XIX ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, São Paulo, 2009, pp. 1-15.
PRESENÇA DA RURALIDADE EM MUNICÍPIOS GAÚCHOS: O EXEMPLO DE
SILVEIRA MARTINS, RS
THE PRESENCE OF RURAL FEATURES IN TOWNS IN RS: THE EXAMPLE OF THE
SILVEIRA MARTINS, RS
Michele Lindner – UNESP, Rio Claro – [email protected]
Flamarion Dutra Alves – UNESP, Rio Claro – [email protected]
Enéas Rente Ferreira – UNESP, Rio Claro – [email protected]
Resumo: Atualmente muitas são as tentativas de se definir o que é o rural e o que é o
urbano no contexto acadêmico. A concepção tradicional do rural como o lugar do
atraso e do urbano como o lugar do progresso, não pode mais ser tida como absoluta,
pois esses espaços têm passado por profundas transformações. Contudo, ainda é
possível encontrar pequenos municípios que devido a presença marcante das
ruralidades, podem ser definidos como municípios rurais. É nesse sentido que este
artigo pretende identificar as ruralidades presentes em Silveira Martins, Rio Grande do
Sul, onde ainda hoje se preservam os costumes dos antepassados que colonizaram a
região.
Palavras-chave: Rural, urbano, ruralidades, Silveira Martins.
Abstract; Nowadays there are many attempts to define what is rural and what is urban
in an academic context. The traditional conceptualization which describes the rural as
being the place of the late and the urban as the place of progress should not be
understood as absolute because these places has been suffering deep changes.
However, it is still possible to find towns which due to the intense presence of the rural
features can be defined as rural towns. In that sense, in the present paper is aimed at to
identify the rural features present in Silveira Martins, Rio Grande do Sul, in which there
is a preservation of the habits of the ancestral people which colonized the region.
Keywords: Rural, urban, rural features, Silveira Martins.
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XIX ENGA,São Paulo, 2009
LINDNER, M. et Al.
Introdução
Existem milhares de pequenos municípios no interior do Brasil. Muitos desses
municípios possuem características mais rurais do que propriamente urbanas. Essas
questões tem sido cada vez mais observadas no contexto acadêmico e a discussão
sobre a temática das ruralidades e urbanidades torna-se mais presente.
A concepção tradicional do rural como o lugar do atraso e da rusticidade e do
urbano como o lugar do progresso e da modernidade, não pode mais ser tida como
absoluta. Tanto o rural como o urbano tem passado por grandes transformações que
fazem com que estes espaços tenham características distintas dessa visão
ultrapassada. O processo de modernização da agricultura, seguido pela explosão das
facilidades do acesso aos meios de comunicação, transformaram profundamente a
realidade do meio rural.
Da mesma forma, como é destacado por Wandeley (2001), a sociedade
brasileira parece estar tendo um novo olhar sobre o rural, antes visto como uma fonte
de problemas, passa a apresentar indícios de ser também portador de “soluções”, com
o crescimento da busca por um maior contato com a natureza e o aprofundamento das
relações sociais mais pessoais, tidas como predominantes entre os habitantes do
campo.
Essas características tidas como eminentes do rural, muitas vezes também
podem ser percebidas em pequenas cidades ou vilarejos. Nesses locais existe uma
grande carga cultural, que pode ser traduzida através do apego as tradições, muito
evidenciadas nas relações sociais da população, suas festividades, gastronomia e
economia desses locais. Esse conjunto de fatores representa a identidade social da
comunidade, a qual reproduz o modo de vida do campo na cidade, ou seja, as
ruralidades, que representam de acordo com Moreira e Gaviria (2002), a articulação
entre as noções de rural e de identidade social.
Assim como o conceito de urbanidade o conceito de ruralidade, segundo
Candiotto e Corrêa (2008), tem sido trabalhados como referências a territorialidades de
indivíduos e grupos sociais, tanto socioculturais, como econômicas e/ou políticas.
Dessa forma, este artigo pretende identificar as ruralidades presentes em um
pequeno município do Rio Grande do Sul, o município de Silveira Martins. Esse
município reproduz ainda hoje em seu modo de vida, trabalho e festividades,
características muito fortes dos antepassados que colonizaram a região e possui
características marcantes de um município rural.
Presença da ruralidade em municípios gaúchos: o exemplo de Silveira Martins, RS, pp. 1-15.
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As definições do rural e do urbano
Mesmo com as profundas mudanças ocorridas no campo pós-modernização da
agricultura e com as novas configurações que a cidade passou a assumir, com a
descentralização das indústrias, ainda pode-se encontrar implícito em muitos discursos
as interpretações clássicas dos conceitos rural e urbano. Essa distinção mostra esses
dois espaços como espaços antagônicos, sendo o rural o sinônimo do atraso e o
urbano o sinônimo do moderno.
Essa concepção pode ser evidenciada no trabalho de Sorokin, Zimmerman e
Galpin (1981), onde esses autores procuram delinear as diferenças fundamentais entre
o rural e o urbano, buscando uma definição sociológica desses dois espaços. Segundo
os autores essa definição deveria ser uma definição composta, ou seja, a combinação
de vários traços típicos e não levando em conta apenas uma característica.
Na concepção de Sorokin, Zimmerman e Galpin (1981), entre o rural e o urbano
existiriam nove diferenças fundamentais: as diferenças ocupacionais, as quais
gerariam outras diferenças. Nesse caso o habitante do rural estaria ocupado com a
agricultura, ou seja, a coleta e cultivo de plantas e animais; as diferenças ambientais,
nas quais os trabalhadores rurais trabalhariam mais ao ar livre em contato com a
natureza, ao contrário das populações urbanas que estariam em um ambiente artificial
da cidade; as diferenças no tamanho das comunidades, onde existiria uma correlação
negativa entre o tamanho da comunidade e a percentagem da população ocupada na
agricultura; as diferenças na densidade populacional, nas quais as comunidades de
agricultores teriam uma densidade populacional mais baixa do que das comunidades
urbanas; as diferenças na homogeneidade e na heterogeneidade das populações, nas
quais as populações das comunidades rurais tenderiam a ser mais homogêneas em
suas características psico-sociais; as diferenças na diferenciação, estratificação e
complexidade social, na qual população do campo seria mais homogênea, enquanto os
aglomerados urbanos seriam marcados por uma complexidade maior manifesta em
uma maior diferenciação e estratificação social; as diferenças na mobilidade social,
pois a classe urbana seria mais móbil e dinâmica que a rural, deslocando-se mais de
lugar, de ocupação, de posição social, da riqueza para a pobreza e vice-versa; as
diferenças na direção da migração, pois correntes de população indo do campo para a
cidade são maiores que as da cidade indo para o campo; as diferenças no sistema de
integração social, pois os moradores rurais teriam contato com menor numero de
pessoas, porém estes seriam mais diretos e duradouros do que os dos moradores da
cidade.
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Analisando as diferenças colocadas por Sorokin, Zimmerman e Galpin, Solari
(1979), coloca que existem populações rurais, como do tipo fronteiriço, que são mais
heterogêneas que populações urbanas de cidades do interior de certos países e que
esses critérios diferenciais não são válidos para todos os casos.
Assim, para Solari (1979) seria preciso distinguira teorização sobre a sociedade
rural, como ela se apresenta nas sociedades pré-industriais ou subdesenvolvidas e nas
industriais. Segundo o autor nas industriais existiria a tendência de se acentuar o
processo de urbanização da vida rural, ocorrendo uma fuga do centro da cidade e uma
profunda transformação na sociedade rural, na qual o agricultor tenderia a se dirigir a
uma mercado cada vez mais extenso, convertendo-se em um empresário.
Dessa forma, a concepção clássica, da dicotomia do rural e do urbano
apresentada por Sorokin, Zimmerman e Galpin, onde esses dois espaços são vistos
como opostos passa a sofrer objeções. Essas objeções partem da observação de que
entre o meio rural e o urbano existiria uma gradação infinita, em outras palavras um
contínuo (SOLARI, 1979).
Portanto, não poderia existir apenas o rural e o urbano sem algo que
intermediasse essa relação, existiriam vários elementos que dariam a continuidade
entre esses dois aspectos. Nesse sentido Wandeley (2001), coloca que a vertente do
continuum rural-urbano refere-se a uma relação que aproxima e integra esses dois
pólos, onde a hipótese central, mesmo ressaltando as semelhanças e a continuidade,
não destrói as particularidades destes, além de não representar o fim do rural.
Segundo a autora, nessa concepção “o continuum se desenha entre um pólo urbano e
um pólo rural, distintos entre si e em intenso processo de mudança em suas relações”
(Wanderley, 2001, p.33).
Assim, percebe-se já nesse discurso, que a vertente do continuum ressalta a
mudança das relações entre esses dois espaços, tornando-os cada vez mais próximos
e deixando de ser opostos, porém não preconiza o fim das áreas rurais.
Da mesma forma, ao referir-se ao possível fim das área campestres, devido a
urbanização implacável, Biazzo (2007) coloca que alguns autores a partir do fim dos
anos 80 do século XX, já verificavam situações de recuperação do dinamismo de
espaços tidos como rurais, contrariando a idéia do fim dessas áreas.
Em espaços próximos a grandes cidades dos paises centrais e,
também, semiperiféricos, a população residente no campo começou a
se inserir no mercado de trabalho de atividades turísticas, na medida
em que a população da cidade, principalmente e da metrópole evoluída,
hipertrofiada, vem procurando se recolocar em contato com a natureza
Presença da ruralidade em municípios gaúchos: o exemplo de Silveira Martins, RS, pp. 1-15.
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e a tranqüilidade esvaídas do ambiente metropolitana (BIAZZO, 2007,
p.13).
Assim, nas ultimas décadas tem se destacado uma nova percepção do campo,
relativo a um modo de vida “alternativo” e ambientalmente sustentável, correspondente
a um resgate da natureza pelos habitantes da cidade que se dirigem ao campo
(BIAZZO, 2007).
Nesse sentido, Candiotto e Corrêa (2008) destacam a urbanização física do
rural, apresentada por Graziano da Silva através do conceito de rurbano, com a
inserção de novas atividades no campo, sobretudo as não-agrícolas.
As atividades não-agrícolas vêm crescendo cada vez mais também no Brasil.
Concomitantemente a isto, diminui a supremacia das atividades agrícolas no meio
rural. Essa mudança advém do contínuo declínio da capacidade da agricultura de
manter e gerar postos de trabalho, além do crescimento de atividades geradoras de
ocupações rurais não-agrícolas (LAURENTI, 2000).
Essas atividades não-agrícolas fazem com que o rural assuma novas funções.
Dentre as “novas funções” do campo que ganham cada vez mais destaque estão as
atividades de lazer, como o turismo em área rural, segundas residências e
aposentadorias rurais.
Portanto, percebe-se que atualmente as atividades produtivas agrícolas
tradicionais já não são mais suficientes para explicar, por si sós, a dinâmica da renda, a
das ocupações das famílias rurais. Assim, compreender o papel da diversificação do
meio rural consiste numa tarefa na qual estão envolvidos uma série de fatores que
abrangem diretamente as esferas socioeconômicas, ambientais e culturais do espaço
em que vem sendo desenvolvidas essas atividades não-agrícolas.
Dessa forma, crescem cada vez mais atividades de lazer, que buscam um
resgate as tradições culturais de determinadas áreas e valorizam os costumes da vida
do rural. Essas atividades geralmente se manifestam em rotas turísticas e em eventos
festivos de pequenos municípios, ocorrendo tanto em áreas rurais como urbanas.
O conceito de ruralidades
Atualmente se analisarmos o discurso recente sobre o “novo rural” esse conceito
irá nos remeter a este espaço como sinônimo de natureza, ar puro, alimentos
saudáveis, relações pessoais mais próximas, entre outros aspectos que simbolizam
uma melhor qualidade de vida. A partir disto, torna-se necessário buscar referencias
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sobre o tema, para definir o que são as ruralidades, as quais podem ser encontradas
tanto nos espaços rurais quanto nos urbanos.
Dessa forma buscou-se o trabalho de Candiotto e Corrêa (2008), que ao
discorrer sobre o conceito de ruralidades colocam que este esta assentado em duas
correntes de interpretação. Segundo a pesquisa dos autores, a primeira corrente vê a
ruralidade como uma processo de valorização do rural, a qual vem sendo disseminada
por instituições globais através de financiamentos e políticas publicas. Essas
instituições defendem o discurso da redução da pobreza e desigualdades sociais,
porém segundo os autores está implícito nesse discurso a ampliação das relações
capitalistas, através de novas atividades agrícolas e não agrícolas no espaço rural.
Nessa perspectiva, a nova ruralidade não é algo construído socialmente
pela população rural, mas mais uma idéia imposta por organismos
concentradores do poder, cristalizada no discurso, porém muitas vezes
não concretizada, que passa a ser utilizada e propagada por diversos
pesquisadores como novos aspectos da realidade do espaço rural
(CANDIOTTO E CORRÊA, 2008, p.232).
A segunda corrente coloca as ruralidades como realidade empírica, construída,
sobretudo de forma endógena. “As ruralidades seriam compostas por objetos, ações e
representações peculiares do rural, com destaque para as representações e
identidades rurais dos indivíduos e grupos sociais” (MOREIRA, 2005, apud
CANDIOTTO E CORRÊA, 2008, p.233).
Dessa forma, o que permitirá falar em ruralidades são as articulações entre as
noções de rural e de identidade social, relações especificas dos habitantes do campo
com a natureza e sua comunicação direta, face a face (MOREIRA; GAVIRIA, 2002).
Mesmo representando as relações especificas dos habitantes do campo,
Carneiro (1998 apud CANDIOTTO E CORRÊA, 2008) coloca que a ruralidade não é
definida como oposição a urbanidade, ela é um processo dinâmico em constante
reestruturação de valores locais, hábitos e técnicas, incorporados a partir da relação
entre campo e cidade.
Segundo Candiotto e Corrêa (2008), alem da população rural, a urbana também
apresenta suas ruralidades, as quais são idealizadas pela mídia que vende o rural
como sinônimo de natureza e vida mais saudável. Assim como a população rural
possui urbanidades devido a incorporação dos valores urbanos, seja por meio da
televisão ou da internet. Nesse sentido, os autores citam Lima (2005), que coloca que
existem elementos da ruralidade no urbano, assim como da urbanidade no rural.
Presença da ruralidade em municípios gaúchos: o exemplo de Silveira Martins, RS, pp. 1-15.
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Ao encontro disso, Biazzo (2007, p. 19), que acredita ser mais conveniente
chamar campo e cidade de campestres e citadinos, ressalta que:
(...) em ambos espaços se manifestam identidades sociais que
configuram ruralidades e urbanidade. Em paisagens do campo e das
cidades (formas, conjuntos de objetos) existem urbanidades e
ruralidade (conteúdos – heranças, origens, hábitos, relações, conjunto
de ações) que se combinam, gerando novas territorialidades, admitindose que cada local ou região pode abrigar diferentes territorialidades
superpostas, relativas a diferentes atores sociais.
Dessa forma, a partir do exposto percebe-se que tanto as ruralidades, quanto as
urbanidades, podem estar presentes em qualquer espaço, pois referem-se a
manifestações culturais, ligadas aos modos de vida, tradições, ocupações, ou seja,
elementos característicos desses espaços que ocorrem não necessariamente apenas
neles.
Pequenos municípios e as manifestações das ruralidades
Ao falar do rural e do urbano é necessário que se tenha claro o que podemos
definir por rural ou campo e por urbano e cidade. Veiga (2003) coloca que a vigente
definição de cidade é fruto do Estado Novo e “foi o Decreto-Lei 311. de 1938 que
transformou em cidades todas as sedes municipais existentes, independentes de suas
características estruturais e funcionais” (VEIGA, 2003, p.1). Segundo o autor, a partir
disso da noite para o dia “ínfimos povoados, ou simples vilarejos” se tornaram cidades.
Para as futuras cidades seria exigida a existência de pelo menos 200
casas, e para as futuras vilas (sedes de distrito), um mínimo de 30
moradias. Mas todas as localidades que aquela data eram cabeça de
município, passaram a ser consideradas urbanas, mesmo que sua
dimensão fosse muito inferior ao requisito mínimo fixado para as novas
(VEIGA, 2003, p.2).
Mesmo com diversas modificações legais posteriores, essa discrepância da
divisão territorial brasileira permaneceu. Só no ano de 1991 houve mudanças
significativas quando o IBGE passou a distinguir três tipos de categorias definidas
como urbanas e quatro tipos de aglomerados rurais. Sendo as urbanas: áreas
urbanizadas e não-urbanizadas de acordo com a intensidade da ocupação humana e
áreas urbanas isoladas, definidas por leis municipais, estando separadas por sede
municipal, distrital, área rural ou outro limite legal. E as rurais: Aglomerados rurais do
tipo extensão urbana, situado fora do perímetro urbano, mas que seja extensão de uma
cidade ou vila; Povoado, aglomerado rural isolado sem caráter privado ou empresarial,
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que disponha do mínimo de serviços e equipamentos e que os moradores exerçam
atividades econômicas; Núcleo aglomerado rural isolado que pertença a um único
proprietário e outros aglomerados, os quais não representam as características de
nenhum dos outros três (VEIGA, 2003, p.2).
Contudo, Veiga coloca que mesmo com as mudanças, a classificação reforçou a
convenção de que são urbanas todas as sedes municipais (cidades), sedes distritais
(vilas) e áreas isoladas definidas por Câmaras Municipais sem nenhum outro critério
geográfico, de caráter estrutural ou funcional. E nesse sentido, utiliza o exemplo de um
município no estado do Acre, no qual coloca que os dois mil e poucos habitantes que
residem na sede desse município são considerados urbanos, independente de “quais
forem as funções desempenhadas pela aglomeração, o gênero de vida, a forma de
civilização e a mentalidade de seus habitantes” (VEIGA, 2003, p.3).
Iguais ao município exemplificado por Veiga existem muitos outros municípios
no Brasil, que são definidos como urbanos, sem que sejam levados em conta
características como os modos de vida e outras importantes características de suas
populações.
Nesse sentido, a área escolhida para analise no presente artigo é a do município
de Silveira Martins, RS. Esse município faz parte da Microrregião Geográfica de
Restinga Seca e limita-se ao norte, com Ivorá, ao sul, com Restinga Seca, ao leste
com São João do Polêsine e Faxinal do Soturno e, ao oeste, com Santa Maria e
Julio de Castilhos (Figura 1).
Situada sobre a Serra de São Martinho, na Serra Geral, ou Rebordo do Planalto,
é uma das áreas piloto da Reserva de Biosfera da Mata Atlântica no Estado,
apresentando clima subtropical úmido.
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Figura 1 – Localização do Município de Silveira Martins
em relação ao Estado do Rio Grande do Sul
Silveira Martins tem sua origem na década de 70, no século XIX, quando o
Governo Imperial requisitou as terras devolutas existentes na região de Santa Maria da
Boca do Monte e, nelas, instalou o Quarto Núcleo de Colonização do Estado. Os
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primeiros habitantes deste núcleo foram russos e alemães, que na sua grande maioria
abandonaram a região por não se adaptarem às condições geográficas das encostas
da Serra São Martinho. Este fato levou a direção da colônia a desviar levas de
imigrantes italianos para povoar aquela região. Dessa forma, surge a Quarta Colônia
de Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, chamada inicialmente de Città Nuova,
depois Città Bianca e, mais tarde, de Silveira Martins, em homenagem ao seu
intercessor no império, Gaspar da Silveira Martins (RUVIARO, 2007).
O Município, criado no ano de 1987, com a desmembração de terras dos
municípios de Faxinal do Soturno e Santa Maria, tem sua a economia baseada no setor
primário, destacando-se o cultivo do arroz e da batata inglesa. Atualmente, Silveira
Martins possui uma área de 122,7 Km², ocupada por uma população de 2.566
habitantes. Do total de habitantes do município de Silveira Martins, 1.039 habitantes
residem na área urbana e 1.527 habitantes na área rural (IBGE, 2000).
Apesar dos dados apresentados demonstrarem que este município possui uma
vocação rural, não é apenas através da população e da economia que identificamos as
ruralidades, estas podem manifestar-se também nos hábitos dos habitantes, nos
contatos diretos e pessoais das comunidades, na alimentação, e principalmente nas
festas.
As festividades de pequenas comunidades costumam trazer traços típicos tidos
como do “mundo rural”, os quais se manifestam em vários aspectos e reúnem não
apenas a comunidade do local, como também dos municípios próximos, além de
amigos e parentes dos habitantes da comunidade.
No município de Silveira Martins é muito comum festas em torno de produtos
alimentares, principalmente os agropecuários, como é o caso da Festa da Batata e o
Festival da Uva e das Águas. Essas festas, assim como várias outras festas temáticas
tem como principais atrações elementos que resgatam costumes do rural e dos
antepassados que colonizaram a região.
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Figura 2 – Festival da Uva e das Águas – Silveira Martins, RS
Fonte: Pesquisa de Campo do Grupo de Pesquisa Turismo e Desenvolvimento – UFSM.
2006.
Esses elementos podem ser verificados na mobilização da comunidade em
torno das festas, onde a comunidade se une para a organização dos preparativos,
trabalhando em conjunto em torno de uns objetivos comuns, transmitindo dessa
forma a valorização da identidade local e familiar implícitas na festa.
Outros elementos tidos como característicos do rural, estão no preparo dos
alimentos a serem comercializados nas festas, nos quais é privilegiado o uso dos
produtos produzidos localmente, também no caso do vinho servido, geralmente de
fabricação local. Nesse sentido, visualiza-se a produção do meio rural, muito além do
próprio espaço em si. Tendo a manifestação da ligação entre atividade produtiva,
produtos, produtores(as) e família(s) envolvidas no processo, perfazendo o sentido de
identidade.
Além desses elementos de identificação com os “hábitos rurais”, existem outros
muito eminentes nas festividades desse local, os quais podem ser vislumbrados já em
sua apresentação, a qual muitas vezes utiliza produtos agropecuários em sua
decoração (Figura 3), assim como as relações de proximidades entre as pessoas que
freqüentam as festas, as quais podem ser identificadas nas mesas compridas onde as
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pessoas sentam juntas e assim passa-se a ter uma maior interação entre os
participantes.
Figura 3 – Decoração da Festa da Batata – Silveira Martins, RS.
Fonte: Pesquisa de Campo do Grupo de Pesquisa Turismo e Desenvolvimento –
UFSM. 2006.
No caso das instalações, geralmente faz-se uso de salões de festas de igrejas,
tendo em seu entorno capelas, santuários, basílicas e a própria igreja da comunidade,
acentuando o caráter comunitário desses eventos.
Essas festividades não perpassaram as esferas locais de abrangência. Dessa
forma, perpetuam-se no âmbito local hábitos historicamente difundidos e que
atravessam gerações familiares, sobretudo no tocante às formas de produção agrícola,
as manifestações culturais, as festividades e a gastronomia.
Nesse sentido, os aspectos produtivos e culturais locais diretamente ligados aos
hábitos rurais conduzem a uma determinada configuração que se dá não somente na
estruturação das festividades locais, mas sim, em todos os hábitos cotidianos. É nessa
valorização que as ruralidades permanecem em locais como esse, pequenos
municípios no interior do país onde as tradições são muito valorizadas e difundidas.
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Considerações Finais
No debate em torno do meio rural, sua valorização, identidade e simbologias
peculiares, encontram-se as manifestações de toda uma conjunção de ações
cotidianas carregadas de valores próprios e heranças históricas, na qual se
fundamenta a existência das ruralidades. Essa conjunção encontra-se muitas vezes
não apenas no rural dos pequenos municípios, mas também na área dita urbana
desses locais.
Pequenos municípios no interior do Brasil, como o município de Silveira Martins,
apresentado nesse artigo, possuem muito mais as características rurais em seu
cotidiano do que as propriamente urbanas. Isso tudo ocorre, seja pelo apego as
tradições, seja pela falta de infra-estrutura para o seu funcionamento como cidade em
si, ou então ambos os casos. A falta de estrutura mesmo pode reforçar a permanência
de muitos costumes, pois a distância das “novidades” faz com que a comunidade não
mude os costumes.
Nesse sentido, torna-se comum que esse municípios não busquem mudanças e
procurem saciar suas carências em municípios maiores das proximidades. No caso do
município de Silveira Martins, seus habitantes buscam no município de Santa MariaRS, o que não encontram em suas cidades, principalmente no caso do comércio e
educação para seus filhos.
Contudo, percebe-se nesses locais a presença marcante das ruralidades em
toda a sua extensão, sejam elas expressas pelas festividades, pelo contato próximo de
seus habitantes, enfim, ela esta presente no modo de vida dessa comunidade,
configurando esse município como um município rural.
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LINDNER, M. et Al.
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