Nova Iorque – De Topos a Utopos 3 Centro de Estudos de Comunicação e Cultura Nova Iorque De Topos a Utopos coordenação Universidade Católica Editora M. Laura Bettencourt Pires Vitor Amaral de Oliveira Nova Iorque – De Topos a Utopos 5 Índice Palavras Prévias 7 Comissão Redactorial Introdução 9 Maria Laura Bettencourt Pires I – História Nova Iorque – De Pequeno Entreposto a Grande Centro Urbano 15 Raúl Filipe A Aldeia Global e a Supremacia Anglo-Saxónica 31 Álvaro Martins II – Cinema A Representação do Empire State Building em Love Affairs e Sleepless in Seattle 43 João Chaves III – Música Camille Saint-Saëns in New York – Looking Back a Hundred Years On 57 David Cranmer A Música Latina, a Salsa e Nova Iorque 65 Klemens Detering Dom Sébastien, Roi de Portugal de Scribe/Donizetti no Carnegie Hall 85 Vitor Amaral de Oliveira IV – Comunicação Social A Nova Iorque de The New Yorker 103 Alice Donat Trindade Jacob Riis, How the Other Half Lives: a Fotografia ao Serviço da Homilia Alice Donat Trindade 111 6 Índice V – Feminismo Nova Iorque e a Luta pelos Direitos das Mulheres 121 Maria Laura Bettencourt Pires VI – Literatura Whitmanian Cityscaping: Escapes to or from the City? 133 Lara Duarte Nova Iorque de 1930 – Uma Visão Europeia 145 Vitor Amaral de Oliveira Nova Iorque – Lugar de Exílio 157 Klemens Detering Ulisses em Nova Iorque – Heróis Nova-Iorquinos em Walt Whitman 171 Lara Duarte VII – Estudos Culturais Os Intelectuais de Nova Iorque 193 Maria Laura Bettencourt Pires Harlem Renaissance – Da Utopia à Realidade 205 Natalina Silva Domingues Central Park – A Arte na Natureza numa Selva de Betão 219 Raúl Filipe Em Nome da Liberdade – Facetas de uma Inextricável Dialéctica 239 Ana Paula Machado Considerações Finais M. Laura Bettencourt Pires 253 Nova Iorque – De Topos a Utopos 7 Palavras Prévias Esta obra contém os textos das comunicações apresentadas em dois Colóquios organizados pela Linha de Investigação "Nova Iorque – De Topos a Utopos" e apresentados na Universidade Católica Portuguesa, respectivamente, em 21 de Junho de 2006 e em 14 de Dezembro de 2007. A Linha era coordenada por Maria Laura Bettencourt Pires e estava integrada no Centro de Estudos de Cultura, Línguas e Literatura que, posteriormente, veio a ser o actual Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC). A Comissão Redactorial, constituída pela Coordenadora e por Vitor Amaral de Oliveira, após algum debate sobre a estrutura organizativa do volume, a fim de lhe dar unidade e realçar o trabalho realizado pelos investigadores, decidiu ordenar as comunicações tematicamente não mantendo, por isso, a ordem da sua apresentação em cada encontro. Os temas tratados vão da história ao espaço de fixação das populações, às manifestações artísticas, como literatura, música, arte, à comunicação social, cinema, feminismo e às lutas culturais e políticas. Devido ao facto de muitos investigadores terem apresentado comunicações nos dois colóquios sobre o mesmo tema, em alguns casos, os seus nomes surgem duas vezes sob a rubrica desse tópico. Os textos das comunicações foram agora revistos, sendo de lamentar que alguns deles não possam ser acompanhados pelas belíssimas imagens que os ilustraram nas apresentações orais. O tema genérico do volume é, obviamente Nova Iorque, tendo a cidade – tal como merece – sido tratada, tanto nas investigações feitas ao longo dos anos de duração da Linha de Investigação como nos Colóquios, como um local de representação e um espaço urbano de sociabilidade que proporciona o potencial de uma vida pública aberta construída com base nos valores da diversidade, urbanidade e experiência cultural. Foram feitas referências à multidão urbana, tal como foi descrita por Baudelaire e Walter Benjamin, e ao espaço público urbano, esperando-se que a leitura destes textos tão variados dêem aos leitores a sensação de vaguearem livremente pela ruas de Nova Iorque imersos no conjunto dos seus habitantes e na vida excitante inerente à mistura de culturas. Com efeito, poucas cidades como Nova Iorque têm tantos espaços públicos que favorecem a vida cosmopolita e proporcionam a possibilidade de se desenvolverem formas de sociabilidade baseada na tolerância. É inegável, contudo, que a cidade, apesar da sua grande dinâmica, segundo alguns, é ainda um mosaico de monoculturas e as suas torres altas (que se podem considerar a sua assinatura imediatamente identificável) são verdadeiras cidadelas de 8 Palavras Prévias negócio, havendo nela, ainda, vários enclaves de identidade mista e grupos de excluídos, como, por exemplo, os sem-abrigo. É também verdade que "The big Apple" pode ser designada como uma "cidade informacional" que é um elemento chave para a globalização, como nos diz Castells, ou como uma cidade global com uma hiperconcentração de infra-estruturas. Porém, quando se estuda a cidade, como fizemos ao longo das nossas investigações, não podemos deixar de mencionar o eclectismo, a diversidade de vozes, ou, em resumo, o valor do lugar. Tal como nos diz Richard Sennett (1999) em palavras que se aplicam bem a Nova Iorque – sobretudo depois do 11 de Setembro – o sentido do lugar aumenta com as mudanças na economia. A ideia de pertença a um lugar concreto intensifica-se à medida que as instituições económicas fazem diminuir a experiência de pertencer a um local de trabalho. É evidente, e contagioso para quem lá vive algum tempo, o empenhamento dos nova-iorquinos em estarem ligados à sua bela cidade, que vêem cada vez mais como um refúgio contra o mundo hostil e que lhes oferece algum alívio dos fardos da sua vida pessoal, encontrando também conforto na identidade partilhada. Um dos clichés usados em relação à vida citadina – e em especial a Nova Iorque, com a sua confusão, loucura e permanente surpresa, que aliás a tornam tão estimulante – é a impessoalidade. Porém, quem assim a critica parece esquecer que essa característica, tal como já nos disse Aragon em relação às cidades do século XIX, serve de antídoto à perda da identidade pessoal e que a vida na cidade nos dá a possibilidade de desenvolvermos o que já foi designado como força do ego desenvolvida justamente pela distância. Para tal, contribui a cultura citadina, a sua urbanidade, diversidade e a espessa textura da sua experiência assim como o facto de ser um sistema aberto, um local onde lealdades, empenhamentos mútuos e até o exercício da soberania se podem desenvolver. Nova Iorque pode caracterizar-se pelo vigor e imaginação da sua intensa dinâmica cultural assim como pelo pluralismo étnico, pelas complexidades híbridas, pelo ambiente construído pela energia de diferentes vozes que procuram criar uma cidade onde há interacção e diálogo, tolerância e optimismo. Todos os investigadores da Linha de Acção "Nova Iorque: De Topos a Utopos" procuraram, através dos seus estudos – cujos resultados apresentaram nos dois Colóquios e agora são incluídos neste volume – representá-la nos seus mais variados aspectos como um espaço urbano sofisticado e estimulante, como um "mundo de sonho e fantasmagoria" de que nos falou Walter Benjamin. M. Laura Bettencourt Pires Vitor Amaral de Oliveira Nova Iorque – De Topos a Utopos 9 Introdução MARIA LAURA BETTENCOURT PIRES CECC/Faculdade de Ciências Humanas – UCP Ao organizar os dois encontros em que foram apresentadas as comunicações que agora publicamos, o nosso objectivo era tornar públicos os resultados das investigações feitas no âmbito do projecto "Nova Iorque – De Topos a Utopos" do Centro de Estudos de Cultura, Línguas e Literaturas. Ao longo dos nossos trabalhos identificámos alguns dos temas chave que fazem parte da parte da história de Nova Iorque e, nos colóquios, fizemos em conjunto uma viagem pela cidade tendo vários guias que, entre outros assuntos, falaram do desenvolvimento da cidade fundada pelos Holandeses apenas como um entreposto comercial, a que chamaram New Amsterdam, fomos também à New York dos Ingleses, uma colónia que foi oferecida como uma prenda de aniversário ao Duque de York pelo seu irmão, o rei Charles; e que, pouco depois, se tornou num local estrategicamente essencial na Revolução Americana; e por fim passeámos pela cidade de Nova Iorque: a primeira capital da nação e o local destinado a definir a vida urbana na América e até alguns dos ideais americanos, como a igualdade de direitos. Neste percurso, fomos levados pela mão dos nossos guias a apreciar como, quando já estabelecida como o mais importante porto da América, New York City cresceu até se tornar na maior metrópole industrial da nação à medida que uma onda de imigração alemã e irlandesa transformava a cidade num dos mais complexos ambientes urbanos do mundo, facto que provocou inúmeros novos problemas sociais. Foram também feitas referências aos artistas da cidade e aos que contribuíram para a sua inovação, como o poeta Walt Whitman e Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux (os arquitectos paisagistas de Central Park). Através das apresentações, esperámos conseguir transmitir um pouco do brilho e do encantamento de Nova Iorque e ver como a cidade que nunca dorme expandiu dramaticamente os seus limites, anexando Brooklyn, Queens, Bronx e Staten Island, transformando-se na Greater New York. Nas referências à área da arquitectura, falámos, obviamente, do nascimento dos arranha-céus, que surgiram na sequência das extraordinárias ondas de imigração. A este propósito, basta pensarmos que, numa só geração, 10 Introdução chegaram a Nova Iorque cerca de 10 milhões de imigrantes. Neste âmbito, são de mencionar o boom económico do pós-guerra, o surgimento da cultura do consumismo e o nascimento das indústrias de comunicação, que alimentam a convergência de uma incrível colecção de energias humanas e culturais patentes na construção do Empire State Building e atingindo assim os níveis mais altos de excitação e sofisticação urbana, e, acompanhando as palavras de outro guia, vimos como este edifício foi representado no cinema. Durante a viagem, estiveram, evidentemente, presentes no nosso espírito as criações artísticas de F. Scott Fitzgerald, como The Great Gatsby, de George Gershwin, como a "Rhapsody in Blue," e o jazz de Duke Ellington e Louis Armstrong e, neste campo, ouvimos falar de Nova Iorque como fonte de inspiração para músicos europeus do século XIX e da actual voga da música latina. No nosso percurso, vimos também como a cidade foi descrita por um visitante francês e como Harlem emergiu como a capital da experiência intelectual e artística dos Africano-Americanos. E, a propósito da forma como revistas, como The New Yorker, se instalaram em Manhattan, tivemos um guia para nos falar de jornalismo. Ao contrário do que tinha pensado, na minha função de guia não fiz referências aos acontecimentos dramáticos do 11 de Setembro, a que se seguiu uma grande depressão económica que mergulhou a cidade e a nação em imensa tristeza e durante a qual Nova Iorque se viu confrontada com problemas urbanos de proporções sem precedentes e demonstrou a sua capacidade de se recompor miraculosamente, explorando todas as suas forças sociais e económicas. Em vez do passeio inicialmente planeado pelo World Trade Center, a fim de homenagear um dos nossos investigadores convidados, o Prof. René Garay da Universidade de Nova Iorque, que faleceu recentemente e que, além de ser um apaixonado pela sua cidade, era um especialista na área dos estudos sobre as mulheres, conduzi a assistência até à Nova Iorque oitocentista e aí vimos como se processou a luta das Americanas pelos seus direitos. Para terminar a nossa viagem, tivemos a oportunidade de ouvir Blues e ver excertos de filmes sobre a cidade e os guias que nos acompanharam nessas digressões foram seis dos meus alunos de cultura americana, a quem agradeço terem aceitado o meu convite. Espero que os leitores deste volume apreciem a nossa excursão por Nova Iorque em que procurámos ir "De Topos a Utopos". O tema do nosso segundo encontro, que encerrou a actividade da Linha de Investigação "Nova Iorque – De Topos a Utopos", continuou obviamente Nova Iorque – De Topos a Utopos 11 a ser "New York, that most fascinating, difficult, and exciting metropolis". Investigámos, e no 1.º Encontro falámos já muito, sobre o que foi designado como "o mito de Nova Iorque" mas todos reconhecemos que muito ficou por dizer e que, a seguir a este, poderíamos ainda ter vários outros encontros sobre o mesmo tópico. Na verdade, "a cidade da Arte e da Literatura" sobre que incidiu a nossa investigação desde 2006, ao longo do tempo, tal como sucedeu com o nosso grupo de investigadores, tem cativado a imaginação dos maiores escritores, como, por exemplo, os nova-iorquinos Walt Whitman e Henry James. Pode considerar-se mesmo que, desde que o seu porto foi descoberto, em 1524, são múltiplas as descrições entusiasmadas de quem a visitou ou nela viveu. Inúmeros artistas têm tentado captar todo o seu brilho e também as suas sombras, como Charles Dickens – ao relatar o movimento e a azáfama de Broadway – ou Edith Wharton, em The Age of Innocence e, utilizando o meio da fotogravura, o fotógrafo Alfred Stieglitz. Ao fazer a história cultural de Nova Iorque, poderíamos também referir que serviu de campo de batalha, entre 1833 e 1857, entre Edgar Allan Poe e Melville, devido a rivalidades entre os respectivos editores. Mais tarde, no período de alegria e optimismo que se seguiu ao fim da I Guerra, a cidade brilhou numa nova era de criatividade na cultura americana em que se destacou a influência do grupo que, ao longo de uma década, almoçava diariamente no conhecido Algonquin Hotel, facto que, aliás, fez com que ficasse conhecido como Algonquin Round Table. Considerando a área da literatura e da arte, poderíamos citar uma lista que vai desde os boémios de Greenwich Village, ao grupo de intelectuais e artistas africano-americanos, que, em Harlem, iniciou o movimento denominado Harlem Renaissance e produziu obras notáveis no campo da pintura, da música e da literatura, e incluía nomes como Zora Neale Hurston, e referir a Beat Generation e Paul Auster e a comunidade multicultural que, nos nossos dias, se reúne no Nuyorican Poets Cafe, na 3rd Street, para promover poesia, música, vídeo, artes visuais e teatro. Na nossa Linha de investigação, vimos a cidade através de um caleidoscópio literário que nos levou desde Emerson, que viveu em Staten Island quando era Juiz em Richmond County, até Scott Fitzgerald que, além de também ter vivido e trabalhado em New York City, fez da cidade o pano de fundo da sua mais famosa obra, The Great Gatsby. Procurámos também – cada um através do seu projecto individual – debruçar-nos sobre as diversas relações culturais, étnicas e sociais que contribuem para que viver em Nova Iorque seja uma experiência inolvidável. 12 Introdução Falámos da famosa "tall architecture" mas, além dos arranha-céus, referimos as construções culturais, como os museus Guggenheim e MoMA, recordando que, de todas as cidades americanas, Nova Iorque é a que tem mais arquitectura de qualidade e muitos dos seus edifícios são considerados como únicos na história da arquitectura mundial, como os de Frank Lloyd Wright (Guggenheim Museum) e Mies van der Rohe (Seagram Building). Nesta área, uma das nossas investigações incidiu também sobre a construção, destruição e reconstrução do World Trade Center. Em relação aos nossos dias, referimos os conflitos e as contradições que emergem da globalização e da migração transnacional, e o papel da comunicação social e dos jornalistas, e a este propósito, recuando no tempo, lembrámos Manhattan Transfer, da autoria do Luso-descendente John Dos Passos, que é considerada a sua "New York novel", escrita em 1925, e que descreve a cidade em toda a sua inquietação e dureza assim como na sua diversidade social, étnica e cultural e que refere a admiração, fascínio e por vezes desapontamento dos visitantes que tentam harmonizar as suas experiências reais com a imagem de New York que construíram antes de lá chegarem. Dado o tema do nosso estudo e a relação entre a cidade e o teatro, era inevitável referirmo-nos à sua actividade teatral, que data do século XVIII e inclui os espectáculos na New York City Opera, na Broadway, off-broadway e off-off broadway. Verificámos então que alguns de nós tinham assistido em Central Park às famosas representações de "Shakespeare in the Park" que consideravam inesquecíveis, lembrando-nos que muitos actores conhecidos, como Morgan Freeman, Meryl Streep e Denzel Washington ali tinham actuado. Considerando a importância de New York City no mundo musical, outro dos tópicos tratados, tanto no 1.º como no 2.º Encontro, foi a música. Com efeito, dada a cultura da cidade que é habitada por representantes de todos os países do mundo, nela encontramos, além de jazz, rock e blues, salsa e hip hop, assim como a conhecida "Irish – American music" e o klezmer dos judeus. Todos os investigadores, ao longo dos dois Colóquios, através das suas comunicações, comprovaram amplamente a veracidade da afirmação de Tom Wolfe, que passo a citar "One belongs to New York instantly, one belongs to it as much in five minutes as in five years".