Mirian GALERIA ESTAÇÃO 2015 Mirian curadoria | Miguel Chaia abertura 05 de março 19h exposição 06 de março a 30 de abril 2015 No picadeiro, 1982 Óleo sobre madeira 22 x 50 cm Mirian Vilma Eid Conheci seu trabalho na década de 80. Sempre me referi a ela como Mirian. Só sentia que o trabalho me fascinava, emocionava! A temática, as cores, ora a sensualidade, ora a leveza, tudo prendia a minha respiração e me fazia perseguir as pinturas nos leilões quando apareciam à venda. Comecei a juntá-las aos poucos e na medida do possível. Nunca foi muito fácil encontrá-las disponíveis. Cheguei a ter muitas, e as mostrava com orgulho às pessoas sensíveis e preparadas para enxergar. Só não queria vender. Foram muitas saias justas... Havia pessoas que também se encantavam com as obras, e eu pedia desculpas e dizia: “Não estão à venda. Estou guardando para uma exposição”. E o dia da exposição nunca chegava. O problema era o meu ciúme! Percebi que gostaria de tê-las todas para mim, trancadas em casa ou na galeria, mas fora de olhares de cobiça. É demais, não é? Uma galerista que não quer vender... Às vezes as pessoas acham que é marketing de venda e não é. Quem me conhece bem sabe que não é mesmo. Sosseguei um pouco quando, em 2013, mudei para um espaçoso apartamento e para lá levei minha coleção particular. Da Mirian montei uma parede inteira. Acho que 3 são umas 25 ou 30 obras, que são apreciadas por quem frequenta a minha casa. Vocês acham muitas? Conheço colecionadores que têm 50, 80, até 100... Que inveja! Mas agora achei que não dava mais para deixá-la fora do alcance do grande público. Ela merece ser conhecida, apreciada, andar de casa em casa e percorrer outras paredes de pessoas que também se alegrarão convivendo com a sua pintura. O Miguel Chaia, nosso curador convidado, era um dos que não a conheciam. Viu-a na minha casa e apaixonou-se. O texto dele é o primeiro que conheço a dar luz ao trabalho da Mirian, ao fazer uma análise da sua obra. Espero que vocês concordem comigo e curtam tanto quanto eu. 4 Geni e o Homem do Zepelim - Chico Buarque, 1981 Óleo sobre madeira 29 x 40 cm 5 Sem título, 1981 Óleo sobre madeira 52 x 35 cm 6 Mirian: para além da pintura figurativa Miguel Chaia Mirian Inêz da Silva (1939-1996) desenvolveu uma trajetória marcada por algumas rupturas e tensões significativas que imprimem maior grau de interesse e de sofisticação à sua produção artística. Nascida em Trindade, Goiás, onde cursou a Escola Goiana de Artes Plásticas, migrou para o Rio de Janeiro e aí frequentou o curso de pintura de Ivan Serpa, realizado no Museu de Arte Moderna (MAM), em 1962-1963. Ela mudou de uma cultura popular do interior brasileiro, das festividades religiosas, mitos orais, ex-votos e folguedos infantis, para uma sociedade metropolitana, permeada pela cultura de massa da música, teatro, cinema e da história em quadrinhos. A artista iniciou a sua carreira como gravadora reconhecida imediatamente pelo circuito institucional, participando nessa condição da Bienal de São Paulo, nas edições de 1963 (VII Bienal) e 1967 (IX Bienal) e da 1ª e da 2ª Exposição da Jovem Gravura Nacional no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). Se Mirian se transfere de uma cultura popular para uma cultura de massa, em seguida deverá deslocar-se do ambiente noturno das gravuras para o meio solar das pinturas. As xilogravuras produzidas por ela nos anos 60 possuíam grande qualidade técnica, rigor no entalhe e uma adequação orgânica das formas às contingências da madeira. 7 O resultado justifica o seu reconhecimento no circuito das artes plásticas do país e no exterior. Com temas comuns, ligados à visualidade do cotidiano, como um cachorro, um automóvel, uma mulher na porta de casa, um barco e imagens de santos, a artista cria um universo soturno, no qual a predominância da cor preta com pequenos veios brancos produz um jogo dialético entre pausa e movimento. A forte influência expressionista, os traços decididos e o tratamento e controle da pouca luz lembram Oswaldo Goeldi. No início da sua trajetória, Mirian já estabelece um conflito ao dar uma expressão noturna ao que ocorre à luz do dia. A luz diurna é transmutada em escuridão. Também nas futuras pinturas deverão ocorrer outras tensões. Mirian abandona as xilogravuras no final dos anos 60 e, em 1970, realiza sua primeira mostra de pinturas na Loja Residência, no Rio de Janeiro. Assim como foi uma premiada gravadora, seu desempenho como pintora também é notável, tanto que em 1983, um momento profícuo da sua produção, fez uma exposição na Galeria Bonino, no Rio de Janeiro. Uma matéria do jornal O Popular, de Goiânia, do dia 20 de dezembro de 1983, afirma o seu destaque no cenário nacional e transcreve as opiniões da artista: “Para mim pintar é vida. Pinto o que amo e sinto no coração. O povo para mim, o Brasil são uma atração grande demais. Curto ouvir causos, música popular e o mais importante, estou muito com gente, mas não importa a escala social. Minha pintura deve muito aos grandes mestres que tive em Goiás. E, no Rio, o Ivan Serpa”. Esse depoimento permite destacar os temas tratados na sua pintura (e nas gravuras): aspectos da sociabilidade no meio rural e na cidade, a cultura popular, a cultura de massa e as representações religiosas e míticas. Volta-se ao que é vivo, festivo, pulsante e corriqueiro. Percebe-se na obra de Mirian a preocupação com uma certa brasilidade, buscada na natureza e na cultura. Em suas pinturas esses dois aspectos são representados pelas vegetações, pelo mar, pelos circos, festas e brincadeiras infantis. 8 Sem título, década de 1960 Xilogravura 22 x 50 cm Acervo particular Sem título, 1961 Xilogravura, edição 1/10 22 x 50 cm Acervo particular 9 Sem título, 1983 Óleo sobre madeira 34,5 x 50 cm 10 Ao passar da gravura para a pintura, Mirian recupera a luz solar, escondida que estava no escuro das suas xilogravuras. Nas suas pinturas de fundo branco, a pequena forma redonda e alaranjada do sol insiste em aparecer, com frequência. Há, inclusive, uma pintura na qual no lado esquerdo há uma lua crescente e no lado direito oposto, um sol luminoso. As suas pinturas apresentam-se em composições singelas e repetitivas, sobre madeira recortada, herança da xilogravura. Entretanto, essa aparente simplicidade merece análise, a partir de uma abordagem interna à obra. Não bastassem as tensões já anotadas, tanto na trajetória quanto na linguagem da artista, podem verificar-se novos conflitos, escondidos na superfície aparentemente calma das suas pinturas. De imediato, pode-se destacar uma tensão que se dá permanentemente nas suas pinturas, qual seja, a convivência entre uma ordem abstrata e geométrica e uma ordem figurativa. Todas as pinturas de Mirian possuem uma estrutura geométrica nas bordas do quadro (inferior, superior e laterais) e um amplo espaço branco disponível à narrativa no centro do quadro. Assim as pinturas são constituídas por duas ordens pictóricas, dois territórios visuais, que se encontram lado a lado, a abstração geométrica das bordas e o espaço branco para a elaboração figurativa. Nesse sentido, Mirian é mais do que uma artista figurativa, sendo conveniente enfatizar seu fazer geométrico sensível, próximo da arte concreta. (Dada a ênfase de Mirian ao mestre Ivan Serpa, cabe a indagação: a artista teria entrado em contato com os integrantes do Grupo Frente, que também frequentavam as aulas de Serpa?) Ao se constatar visualmente a presença dessas duas ordens simultâneas, desses dois movimentos de formas e cores, percebe-se que eles se complementam mu tuamente e, também, se distanciam, negam-se. Enquanto composição espacial, uma parte necessita da outra; enquanto discussão de linguagem, cada qual coloca problematizações específicas e diferenciadas. Nas pinturas de Mirian, esse conflito não se 11 12 Sem título, 1987 Óleo sobre madeira 29,5 x 41 cm ...de banana, 1998 Óleo sobre madeira 28 x 50 cm resolve, mas torna-se um elemento fundamental para compreender a particularidade e sofisticação estética dos seus trabalhos. As quatro faixas (que podem se desdobrar em outras, como se verá adiante) são livres de representação, significam por si só, mesmo que possam remeter à ideia de janelas, cortinas ou molduras. Mas, se fossem tais as equivalências das faixas, elas poderiam aparecer eventualmente. Existem algumas pinturas com cortinas encostadas nas faixas, diferenciando uma da outra. Então, as faixas não são equivalências, nem representações, são formas autônomas e permanentes que imprimem uma determinada estruturação da pintura, compondo a sua totalidade. Veja-se que as faixas não apenas são formalmente diferentes dos acontecimentos visuais do plano branco, mas, como grande colorista que é, a artista dá um tratamento de cor diferente para essas duas ordens estéticas. As faixas são feitas em cores escuras e tons baixos, enquanto as formas/figurações do plano branco possuem cores claras, vibrantes e brilhantes. Além do mais, as faixas atraem e retêm a luz das cores, enquanto as formas/figuras do plano branco emitem e expulsam a luz. Mirian está tratando de duas esferas distintas e opostas que estruturam conflituosamente os seus quadros. Para efeito de aproximações, percebe-se que a paleta de cores das faixas geométricas remete a Iberê Camargo, enquanto as cores utilizadas para a elaboração do plano figurativo – onde cores brilhantes contrastam com o fundo – lembram Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. Além do mais, Mirian parece retirar de Tarsila os volumes e traçados curvos e sintéticos utilizados para compor as suas vegetações, morros, nuvens e ondas do mar. Quando a narrativa no espaço branco ocorre em ambiente externo, Mirian coloca dois pequenos semicírculos azuis nos cantos superiores da pintura, simbolizando o céu. Dessa forma, algumas composições lembram um nicho ou uma arquitetura bi- 13 zantina que acolhe as personagens da narração. Cria-se, assim, devido às pequenas curvaturas, um ambiente de espiritualidade. Pode-se pensar o uso das faixas como um esforço construtivo para compor as pinturas, valorizando o plano e a ausência da perspectiva. Tanto as faixas quanto as figurações encontram-se no mesmo plano pictórico; são elaboradas com controle e com justa definição de fronteiras entre formas e cores. Por isso, sem a presença de um ponto de fuga, as imagens (desenhadas com aparente simplicidade) geralmente são frontais, como também são as faixas. Tão equivalentes são essas duas ordens e esses movimentos que, de imediato, apreendemos uma unidade baseada na geometria emanada das faixas, que impacta a ordem figurativa, tornando-a mínima e eliminando o naturalismo e o realismo nas pinturas. A especificidade da linguagem de Mirian caminha numa direção construtiva. Assim, pode-se afirmar a existência de uma unidade híbrida, de convivência entre diferentes, imprimindo particularidade à sua obra. A dimensão geométrica pode ser reforçada ao se observar que grande parte das pinturas de Mirian se faz por espaços horizontais sobrepostos. Ao se iniciar o olhar pela parte inferior da pintura, a primeira camada é sempre a faixa autônoma, em seguida geralmente pode ocorrer a faixa horizontal do chão/terra. Algumas vezes esta segunda faixa pode ser aquela que representa o mar ou o ar. Por fim, chega-se à ultima faixa, geralmente autônoma, e a sugestão do céu são os pequenos semicírculos azuis laterais. Diante da imobilidade das faixas e do fundo branco, nas cenas criadas pela artista os personagens estão sempre em ação. Mirian capta um momento de acontecimentos dinâmicos: passeios, festas, namoros, atos religiosos, danças, mesas de bar e espetáculos diversos. Há um certo aspecto trágico na constatação de que o movimento fugaz, passageiro, mutável, da dimensão figurativa ocorre junto a um mundo inflexível, rígido 14 e permanente da dimensão geométrica. Diferentemente da percepção visual de movimento que se verifica nos registros do cotidiano, nas cenas religiosas predomina a percepção de estabilidade. Na sociedade e na estrutura da pintura de Mirian existem conflitos agônicos, irredutíveis. Talvez se possa pensar que suas pinturas não expressam apenas a alegria de viver ou a celebração da vida. Por que não considerar, sob uma perspectiva trágica, que Mirian elabora sua transparente, vazada e flutuante figuração como um desejo de vida plena, na constatação ou suspeita de que estruturas fortes e permanentes podem ser obstáculos ou limites ao bom encaminhamento do que ocorre no cotidiano? Talvez por isso a recusa da perspectiva, do naturalismo e do realismo. Talvez por isso suas figuras geralmente flutuam no espaço branco. Talvez por isso seja necessário sair do cotidiano e buscar auxílio no religioso e no mítico – dar vida às sereias, reconhecer a possibilidade de voar ou planar no ar, buscar o prazer de uma mesa de bar ou de um jogo de cartas, equilibrar-se num fio ou em um cavalo a galope. Nas mitologias e na religião Mirian busca a saída para Ícaro continuar seu voo ou para Adão e Eva continuarem a sua peregrinação. A perda do paraíso pode ser pressentida em vários dos seus trabalhos. Tendo que situar-se entre diferentes conflitos, a obra de Mirian é permeada por alguns paradoxos. Um deles tem como centro a “mulher de vestido vermelho”. Assim como é numerosa a série de pinturas de cunho religioso (exemplar dessa temática é a pintura Cristo crucificado, em que este é ladeado por dois anjos, de 1981), também é destacável a questão do feminino. A artista, várias vezes, cruza os temas da religiosidade e da sensualidade, como ocorre nas pinturas que representam Adão e Eva, nus e sensuais, como mostra a pintura Adão e Eva (1992). Ou então a artista insiste no tema do encontro de casais (Gabriela e Nassif [1978] e Casal [1995]). Mas essa questão torna-se potente quando Mirian apresenta a mulher de vestido vermelho, ostensivamente 15 Nei Matogrosso, 1982 Óleo sobre madeira 40 x 25 cm 16 Dalva de Oliveira, 1981 Óleo sobre eucatex 52 x 35 cm presente em cenas de bar, danças e festejos. Veja-se a pintura Geni e o homem do Zepelim (1981), na qual a mulher de vestido vermelho coloca-se numa posição decidida e altiva, desafiadora e disposta ao enfrentamento contra o homem e a máquina. Esta questão do feminino, às vezes abordada com humor, perpassa inclusive os trabalhos com o tema das sereias. A postura, a sensualidade e o cenário que envolve a mulher de vestido vermelho são uma pista para aproximar as pinturas de Mirian aos recursos do teatro. A exposição da Galeria Bonino, em 1983, contou com várias pinturas que se referenciam pelo teatro: Eles não usam black-tie, Gabriela, cravo e canela, Teatrinho azul e O circo voador. Além do mais, Mirian produziu várias pinturas focando cantores populares da música brasileira, como Dalva de Oliveira, Elba Ramalho, Gal Costa, Ney Matogrosso (em representações bastante sensuais) e Chico Buarque (em postura intelectual). A aproximação entre os trabalhos de Mirian e o teatro pode ser reforçada, ainda, ao se observar que as faces das figuras pintadas pela artista parecem máscaras teatrais. Seres humanos e animais portam uma máscara congelada e repetida, com muita maquiagem, bochechas rosadas e lábios destacados. Suas pinturas apresentam o mundo acontecendo em uma boca de cena. A ação figurativa dada no espaço branco e luminoso não é real, mas sim uma representação possível. O clima é onírico, flutuante e lúdico – tudo é desejo buscando expressão visual. Temos, então, um paradoxo brechtiano: Mirian não quer nos enganar com suas pinturas, elas são alegorias e não pretendem ser nem realistas nem naturalistas. A partir do conflito entre ordem abstrata geométrica e ordem figurativa, a obra de Mirian pode ser entendida como uma dimensão intermediária para se pensar a arte e a vida. Suas pinturas permitem problematizar a linguagem na arte e, simultaneamente, passar a visão de uma observadora da vida das pessoas e da sociedade brasileira. 17 Sem título, 1982 Óleo sobre madeira 29 x 50,5 cm 18 Sem título, 1982 Óleo sobre madeira 24 x 36 cm Sem título, 1982 Óleo sobre madeira 26 x 40 cm 20 Sem título, 1993 Óleo sobre madeira 28 x 40 cm Sem título, 1993 Óleo sobre madeira 28 x 40 cm 21 Sem título, 1981 Óleo sobre madeira 30 x 40 cm 22 Passeando eu vou, meu amor leva, 1984 Óleo sobre madeira 52 x 35 cm 23 24 Cal sublime, 1980 Óleo sobre eucatex 42 x 32 cm Sem título, 1981 Óleo sobre madeira 52 x 35 cm Sem título, 1978 Óleo sobre madeira 36 x 21 cm 25 Adão e Eva, 1992 Óleo sobre madeira 30 x 40 cm 26 Sem título, 1987 Óleo sobre madeira 25 x 35 cm 27 Salve a Folia de Reis, a Rainha e as Pastorinhas, 1982 Óleo sobre madeira 29 x 40 cm 28 Sem título, 1981 Óleo sobre madeira 30 x 57 cm 29 Sem título, 1983 Óleo sobre madeira 31 x 50 cm 30 Sem título, 1994 Óleo sobre madeira 40 x 90 cm 31 MIRIAN Sem título, 1975 Óleo sobre madeira 25,5 x 21,5 cm Vilma Eid I first got to know her work back in the 1980s. I have always referred to her as Mirian. All I could feel was that her work fascinated me, bowled me over with emotion! The themes, the colours, sometimes the sensual element, other times the lightness of style, everything took my breath away and made me hunt for the paintings at auctions, whenever the paintings came up for sale. I slowly started to amass these works, as much as possible. It has never been easy to find them available on the market. I got to have many of them, and would proudly show them off to those sensitive people who were ready to look. But I didn’t want to sell them. I got into a sticky wicket many times... There were people who were also captivated by the works, so I had to apologise; I would say: “They are not for sale. I am keeping them for an exhibition” – yet the day of the exhibition never arrived. The problem was the intensity of my jealousy! I realised that I would like to have them all to myself, locked in my home or at the art gallery, but away from greedy eyes. That’s the end, don’t you think? An art gallery owner who does not want to sell... Sometimes people think this is a marketing pitch for sales, but it is not. Those who know me well know that this is really not the case. I calmed down somewhat when, in 2013, I moved into a spacious apartment and took my private collection with me. I bedecked a whole wall with Mirian’s works. I believe there must be between 25 and 30 works in all, all of which are very much admired by anyone who visits my home. You think this is a lot? Well, I know some collectors who have 50, 80 or even 100 of these works... What envy! However, now I feel that it is no longer possible to keep this collection of works out of the reach of the mainstream public. This artist deserves to be known and also appreciated, and it should be possible to go from one house to another and travel along other walls of people who shall also rejoice in coexistence with her painting. Miguel Chaia, our guest curator, was one of the people who were not aware of this artist and her work. He saw some works at my home and fell in love. His text is the very first I know to have brought Mirian’s work to light, by embarking on an analysis of her work. I hope you agree with me, and that you enjoy the exhibition of her work as much as I have. Mirian: beyond figurative painting Miguel Chaia Mirian Inêz da Silva de Cerqueira (1939-1996) developed a career path which has been marked by some ruptures and significant tense situations, which have imprinted greater interest and sophistication upon her artistic work. Born in the city of Trindade, in the Brazilian State of Goiás, where she studied at the local art school, the Escola Goiana de Artes Plásticas, she later relocated to Rio de Janeiro where she took part in the course given by Ivan Serpa, at the local museum of modern art, the Museu de Arte Moderna (MAM), in 1962 and 1963. She thus moved from a popular culture of the Brazilian countryside, with its religious festivities, oral myths, ex-votos (offerings to a church in exchange for a vow) and children’s folk dances and songs, over to a metropolitan society permeated by a mass culture based on music, theatre, cinema and comic strips. The artist started her career as an engraver immediately acclaimed by the institutional circuit, and as such she participated in the São Paulo Biennial Exhibition (Bienal) of 1963 (the VII Bienal) also in 1967 (IX Bienal), and also the 1st and 2nd Exhibition of Young National Engravings (Exposição da Jovem Gravura Nacional) at the Contemporary Art Museum of the University of São Paulo (MAC-USP). If Mirian moves from a popular culture to a mass culture, next she shall also move from the night-time environment of engravings to the sunlit environment of paintings. The wood cuttings that she produced in the 1960s had significant technical quality, strictness when carving and also an organic suitability of the shapes, in line with the contingencies of wood. The results well justify the acclaim with which she has been received on the circuit of plastic arts both in Brazil and abroad. Based on common themes, linked to the visual appeal of daily objects such as a dog, a car, a woman outside her home, a boat, and images of Catholic saints, the artist has managed to create a gloomy universe in which the predominance of black, with small streaks of white, produces a dialectic game between pauses and movement. The strong Expressionist influence, the firm strokes, and also the treatment and control of scarce light reminds one of Oswaldo Goeldi. When she started out, Mirian already established a conflict by imparting a nocturnal expression upon things that occur by day. Daylight is therefore transmuted into darkness. Indeed, other tense clashes shall occur in future paintings. Mirian gives up woodcuttings at the end of the 1960s and then, in 1970, she organises her first painting exhibition at Loja Residência, in Rio de Janeiro. In the same way that she was a famous engraver, her performance as a painter is also quite impressive, so much so that, in 1983, at a particularly proficuous moment in her artistic production, she got to run an exhibition at the Bonino Art Gallery, also in Rio de Janeiro. An article in the O Popular newspaper from Goiânia, capital of the state of Goiás, on 20 December 1983, brings out her prominence on the national scene and also transcribes the artist’s own opinions: “For me, painting is my life. I paint what I love, and also what I feel in my heart. For me, the Brazilian people, and Brazil itself, are a very big attraction indeed. I like to listen to anecdotes, popular music and, even more importantly, I spend a lot of time with people, regardless of the social scale. My painting owes a lot to the great masters that I have had in the state of Goiás, and also Ivan Serpa in Rio de Janeiro”. This statement allows the highlighting of the issues addressed in her painting (and also in the woodcuttings): aspects of sociability in both rural and urban settings; mass culture; and also religious and mythical representations. The paintings take us back to what is lively, festive, pulsating and commonplace. In Mirian’s work one can envisage a concern with a certain degree of Brazilianity, sought in nature and also in culture. In her paintings, these two aspects are typically represented by vegetation, by the sea, by circuses, festivities and children’s play and joking activities. On moving over from engravings to paintings, Mirian recovers sunlight, which had been hidden by the darkness of her woodcuttings. In her paintings on a white background, the small orange disc, the sun, makes a point of often appearing. There is even a painting in which, on the left-hand side, there is a crescent moon and, on the right-hand side opposite, a luminous sun. Her paintings are shown in single and also repetitive compositions, on carved wood, this being heritage from her woodcutting days. However, this apparent simplicity also warrants analysis based on an approach internal to the work. If the tense situations already annotated were not enough, both along the path and in the language of the artist one can see new situations of conflict, hidden on the apparently calm surface of their paintings. 31 One can immediately highlight tension which is always present in her paintings, which is the coexistence between an abstract and geometric order, on the one hand, and a figurative order, on the other. All Mirian’s paintings have geometric structure along the edges of the painting (lower, upper and also at the sides) and also plenty of white space available for the narrative, in the centre of the picture. This means that the paintings comprise two distinct pictorial orders, two visual territories, which go side by side; the geometrical abstraction of the edges and the white space for figurative elaboration. In this sense, Mirian is more than just a figurative artist, and here it is convenient to stress her sensitive geometrical construction, close to concrete art. (Considering the emphasis that Mirian has given to her master Ivan Serpa, a question is appropriate here: could the artist also have had contact with the members of the Grupo Frente, that also attended Mr Serpa’s lessons? On visually confirming the presence of these two simultaneous orders, of these two movements involving shapes and colours, we see that these mutually complete each other, while at the same time they deny each other, and move apart. As a spatial composition, one part needs the other; however, as a discussion of language, each one brings its own specific and different problematisations. In Mirian’s paintings, this conflict is not solved, but becomes an essential element in order to understand the particularities and the aesthetic sophistication of her works. The four bands (which can unfold to create others, as we shall see later) are free of representations and have their own significances, even though this could lead to the concept of windows, curtains or frames. However, if these were the equivalences between the different bands, they could occasionally appear. There are some paintings with curtains lying against the bands, distinguishing between them. This means that the bands are not equivalences or representations, but rather autonomous and permanent forms that impart a certain structure of painting, thereby creating the whole. We can see that the bands are not only formally different from the visual events of the white plane, but also that, as the great colourist that she is, the artist gives different colour treatments to these two aesthetic orders. The bands are in dark colours and low tones, while the shapes and the appearances of the white plane have light, vibrant and shiny colours. In addition, the bands attract and 34 retain the colours’ light, whereas the forms/figures of the white plane emit and repel light. Mirian is dealing with two spheres, distinct and opposite, that structure the pictures in a conflictuous manner. For purposes of approximations, we see that the palette of colours of the geometrical bands allude to the works of Iberê Camargo, while the colours used for the figurative plane – where bright colours contrast with the background – remind us of those two great Brazilian painters, Anita Malfatti and Tarsila do Amaral. In addition, Mirian seems to take from Tarsila the volumes and the curved and synthetic strokes used to create the mountains, vegetation, clouds and sea waves present in Mirian’s works. When the narrative of the white space occurs externally, Mirian places two small blue semicircles at the top corners of the painting, representing the sky. In this way, some compositions remember a niche or a type of Byzantine architecture that shelters the characters of the narrative. In this way, due to the small curvatures, an environment of spirituality is created. One can see the use of bands as a constructive effort to put the paintings together, giving value to the plane and to the lack of perspective. Both the bands and the elements of the painting are within the same pictorial plane; they are all created with control and also with the exact definition of the borders between shapes and colours. For this reason, without the presence of an escape point, the images (drawn with apparent simplicity) are normally frontal, as also are the bands. These two orders and these movements are so equivalent that we soon take in a unit based on the geometry of the bands, which have an impact on figurative order, making this minimum and also doing away with naturalism and realism as an element of painting. The specificity of Mirian’s language progresses in a constructive direction. We can therefore state that there is a hybrid unit, with coexistence between different elements, imprinting particularity upon her works. The geometrical dimension can be reinforced on noting that many of Mirian’s paintings are created based on superimposed horizontal spaces. On starting observation with the lower part of the painting, the first layer is always the autonomous band, and then normally there can be the horizontal band of the floor/or earth. Sometimes this second band can also be the one that represents the sea or the air. Finally, we arrive at the last band, which is normally autonomous, and the sky is suggested by the small blue semicircles at the sides. Faced with the immobility of the bands and the white background, in the scenes that the artist has created the characters are always in action. Mirian captures a moment where dynamic events unfold: trips, parties, relationships, religious acts, dancing, bar tables, and a variety of shows. There is a certain element of tragedy in the confirmation that the passing, mutable and fleeting movement of the figurative element occurs together with an inflexible, rigid and permanent world of the geometric dimension. Different from the visual perception of movement that can be seen in daily records, in the religious scenes we can see that a perception of stability prevails. In the society and in the structure behind Mirian’s painting there are irreducible and agonic conflicts. Maybe one can think that her paintings do not portray just the happiness of life or the celebration of life. Why not consider, from a tragic perspective, that Mirian creates her transparent, hollow and floating figuration, like a desire for full life, in the confirmation or suspicion that strong and permanent structures may be obstacles or limits to the good transmission of what occurs in daily life? Maybe for this reason there has been the rejection of perspective, naturalism and realism. Maybe this is also why her figures normally float in the white background. This could be why it is necessary to move away from daily activities and seek help in the religious or mythical spheres – bringing mermaids to life, accepting the possibility of flying or gliding in the air, seeking the pleasures of a bar table or a game of cards, balance on a wire or on a galloping horse. In mythologies and religion, Mirian seeks an exit so that Icarus may continue his flight or so that Adam and Eve may proceed with their pilgrimage. The loss of paradise is an element that can be felt in many of her works. Having to establish a position among different conflicts, Mirian’s work is also permeated by some paradoxes. One of them is centred on the “woman in the red dress”. As there are many pictures with a religious content (one example of this theme is the painting Crucified Christ, where Christ is accompanied by two angels, from 1981), the issue of the feminine can also be highlighted. Many times the artist intertwines the issues of religiousness and sensuality, as in the paintings depicting Adam and Eve, nude and sensual, as shown in the painting Adam and Eve (1992). The artist also insists on the issue of the meeting of couples, as in Gabriela and Nassif (1978) and Casal (1995). However, this issue becomes much stronger when Mirian presents the woman in the red dress, ostentatiously present in bar scenes, dancing scenes and festivities. For example, take a look at Mirian’s work Geni and the Zeppelin man (1981), in which the woman in the red dress takes up a decided, proud, and challenging position, willing to tackle man and machine. This issue of the feminine, which is often approached with a touch of humour, also passes through the work with the mermaid theme. The posture, the sensuality and the scene involving the woman in the red dress are a hint to bring Mirian’s paintings closer to theatrical resources. The exhibition at the Bonino Gallery, in 1983, included several paintings with theatrical references: They don’t use black tie, Gabriela clove and cinnamon, Little blue theatre and The flying circus. In addition, Mirian has produced several paintings depicting popular Brazilian singers, such as Dalva de Oliveira, Elba Ramalho, Gal Costa, Ney Matogrosso (in highly sensual ways) and Chico Buarque (in an intellectual manner). The closeness between Mirian’s works and the theatre is further strengthened on noticing that the faces of the figures painted by the artist look like theatrical masks. Human beings and animals bring a frozen and repetitive mask, with a lot of makeup, rosy cheeks, and prominent lips. Her paintings also show the world, happening at the front of a stage. The figurative action given in the white and luminous space is not real, but rather a possible representation. The climate is oneiric, floating and playful – everything is desire, in a quest for visual expression. This means that we have a Brechtian paradox: Mirian does not want to mislead us with her paintings, as they are allegories and do not intent to be realist or naturalist. Starting out from the conflict between the abstract geometric order and the figurative order, Mirian’s work can be understood as an intermediate dimension so that one can think about art and also about life. Her paintings allow the establishment of a problem regarding language within art and, at the same time, transmit the vision of someone observing the daily lives of people and of Brazilian society. 35 Mirian 2014 Galeria Estação Diretores Vilma Eid Roberto Eid Philipp Curadoria Miguel Chaia Textos Miguel Chaia Vilma Eid Produção e desenho gráfico Germana Monte-Mór Secretaria de produção Giselli Mendonça Gumiero Rodrigo Casagrande Fotos Germana Monte-Mór Revisão de texto Otacílio Nunes Versão de textos para o inglês Paul Willian Dixon Impressão da xilogravuras Fabrício Lopes Assessoria de imprensa Pool de Comunicação Impressão e acabamento Lis Gráfica Capa Entrem! Circo Piolim, 1981 Óleo sobre madeira 30 x 40 cm Folha de rosto Sem título, 1971 Óleo sobre madeira 20 x 26,5 cm Sem título, 1983 Óleo sobre madeira 30 x 40 cm Sem título, 1970 Óleo sobre madeira 18,5 x 30 cm Fotos da artista, acervo da família Montagem Carlos Eduardo Pimentel Agradecimentos Sofia Cerqueira, Ladis Biezus e Diógenes Paixão rua Ferreira de Araujo 625 Pinheiros SP 05428001 fone 11 3813 7253 www.galeriaestacao.com.br Mirian GALERIA ESTAÇÃO 2015