Capítulo 4
Coordenadas Curvilíneas
4.1
Introdução
Definição 4.1 Um sistema de coordenadas é uma correspondência biunívoca
Φ : E 3 → D = Dx × Dy × Dz ⊂ R3 , P ∈ E 3 7→ Φ (P ) = (x, y, z) ∈ R3 .
1. Se Φ (P ) = (x, y, z) , x, y e z são as coordenadas de P no sistema Φ.
2. O ponto O ∈ E 3 tal que Φ (O) = (0, 0, 0) é chamado origem do sistema.
3. Se a, b ∈ R são constantes, os conjuntos
C1 = {P ∈ E 3 : Φ (P ) = (x, a, b) , x ∈ Dx } ,
C2 = {P ∈ E 3 : Φ (P ) = (a, y, b) , y ∈ Dy } ,
C3 = {P ∈ E 3 : Φ (P ) = (a, b, z) , z ∈ Dz } ,
são chamados de curvas coordenadas. Quando a = b = 0 são denominados eixos
coordenados.
4. Se a ∈ R é constante, os conjuntos
S1 = {P ∈ E 3 : Φ (P ) = (a, y, z) , y, z ∈ Dy × Dz } ,
S2 = {P ∈ E 3 : Φ (P ) = (x, a, z) , x, z ∈ Dx × Dz } ,
S3 = {P ∈ E 3 : Φ (P ) = (x, y, a) , x, y ∈ Dx × Dy } ,
são chamados superfícies coordenadas.
5. Quando as curvas coordenadas são retas, dizemos que o sistema é um sistema de
coordenadas cartesianas.
6. Quando as curvas coordenadas se cruzam ortogonalmente, dizemos que o sistema é
um sistema ortogonal.
181
182
CAPÍTULO 4. COORDENADAS CURVILÍNEAS
Dados os sistemas de coordenadas
Φ1 : E 3 → R3 , Φ1 (P ) = (u1 , u2 , u3 ) ,
Φ2 : E 3 → R3 , Φ2 (P ) = (x1 , x2 , x3 ) ,
a aplicação
¡ 3¢
Ψ = Φ2 ◦ Φ−1
→ R3 ,
1 : Φ1 E
(u1 , u2 , u3 ) 7→ (x1 (u1 , u2 , u3 ) , x2 (u1 , u2 , u3 ) , x3 (u1 , u2 , u3 )) ,
é chamada aplicação mudança de coordenadas. Supondo que Ψ é de classe C 1 e que,
a menos de um conjunto de medida nula se tem
∂ (x1 , x2 , x3 )
6= 0,
∂ (u1 , u2 , u3 )
obtemos pelo Teorema da função inversa que Ψ é localmente inversível e sua inversa é de
classe C 1 .
4.1.1
Coordenadas cartesianas ortogonais
Consideramos no espaço euclidiano E 3 , tres retas orientadas, os eixos, que se cruzam
ortogonalmente no ponto O ∈ E 3 . Um ponto P ∈ E 3 é projetado ortogonalmente sobre
os eixos obtendo-se os pontos P1 sobre Ox, P2 sobre Oy e P3 sobre Oz.
Exemplo 4.2 As coordenadas x, y e z de P são dadas, respectivamente, pelos comprimentos dos segmentos OP1 , OP2 e OP3 com sinal ± conforme P1 , P2 e P3 esteja à dieirta
ou à esquerda de O.
4.1. INTRODUÇÃO
4.1.2
183
Coordenadas cilíndricas
Consideramos tres retas orientadas que se cruzam ortogonalmente em O ∈ E 3 .
Um ponto P ∈ E 3 é projetado ortogonalmente no plano xOy obtendo-se o ponto Q,
as coordenadas cilíndricas de P são (ρ, θ, z) onde
ρ = kOQk , ρ ∈ [0, ∞) ,
θ = ∠ (Ox, OQ) , θ ∈ [0, 2π] ,
z = ± kP Qk , z ∈ R.
Mudança de coordenadas cilíndricas para cartesianas:
Admitindo que os dois sistemas tenham a mesma origem, temos
Ψ : D → R3 , onde D = R+ × [0, 2π] × R e
Ψ (ρ, θ, z) = (x ((ρ, θ, z)) , y (ρ, θ, z) , z (ρ, θ, z)) ,
com
x = ρ cos θ, y = ρ sen θ, z = z.
O jacobiano desta transformação é
∂ (x, y, z)
(ρ, θ, z) = ρ,
∂ (ρ, θ, z)
que se anula apenas num conjunto de medida nula, o eixo Oz.
184
4.1.3
CAPÍTULO 4. COORDENADAS CURVILÍNEAS
Coordenadas esféricas
Consideramos tres retas orientadas que se cruzam ortogonalmente em O ∈ E 3 .
Um ponto P ∈ E 3 é projetado ortogonalmente no plano xOy obtendo-se o ponto Q,
as coordenadas esféricas de P são (ρ, ϕ, θ) onde
ρ = kOQk , ρ ∈ [0, ∞) ,
θ = ∠ (Ox, OQ) , θ ∈ [0, 2π] ,
ϕ = ∠ (Oz, OP ) , ϕ ∈ [0, π] .
Mudança de coordenadas esféricas para cartesianas:
Admitindo que os dois sistemas tenham a mesma origem, temos
Ψ : D → R3 , onde D = R+ × [0, π] × [0, 2π) e
Ψ (ρ, ϕ, θ) = (x ((ρ, ϕ, θ)) , y (ρ, θ, ϕ) , z (ρ, ϕ, θ)) ,
com
x = ρ cos θ sen ϕ, y = ρ sen θ sen ϕ, z = ρ cos ϕ.
O jacobiano desta transformação é
∂ (x, y, z)
(ρ, θ, ϕ) = ρ2 sen ϕ,
∂ (ρ, θ, ϕ)
que se anula apenas num conjunto de medida nula,o eixo Oz.
4.2. FATORES DE PROPORCIONALIDADE E VERSORES
4.2
185
Fatores de proporcionalidade e versores
Por (x1 , x2 , x3 ) denotaremos as coordenadas cartesianas de um ponto P e (u1 , u2 , u3 ) as
coordenadas de P num sistema qualquer. Sejam i, j, k os versores da base canônica, o
vetor
r (x1 , x2 , x3 ) = x1 i + x2 j + x3 k,
é o vetor posição de P . Se
Ψ (u1 , u2 , u3 ) = (x1 (u1 , u2 , u3 ) , x2 (u1 , u2 , u3 ) , x3 (u1 , u2 , u3 )) ,
é uma mudança de coordenadas, escrevemos
r (u1 , u2 , u3 ) = x1 (u1 , u2 , u3 ) i + x2 (u1 , u2 , u3 ) j + x3 (u1 , u2 , u3 ) k.
Os vetores
∂r
∂r
∂r
(u1 , u2 , u3 ) ,
(u1 , u2 , u3 ) ,
(u1 , u2 , u3 ) ,
∂u1
∂u2
∂u3
são vetores tangentes às curvas coordenadas C1 , C2 e C3 respectivamente.
Os escalares
°
°
°
°
°
°
° ∂r
°
° ∂r
°
° ∂r
°
°
°
°
°
°
h1 = °
° ∂u1 (u1 , u2 , u3 )° , h2 = ° ∂u2 (u1 , u2 , u3 )° , h3 = ° ∂u3 (u1 , u2 , u3 )° ,
são chamados fatores de proporcionalidade e os vetores
e1 =
1 ∂r
1 ∂r
1 ∂r
, e2 =
, e3 =
,
h1 ∂u1
h2 ∂u2
h3 ∂u3
são os vetores tangentes unitários às curvas coordenadas C1 , C2 e C3 respectivamente.
Os vetores
∇u1
∇u2
∇u3
, E2 =
, E3 =
,
E1 =
k∇u1 k
k∇u2 k
k∇u3 k
são os vetores normais unitários às superfícies coordenadas S1 , S2 e S3 respectivamente.
Os conjuntos {e1 , e2 , e3 } , {E1 , E2 , E3 } forma uma base do R3 e dado um vetor u
qualquer podemos escrever
u = c1
∂r
∂r
∂r
+ c2
+ c3
= d1 ∇u1 + d2 ∇u2 + d3 ∇u3,
∂u1
∂u2
∂u3
os escalares cl são chamados componentes contravariantes de u, e os escalares dl são
chamados componentes covariantes de u.
Nota 4.3 Quando o sistema (u1 , u2 , u3 ) é ortogonal temos el = El para l = 1, 2, 3.
Exemplo 4.4 Sejam (x, y, z) as coordenadas cartesianas de P e (ρ, θ, z) suas coordenadas
cilíndricas. Temos
r (ρ, θ, z) = ρ cos θ i + ρ sen θ j + z k.
186
CAPÍTULO 4. COORDENADAS CURVILÍNEAS
1. Na curva Cρ consideremos θ e z constantes, o vetor tangente é
∂r
(ρ, θ, z) = cos θ i + sen θ j,
∂ρ
o fator de proporcionalidade hρ é
°
°
°
° ∂r
° = 1,
hρ = °
(ρ,
θ,
z)
°
° ∂ρ
e o versor eρ é
eρ = cos θ i + sen θ j.
2. Na curva Cθ consideremos ρ e z constantes, o vetor tangente é
∂r
(ρ, θ, z) = −ρ sen θ i + ρ cos θ j,
∂θ
o fator de proporcionalidade hθ é
°
°
°
° ∂r
°
hθ = °
° ∂θ (ρ, θ, z)° = ρ,
e o versor eθ é
eθ = − sen θ i + cos θ j.
3. Na curva Cz consideremos θ e ρ constantes, o vetor tangente é
∂r
(ρ, θ, z) = k,
∂z
o fator de proporcionalidade hz é
°
°
° ∂r
°
°
hz = °
° ∂z (ρ, θ, z)° = 1,
e o versor ez é
ez = k.
4. Na superfície Sρ consideramos ρ constante, temos
p
ρ (x, y, z) = x2 + y 2 ,
logo
Assim
x
y
∇ρ (x, y, z) = p
i+ p
j.
x2 + y 2
x2 + y 2
Eρ =
x
∇ρ
y
=p
i+ p
j = eρ .
k∇ρk
x2 + y 2
x2 + y 2
4.2. FATORES DE PROPORCIONALIDADE E VERSORES
187
5. Na superfície Sθ consideramos θ constante, temos
y
θ (x, y, z) = arctan ,
x
logo
∇θ (x, y, z) =
Assim
Eθ =
−y
x
i+ 2
j.
2
+y
x + y2
x2
−y
∇θ
x
=p
i+ p
j = eθ .
2
2
2
k∇θk
x +y
x + y2
6. Na superfície Sz consideramos z constante, temos
θ (x, y, z) = z,
logo
∇z (x, y, z) = k.
Assim
Ez =
∇z
= k = ez .
k∇zk
Observamos que
eρ .eθ = eρ .ez = eθ .ez = 0,
portanto o sistema de coordenadas cilíndricas é um sistema ortogonal.
4.2.1
Comprimento de arco num sistema ortogonal
Seja γ : [a, b] → R3 uma curva regular dada por
γ (t) = x1 (t) i + x2 (t) j + x3 (t) k,
ou, ainda
γ (t) = x1 (u1 (t) , u2 (t) , u3 (t)) i + x2 (u1 (t) , u2 (t) , u3 (t)) j + x3 (u1 (t) , u2 (t) , u3 (t)) k.
Temos pelo Teorema da função composta que
·
¸
∂x1 0
∂x1 0
∂x1 0
0
u1 (t) +
u (t) +
u (t) i+
γ (t) =
∂u2 2
∂u3 3 ¸
· ∂u1
∂x2 0
∂x2 0
∂x2 0
+
u1 (t) +
u2 (t) +
u (t) j+
∂u2
∂u3 3 ¸
· ∂u1
∂x3 0
∂x3 0
∂x3 0
+
u1 (t) +
u2 (t) +
u (t) k ,
∂u1
∂u2
∂u3 3
logo
γ 0 (t) = u01 (t)
∂r
∂r
∂r
+ u02 (t)
+ u03 (t)
,
∂u1
∂u2
∂u3
188
CAPÍTULO 4. COORDENADAS CURVILÍNEAS
ou ainda
γ 0 (t) = u01 (t) h1 e1 + u02 (t) h2 e2 + u03 (t) h3 e3
(4.1)
Se o sistema (u1 , u2 , u3 ) é ortogonal segue que
q
kγ 0 (t)k = (u01 (t) h1 )2 + (u02 (t) h2 )2 + (u03 (t) h3 )2 .
O comprimento 4s do arcoγ\
t γ t+4t é tal que
4s =
e kγ 0 (t)k 4t.
Concluimos que
q
(u0 (t) 4th1 )2 + (u02 (t) 4th2 )2 + (u03 (t) 4th3 )2
q 1
= (4u1 h1 )2 + (4u2 h2 )2 + (4u3 h3 )2
4s =
e
ou usando a notação de Leibinitz
q
ds = (du1 h1 )2 + (du2 h2 )2 + (du3 h3 )2 .
Exemplo 4.5 No sistema de coordenadas cilíndricas (ρ, θ, z) consideremos a curva γ :
[a, b] → R3 tal que
ρ (t) = cos t, θ (t) = t, z (t) = 1, 0 ≤ t ≤ 2π.
Logo
ρ0 (t) = − sen t, θ0 (t) = 1, z 0 (t) = 0,
como
hρ = 1, hθ = ρ, hz = 1,
temos de (4.1) que
q
2
γ (t) = − sen t eρ + cos t eθ e kγ (t)k = sen t + cos2 t = 1.
0
0
Observemos que
x (t) = ρ (t) cos θ (t) , y (t) = ρ (t) sen θ (t) , z (t) = z (t) ,
então γ é dada por
γ (t) = cos2 t i + cos t sen t j + k.
Assim
³ 2
´
γ 0 (t) = −2 cos t sen t i + − sen t + cos2 t j.
(4.2)
4.2. FATORES DE PROPORCIONALIDADE E VERSORES
189
Vimos que
eρ = cos θ i + sen θ j,
eθ = − sen θ i + cos θ j,
ez = k,
logo
i = cos θ eρ − sen θ eθ ,
j = sen θ eρ + cos θ eθ ,
k = ez .
Substituindo estes dados em (4.2) segue
γ 0 (t) = − sen t eρ + cos t eθ .
4.2.2
Elemento de volume num sistema ortogonal
Consideremos o volume 4V determinado pelos deslocamentos 4u1 , 4u2 e 4u3 ao longo
das curvas coordenadas.
A curva coordenada C1 tem como parametrização
γ (t) = x1 (u1 (t) , u2 , u3 ) i + x2 (u1 (t) , u2 , u3 ) j + x3 (u1 (t) , u2 , u3 ) k,
logo por (4.1) temos
γ 0 (t) = u01 (t) h1 e1 ,
então o deslocamento 4u1 é dado aproximadamente por
u01 (t) h1 4t e1 .
Procedendo de modo análogo com as curvas C2 e C3 , vemos que os deslocamentos 4u2 e
4u3 podem ser dados aproximadamente por
u02 (t) h2 4t e2 e u03 (t) h3 4t e3 .
190
CAPÍTULO 4. COORDENADAS CURVILÍNEAS
Concluimos que
4V =
e |u01 (t) h1 4t e1 .u02 (t) h2 4t e2 × u03 (t) h3 4t e3 | .
Se o sistema é ortogonal segue
4V =
e |u01 (t) 4t u02 (t) 4t u03 (t) 4t h1 h2 h3 | ,
ou usando a notação de Leibinitz
dV = du1 du2 du3 |h1 h2 h3 | .
Exemplo 4.6 O elemento de volume no sistema de coordenadas cilíndricas (ρ, θ, z) é
dV = ρdρdθdz.
Download

Capítulo 4 Coordenadas Curvilíneas