está para 20, assim como 140 está
para x ou:
100 : 20 :: 140 : x . O valor de x é 28 – total da dívida.
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– Calma meus amigos – interrompeu o calculista. – É preciso encarar as dúvidas
com serenidade e mansidão. A precipitação conduz ao erro e à discórdia. Os resultados
que os senhores indicam estão ERRADOS, conforme vou provar.
O homem que calculava provou que os dois cálculos estavam errados e que o
certo era o joalheiro pagar 26 dinares e não 24,5 ou 28. Os dois homens concordaram
com o calculista e, finalmente, a dívida foi liquidada.
Descubra o raciocínio e a proporção feita pelo o calculista.
O Caso dos Quatro Quatros
...Ao ver Beremiz interessado em adquirir um turbante azul, objetei (um amigo
do calculista que o acompanhava): – Julgo loucura comprar esse luxo. Estamos com
pouco dinheiro e ainda não pagamos a hospedaria. – Não é o turbante que me interessa
– retorquiu Beremiz. Repare que a tenda desse mercador é intitulada “Os quatro
quatros”. Há nisso tudo espantosa coincidência digna de atenção.
– Coincidência? Por quê? Ora, bagdali – retornou Beremiz – a legenda que
figura nesse quadro recorda uma das maravilhas do Cálculo: podemos formar um
número qualquer empregando quatro quatros!
E antes que o amigo interrogasse sobre aquele enigma, Beremiz explicou,
riscando na areia fina que cobria o chão: – Quer formar o zero? Nada mais simples.
Basta escrever 44 – 44. Estão aí quatro quatros formando uma expressão que é igual a
zero.
Afirmam os pacientes calculistas que é possível escrever, com quatro quatros,
todos os números inteiros, desde 0 até 100. Será necessário, em certos casos, recorrer
ao sinal de fatorial (!) e ao sinal de raiz quadrada. A raiz cúbica não pode ser empregada
por causa do índice 3. Veja dois belos exemplos:
97 = 4! x 4 +
4
4
25 = 4! + 4 4− 4
Agora, escreva usando quatro quatros expressões para os números de 0 a 15.
Alguns números apresentam várias maneiras de escrevê-los.
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O problema dos quatro quatros é o seguinte:
Escrever, com quatro quatros e sinais matemáticos, uma expressão que seja
igual a um número inteiro dado. Na expressão não pode figurar (além dos quatro
quatros) nenhum algarismo ou letra ou símbolo algébrico que envolva letra, tais com:
log, lim. etc.
A Conta de 30 Dinares
Beremiz e alguns amigos fizeram uma refeição que custou 30 dinares. O xeque
Nasair, um dos amigos, declarou que queria pagar sozinho, mas os outros não
concordaram. Estabeleceu-se pequena discussão, troca de gentilezas, durante a qual
todos falavam e protestavam ao mesmo tempo. Afinal ficou resolvido que o xeque
Nasair, tendo sido convidado para o almoço, não deveria contribuir para a despesa. E
Beremiz e mais dois amigos pagaram cada um 10 dinares. A quantia total de 30 dinares
foi entregue a um escravo sudanês e levada ao dono do restaurante.
Momentos depois o escravo voltou para a mesa com um recado do dono. – O
patrão enganou-se. A despesa foi, apenas, de 25 dinares. Ele mandou, pois, devolver
estes cinco dinares! – Esse Tripolitano (o dono - natural de Trípoli) – observou o xeque
Nasair – tem a preocupação de ser honesto. E muito honesto.
E tomando as cinco moedas que haviam sido devolvidas, deu uma para Beremiz
e uma para cada um dois outros dois amigos e, assim, das cinco moedas, sobraram duas.
Depois de consultar, com um olhar, os três amigos, o xeque deu de presente as duas
moedas restantes ao escravo sudanês que os havia servido.
Nesse momento, um dos amigos levantou-se e, dirigindo-se muito sério aos
outros assim falou: – Com esse caso do pagamento dos trinta dinares de despesa ao
Tripolitano, surgiu uma trapalhada muito grande.
– Trapalhada? Estranhou o xeque. – Não percebo complicação alguma!
Sim – confirmou o amigo. – Uma trapalhada muito séria ou um problema que
parece absurdo. DESAPERECEU UM DINAR! Vejam bem. Cada um de nós pagou, na
verdade, 9 dinares. Somos três. É claro que o total pago foi de 27 dinares; somando-se
esses 27 dinares com os dois dinares dados pelo xeque ao escravo sudanês, obtemos 29
dinares. Dos 30 que foram entregues ao Tripolitano, só 29 aparecem. Onde se encontra
o outro dinar? Como desapareceu? Que mistério é esse?
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O xeque Nasair, ao ouvir aquela observação, refletiu: – É verdade. A meu ver o
teu raciocínio está certo. Estás com a razão. Se cada um dos amigos pagou 9 dinares,
houve, é claro, um total de 27 dinares; com os 2 dinares dados ao escravo, resulta um
total de 29 dinares. Para 30 (total do pagamento inicial), falta 1. Como explicar esse
mistério?
Nesse momento, Beremiz, que se mantinha calado, procurou intervir nos
debates; e disse, dirigindo-se ao xeque: – Há um engano no vosso cálculo, ó xeque. A
conta não deve ser feita desse modo. Não desapareceu coisa alguma e não pode existir
em conta tão simples a menor atrapalhação.
Todos ao ouvirem a explicação de Beremiz expandiram-se em estrepitosas
gargalhadas. – Pelos méritos do profeta! – Exclamou o que parecia mais velho. – Esse
calculista acabou com o mistério do dinar desaparecido e salvou o prestígio deste velho
restaurante!
Explique como Beremiz resolveu o mistério do dinar desaparecido.
O Caso das 90 Maçãs
Vivia outrora, em Damasco, um bom e esforçado camponês que tinha três filhas.
Um dia, conversando com o cádi, declarou o camponês que suas filhas eram dotadas de
alta inteligência e de raro poder imaginário.
O cádi, invejoso e implicante, irritou-se ao ouvir o rústico elogiar o talento das
jovens e declarou: – Já é a quinta vez que ouço de tua boca elogios exagerados que
exaltam a sabedora de tuas filhas. Vou apurar se elas são, como afirmas, dotadas de
engenho e perspicácia de espírito.
Mandou o cádi chamar as três raparigas e disse-lhes: – Aqui estão 90 maçãs que
vocês deverão vender no mercado. Fátima, que é a mais velha, levará 50. Cunha levará
30 e Siha, a caçula, será encarregada de vender as 10 restantes. Se Fátima vender as
maçãs a 7 por um dinar, as outras deverão vender, também, pelo mesmo preço, isto é, a
7 por um dinar; se Fátima fizer a venda das maçãs a 3 dinares cada uma, será esse o
preço pelo qual Cunha e Siha deverão vender as que levam. O negócio deve fazer-se de
sorte que as três apurem, com venda das respectivas maçãs, a mesma quantia.
– E não posso desfazer-me de algumas maçãs que levo? – Perguntou Fátima.
– De modo algum – obstou, de pronto, o impertinente cádi. A condição, repito, é
essa: Fátima deve vender 50. Cunha venderá 30 e Siha só poderá vender as 10 que lhe
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tocaram. E o preço que Fátima as vender, pelo mesmo preço deverão as outras negociar
as frutas. Façam a venda de modo que apurem, ao final, quantias iguais.
Aquele problema, assim posto, afigurava-se absurdo e disparatado. Como
resolvê-lo? As maçãs, segundo a condição imposta pelo cádi, deviam ser vendidas pelo
mesmo preço. Nessas condições, é claro que a venda de 50 maçãs devia produzir
quantia muito maior que a venda de 30 ou de 10 apenas. E como as moças não
atinassem com a forma de resolver o caso, foram consultar o nosso calculista.
Mal acabara de ouvir o apelo das jovens, Beremiz encaminhou-se para o centro
do círculo formado pelos curiosos ouvintes, e assim falou: – Não deixa de ser
interessante esse problema apresentado sob forma de história. Já tenho visto muitas
vezes exatamente o contrário; simples histórias mascaradas sob o disfarce de
verdadeiros problemas de Lógica ou de Matemática! A solução para o enigma com que
o malicioso cádi de Damasco quis atormentar as jovens camponesas parece ser a
seguinte:...
Descubra a solução dada por Beremiz e diga quanto cada uma arrecadou.
As Pérolas do Marajá
Um marajá deixou às filhas certo número de pérolas e determinou que a divisão
se fizesse do seguinte modo: a filha mais velha tiraria 1 pérola e um sétimo do que
restasse; viria, depois, a segunda e tomaria para si 2 pérolas e um sétimo do restante; a
seguir a terceira jovem receberia 3 pérolas e um sétimo do que restasse. E assim
sucessivamente.
As filhas mais moças apresentaram queixa a um juiz, alegando que, por esse
sistema, complicado de partilha, elas seriam fatalmente prejudicadas. O juiz – reza a
tradição – era hábil na resolução do problema, respondeu prontamente que as
reclamantes estavam enganadas e que a divisão proposta pelo velho marajá era justa e
perfeita.
– E tinha razão! – Exclamou Beremiz. Feita a partilha, cada uma das herdeiras
recebeu o mesmo número de pérolas.
Quantas pérolas cada filha recebeu? Quantas filhas tinha o marajá?
Um Problema do Lilaváti
– É verdade que a Geometria, na Índia, foi cultivada por um sábio que conhecia
os segredos dos astros e os altos mistérios dos céus? Perguntou um astrólogo hindu que
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acompanhava o príncipe de Laore em sua peregrinação a Meca, ao calculista. – Aquela
pergunta não o perturbou. Depois de meditar durante alguns instantes, tomou Beremiz a
sua haste de bambu e escreveu apenas um nome: Bháskara, o Sábio. E disse com certa
ênfase:
–
Eis o nome do mais famoso geômetra da Índia. Conhecia Bháskara os
segredos dos astros e estudava os altos mistérios dos céus. Nasceu esse astrônomo em
Bidom, na província de Deca, cinco séculos depois de Maomé. A primeira obra de
Bháskara intitulava-se Bija-ganita.
– Bija-ganita? – Repetiu o homem do turbante azul. – Bija quer dizer semente, e
ganita, num dos nossos velhos dialetos, significa contar, avaliar, medir.
– É isso mesmo – confirmou Beremiz numa sinceridade veemente. – A melhor
tradução para o título dessa obra de Bháskara seria: A Arte de Contar Sementes. Mas,
além do Bija-ganita, elaborou o judicioso Bháskara outra obra que se tornou famosa:
Lilaváti. Sabemos que era esse o nome da filha de Bháskara. O astrólogo do turbante
azul voltou a interromper:
– Dizem que há um romance, ou uma lenda, em torno de Lilaváti. Conhece, ó
Calculista, esse romance ou essa lenda?
– Sim, sim – acudiu Beremiz. Conheço-a perfeitamente e vou contá-la. Beremiz
ergueu-se, correu o olhar por todos os presentes, e assim começou:
–
Em nome de Alá, Clemente e Misericordioso! Conta-se que o famoso
geômetra Bháskara, o sábio, tinha uma filha chamada Lilaváti. Quando essa menina
nasceu, consultou ele as estrelas e verificou, pela disposição dos astros, que sua filha,
condenada a permanecer solteira toda a vida, ficaria esquecida pelo amor dos jovens
patrícios. Não se conformou Bháskara com essa determinação do Destino e recorreu aos
ensinamentos dos astrólogos mais famosos do tempo. Como fazer para que a graciosa
Lilaváti pudesse obter marido, sendo feliz no casamento?
Um astrólogo, consultado por Bháskara, aconselhou-o a levar a filha para a
província de Dravira, junto ao mar. Havia em Dravira um templo escavado na pedra, no
qual era venerada uma imagem de Buda, que trazia na mão uma estrela. Só em Dravira
poderia Lilaváti encontrar um noivo, mas o casamento só seria feliz se a cerimônia do
enlace fosse marcada, em certo dia, no cilindro do tempo.
Lilaváti foi, afinal, com agradável surpresa para seu pai, pedida em casamento
por um jovem rico, trabalhador, honesto e de boa casta. Fixado o dia, e marcada a hora,
reuniram-se os amigos para assistir à cerimônia. Os hindus mediam, calculavam e
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determinavam a hora do dia com auxílio de um cilindro colocado num vaso cheio
d’água. Esse cilindro, aberto apenas em cima, apresentava pequeno orifício no centro da
superfície da base. À proporção que a água, entrando pelo orifício da base, invadia
lentamente o cilindro, este afundava no vaso e de tal modo que chegava a desaparecer
por completo em hora previamente determinada. Colocou Bháskara o cilindro das horas
em posição adequada, com o máximo cuidado, e aguardou que a água chegasse ao nível
marcado. A noiva, levada por irreprimível curiosidade, verdadeiramente feminina, quis
observar a subida da água no cilindro. Aproximou-se para acompanhar a determinação
do tempo. Uma das pérolas de seu vestido desprendeu-se e caiu no interior do vaso. Por
uma fatalidade, a pérola, levada pela água, foi obstruir o pequeno orifício do cilindro,
impedindo que nele pudesse entrar a água do vaso. O noivo e os convidados esperaram
com paciência largo período de tempo. Passou-se a hora propícia sem que o cilindro
indicasse o tempo como previra o sábio astrólogo. O noivo e os convidados retiram-se
para que fosse fixado, depois de consultado os astros, outro dia para o casamento. O
jovem brâmane, que pedira Lilaváti em casamento, desapareceu semanas depois e a
filha de Bháskara ficou para sempre solteira.
Reconheceu o sábio geômetra que é inútil lutar contra o Destino e disse à filha:
– Escreverei um livro que perpetuará o teu nome e ficarás na lembrança dos homens
mais do que viveriam os filhos que viessem a nascer do teu malogrado casamento.
A obra de Bháskara tornou-se célebre e o nome de Lilaváti, a noiva malograda,
surge imortal na História da Matemática.
Resolva, então, um dos problemas do livro de Bháskara:
A quinta parte de um enxame de abelhas pousou na flor de Kadamba, a terça
parte numa flor de Silinda, o triplo da diferença entre esses dois números voa sobre uma
flor de Krutaja e uma abelha adeja sozinha, no ar, atraída pelo perfume de um jasmim e
de um pandnus. Dize-me, bela menina, qual o número de abelhas?
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metodologia do ensino de matemática a