ESTUDO DE NASCENTES: SUBSÍDIO A POLÍTICAS DE GESTÃO DA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO CAETÉ NO SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA SOARES Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, como parte das exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais para obtenção do título de Mestre. CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL 2009 2 JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA SOARES ESTUDO DE NASCENTES: SUBSÍDIO A POLÍTICAS DE GESTÃO DA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO CAETÉ NO SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO Dissertação apresentada à Universidade do Estado de Mato Grosso, como parte das exigências do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr(a) Célia Alves de Souza CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL 2009 3 Soares, José Carlos de Oliveira. Estudo de nascentes: subsídio à políticas de gestão da sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté no sudoeste do Estado de Mato GrossoBrasil / José Carlos de Oliveira Soares – Cáceres/MT: UNEMAT, 2009. 105 f.; il. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado de Mato Grosso. Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, 2009. Orientadora: Célia Alves de Souza 1. Nascentes 2. Bacia hidrográfica 3. Recursos Hídricos 4.Córrego Caeté / MT I. Título CDU: 556.51 (817.2) Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Regional de Cáceres JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA SOARES ESTUDO DE NASCENTES: SUBSÍDIO A POLÍTICAS DE GESTÃO DA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO CAETÉ NO SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO Essa dissertação foi julgada e aprovada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Ciências Ambientais. Cáceres, 04 de março de 2009. Banca examinadora ---------------------------------------Prof. Drª Marcela Bianchessi da Cunha Santino Universidade Federal de São Carlos - UFSCar -------------------------------------------Prof. Drª Maria Aparecida Pierangeli Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT -----------------------------------------Prof. Drª Célia Alves de Souza Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT (Orientadora) CÁCERES MATO GROSSO, BRASIL 2009 4 DEDICATÓRIA Aos meus pais Faustino Soares e Ana Marcelina de Oliveira Soares que, pela humildade, mesmo sem entenderem quão grande significa este momento em minha vida, sorriem felizes ao verem a minha felicidade! 5 AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, pela vida e tudo que criaste para dar sentido à ela. Á Universidade do Estado de Mato Grosso-UNEMAT, em nome desta Coordenação de mestrado, pela oportunidade dada, pelo incentivo ao laboroso e gratificante ato de pesquisar; Aos amigos e professores do mestrado pelas trocas de experiência. Em especial à professora Drª. Maria Aparecida Pierangeli (Dedé), filhos e esposo, pela amizade acolhedora e pelo auxílio imprescindível nesta pesquisa. Sua coorientação proporcionou a luz nos momentos em que os caminhos pareciam perder o clareza e o rumo; Aos professores Drs. Irineu Bianchini e Marcela Bianchessi da CunhaSantino- UFSCar, pela amizade e pelos ensinamentos no estágio de Monitoramento Limnológico; Aos meus familiares pelo incentivo silencioso e cheio de orgulho, torcendo sempre por uma conquista a mais. Em especial, ao sobrinho Alex Sander, pelas dores de cabeça que lhe dei ao querer aprender sobre fertilidade do solo! Aos meus amigos que dão sentido ao conceito de amizade: Eliane Vanini, Evaldo Ferreira, Miguel Castilho, Evandro Cavalcanti e Leandro Santos; Á um anjo que vive na Terra disfarçado de gente! Em tempo, descobri que atende pelo nome de Leila Nalis Paiva. Com sua força e serenidade, ajudou a suavizar as dores desta jornada! Minha amiga “Baixota” meu cérebro e minha vã literatura não conseguem transcrever a gratidão da minha almaobrigado! Á professora Ana Rosa Ferreira e às meninas dos projetos Nascente e Jauru, Ione, Célia, Rosenil, Cleide Maria, Willaine e Zilda, pelo auxílio no levantamento das espécies vegetais. Ao professor Antônio Rosestolato pela orientação em geologia; Ao amigo e acadêmico do curso de Geografia-UNEMAT, Anderson Peretto. Por tudo que enfrentaste do meu lado no decorrer desta pesquisa, ela também pertence à você! Ao senhor Manoel, para nós desta pesquisa, “seu Manuquinha”. Mais do que motorista, foste companheiro e incentivador! E o que dizer da minha orientadora Drª Célia Alves de Souza? Ainda que eu conseguisse reunir todas as líricas e os mais belos sonetos, todos os versos em rima às melhores cantigas de amigos, ainda assim, eu nada conseguiria dizer! O certo é que para os deuses construímos louvores e, para as pessoas, ousamos agradecer. Assim sendo, que todos os louvores caibam neste MUITO OBRIGADO! 6 ÍNDICE páginas Lista de quadros 09 Lista de tabelas 11 Lista de figuras 12 Resumo 14 Abstract 15 Introdução geral 16 Referências 18 1º ARTIGO FATORES CONDICIONADORES DA ORIGEM DAS NASCENTES DOS 19 CÓRREGOS ZÉ CASSETE, CARNAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO CAETÉ, SUDOESTE DE MATO GROSSO Resumo 19 Abstract 20 1. Introdução 21 2. Material e métodos 24 3. Resultado e discussão 26 3.1 As nascentes rurais do distrito de sonho Azul 26 3.1.1 Condicionadores Climáticos 26 3.1.2 Condicionadores Geológicos 29 3.1.3 Condicionadores Geomorfológicos 36 3.2 Os condicionadores climáticos, geológicos e geomorfológicos da 37 nascente do perímetro urbano de São José dos Quatro Marcos 4. Considerações finais 40 5. Referências bibliográficas 44 7 2º ARTIGO USO ATUAL, TOPOGRAFIA E ALGUNS ATRIBUTOS DO SOLO NO 47 ENTORNO DAS NASCENTES DOS CÓRREGOS ZÉ CASSETE, CARNAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, BRASIL Resumo 47 Abstract 48 1. Introdução 49 2. Material e método 52 2.1 Uso/ocupação do solo 54 2.2 Aspectos topográficos 54 2.3 Situação da cobertura vegetal 55 2.4 Aspectos pedológicos 57 3. Resultados e discussões 58 3.1 As nascentes rurais do distrito de Sonho Azul 58 3.1.1 Ocupação e uso da terra 58 3.2 A nascente urbana de São José dos Quatro Marcos 66 3.2.1 Aspectos topográficos e pedológicos 68 4. Considerações finais 73 5. Referências bibliográficas 76 8 3º ARTIGO CONDIÇÕES HIDRODINÂMICAS E QUALIDADE DA ÁGUA NAS 80 NASCENTES DOS CÓRREGOS, ZÉ CASSETE, CANAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO Resumo 80 Abstract 81 1. Introdução 82 2. Material e método 84 2.1 Batimetria 85 2.2 Vazão 86 2.3 Coleta de amostras de água, caracterização geográfica do entorno e 86 calculo do IQA 3. Resultados e discussão 89 3.1 Condições hidrodinâmicas 89 3.1.1 - Nascente do córrego Zé Cassete 89 3.1.2 - Nascente do córrego Carnaíba 91 3.1.3 - A nascente do córrego Tereré 92 3.2 A qualidade da água 93 3.2.1 - Nascente do córrego Zé Cassete 93 3.2.2 - A nascente do córrego Carnaíba 96 3.2.3 - A nascente do córrego Tereré 98 4. Considerações finais 100 5. Referências bibliográficas 101 Considerações finais 103 9 LISTA DE QUADROS 2º ARTIGO USO ATUAL, TOPOGRAFIA E ALGUNS ATRIBUTOS DO SOLO NO ENTORNO DAS NASCENTES DOS CÓRREGOS ZÉ CASSETE, CARNAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, BRASIL Quadro 1 Classes de relevo em função da declividade do terreno 55 Quadro 2 Demonstrativo da evolução do plantio da cana-de-açúcar no município de Mirassol D’ Oeste 60 Quadro 3 Demonstrativo da dinâmica da criação de gado bovino em Mirassol D’ Oeste 60 Quadro 4 Demonstrativo do quantitativo de vegetação por m2 e porcentagem de vulnerabilidade da nascente decorrente da cobertura vegetal do entorno da nascente do Zé Cassete, município de Mirassol D’Oeste 63 Quadro 5 Demonstrativo das espécies vegetais arbóreas mais comuns no entorno da nascente 65 Quadro 6 Demonstrativo do quantitativo de vegetação por m² e percentagem de vulnerabilidade, decorrente da cobertura vegetal do entorno da nascente Carnaíba, Município de Mirassol D’ Oeste 65 Quadro 7 Demonstrativo da percentagem da declividade e gradiente de pressão exercida sobre a nascente 69 Quadro 8 Demonstrativo dos fatores e gradiente de pressão sobre as nascentes dos córregos Zé Cassete, Carnaíba e Tereré 70 3º ARTIGO CONDIÇÕES HIDRODINÂMICAS E QUALIDADE DA ÁGUA NAS NASCENTES DOS CÓRREGOS, ZÉ CASSETE, CANAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO 10 Quadro 1 Indicativo dos pesos das variáveis analisadas no IQA 87 Quadro 2 Classificação de qualidade da água segundo CETESB (1988) 88 Quadro 3 Demonstrativo dos índices das variáveis físico/químicas analisadas 94 Quadro 4 Demonstrativo analisadas 94 dos índices das variáveis biológicas 11 LISTA DE TABELAS 2º ARTIGO USO ATUAL, TOPOGRAFIA E ALGUNS ATRIBUTOS DO SOLO NO ENTORNO DAS NASCENTES DOS CÓRREGOS ZÉ CASSETE, CARNAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, BRASIL Tabela 1 Alguns atributos químicos e físicos dos solos e declividade do 73 entorno das nascentes Zé Cassete e Carnaíba, município de Mirassol D’Oeste-MT, e nascente Tereré, município de São José dos Quatro Marcos-MT 12 LISTA DE FIGURAS 1º ARTIGO Páginas FATORES CONDICIONADORES DA ORIGEM DAS NASCENTES DOS CÓRREGOS ZÉ CASSETE, CARNAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO CAETÉ, SUDOESTE DE MATO GROSSO Figura 1 Mapa da sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté, sudoeste do Estado de Mato Grosso 25 Figura 2 Perfil Geológico da serra do Caeté até as zonas de encharcamento das Nascentes Zé Cassete Carnaíba 29 Figura 3 Metarenitos levemente metamorfizados. Coordenadas geográficas das amostras: 15° 51’ 42” de latitude S e 58º 07’ 26” longitude O 31 Figura 4 Calcarenito. Coordenadas geográficas das amostras:15° 51’ 43” de latitude S e 58º 07’ 26” longitude O 32 Figura 5 Área de encharcamento na nascente do Zé Cassete. Coordenadas geográficas: 15º 48’ 27” de latitude S e 58º 08’ 17” de longitude O 35 Figura 6 Intercalação entre siltitos e argilitos. Coordenadas geográficas das amostras:15° 51’ 43” de latitude S e 58º 07’ 26” longitude O 35 Figura 7 Aspectos dos vales em área de Nascente na zona rural do distrito de Sonho Azul. Coordenadas geográficas: 15º 48’ 34” de latitude S e 58º 08’ 24” de longitude O 37 Figura 8 Afloramento da nascente do tipo difusa do córrego Tereré no perímetro urbano do município São José Quatro Marcos. Coordenadas geográficas: 15º 48’ 04” de latitude S e 58º 10’ 25” de longitude O 38 Figura 9 Afloramento rochoso próximo da nascente no bairro Zeferino I, em São José dos Quatros Marcos. Coordenadas geográficas: 15º 38’ 42” de latitude S e 58º 10’ 24” de longitude O 39 Figura 10 Vale onde encontra-se a nascente no bairro Zeferino I no município de São José dos Quatro Marcos. Coordenadas geográficas: 15º 38’ 46” de latitude S e 58º 10’ 21” de longitude O 39 13 2º ARTIGO USO ATUAL, TOPOGRAFIA E ALGUNS ATRIBUTOS DO SOLO NO ENTORNO DAS NASCENTES DOS CÓRREGOS ZÉ CASSETE, CARNAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, BRASIL Figura 1 Área de localização da bacia hidrográfica do ribeirão Caeté (N1 Zé Cassete; N2 Carnaiba; N3 Tereré) 53 Figura 2 Coleta de amostras de solo para determinar a textura e atributos químicos do solo. Coordenadas geográficas: 15º 48’ 28”, lat. S e 58º 08’ 19” long. O 57 Figura 3 Croqui demonstrativo do uso da terá no entorno da nascente do córrego do Zé Cassete, distrito de Sonho Azul-MT 62 Figura 4 Trilhas feitas pelo pisoteio do gado e cultivo de cana-deaçúcar 63 Figura 5 Pastagem e cobertura vegetal próximo da nascente, nas coordenadas de 15º 46’ 25” de latitude S e 58º 07’ 29” de longitude O 64 Figura 6 Croqui demonstrativo do uso da terra no entorno da nascente do córrego do Tereré no perímetro urbano do município de São José dos Quatro Marcos 68 3º ARTIGO CONDIÇÕES HIDRODINÂMICAS E QUALIDADE DA ÁGUA NAS NASCENTES DOS CÓRREGOS, ZÉ CASSETE, CANAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO Figura 1 Área de localização da bacia hidrográfica do ribeirão Caeté (N1 Zé Cassete; N2 Carnaiba; N3 Tereré) 85 Figura 2 Perfis transversais da nascente do córrego Zé Cassete nos períodos chuvoso e de estiagem 90 Figura 3 Perfis transversais da nascente do córrego Carnaíba no período chuvoso e de estiagem 92 14 RESUMO SOARES, José Carlos de Oliveira. Estudo de nascentes: subsídio a políticas de gestão da sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté no sudoeste do Estado de Mato Grosso-Brasil. Cáceres: UNEMAT, 2009. 105 p. (Dissertação – Mestrado em Ciências Ambientais)1 A temática ambiental se faz presente e necessária nas discussões do homem moderno e, no rol dessas discussões, estão os temas relacionados aos recursos hídricos. O objetivo desta pesquisa foi diagnosticar os processos ambientais correlacionados que dão origem e estabelecem as pressões e as características atuais sobre as nascentes dos córregos Zé Cassete, Carnaíba e Tereré, na sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté, sudoeste de Mato Grosso. As nascentes dos córregos Zé Cassete e Carnaíba estão nas coordenadas de (15º 48’ 29” de latitude Sul e 58º 08’ 19” de longitude Oeste) e (15º 46’ 25” de latitude sul e 58º 07’ 29” de longitude oeste), respectivamente, e a do córrego Tereré, na coordenada geográfica de (15º 38’ 03” de latitude sul e 58º 10’ 14” de longitude oeste). A pesquisa fundamentou-se teórico-metodológicamente nas orientações da teoria do geossistema, operacionalizado através do método de interpretação da fisiologia da paisagem, que se realizou através de atividades de campo. O resultado mostra que a intersecção entre os fatores geológicos, geomorfológicos combinados com circunstâncias climáticas, no nível da escala local, condicionam o aparecimento das nascentes. As condições atuais destas variam em função dos aspectos ligados às atividades humanas e aos elementos geo-físicos presentes no entorno de cada uma delas e, a qualidade da água e a variação da vazão e batimétrica resultam das condições de uso no entorno e da sazonalidade do regime de chuvas na região. Palavras-chave: Origem de nascentes, pressões antrópicas, qualidade da água, diagnóstico ambiental, Córrego Caeté, Bacia do Rio Paraguai. 1 Orientadora Profª Pós-Drª Célia Alves de Souza UNEMAT 15 ABSTRACT SOARES, José Carlos de Oliveira. Estudy of Spring: Politics for subsidize the Management of Hydrographic Sub-Basin from Caeté Stream in the Southwest of Mato Grosso. Cáceres: UNEMAT, 2009. 105 p. (Dissertation- Master in Environment Science)2 The environmental thematic is present and necessary on the quarrels of modern man and, on these quarrels roll, there are the subjects related to the hydrics resources. The objective of this research was to diagnosis the ambient processes correlated which give origin and establish the current pressures and characteristics on the springs of the streams Zé Cassete, Carnaíba and Tereré, on the hydrographic sub-basin of the Caeté stream, in the southwest of Mato Grosso. The studied springs are located in the hydrographic sub-basin of the Caeté stream, being of the streams Zé Cassete and Carnaíba in the coordinates of 15º 48 ' 29” of South latitude and 58º 08 ' 19” West longitude and 15º 46 ' 25” south latitude and 58º 07 ' 29” West longitude, respectively, and the Tereré stream, in the geographic coordinate of 15º 38 ' 03” south latitude and 58º 10 ' 14” west longitude. The theorical/methodological bedding which guided the research is based on the direction from the geosystem theory, it has been used through the method of landscape physiology interpretation, which has been carried through outdoor activities. The result shows that the linking between the geologic, geomorphoologics factors combined with climatic circumstances, on the local scale level, provide the springs appearance. The current conditions of these ones, vary in function of the aspects linked to the activities human beings and to the geophysical elements which appears in each one of them and, the quality of the water and the variation of the outflow and the measure of the place results from the conditions of the use around and different periods of the rain regimen on the region. Key Words: Springs origin, human being activities pressures, water quality, ambient diagnosis, Caeté stream. 2 Major Professor: Célia Alves de Souza, UNEMAT 16 INTRODUÇÃO GERAL Durante a sua história no planeta, o ser humano adquiriu um grande artefato cultural e técnico e, através deles, principalmente após o marco histórico da industrialização, vem efetuando importantes alterações no meio ambiente. O modelo tradicionalmente utilizado para usufruir dos recursos que a natureza oferece vem gerando, ao longo do tempo, o esgotamento dos recursos naturais. O manejo irracional dos solos, muitas vezes, inviabiliza a produção e compromete o equilíbrio dos ecossistemas. Nesse contexto, torna-se evidente a necessidade de considerar as interações entre os setores social, econômico e ambiental, a fim de conduzir estratégias de sustentabilidade. Cavalcanti (1995) afirma que se a sustentabilidade em sua conceituação original significa essencialmente a possibilidade de se obterem condições iguais ou superior de vida para um grupo de pessoas e seus sucessores em dado ecossistema, quando aliada a noção de desenvolvimento, passou a se referir à idéia de um limite (superior) para o progresso, onde se faz necessária a adoção de políticas e estratégias para garantir que o homem não ultrapasse um limite, mantendo assim, o suporte da vida que o sustém. Dessa forma, tornou-se imprescindível a necessidade de compreender o funcionamento dos sistemas ambientais, de modo que possa ter produzido diagnósticos capazes de orientar medidas de intervenção e planejamento desses ambientes. Nos diagnósticos realizados para compreender a dinâmica ambiental é fundamental que essa investigação seja feita considerando a perspectiva dos processos desse ambiente, procurando compreender a maneira como funcionou no passado e de como ele poderá operar no futuro (GREGORY, 1992). A Agência Nacional das Águas (ANA), através da Lei 9.433/97, determina a bacia hidrográfica como unidade territorial de gestão dos recursos hídricos. Dessa forma, esta se torna o parâmetro de jurisdição para empreendimento de diagnósticos ambientais que possam subsidiar políticas publicas de planejamento e gestão do ambiente. 17 No contexto da bacia estão as nascentes, cuja estabilidade garante equilíbrio e manutenção da bacia hidrográfica, o que significa a perpetuação dos processos hidrológicos (deflúvio, regime de vazão e qualidade da água) e manutenção de sua capacidade natural de suporte produtivo (biogeoquímica), além da manutenção da diversidade ecológica (vegetação ciliar, protegendo as zonas ripárias, reservas de vegetação natural) e sua estabilidade e capacidade de resistir a mudanças ambientais (LIMA, 1986). No contexto do debate ambiental que visa buscar estratégias para modelos de gestão dos recursos hídricos no prisma da sustentabilidade, objetivou-se, nesta pesquisa, diagnosticar os processos ambientais que dão origem e estabelecem as pressões e as características atuais das nascentes dos córregos Zé Cassete, Carnaíba e Tereré, na sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté, no sudoeste de Mato Grosso. O fundamento teórico/metodológico que norteou a pesquisa estão fundamentados nas orientações da teoria do geossistema; que analisa os fenômenos espaciais à partir da integração dos fenômenos da natureza com a sociedade humana. Dessa forma, este trabalho contém três artigos que apresentam, ao mesmo tempo, autonomia nos conteúdos abordados em cada um deles, e relação entre si, pois demonstram seqüencialmente, os fatores de origem das nascentes, os processos interativos homem x meio que estabelecem as pressões sobre estas nascentes e as condições atuais percebidas através da avaliação das suas hidrodinâmicas e da qualidade da água nas sazonalidades da região. 18 REFERÊNCIAS CAVALCANTI, C. Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez, 1995. GREGORY, K. J. A. Natureza da Geografia Física. 1ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992 (Tradução Eduardo de Almeida Navarro). LIMA, W. de P. Princípios de hidrologia vegetal para o manejo de bacias hidrográficas. Piracicaba: ESALQ/USP, 1986. 19 FATORES CONDICIONADORES DA ORIGEM DAS NASCENTES DOS CÓRREGOS ZÉ CASSETE, CARNAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO CAETÉ, SUDOESTE DE MATO GROSSO [Preparado de acordo com as normas da Revista Brasileira de Geociências] RESUMO: A temática ambiental se faz presente e necessária nas discussões do homem moderno e, no rol dessas discussões, estão os temas relacionados aos recursos hídricos. Este estudo objetivou identificar as características geológicas, geomorfológicas e de clima, especialmente a pluviosidade, do local das nascentes, relacionando essas características às suas origem e dinâmica. As nascentes estudadas estão localizadas na subbacia hidrográfica do córrego Caeté, sendo as dos córregos Zé Cassete e Carnaíba nas coordenadas de 15º 48’ 29” de latitude Sul e 58º 08’ 19” de longitude Oeste e 15º 46’ 25” de latitude sul e 58º 07’ 29” de longitude oeste, respectivamente, e a do córrego Tereré, na coordenada geográfica de 15º 38’ 03” de latitude sul e 58º 10’ 14” de longitude oeste. Na metodologia, traçou-se um transecto à partir da unidade mais alta e expressiva do entorno até as respectivas zonas de encharcamento ou afloramento de água. A partir desse transecto, observado sempre das partes mais elevadas para os lugares mais baixos, observou-se as impressões litológicas e geomorfológicas do local, relacionando as informações de campo com as o relatório do projeto Radambrasil. O levantamento de dados referente às questões climáticas e índices do volume pluviométrico foram levantados em relatório de empresas públicas e privadas localizadas próximas das nascentes estudadas. Os resultados evidenciam que a água percolada na litologia das formações Raizama e Araras armazena e aflora nos vales de formação Bauxi dando origem às nascentes do distrito de Sonho Azul. Na nascente do córrego Tereré, em Quatro Marcos, a água encontra condições de armazenamento e afloramento em vale com estrutura de base granítica do Complexo Xingu. Palavras-chave: Processos interativos, nascentes, geologia, geomorfologia, clima, bacia hidrográfica. 20 CONDITIONING FACTORS OF THE SPRINGS ORIGIN FROM ZÉ CASSETTE STREAMS, CARNAÍBA AND TERERÉ IN THE HYDROGRAPHIC SUB-BASIN FROM THE CAETÉ STREAM, SOUTHWEST OF MATO GROSSO ABSTRACT: The environmental thematic is present and necessary in the debate preocupation quarrels of concerning modern man and, on these quarrels roll, there are the subjects related to the hydrics resources. This study was intended to identify the geologic, geomorphologics, characteristics and climate, especially precipitacion, of the springs place, relating these characteristics to their origin and dynamics. The studied springs are located in the hydrographic sub-basin from the Caeté stream, being the streams Zé Cassete and Carnaíba on the coordinates of 15º 48 ' 29” South latitude and 58º 08 ' 19” west longitude and 15º 46 ' 25” south latitude and 58º 07 ' 29” west longitude, respectively, and the Tereré stream, in the geographic coordinate of 15º 38 ' 03” south latitude and 58º 10 ' 14” west longitude. In the methodology, it has been traced a transect from the highest and expressive unit of the places around until the respective zones of accumulation of water or water outcrop. From this passage, which has been observed always from the highest parts to the lowest places, observed the rockys and geomorphologics impressions of the place, relating the field information to the report of the Radambrasil project. The collected data refering to the climatic questions and indices of the rain volume had been raised in report for located public companies and private ones located next to the studied springs. The results had demonstrated that the infiltrated water in the rocks of the Raizama and Araras formations, stores and arises on the valleys of Bauxi formation giving origin to the springs from the Sonho Azul district. In the spring of the Tereré stream, in Quatro Marcos, the water finds conditions of storage and outcrop in valley with the structure with granite base from Xingu Complex. Key-Words: Interactive process, springs, geology, geomorphology, climate, hydrographic basin 21 1. INTRODUÇÃO A temática ambiental ganhou expressão nas discussões do homem moderno à partir do final da década de 60 e início da década de 70 à luz de conferências como a de Paris em 1968 e Estocolmo em 1972. Ainda que tardia, o início dessas discussões significou a possibilidade de rever modelos, condutas e, acima de tudo, de redirecionar a forma de intra-relações que os seres humanos estabelecem no seu convívio social e, ainda, na sua interrelação com os elementos da natureza. No bojo destas discussões, faz-se presente a necessidade de entender-se, de forma mais holística, a interação que ocorre entre os elementos do meio físico da qual decorre os processos ambientais e, sobre os quais, o homem se organiza. A subtração dos recursos da natureza de forma irracional e inconseqüente tem custado muito caro à sociedade e, da mesma forma, o entendimento setorizado e fragmentado construído, à luz da ciência moderna, em relação aos atributos ambientais e sua organização no sistema, chamado por Gonçalves (2002), de conhecimento “atomístico/individualista”, não tem dado conta de fornecer as respostas para diluir um sem número de problemas de ordem ambiental que hoje ameaçam a sobrevivência das comunidades humanas. Especialmente quando esses problemas apontam para a escassez de elementos naturais indispensáveis à nossa sobrevivência, tais como a água. Nesse sentido, tornou-se cada vez mais premente a necessidade de entender como acontecem os processos ambientais que dão como resultado, os recursos naturais de que dispomos. Isso tornaria possível a construção de programas de gerenciamento e manejos num determinado ambiente sobre o qual substantivam as organizações humanas. A busca desse entendimento de inter-relações tem fundamento na teoria do Geossistema, derivado da Teoria dos Sistemas e proposto por Sotchava (1977). Essa proposta de análise acrescenta o elemento humano, juntamente com os outros elementos da natureza, como agente potencial na troca de energia dentro de um sistema e, por isso, com capacidade de alterá-lo. Nas colocações de Mendonça (1997), trata-se de uma conceituação da epiderme 22 da Terra, onde se encontram, misturam-se e interferem a litomassa, aeromassa, hidromassa e biomassa. No rol desses bens ambientais, cujos processos que o materializam precisam ser melhor compreendidos, estão as nascentes. Neste contexto, conhecer os fundamentos que possam explicar as suas origens dentro de uma bacia hidrográfica, significa ter em mãos um instrumento de extrema relevância para estratégias de gestão e manejo da bacia hidrográfica. De acordo com Calheiros (2004) entende-se por nascente o afloramento do lençol freático, que vai dar origem a uma fonte de água de acúmulo (represa), ou curso d’água. Elas se localizam em encostas ou depressões do terreno ou ainda no nível de base representado pelo curso d’água local e podem ser perenes, temporárias e intermitentes. As nascentes podem ser formadas tanto por lençóis freáticos (depositados sobre camadas permeáveis) quanto artesianos (depositadas entre duas camadas permeáveis) podendo surgir por contato das camadas permeáveis com a superfície, por afloramento dos lençóis freáticos em depressões do terreno, por falhas geológicas ou por canais cársticos (VALENTE & GOMES, 2003). Existem seis tipos de nascentes, que assim podem ser especificadas: A) As nascentes de contato, como normalmente surgem no sopé de morros, são conhecidas como nascentes de encostas. B) As nascentes de depressões podem se manifestar em pontos de borbulhamento bem definidos chamados olhos d’água. C) As nascentes por pequenos vazamentos superficiais espalhados por uma área que apresenta encharcamento (brejo) e vai acumulando água em poças até dar início a fluxos contínuos, sendo conhecidas como nascentes difusas. D) As nascentes provenientes de lençóis artesianos podem ser de contato, ocorrendo normalmente em região montanhosa e com fortes declives entre áreas próximas, o que facilita o afloramento das camadas responsáveis pelo confinamento dos lençóis freáticos. 23 E) As nascentes provenientes de falhas geológicas são capazes de provocar a ligação de lençóis confinados com a superfície. F) As nascentes formadas a partir de canais e galerias formadas em rochas cársticas (rochas carbonatadas) e que podem ser alimentadas pela água de chuva, através de dolinas (VALENTE & GOMES, 2003) Entre esses fundamentos de origem das nascentes estão àqueles relacionados ao clima, a geologia e a geomorfologia. Segundo Christofoletti (1970), a análise de aspectos relacionados a drenagem, relevo e geologia pode levar à elucidação e compreensão de diversas questões associadas à dinâmica ambiental local. Ayoade (1996) afirma que o clima constitui elemento essencial nos processos ambientais, daí a necessidade de entendê-lo a cada vez mais na dinâmica ambiental da qual participa. Venturi (2005) menciona que em relação ao clima, na maioria dos estudos de caso, não há mapeamento nas mesmas escalas que geralmente existem para a drenagem, relevo, rochas, solo, vegetação e de outros aspectos. No contexto dessas relações a geologia também é elemento de inequívoca importância. A consideração e o estudo dos processos geológicos que atuam na superfície da Terra, ou que a possam afeta-la, é uma parte substancial e uma condição básica de sucesso do exercício de avaliar as capacidades e os impactos das diferentes atividades exercidas em cada zona definida de sua superfície (SIMÕES, 2008). Segundo Moura (1984), citado por Christofoletti (1998), os estudos geomorfológicos aplicados servem de base para a compreensão das estruturas espaciais, não só em relação à natureza física dos fenômenos como a natureza sócio-econômica dos mesmos. Uma das mais importantes funções da geomorfologia aplicada é a de gerar informações relevantes para o planejamento territorial. A potencialidade aplicativa do conhecimento geomorfológico insere-se, portanto, no diagnóstico das condições ambientais, contribuindo para orientar a alocação e o assentamento das atividades humanas. 24 A potencialidade aplicativa do conhecimento geomorfológico insere-se, portanto, no diagnóstico das condições ambientais, contribuindo para orientar a alocação e o assentamento das atividades humanas. Diante dessas assertivas, pergunta-se sobre em que condições os elementos geológicos, geomorfológicos e climáticos relacionam-se, na escala local, para dar origem às nascentes naquelas respectivas localidades. Parte-se, então, da hipótese que a interação desses elementos, com a natureza que se apresentam, nas especificidades do local são fatores determinantes para o aparecimento desse recurso natural naquelas unidades de paisagem. Desta forma, objetivou-se, neste trabalho, identificar as características geológicas, geomorfológicas e de clima, especialmente a pluviosidade, do local de três nascentes da sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté, relacionando-as e avaliando o papel desses atributos ambientais na origem, retroalimentação e dinâmica dessas nascentes. 2. MATERIAL E MÉTODOS As nascentes estudadas estão localizadas na sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté no sudoeste de Mato Grosso. As nascentes dos córregos Zé Cassete e Carnaíba estão localizados no Distrito de Sonho Azul, próximas à serra do Padre Inácio. A primeira entre as coordenadas de 15º 48’ 29” de latitude Sul e 58º 08’ 19” de longitude Oeste e a segunda entre as coordenadas de 15º 46’ 25” de latitude sul e 58º 07’ 29” de longitude oeste. A nascente do córrego Tereré está localizada no perímetro urbano do município de São José dos Quatro Marcos, na coordenada geográfica de 15º 38’ 03” de latitude sul e 58º 10’ 14” de longitude oeste (Figura 01). 25 N3 N- Nascente Figura 01 - Mapa da sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté, sudoeste do Estado de Mato Grosso. Adaptado de ARAÚJO (2008). Dessa forma, com base nos fundamentos da teoria do Geosistema descrita por Sotchava (1977) citado por Mendonça (1997), o levantamento de dados teve por base a atividade de campo investigativa descrita por Compiane & Carneiro (1993) como uma atividade que permite ao pesquisador resolver determinados problemas no campo relacionados à sua curiosidade, à medida que para essa observação elabore hipóteses a serem pesquisadas e estruture seqüência de observação e interpretação, dividindo as estratégias para validálas, avaliando nesse sentido, a necessidade de recorrer a literatura especializada. Assim, para caracterizar, interpretar e avaliar os aspectos geológicos das respectivas áreas, elaborou-se um transecto à partir da unidade de maior 26 altitude (serra) até as respectivas zonas (depressão) de encharcamento ou afloramento de água, considerado as variações litológicas da área. Nas nascentes dos Córregos Zé Cassete e Carnaíba, por estarem ambas paralelas e na mesma unidade de paisagem do declive geomorfológico da Serra do Padre Inácio, com prolongamento da serra do Caeté, considerouse o mesmo transecto para a observação. A caracterização geomorfológica foi orientada metodologicamente pelo tratamento da compartimentação topográfica descrito por Ab’ Saber (1969) como forma de entender a compartimentação topográfica regional, caracterizando e descrevendo, tão exatas quanto possíveis, as formas de relevo de cada um dos pontos estudados. As informações obtidas em campo foram relacionadas com as informações levantadas e demonstradas tanto nos mapas (folha SD. 21, Cuiabá) quanto no relatório do projeto RADAMBRASIL (1982). O levantamento de dados referente às questões climáticas e índices do volume pluviométrico foram levantados em relatórios de empresas públicas e privadas que possuem estações próximas das nascentes estudadas, tais como Empaer (Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural) e Cooperb (Cooperativa Rio Branco). Os dados levantados sobre esse elemento foram relacionados às classificações climáticas descritas por Koppen, citado por Ayoade (1996). 3. RESULTADO E DISCUSSSÃO 3.1 Nascentes rurais do distrito de sonho Azul 3.1.1 Condicionadores Climáticos A disponibilidade de água em uma região é resultado da interação entre o clima e outros elementos (geologia, cobertura vegetal e tipos de solos) ambientais. O fornecimento de água nas nascentes estudadas está relacionado à sazonalidade do regime de chuvas na região com dois períodos distintos, chuvoso e de estiagem, característico do Pantanal Mato-Grossense. 27 O Pantanal é uma das maiores extensões úmidas contínuas do planeta e está localizado no centro da América do Sul, na bacia hidrográfica do Alto Paraguai. Do total de 230 mil km² de toda a sua extensão no continente americano, 138.183 km² está localizada no Centro Oeste brasileiro, dos quais, 65% no território do estado de Mato Grosso do Sul e 35% em Mato Grosso. A planície do Pantanal Mato-grossense é levemente ondulada, pontilhada por raras elevações isoladas, geralmente chamadas de serras e morros, e rica em depressões rasas. Seus limites são marcados por variados sistemas de elevações como chapadas, serras e maciços, e é cortada por grande quantidade de rios dos mais variados portes, todos pertencentes à grande Bacia do Rio Paraguai. Devido à baixa declividade desta planície no sentido norte-sul e leste-oeste, a água que cai nas cabeceiras do rio Paraguai, levando quatro meses ou mais para atravessar todo o Pantanal. O processo de inundação é dividido em quatro fases: enchente, cheia vazante e seca que regulam os padrões e processos dos ecossistemas pantaneiros. Os ecossistemas são caracterizados por cerrados e cerradões sem alagamento periódico, campos inundáveis e ambientes aquáticos, como lagoas de água doce ou salobra, rios, vazantes e corixos. Esse é o habitat de muitas espécies de peixes, como o pintado, o dourado, o pacu etc, e de outros animais como os jacarés, capivaras, ariranhas, entre outros e, também, para o homem pantaneiro, que organiza a sua vida à partir do “rítmo das águas” que ocorre no local (REBELLATO & CUNHA, 2005), Estudos de Amaral Filho, (1986), citado por Souza et al (2009) apontam que a maior parte dos solos do Pantanal é arenosa e suporta pastagens nativas utilizadas pelos herbívoros nativos e pelo gado bovino, introduzido pelos colonizadores da região. Uma parcela da pastagem original foi substituída por forrageiras exóticas, como a Braquiária. Na área de estudo, sobre a influência dos desígnios climáticos do Pantanal, a precipitação anual situa-se na ordem de 1500 mm, na sua maioria caracterizadas por chuvas convectivas no verão, influenciadas diretamente pela massa equatorial continental e poucas chuvas do tipo frontais que ocorrem no início do solstício de inverno; estas ocasionadas pela entrada de frentes 28 frias trazidas pela massa polar atlântica. Neste contexto, o regime pluviométrico apresenta duas estações bem distintas: uma seca, que vai de maio a setembro, portanto, entre o final do equinócio de outono até o final do solstício de inverno, quando as chuvas reduzem sensivelmente ou são quase ausentes; e outra chuvosa, que vai de outubro a abril, ou seja, entre os meados do equinócio de primavera, passando pelo solstício de verão até meados do equinócio de outono (NETO, 1997). As nascentes são influenciadas pela distribuição da precipitação durante o ano, uma vez que são abastecidas tanto pelo escoamento superficial quanto pelo lençol freático que constitui as suas zona de recarga. No período de estiagem ocorre a oscilação do lençol freático diminuindo o volume de água que as abastece. Dessa forma, a nascente do córrego Zé Cassete possui caráter intermitente, ficando sem vazão as poças que ali se formam no período da estiagem. Conforme dados apontado por Azevedo & Sverzut (2003), os meses mais chuvosos são dezembro, janeiro e fevereiro, apresentando totais acima de 300 mm e, os quatro meses mais secos, compreendem os meses de junho, julho, agosto e setembro. A temperatura média anual na região é da ordem de 28º C. No ano de 2008, conforme informações de moradores do local, a amplitude térmica oscilou em 25º C, uma vez que registrou mínima de 15º C, no início de junho de 2008, e máxima de 40º C, em setembro do mesmo ano. A umidade relativa, nos meses de novembro a abril, chega a superar 80 % e, no período de seca, oscila entre 30 e 60 %, (AZEVEDO & SVERZUT, 2003). As altas temperaturas na região contribuem para aumentar a evapotranspiração, que leva para atmosfera vapor d’ água do solo, dos organismos vegetais e da própria massa hídrica local. Conseqüentemente, parte do volume de água das nascentes se evapora no período de estiagem dando maior clareza às nascentes intermitentes que ali existem. 29 3.1.2 Condicionadores Geológicos A informação dos aspectos geológicos permite compreender o funcionamento de diversos eventos de natureza físico-ambiental, pois possibilita explicar a ocorrência ou escassez de água em uma região em função do pacote rochoso que forma a sua base. O perfil geológico apresentado a seguir, demonstra que o embasamento rochoso ao longo do terreno, está caracterizado por rochas calcareníticas na parte mais alta e por rochas argilíticas /siltosas na parte mais baixa da estrutura topográfica; fato esse que permite que ocorra a captação de água através das fendas e da porosidade presente nas rochas das formações Raizama e Araras. A água captada nas rochas dessas formações rochosas são armazenadas pela impermeabilidade das rochas argilíticas da formação Bauxi (Figura 02). Figura 02 - Perfil Geológico da serra do Caeté até as zonas de encharcamento das Nascentes Zé Cassete Carnaíba. Org: José Carlos de Oliveira Soares O relatório do RADAMBRASIL (1982) afirma que a Formação Araras, de um modo geral, é muito rica em estruturas sedimentares primárias e 30 secundárias. Entre as primárias destacam-se as estratificações, sobressaindose as laminações plano-paralelas, que são mais comuns nos litótipos da porção inferior da unidade, notadamente nos calcários, as brechas intraformacionais, estromatólicos e eólitos. De permeio às estruturas secundárias, aparecem os estilólitos, geodos, drusas e nódulos de sílex. Os geodos podem formar-se em qualquer cavidade enterrada. Estas cavidades podem ser bolhas de gás em rochas ígneas, bolsas sob as raízes de árvores, vesículas em lava após uma erupção vulcânica ou mesmo tocas de animais. Com o tempo, a parede externa da cavidade endurece, e os silicatos e carbonatos dissolvidos depositam-se na superfície interior. O fornecimento lento de constituintes minerais pelas águas subterrâneas ou por soluções hidrotermais, permite a formação de cristais no interior da câmara oca. O relatório do RADAMBRASIL (1982) fornece uma peculiar interpretação para a formação dos geodos na região estudada, atribuindo a sua formação devido a percolação de água em nível subterrâneo do terreno que, por sua vez, provocou a dissolução de material sedimentar provocando cavidades irregulares em partes do pacote rochoso. Na parte superior da Serra do Caeté, um prolongamento à oeste da Serra do Padre Inácio a oeste, em nível de detalhe, evidencia-se indicadores marcantes de contato entre o arenito arcósico da formação Raizama com as rochas calcárias da formação Araras. Essa afirmativa pode ser comprovada através da visualização de matacões de rochas calcárias e blocos areníticos rolados do topo para a base. Assim, na parte superior da encosta, numa faixa que transita entre os 280 e 260 metros de altitude, no sentido do topo para a base, evidencia-se rochas de arenito maciço, com pouca estratificação e bem preservados. Destacam-se nesse conjunto, os metarenitos levemente metamorfizados (Figura 03). Nestas serras, que constituem divisores de água entre sub-bacias na bacia hidrográfica do rio Jauru, registrou-se a presença de rochas (arenito e calcário) porosas e permeáveis que armazenam água subterrânea. Essa área pode ser considerada um local de recarga das nascentes dos córregos Zé Cassete e Carnaíba, pois as rochas areníticas e calcárias facilitam a 31 percolação da água, formando verdadeiros reservatórios naturais no subsolo do local. Figura 03 – Metarenitos levemente metamorfizados. Coordenadas geográficas das amostras: 15° 51’ 42” de latitude sul e 58º 07’ 26” longitude oeste A Formação Raizama, no interior do Grupo Alto Paraguai, tem seus contatos inferiores concordantes e gradacionais realizados respectivamente com os calcários da Formação Araras, muito bem observados na borda leste da serra do Padre Inácio (RADAMBRASIL, 1982). No local, a atividade de campo permitiu observar que à medida que se eleva na topografia, ocorre variação granulométrica na composição rochosa, e destaca-se nos pontos de maior altitude o domínio dos arenitos em detrimento do desaparecimento do calcário dolomítico. Nessas áreas de contato entre as diferentes formações as rochas estão mais intemperizadas, permitindo maior infiltração da água. Na faixa que se situa aproximadamente entre 260 a 240 metros de altitude na Serra do Caeté mesclam aspectos litológicos das formações Raizama e Araras. Assim, nesta face geológica do terreno, destacam-se os calcarenitos cujas amostras rochosas aparecem de cor roxo-esbranquiçado (Figura 04). 32 Figura 04 – Calcarenito. Coordenadas geográficas das amostras: 15° 51’ 43” de latitude sul e 58º 07’ 26” longitude oeste O trecho compreendido entre 240 e 220 m de altitude, na mesma elevação do Caeté, é caracterizado pelo domínio do calcário dolomítico, cuja base deste conjunto rochoso marca a face superior da Formação Araras. Sobre esse assunto, o RADAMBRASIL (1982) assegura que a Formação Araras é constituída essencialmente por rochas carbonáticas, caracterizadas por calcários pelíticos, calcítico e dolomitos. Dessa forma, assegura que nesse ambiente cárstico, são encontrados os aqüíferos de condutos, gerados pela dissolução do calcário e que formam reservatórios subterrâneos, com grande volume de água. A denominação Araras foi atribuída por Evans (1894) quando este procedeu o reconhecimento geológico na porção centro-norte de Mato Grosso, referente ao pacote de rochas calcárias que ocorrem em cadeias paralelas de morros, entre o alto curso do rio Paraguai e o rio Cuiabá. Figueiredo et al (1974), no mapeamento geológico sistemático do Projeto Alto Guaporé, redefiniram e conceituaram estratigraficamente o Grupo Araras sob a denominação de Formações Araras, englobando-a no Grupo Alto Paraguai, devido terem observado continuidade deposicional com as Formações Puga e 33 Raizama. Na área de abrangência das rochas da Formação Araras, tanto na região da Província Serrana como nas outras partes onde afloram, são os dolomitos, litótipos mais abundantes e os que respondem pela mais expressiva feições topográficas desta Formação (RADAMBRASIL, 1982). Ressalta-se que entre o topo da serra e sua base, onde se evidencia mais nitidamente a formação Araras, observa-se a abundância de blocos de arenito com marca de ondas. Estes arenitos estão sendo rolados para o sopé da serra e se fazem caracterizar por estratificações cruzadas típico dos chamados ambientes deltaicos; tradicionais do contato entre os ambientes marinho-raso e continental. O termo "delta" vem da quarta letra do alfabeto grego, usado por Heródoto (500 a.C.) para descrever a região da foz do rio Nilo. Este termo é ainda utilizado pelos geólogos e geógrafos para denominar depósitos sedimentares contíguos provenientes da ação de geleiras ou de um rio. Na era paleozóica, graças às freqüentes oscilações do nível dos oceanos durante a época pleistocênica, massas hídricas marinhas puderam atingir o interior dos continentes, propiciando processos de sedimentação cuja estratificação guardam as características desse processo através do carregamento e acomodação dos materiais carregados. Quando as correntes que transportam e depositam os sedimentos mudam de direção ou depositam sobre superfície irregular, os estratos são cruzados, constituindo as estratificações cruzadas (ASSINE & VESELY). No Brasil, a maior parte da transgressão marinha sobre o continente ocorreu durante o período Devoniano e que propiciou as formações dos deltas que hoje registram rochas com estratificações como as percebidas na área de estudo. Na área de depressão entre o sopé da serra até a chamada zona de abaciamento, onde está localizada a nascente do córrego Zé Cassete, observa-se em um morro testemunho isolado na paisagem, com predomínio de quartzitos de clivagem ardosiana. Estes fragmentos rochosos são chamados de “quase-ardósia” e imprimem, no terreno, expressões litológicas que são da Formação Moenda. Os morros testemunhos são compostos por rochas metamorfizadas. A ocorrência deste elemento na paisagem geomorfológica do 34 local caracteriza-se pelo alto grau de intemperismo. Ocorre esparsamente na parte oeste da fralda da serra do Padre Inácio entre de Mirassol D’oeste e Sonho Azul (Projeto RADAMBRASIL, 1982). Em relação à ocorrência da formação moenda no local, o relatório do projeto RADAMBRASIL (1982) salienta que essa formação caracteriza-se litologicamente por paraconglomerados grauvaqueanos, petromíticos que ocorre bordejando a Província Serrana, principalmente na sua porção oriental, e no flanco oeste da serra do Padre Inácio. As rochas que afloram neste trecho, compreendido entre a serra e as áreas de nascentes, apresentam-se bastante metamorfizadas. Esse indicador demonstra que essas rochas passaram por intenso mecanismo de metamorfização durante os processos geológicos pretéritos. Dessa forma, conclui-se que esse pacote rochoso que se encontrava na base, após intensa pressão exercida pelos pacotes rochosos superiormente sobrepostos, em tempos geológicos mais remotos, especialmente pacotes da Formação Diamantino, aflorou num período geológico mais recente, evidenciando os quartzitos. As nascentes dos córregos Zé Cassete e Carnaíba encontram-se em áreas de abaciamento de ocorrência da formação Moenda, em contato com a formação Bauxi. Assim, esta formação assenta-se sobre a Formação Bauxi e sobrepõe-se à Formação Araras, (BARROS & SIMÕE, 1980). Nesses locais, há forte concentração de plintitos, argilitos e siltitos, ou, mais explicitamente, os metapilitos. Estes componentes rochosos tornam a área impermeável, o que contribui para o surgimento de nascentes. O embasamento argilo-siltoso dificulta a percolação da água para grandes profundidades, e isso constitui forte indicador de espaço com lençol freático próximo da superfície (Figura 05), facilitando o surgimento das nascentes. 35 A B Figura 05 - Áreas de encharcamento na nascente do Zé Cassete. Coordenadas geográficas: 15º 48’ 27” de latitude sul e 58º 08’ 17” de longitude oeste. Fonte: José Carlos de Oliveira Soares (2008) Em relação às características da litologia da formação Bauxi, o relatório do projeto RADAMBRASIL (1982) cita que a rocha mostra-se intensamente ferrificada, razão pela qual sua cor é marrom-avermelhada, mostrando-se bastante endurecida. Intercaladas nestes arenitos são freqüentes lâminas de siltitos e argilitos (Figura 06). Figura 06 - Intercalação entre siltitos e argilitos. Coordenadas geográficas das amostras:15° 51’ 43” de latitude sul e 58º 07’ 26” longitude oeste 36 Neste sentido, as nascentes afloram em um contexto transicional entre as formações Moenda com Bauxi, onde a primeira assenta-se sobre a segunda. Luz et al (1980) argumentam sobre o posicionamento da Formação Bauxi sob as rochas da Formação Moenda, em contato superior concordante e gradacional angular e erosivo e ainda por falhamentos inversos. 3.1.3 - Condicionadores Geomorfológicos As nascentes dos Córregos do Zé Cassete e Carnaíba encontram-se distanciadas entre si em sentido latitudinal, aproximadamente 5 kilômetros. Estão presentes nas unidades de relevo a Província Serrana (Serra do Padre Inácio e Serra do Caeté) e a Depressão do Rio Paraguai (Depressão do Caeté). Os estudos realizados por Ross (1994) contribuíram para classificar o relevo da Província Serrana (Superfície Dissecada) como um conjunto de anticlinais e sinclinais formando um alinhamento de serras grosseiramente paralelas entre si, com plano de concavidade voltado para o sudoeste, caracterizado por forte presença de dobras e secundariamente falhas, onde o processo erosivo atuou em diferentes fases ao longo do Cenozóico, e até mesmo no Mesozóico. O relevo atual é resultado das fases erosivas que atuaram na estrutura dobrada de diferentes formações litológicas. Apresentase com variadas formas, ocorrendo estrutura em anticlinais com dorsos preservados, erodidos, vales de sinclinais preservados, sinclinais alçados, escarpas estruturais geradas por falhas, depressões embutidas e arrasadas por erosão. A Depressão do Alto Paraguai corresponde a uma superfície de relevo pouco dissecada, com pequeno caimento topográfico de nordeste para sudoeste onde o nível altimétrico oscila entre 120 e 160 m. O relevo é caracterizado pelo aparecimento de pequenos vales, limitados nas zonas de interflúvio (limite dos pequenos vales), aparecendo vários trechos embaciados, com abertura em vales que se abrem geralmente para o sentido sul (Figura 07). 37 A B Nascente em área de vale Nascente Figura 07 - Aspectos dos vales em área de nascente na zona rural do distrito de Sonho Azul. Coordenadas geográficas: 15º 48’ 34” de latitude sul e 58º 08’ 24” de longitude oeste. Fonte: José Carlos de Oliveira Soares (2008) O divisor de águas encontra-se na Serra do Padre Inácio e na Serra do Caeté na Província Serrana prolongada em sentido leste/oeste. Registra-se ao longo do perfil geomorfológico a presença de morros testemunhos de estrutura rochosa antiga que foi erodida ao longo do tempo geológico. As nascentes instalam-se na área de depressão do córrego Caeté que forma a sub-bacia hidrográfica de mesmo nome e que, por sua vez, localiza-se na bacia hidrográfica do rio Jauru, na macro depressão do rio Paraguai. 3.2 Condicionadores climáticos, geológicos e geomorfológicos da nascente do perímetro urbano de São José dos Quatro Marcos A nascente do córrego Tereré está localizada no Bairro Zeferino I, no perímetro urbano de São José dos Quatro Marcos, entre as coordenadas de 15º 38’ 03” de latitude sul e 58º 10’ 14” de longitude oeste. As características climáticas e geomorfológicas são parecidas com as nascentes avaliadas no setor rural do distrito de Sonho Azul. A maior diferença desta nascente em relação às nascentes do Zé Cassete e Carnaíba está no seu aspecto geológico e litológico, cuja base é composta por rochas do complexo Xingu. Por estar localizada numa área de depressão, sofre influência direta do lençol freático, cujo período de maior recarga acontece na estação chuvosa, dessa forma, nesse período a água flui em vários pontos e na estiagem esta torna-se intermitente. 38 No que diz respeito ao aspecto geológico, o local encontra-se sobreposto em complexo rochoso com alta capacidade de impermeabilização. Sobre esse assunto, o projeto RADAMBRASIL (1982) relata que a região está localizada no macro complexo rochoso do Xingu e têm como componentes litológicos mais comuns a biotita/gnaisses, hornblenda/gnaisses, migmatitos, granitos, xistos, filitos e milonitos (cataclasitos). Quanto à profundidade do embasamento na área não existe registro, porém, o trabalho permitiu a visualização de afloramentos de blocos de granitos próximos à nascente. Dessa forma, pode-se sugerir que o embasamento rochoso (impermeável) e o aspecto do relevo tenham contribuído para instalação da nascente no fundo do vale (Figura 08). A B Figura 08 – Afloramento da nascente do tipo difusa do córrego Tereré no perímetro urbano do município São José Quatro Marcos. Coordenadas geográficas: 15º 48’ 04” de latitude sul e 58º 10’ 25” de longitude oeste. Fonte: José Carlos de Oliveira Soares (2008) Almeida (1964) englobou as rochas mais antigas, que ocorrem no vale do rio Jauru, no complexo cristalino brasileiro. Litologicamente identificou “micaxistos, anfibolitos e granitos mais ou menos laminados”. De acordo com Almeida (1978), o conjunto de metamórficos englobados no Complexo do Xingu faz parte da unidade basal do Catron Amazônico. Vieira (1965) reportouse sucintamente acerca do complexo Brasileiro de idade arqueana, como constituído por gnaisse muito feldispático e xistosos quartzo-sericita-xisto azulado e quartzo biotita-xisto cinza escuro, litótipos esses escritos às proximidades de Porto Esperidião, distante a cerca de 100 quilômetros a sudoeste de São José dos Quatro Marcos (Figura 09). 39 A B Figura 09 – Afloramentos rochosos encaixados (A) e rolados (B) próximos da nascente do córrego Tereré, no bairro Zeferino I, em São José dos Quatros Marcos. Coordenadas geográficas: 15º 38’ 42” de latitude sul e 58º 10’ 24” de longitude oeste. Fonte: José Carlos de Oliveira Soares (2008) No que concerne aos aspectos geomorfológicos, a área da nascente está localizada na macro-depressão do Rio Paraguai, em um vale com abertura para o sentido oeste. Trata-se de um local cujo vale tem seus topos aplanados no entorno. Almeida (1978) classifica a região como a unidade geomorfológica a Planície Cristalina do Jauru (projeto RADAMBRASIL, 1982). O interflúvio possui declives moderados que variam de 4,1 % a 6,62 % na mensuração de Garcia & Piedade (1984), e esse fato influencia no carregamento de água e sedimentos para a nascente (Figura 10). A B Figura 10 - Vale onde encontra-se a nascente do córrego Tereré, em quintais (A) e rua (B) no bairro Zeferino I, município de São José dos Quatro Marcos. Coordenadas geográficas: 15º 38’ 46” de latitude sul e 58º 10’ 21” de longitude oeste. Fonte: José Carlos de Oliveira Soares (2008) 40 O projeto RADAMBRASIL (1982) relata que a geomorfologia da região destaca-se pelas formas tabulares, com diferentes ordens de grandeza e aprofundamento de drenagem separado por vales de fundo plano. Em relação aos índices de dissecação, esta área oscila em altura que varia de 750 a 1750 metros de profundidade. No contexto do quadro climático regional, nesta nascente, a precipitação anual é também na ordem de 1500 mm com regimes sazonais bem definidos na distribuição do volume pluviométrico. No local, os meses mais chuvosos são dezembro, janeiro e fevereiro, apresentando totais acima de 300 mm mensais. Os quatro meses mais secos compreendem os meses de junho, julho, agosto e setembro. Do exposto, percebe-se que esta área possui, em síntese, embasamento geológico composto por rochas graníticas que dificultam a percolação da água para grandes profundidades do terreno. A água captada e convergida para o local, graças ao aspecto geomorfológico que imprime a forma em U no terreno, armazena a água próxima da superfície do vale e esta transborda no período chuvoso, dando origem à nascente do córrego Tereré cujo regime é intermitente. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O ambiente é um todo integrado, produto da intersecção de variados atributos ambientais tais como a geologia, a geomorfologia, aspectos climáticos, entre outros, que materializam na biosfera bens naturais necessários à sobrevivência dos seres vivos, especialmente do ser humano. Assim, os atributos ambientais são condições “sine qua non” para que as populações humanas possam organizar-se em sociedade e buscar melhor qualidade de vida. O modelo capitalista de produção encontra-se seu sentido mais pleno na acumulação e no lucro. Dominante e hegemônico no mundo atual, especialmente nas sociedades ocidentais, a afirmação desse sistema de produção se deu pela retirada cada vez mais intensa dos elementos da 41 natureza para satisfazer os anseios de conforto e bem estar do ser humano ao longo da história. Desse modo, quanto maior a capacidade que o homem tem para subtrair os elementos naturais para transformá-los em mercadoria, maior também serão o número de produtos disponíveis ao ser humano para traduzirem-se no seu conforto e bem estar. Porém, esse mesmo sistema que requer um número cada vez mais crescente de bens naturais para serem transformados em produtos que assegurem o bem estar do consumidor e o lucro do capitalista, como qualquer outro modelo, não sobreviveria com o exaurimento dos bens que a natureza ainda oferece. No computo destas observações, percebe-se que, paradoxalmente, se de um lado, o sistema de produção em nome do atendimento às necessidades humanas e busca de melhor qualidade de vida “inspire” a exploração cada vez maior dos elementos da natureza, de outro, a retroalimentação da capacidade de continuar produzindo para atender as necessidades de consumo, depende, necessariamente, da continuidade desses elementos para, deles então, serem retirados a matéria e/ ou a energia de que o homem precisa. No entrave deste paradoxo, é preciso encontrar caminhos para garantir o uso dos recursos que a natureza nos oferece sem causar o seu extermínio. Um caminho para essa possibilidade é que se busque cada vez mais entendimento do funcionamento integrado dos elementos da natureza. São diagnósticos no âmbito das bacias hidrográficas que subsidiarão as políticas de gestão ambiental para essas áreas. Sobre esse diagnóstico, que considerou a interação e o papel dessas variáveis geográficas na origem das nascentes, é possível considerar, sobre as nascentes localizadas no distrito do Sonho Azul e na cidade de São José dos Quatro Marcos: • Do ponto de vista geológico, a captação da água ocorre em todo o margeamento das serras do Padre Inácio, na sua porção leste, e no prolongamento desta, serra do Caeté, na porção oeste. Esse processo, é possível graças às fendas que ocorrem nas rochas areníticas e dissecada da formação Raizama e à permeabilidade das rochas calcárias da formação Araras que permitem o percolamento da água 42 nessa parte do terreno. Por outro lado, na estrutura do subsolo, a água percolada e escoada em direção às depressões, local das nascentes, encontra dificuldades de infiltração para maiores profundidades, especialmente no embasamento argilo/siltoso da Formação Bauxi. • Na análise da estrutura geomorfológica verificou-se que as maiores elevações estão à montante das nascentes, margeando-as latitudinalmente e, esse fato, possibilita que a água escoe para os vales formados ao norte destas elevações. Esse fato constitui-se muito relevante na distribuição e acondicionamento de água nos vales delimitados por pequenos interflúvios. • A partir das circunstâncias climáticas, especialmente do regime pluviométrico, entende-se que o período de maior captação de água e, por conseguinte, de maior acúmulo e escoamento, ocorre no verão, entre os meses de outubro a abril, em detrimento do período de menor recarga pluviométrica que ocorre entre os meses de abril a setembro. Este é o ritmo do regime de chuvas no alto Pantanal Mato-grossense capaz de produzir as fitofisionomias de inundação do local e determina o volume de recarga de água no subsolo e o período em que o material hídrico transborda para a superfície do solo, dando origem às nascentes, de caráter intermitente ou permanente, assim como as nascentes que se apresentam no local. Dessa forma, da intersecção entre os fatores geológicos, que condicionam a percolação e o armazenamento da água na estrutura argilítica/siltosa, com os fatores geomorfológicos, que condicionam a captação e convergência da água nas depressões, mais as circunstâncias climáticas, que condicionam o volume de água que cai no terreno, aparecem as nascentes dos Córregos Carnaíba de caráter permanente, localizada próximo a rodovia MT 248 e Zé Cassete, de caráter intermitente, localizada próxima da estrada vicinal do Distrito de Sonho Azul. No que diz respeito à nascente do perímetro urbano de Quatro Marcos esta está assentada na estrutura geológica do complexo Xingu, grupo Alto Paraguai, estrutura esta composta por rochas graníticas que dificultam a 43 infiltração da água para grandes profundidades do subsolo. No aspecto geomorfológico a nascente está localizada no centro de uma estrutura de relevo organizada em forma de U, com declive mais acentuado vindo das porções leste (montante), norte (margem direita) e sul (margem esquerda). Essa estrutura interfere diretamente na forma de captação da água que converge totalmente para o fundo do abaciamento em forma de vale. Por fim, o regime de chuvas, que mostra maior concentração pluviométrica no verão e baixo volume no inverno, determina a quantidade de água que se convergirá para o ponto da nascente. Assim, com base no entendimento da teoria dos sistemas que menciona que nos ambientes há uma troca de energia entre os atributos ambientais para dar forma ao que se apresenta na realidade, podemos afirmar que a interrelação dos atributos climáticos, geológicos e geomorfológicos com as características que se apresentam na realidade do local, são determinantes na origem das nascentes analisadas. Quando consideramos que os princípios da sustentabilidade impõem ao homem moderno, a adoção de políticas de gestão norteadas por valores éticos e de responsabilidade com a qualidade de vida atual e também com a da geração futura, é imperioso que se considere, de igual forma, que tais políticas sejam norteadas por diagnósticos que, baseados nas particularidades ambientais, possam indicar a capacidade de suporte do ambiente onde a gestão será efetivada, por que assim não o sendo, quaisquer atitudes de planejamento terão o sentido de caminhar por algum lugar que não se conhece e não se sabe como proceder. Nesta pesquisa realizada nas nascentes dos córregos Zé Cassete, Carnaíba e Tereré na sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté, produziu-se, ao menos em parte, esse diagnóstico que poderá orientar novos caminhos a serem tomados pela população dessas áreas, tendo em vista as peculiaridades dos aspectos geológicos, geomorfológicos e climáticos desses locais. Dessa forma, o resultado deste trabalho constitui exemplo de primeira medida de gestão possível para a sub-bacia hidrográfica estudada, por que aponta cognição sobre os fatores de ordem natural que garantem o abastecimento 44 vigente nas nascentes e, assim, um passo importante de gestão ambiental dentro dos preceitos da sustentabilidade está dado. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AB´SABER, A. N. Um conceito de geomorfologia a serviço de pesquisas sobre o quaternário. Geomorfologia. nº 18, São Paulo, IGEOG, USP, 1969. ALMEIDA, F. F. M. Geologia do centro-oeste-matogrossense. Boletim da Divisão de Geologia e Minerologia. Rio de Janeiro. 1964. ALMEIDA, F.F.M. A evolução dos cratons amazônico s do São Francisco comparada com a de seus homólogos do hemisfério norte In: Congresso Brasileira de Geologia. Recife, 1978 Anais Recife, Sociedade Brasileira de Geologia, 1978 v 6, p 2393-407 ASSINE, M. L. ; & VESELY, F. F. . AMBIENTES GLACIAIS. 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Estratigrafia e estrutura da região de Rondonópolis, MT Ponta Grossa, PETROBRÁS. 1965a 8p (Relatório Técnico Interno, 302). 47 USO ATUAL, TOPOGRAFIA E ALGUNS ATRIBUTOS DO SOLO NO ENTORNO DAS NASCENTES DOS CÓRREGOS ZÉ CASSETE, CARNAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CÓRREGO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO, BRASIL [Preparado de acordo com as normas da Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional] RESUMO: O processo de urbanização e o modelo de práticas agropecuárias hoje aplicadas no campo têm acelerado o ritmo de pressão que as atividades humanas provocam nos recursos naturais. Esse modelo de uso e manejo da terra tem reflexos no sudoeste do estado de Mato Grosso com a degradação das bacias hidrográficas e de suas fontes de abastecimento. Com base nesta realidade, O objetivo deste estudo foi de avaliar a pressão que as atividades humanas decorrentes do uso da terra, combinadas com os aspectos do meio físico/natural exercem sobre as nascentes de modo a caracterizá-las. Esta pesquisa ocorreu em três nascentes localizadas na sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté, sendo as dos córregos Zé Cassete e Carnaíba nas coordenadas de 15º 48’ 29” de latitude Sul e 58º 08’ 19” de longitude Oeste e 15º 46’ 25” de latitude sul e 58º 07’ 29” de longitude oeste, respectivamente, e a do córrego Tereré, na coordenada geográfica de 15º 38’ 03” de latitude sul e 58º 10’ 14” de longitude oeste. As duas primeiras nascentes mencionadas localizam-se na zona rural do distrito de Sonho Azul em Mirassol D’ Oeste-MT e a terceira no perímetro urbano de São José dos Quatro Marcos-MT. O tratamento metodológico do estudo fundamentou-se no método de interpretação da fisiologia da paisagem, que se realizou através de atividades de campo. O resultado da pesquisa mostrou que a nascente do córrego Carnaíba está mais preservada, em função da menor proporção das atividades econômicas no entorno, preservando boa parte dos aspectos originais. A nascente que se encontra mais pressionada pelas atividades econômicas desenvolvidas nas proximidades é a nascente do córrego Zé Cassete onde o cultivo da cana-de-açúcar tem levado à redução da fertilidade do solo do entorno, requerendo medidas imediatas de recuperação. A nascente do córrego Tereré já perdeu praticamente todas suas características originais em função da urbanização, caracterizando-se, atualmente, como local de acúmulo de dejetos domésticos, requerendo, dessa forma, intervenções imediatas de recuperação, a serem desenvolvidas pelo poder público em parceria com a população que vive no entorno. Palavras-chave: Nascentes, ambiente rural, ambiente urbano, pressão antrópica, atributos naturais, degradação. 48 CURRENT USE, TOPOGRAPHY AND SOME ATTRIBUTES OF THE GROUND AROUND THE SPRINGS OF STREAMS ZÉ CASSETTE, CARNAÍBA AND TERERÉ IN THE SUB- BASIN HYDROGRAPHIC FROM CAETÉ, SOUTHWEST OF MATO GROSSO, BRAZIL ABSTRACT: The process of urbanization and the pratic models of farming applied nowadays on the country has sped up the pressure rhythm which the human beings activities pressured on the natural resources. This model of use and handling of the land has consequences in the southwest of Mato Grosso with the degradation of the hydrographics basins and their supplying sources. Based on this reality, the objective of this study was to evaluate the pressure that the human beings activities decurrent of the land using, combined with the aspects of the natural/physicist exert on the springs in order to characterize them. This research occurred on three springs located in the hydrographic sub-basin of the Caeté stream, being the streams; Zé Cassete and Carnaíba on the coordinates of 15º 48 ' 29” South latitude and 58º 08 ' 19” west longitude and 15º 46 ' 25” south latitude and 58º 07 ' 29” west longitude, respectively, and of the Tereré stream, in the geographic coordinate of 15º 38 ' 03” south latitude and 58º 10 ' 14” west longitude. The two first mentioned springs are situated on the country zone from Sonho Azul district-MT and the third is on the urban perimeter from São José dos Quatro Marcos - MT. The methodological treatment of the study was based on the method of landscape physiology interpretation which has been carried through outdoor activities. The result of the research showed that the Carnaiba stream spring is more preserved, because of the smaller ratio of economic activities around, preserving great part from the original aspects. The spring which is more pressured by the developed economic activities in the neighborhoods, is the spring of the Zé Cassete stream, requiring recovery immediatly recovery. The spring of the Tereré stream already lost practically all its original characteristics because of the urbanization, characterizing itself, currently, as accumulation place of domestic dejections, requiring, immediate interventions of recovery, to be developed for the public power in partnership with the population who live in there. Key-Word: Springs, country environment, urban envirorment, human being pressure, natural attributes, degradation. 49 1. INTRODUÇÃO Embora em diferentes formas, escalas e magnitude, o ser humano vem, ao longo da história, efetuando importantes alterações sobre o meio ambiente. Esse processo intensificou especialmente depois do acontecimento da Revolução Industrial, quando os elementos técnicos passaram a mediar cada vez mais a relação dos homens entre si e, destes, com a natureza. Como conseqüências desse processo agravaram-se os problemas ambientais e essa temática tornou-se pauta de ordem no debate atual. O uso da terra no estado de Mato Grosso voltado para o desenvolvimento das atividades econômicas, historicamente, esteve ligado às práticas da agropecuária desenvolvida em grandes propriedades. Nesse aspecto, a pecuária foi durante muito tempo o principal item da produção ocorrida no estado, manejada em grandes extensões de terra e tendo como base o sistema extensivo, especialmente no Pantanal Mato-grossense. Porém, nos últimos anos, com a abertura da fronteira agrícola na região amazônica, e através dela, com a inserção de novas tecnologias de correção dos solos do Cerrado, esse cenário ganhou forma nova com o crescimento da produção agrícola que, por sua vez, também redimensionou as formas de uso da terra no estado. Esse processo de rearticulação da forma de uso da terra em Mato Grosso está fortemente ligado ao fluxo migratório que aqui ocorreu com a vinda de pessoas de outras regiões do país. Na porção sudoeste de Mato Grosso, nos municípios que hoje fazem parte da microrregião do Jauru, tais como Mirassol D’ Oeste e São José dos Quatro Marcos, os fluxos migratórios começaram a ocorrer por volta da década de 60 e intensificaram à partir dos nos 70, graças aos programas de incentivo à ocupação promovido pelos governos federal e estadual nas terras que até então eram devolutas. Através da venda de terras a baixo preço, o Estado intencionava, de fato, a inserção desta região no cenário produtivo nacional. Nesse período, a venda de terras representava para o Estado, a saída do seu estágio de território pouco povoado, semi-isolado, não integrado ao restante do país. Assim, esperava-se com a venda de terras povoar os designados “espaços-vazios” bem como absorver lucrativas somas para a economia do 50 Estado (HEINST, 2003). A forma como ocorreu a entrada desses migrantes na região, sem nenhuma condição de infra-estrutura logística e de tecnologias, expõem esse novo dono da terra à uma relação de enfrentamento hostil com a natureza. Era preciso desmatar e queimar para sobreviver, garantir a sobrevivência e as aspirações econômicas que motivaram a sua vinda, a qualquer custo ambiental. É desse enfrentamento com a natureza, que se modelou o início do uso da terra na sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté. Esse processo cristalizou, já no início da ocupação, a pressão humana sobre as nascentes e os canais fluviais ali existentes. Inicialmente o processo de ocupação dessa região esteve calcado nas práticas agrícolas voltados para a agricultura familiar, mais tarde, essa prática reorientou-se para o uso da terra nas culturas comerciais, especialmente a monocultura da cana e criação de gado. Desconsiderando as especificidades do lugar, migrantes incentivados pela propaganda oficial do governo devastaram imensas áreas de vegetação nativa para introduzir culturas comerciais, entre elas, a soja, algodão, cana-de-açúcar, gado de corte, entre outros (FREITAS, 2005). Paralelamente ao uso da terra para a prática agropecuária, ocorreu o processo de urbanização e, igualmente ao que se observou no meio rural, esse processo iniciou-se ás margens dos cursos d’ água, muito significativos para o abastecimento da população. Os padrões de expansão urbanas apresentam fortes repercussões ambientais, em especial sobre os mananciais de água, suprimindo-lhes os ecossistemas e as últimas reservas de vegetação natural e criando situações de escassez, mesmo em locais com grande disponibilidade natural. Seu potencial de interferência é particularmente agudo nas grandes cidades, onde todos os seus efeitos são multiplicados (TAGININ E MAGALHÃES, 2001, p. 04). Como em qualquer outra organização sistêmica, a paisagem do lugar reflete o resultado de múltiplas forças que se convergem para dar significado ao que se observa na paisagem atual. Corroborando com essa assertiva, Christofoletti (1982) afirma que considerando a multiplicidade de fatores, forças, elementos e relações que se encontram nas organizações espaciais, o 51 número de possíveis organizações que ocorrem no ambiente praticamente é infinito, pois cada arranjo representa uma possibilidade. Mais do que em qualquer outra unidade espacial, é no âmbito da bacia hidrográfica que essa articulação de fatores e forças se torna mais evidente. Desses fatores e forças participam os aspectos do relevo, da vegetação, do solo, das diversas formas como o ser humano se organiza nos lugares, entre outros. Muito se tem falado da preservação dos recursos naturais, especialmente no que tange às bacias hidrográficas. Não obstante, a pressão exercida pelas atividades humanas sobre esses recursos é incontestável, principalmente nos casos da manutenção da vegetação original no entorno das nascentes e ao longo dos cursos d’ água. Segundo Lima (1989), a presença da vegetação contribui tanto para diminuir a ocorrência do escoamento superficial, que pode causar erosão e arraste de nutrientes e sedimentos para os cursos d' água, quanto para desempenhar um efeito de filtragem superficial e subsuperficial dos fluxos de água para os canais. Outro fator não menos importante no equilíbrio de forças no contexto da bacia hidrográfica está relacionado à declividade. A declividade do terreno é expressa como a variação de altitude entre dois pontos do terreno, em relação à distância que os separa. Em porcentagem, significa a relação do ângulo formado entre a distância horizontal e vertical entre esses dois pontos numa porção de um terreno qualquer. Essa análise é importante por que, entre outras coisas, permite perceber a relação do relevo com a drenagem, infiltração da água, taxa de sedimentação etc. (GARCIA & PIEDADE, 1984). No mesmo sentido, Ray (1963) cita que cada padrão de relevo está associado a um processo geomorfológico específico de erosão ou deposição e reflete a origem e o caráter geral da paisagem. Em relação aos aspectos pedológicos, é preciso ressaltar, inicialmente, o papel que as variáveis químicas e físicas do solo desempenham no contexto de suas caracterizações e potencial de uso em um determinado setor do terreno. Ao lado dessas variáveis, influem no solo aspectos geográficos aqui já mencionados, como é o caso da topografia. Para Smith & Aandahl (1957), as 52 unidades de solo não ocorrem ao acaso na paisagem, mas possuem um padrão de distribuição relacionado à forma do terreno, ao material de origem do solo, à influência da vegetação, ao tempo e à maneira pela qual o homem as tem utilizado. Diante da abordagem apresentada, questiona-se sobre os efeitos que as variáveis naturais, como as características do solo, aspectos geomorfológicos e fitogeográficos, em seu aspecto original e quando descaracterizados em função do uso da terra pelo ser humano, podem exercer sobre os recursos hídricos, em especial nas nascentes. A hipótese é os efeitos dessas variáveis naturais e humanas sobre as nascentes são proporcionais às condições do uso da terra, caracterizado pelo modelo de interferência nos recursos naturais, no nível de detalhe da escala local. Dessa forma, com base na perspectiva geo-sistêmica, descrito por Mendonça (1997), esta pesquisa objetivou levantar o papel que as pressões decorrentes das atividades humanas, através do uso e ocupação do solo, combinadas com circunstâncias do meio físico/natural (pedologia, topografia e vegetação), desempenham sobre as características atuais das nascentes dos córregos Zé Cassete, Carnaíba e Tereré, este último em ambiente urbano. 2. MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo encontra-se três nascentes da sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté (Figura 01), localiza-se no sudoeste de Mato Grosso. As duas nascentes rurais Zé Cassete e Carnaíba encontram-se no Distrito de Sonho Azul, no município Mirassol do Oeste. A nascente Zé Cassete localiza-se nas coordenadas de 15º 48’ 29” de latitude Sul e 58º 08’ 19” de longitude Oeste e a nascente Carnaíba localiza-se nas coordenadas de 15º 46’ 25” de latitude sul e 58º 07’ 29” de longitude oeste. A nascente do córrego Tereré está localizada no perímetro urbano do município de São José dos Quatro Marcos, nas coordenadas geográficas de 15º 38’ 03” de latitude sul e 58º 10’ 14” de longitude oeste. 53 N3 N- Nascente Figura 01 - Área de localização da bacia hidrográfica do ribeirão Caeté (N1 Zé Cassete; N2 Carnaiba; N3 Tereré). Adaptado de ARAÚJO (2008). O princípio metodológico teve por base a teoria do Geossistema, proposto por Sotchava (1962) e descrito no trabalho de Mendonça (1997) que, utilizando os princípios sistêmicos, aliada a noção de paisagem, procura analisar integradamente o complexo-físico-geográfico, ou seja, a conexão da natureza com a sociedade humana. Com base nesse princípio, o tratamento metodológico fundamentou-se no método de interpretação da fisiologia da paisagem, arguida por Ab’ Saber (1969). Esse método propicia que se estude a dinâmica dos processos morfodinâmicos atuantes na paisagem para conhecer a funcionalidade na sua totalidade. Através de equipamentos específicos, obtêm-se informações sobre o comportamento dos elementos do clima, tipos do solo, papel da cobertura vegetal, entre outros. 54 Essa proposição de Ab’ Saber (1969), com fundamento nos princípio da análise geossistêmica, que considera o meio como produto das interações humanas, mostra-se bastante adequada, pois permite entender o papel que os fatores físicos-geográficos exercem sobre as nascentes e até que ponto corroboram para definir a vulnerabilidade destas em relação à dinâmica ambiental e, à partir destes dados, instruir a otimização do uso desses espaços. 2.1 Uso/ocupação do solo O estudo do uso atual foi realizado através de trabalho de campo, descrita por Compiane & Carneiro (1993) como uma atividade que permite ao pesquisador resolver determinados problemas relacionados à sua curiosidade, à medida que para essa observação elabore hipóteses a serem pesquisadas e estruture uma seqüência de observações e interpretações, decidindo as estratégias para validá-las, avaliando nesse sentido, a necessidade de recorrer a literatura especializada. Assim, em campo buscou-se observar o processo de ocupação de cada área, procedendo anotações dos aspectos evidentes na paisagem, especialmente àqueles relacionados às atividades sócio- econômicas ali desenvolvidas. Para completar essas informações, buscou-se ainda dados disponibilizados pela Secretaria de Planejamento do Estado de Mato Grosso (SEPLAN) sobre os municípios onde a área de estudo está localizada. 2.2 Aspectos topográficos A declividade foi medida utilizando-se mangueira de nível, a partir das zonas de interflúvio no terreno até o ponto de afloramento e/ ou zona de encharcamento. Chama-se zona de interflúvio a delimitação do terreno onde se forma os pequenos abaciamentos. As classes de declividade foram reconhecidas através dos parâmetros apontados por Garcia & Piedade (1984), (Quadro 01). 55 Quadro 1 – Classes de relevo em função da declividade do terreno. Classe Declividade (%) Interpretação A <3 Fraca B 3a6 Moderada C 6 a 12 Moderada a forte D 12 a 20 Forte E 20 a 40 Muito forte F > 40 Extremamente forte A declividade foi observada em intervalos de 10 metros. De posse desses dados, utilizando-se da equação d(%) = DN/DH x 100, onde a porcentagem do declive (d) é igual a distância do nível (DN) sobre a distância horizontal (DH), calculou-se as declividades das zonas de abaciamentos e mensurou-as como fatores de pressão exercidos sobre os afloramentos de água. 2.3 Situação da cobertura vegetal O estudo da vegetação buscou avaliar quatro aspectos: A cobertura vegetal nativa dos pontos estudados antes da sua retirada. Para isso, buscaram-se informações com moradores antigos na localidade e efetuou-se levantamento através da comparação com fragmentos de vegetação na mesma unidade de paisagem, próxima do local de estudo. Identificação das espécies vegetais arbóreas presentes no entorno das nascentes. A densidade média da vegetação ainda existente no entorno da nascente, relacionando esta informação com a legislação pertinente (Código Florestal, Lei nº 4.771/65). Para proceder essa análise, considerou-se a fórmula de densidade [ind./m²], ρ= nº ind. área 56 Onde: ρ= densidade média da vegetação; nº ind = número de indivíduos; área = área em m². Para quantificar o número de indivíduos por área, considerou-se apenas as unidades arbóreas lenhosas com ramificações que sobressaíssem do caule a partir de 50 cm do nível do solo (YAMAMOTO et al, 2005). Porcentagem de proteção e vulnerabilidade da nascente, propiciado pela cobertura vegetal do entorno, à partir dos parâmetro do art. 2º. do Código Florestal (Lei nº. 4.771/65). Considerando que, dado às necessidades que o ser humano tem de intervir na natureza para subtrair seus recursos, o comando legal mencionado é a tese conclusiva da sociedade brasileira para que se tenha 100 % de êxito de proteção desse atributo ambiental. Neste sentido, para chegar a essa porcentagem, adotou-se o seguinte procedimento matemático utilizando-se a seguinte fórmula desenvolvida neste trabalho: PRP= ρ VR LPI x100 Onde: PRP= porcentagem real de proteção ρVR= densidade média de vegetação real do entorno LPI= limite de densidade de vegetação ideal. O limite de densidade média de vegetação ideal, é obtido da densidade média de vegetação, por m², em área da mesma unidade de paisagem no entorno que, num raio de 50 m², ainda guarda todas as características da vegetação original, sendo esta, então, a densidade média de vegetação necessária para guardar 100% de proteção da nascente, à partir do componente arbóreo. A densidade média de vegetação num raio de 50 m² é obtido pelo número de indivíduos num raio de 50 m², dividido pela respectiva área. 57 2.4 Aspectos pedológicos Para analisar os aspectos pedológicos do entorno dos afloramentos de água avaliou-se alguns atributos químicos e físicos do solo de cada nascente. A coleta teve por base um limite no raio de 50 metros. A escolha dessa medida fundamentou–se no Código Florestal (Lei nº. 4.771/65) que determina esse raio como área de preservação permanente, em caso de nascentes. Considerando esse raio de coleta, as amostras foram retiradas em lados diversos das nascentes, tendo em vista declividades e diferentes formas de uso. Em cada área foram coletadas três amostras de solo nas profundidades de 0 a 0,20 e 0,20 a 0,40 m para análise de parâmetros relacionados à fertilidade e para determinação da textura e duas amostras indeformadas nas profundidade de 0 a 0,10 e 0,10 a 0,20 cm para determinação da densidade do solo (Figura 02). Figura 02 – Coleta de amostras de solo para determinar a textura e atributos químicos do solo. Coordenadas geográficas: 15º 48’ 28”, latitude sul e 58º 08’ 19” longitude oeste. Fonte: José Carlos de Oliveira Soares (2008) Todas as determinações relativas à fertilidade do solo foram realizadas conforme Embrapa (1997): textura (método da pipeta); Ca2+; Mg2+ e Al3+ (KCl 1 mol L-1); acidez potencial (solução SMP); P e K+ (Mehlich 1), sendo o P quantificado por colorimetria, após reação com molibidato de amônio; carbono 58 orgânico (CO) (oxidação via úmida com K2Cr2O7 0,4 mol L-1), sendo a MO obtida multiplicando-se o valor do CO por 1,724. Parâmetros como capacidade de troca de cátions total (CTC a pH 7,0) e efetiva (CTCefe), saturação por bases (V) e saturação por alumínio (m) foram calculados para todas as amostras. No estudo da densidade do solo, foi adotado o método do anel volumétrico (EMBRAPA, 1997). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 As nascentes rurais do distrito de Sonho Azul 3.1.1 Ocupação e uso da terra De acordo com Mandrile (2003), a comunidade de Sonho Azul foi fundada por volta do ano de 1963 por iniciativa do senhor Ananias e sua esposa, senhora Antonieta, que eram donos das terras. Juntamente com as famílias dos senhores Antonio Francisco de Paula, Manoel Francisco de Paula e Frederico Schuh deram início às primeiras atividades no local instalando, assim, o povoado que hoje conta com uma população de aproximadamente 1200 habitantes. O processo de ocupação na área de estudo iniciou com incentivos governamentais para povoamento da região sudoeste de Mato Grosso através de vendas de terras devolutas a preços considerados baixos para a época. No início da ocupação as atividades agrícolas eram voltadas para a subsistência (agricultura familiar) sendo cultivado arroz, feijão, milho, mandioca e criação de pequenos animais como porcos e galinha (HEINST, 2003). Na década de 80, essas pequenas propriedades onde se praticava a agricultura de subsistência, foram perdendo espaço para a criação de gado de corte e leiteiro. Nesse contexto, instalaram-se grandes frigoríficos e laticínios na região, especialmente nas cidades próximas de Araputanga e São José dos Quatro Marcos. Segundo Neuburger & Geipel (2008), esse fato aconteceu por que os solos arenosos da região dificultavam a produção de cultivos anuais na região, com isso, a rentabilidade da agricultura baixou e muitas famílias, 59 geralmente bastante endividadas, deixaram suas propriedades migrando para as novas frentes pioneiras em Rondônia. Estas áreas foram ocupadas ou pelas fazendas de gado vizinhas ou por propriedades médias de pecuária leiteira. Nos anos 90, com o corte dos subsídios para a produção de alimentos básicos até então oferecidos pelo governo federal, ao mesmo tempo em que ocorreram os incentivos dados ao PROÁLCOOL, observa-se mudança no cenário da produção agropecuária da região, especialmente em Mirassol D’ Oeste, com a entrada da cultura da cana-de-açúcar, que passa então a coexistir com a pecuária. Nesse município, com sede localizada a cerca de 12 quilômetros do distrito de Sonho Azul, instalou-se uma usina de álcool, denominada Cooperb, em meados da década de 90. Porém, no final dessa mesma década as atividades dessa usina foram suspensas. No ano de 2003, ocorreu um processo de reativação das atividades ligadas à cultura da cana-de-açúcar; fato este corroborado pela retomada da produção de álcool na Cooperb, em Mirassol D’ Oeste. Novamente, esse fato redimensionou a forma de uso da terra no ambiente rural desse município, incluindo o distrito de Sonho Azul, pois a criação de gado passou então a coexistir com a cana-de-açúcar, tornando-se estas as principais atividades econômicas da região. A monocultura da cana-de-açúcar, fazendo parte do atual processo de expansão da agricultura capitalista no campo mato-grossense, tem mostrado forte tendência a concentração de terras, com incorporação das pequenas e médias propriedades rurais pelo produtor mais abastado. Dados do IBGE apontados por Moreno & Higa (2005), indicam que houve um avanço bastante significativo da área colhida dessa cultura entre os anos de 1995 e 2003, passando de 130.446 ha para 196.684 ha nesse período. Nesse mesmo sentido, houve também um aumento do rebanho bovino no Estado, com efetivo saltando de 6.545.956 em 1985 para 24.613.718 no ano de 2003. Porém, uma parcela significativa da criação de bovino, especialmente na região do Pantanal, ainda é predominantemente nos moldes da pecuária extensiva que, por vez, requer maiores áreas de terra para aumentar a produção. 60 No município de Mirassol D’ Oeste o aparecimento da cultura e aumento da produção da cana-de-açúcar, juntamente com o aumento do rebanho bovino no modelo extensivo na primeira metade da última década, seguem a tendência do Estado de Mato Grosso à medida que incrementa novas áreas de terras para a demanda produtiva. De acordo com dados da Secretaria de planejamento (Seplan-MT, 2003- 2005), no caso da cana-de-açúcar, houve aumento significativo tanto na área plantada quanto no volume de produção (Quadro 2). Quadro 02 - Demonstrativo da evolução do plantio da cana-de-açúcar no município de Mirassol D’ Oeste Produção de Cana-de-Açúcar 2003 2004 2005 Área Cultivada (ha) Toneladas Área Cultivada (ha) Toneladas Área Cultivada (ha) Toneladas 250 16.250 550 37.400 750 60.257 Fonte: Seplan-MT, Anuário estatístico, anos (2003 a 2005) Observa-se que o incremento da área plantada da cana-de-açúcar cresceu na ordem de 300 % em dois anos e, é certo que, esse incremento só faz sentido com a incorporação de áreas que antes eram ocupadas por práticas da agricultura familiar ou pecuária, ou mesmo constituíam reservas florestais ainda preservadas. Dessa forma, o avanço sobre novas áreas constituem formas de pressão pelo uso da terra sobre os bens ambientais ali existentes, neste caso, sobre as nascentes. Em relação à criação de gado bovino, houve aumento na produção entre os anos de 2001 a 2005, porém, esse crescimento não ultrapassa a marca de 27,70 %. Ao observar a tendência de avanço na criação de gado nesse período, percebe-se que de 2001 e 2004 houve crescimento, ocorrendo diminuição do rebanho em 2005 (Quadro 03). Quadro 03 - Demonstrativo da dinâmica da criação de gado bovino em Mirassol D’Oeste Criação de gado 2001 111.777 2002 131.780 2003 142.329 2004 150.361 Fonte: Seplan-MT, Anuário estatístico, anos (2002 a 2005) 2005 142.745 61 Quando se compara os avanços e recuos entre a produção da cana-deaçúcar e criação de gado no município de Mirassol D’ Oeste, percebe-se que, entre os anos de 2003 e 2005, quando é possível fazer esta comparação, houve um incremento de apenas 416 indivíduos no plantel, o que equivale a irrisória soma de 0,29 % no volume total do rebanho em dois anos. Esses números são bastante contrastantes frente ao aumento de 270,8 % no volume da produção da cana-de-açúcar em toneladas e 300 % de aumento na área plantada. Esses números mostram que a pecuária cede espaço para a cultura da cana-de-açúcar e ainda reforçam a tese de que o seu avanço na região ocorre em áreas onde a vegetação original teve que ser retirada ou em áreas preteritamente usadas para a criação de gado, principalmente em terras de pequenos criadores que não conseguem melhorar as técnicas de manejo por falta de recursos. Novamente, a pressão do capital monocultor sobre as pequenas propriedades se concretiza. De qualquer forma, tanto a prática da pecuária, prevalente na região de Mirassol D’ Oeste até os primeiros cinco anos desta década, quanto a cultura da cana-de-açúcar constituem hoje fortes variáveis de pressões sobre os recursos hídricos da região. No caso da pecuária, observa-se que os criadores intervêm nos pontos de brotamento da água, retirando a vegetação do entorno para a introdução da pastagem e construindo reservatórios para a dessedentação animal. Já os plantadores de cana-de-açúcar retiram a vegetação natural para aumentar a área de produção. Esta é a realidade que se evidencia nas nascentes do distrito de Sonho Azul, especialmente na do córrego Zé Cassete (Figura 03). A Lei nº 4.771/65 (Código Florestal) define que as áreas de preservação permanente, tais como as nascentes ou olhos d’ água, tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar dos seres humanos. 62 Figura 03 - Croqui demonstrativo do uso da terra no entorno da nascente do córrego do Zé Cassete, distrito de Sonho Azul-MT. Org: José Carlos de Oliveira Soares Na nascente do Zé Cassete a vegetação original foi totalmente retirada para dar lugar ao pasto e à plantação de cana-de-açúcar. As formas de uso estão assim distribuídas no seu entorno: na porção oeste para o cultivo de cana de açúcar, e a leste para a criação de gado. No local, a caminhada do gado forma trilhas em direção à nascente (Figura 4). No entorno, restam apenas algumas espécies remanescentes bastante isolados, como lixeira (Curatella L. americana), figueira (Ficus-sp) e cumbaru ( Diptepyn alata vogel) . Além desses remanescentes arbóreos, surgem gramíneas naturais, sazonalmente, no período da cheia. O Código Florestal, Lei nº 4.771/65 em seu artigo 2º, considera de preservação permanente, pelo efeito de Lei, “as áreas situadas nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’ água, qualquer que seja a sua situação topográfica, devendo ter um raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura”. 63 Figura 4 - Trilhas feitas pelo pisoteio do gado e cultivo de cana-de-açúcar. Fonte: José Carlos de Oliveira Soares (2008) Nesse contexto, a nascente do Zé Cassete encontra-se totalmente vulnerável às pressões de uso do entorno, uma vez que, de todos os lados, não foram respeitados os limites mínimos de preservação da vegetação nativa. Nesta nascente, em raio de 50 m2, foram quantificadas apenas 10 (dez) unidades arbóreas, remanescente da vegetação original. A partir do comando legal mencionado, pode-se aferir o seguinte quantitativo de proteção à essa nascente ( Quadro 04). Quadro 4 - Demonstrativo do quantitativo de vegetação por m2 e porcentagem de vulnerabilidade da nascente decorrente da cobertura vegetal do entorno da nascente do Zé Cassete, município de Mirassol D’Oeste Densidade da vegetação Limite ideal de Percentagem real de no raio de 50 metros densidade de vegetação proteção à nascente segundo fitofisionomia local 0,01 indivíduo por m2 0,24 indivíduos por m2 4,16 % Considerando o quantitativo de proteção obtido nos números apresentados no Quadro 04, conclui-se que essa nascente encontra-se com capacidade praticamente nula para garantir a função ambiental a ela atribuída, fato este que a torna, dentro da dinâmica ambiental, extremamente vulnerável 64 em relação à sua capacidade de abastecimento da sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté. Esse fato, segundo os preceitos legais, desestabilizará, por conseguinte, os atributos do meio físico e da biodiversidade ali existente. Entre as nascentes estudadas nessa sub-bacia hidrográfica, o entorno da nascente do Carnaíba pode ser considerado o mais conservado, pois ainda mantém a cobertura vegetal nas laterais direita e esquerda. Porém, à montante dessa nascente, a vegetação foi retirada e introduzida a pastagem e, por não apresentar nenhum obstáculo de acesso, o gado adentra até a nascente para dessedentar-se e o pisoteio tem provocado gradativamente a remobilização e desaparecimento dos olhos d’água (Figura 05). Figura 05 – Pastagem e cobertura vegetal próximo da nascente, nas coordenadas de 15º 46’ 25” de latitude sul e 58º 07’ 29” de longitude oeste. Fonte: José Carlos de Oliveira Soares (2008) A respeito da vegetação do entorno da nascente Carnaíba reconhecese que é do tipo Floresta Estacional Semi-decidual Aluvial (Floresta Tropical Subcaducifólia). Regionalmente, esta fitofisionomia pode ser reconhecida como Mata ciliar ou de galeria. Esta formação vegetal caracteriza-se por uma formação florestal que ocupa as acumulações fluviais quaternárias, daí ser comum o seu aparecimento em áreas inundáveis como as nascentes (PCBAP, 1997). No conjunto dessa fitofisionomia, estão presentes os seguintes tipos arbóreos, característicos da vegetação original (Quadro 05). 65 Quadro 05 - Demonstrativo das espécies vegetais arbóreas mais comuns no entorno da nascente Nome científico Nome popular Crataeva tapia L. Combretum leprosum Mart. Cecropia Peltata,L. Aspidosperma olivaceum Mull. Arg. Anadenanthera falcata Benth. Speg Attalea phalerata, Mart. Cx. Spring. Astronium fraxinifolium Schott Copafeira Langsdorffii Desf. Curatella americana L. Bauhinia forficata Link Isotoma Longiflora(L.) K- Presl Vitex polygama Cham. Bactris setosa Mart. Albizia polycephala (Benth. ) Killinp cx Recosd. Psidium guajava L. Cabaceira Carne de vaca Imbaúba Peroba Angico Acuri Gonçaleiro Copaíba/Pau de óleo Lixeira Pata de vaca Fura Olho Tarumã Tucum de espinho Albízia Goiaba do mato Nas margens direita e esquerda da nascente, em raio de 50 m2, a vegetação encontra-se em condições ideais de conservação. Dessa forma, considerando o total de 102 unidades arbóreas contadas num raio de 50 m, incluindo o setor de montante que não apresenta nenhuma unidade, obtém-se o seguinte quantitativo de proteção (Quadro 06). Quadro 06 - Demonstrativo do quantitativo de vegetação por m² e percentagem de vulnerabilidade, decorrente da cobertura vegetal do entorno da nascente Carnaíba, Município de Mirassol D’Oeste. Densidade da vegetação Limite ideal de Percentagem real de no raio de 50 metros densidade de vegetação proteção à nascente segundo fitofisionomia local 0,16 ind. por m² 0,24 indivíduos por m² 66,6% Considerando os dados do Quadro 06, pode-se considerar que essa nascente mantém-se conservada, especialmente quando comparadas às outras nascentes analisadas, por que possui 66,6 % de sua capacidade de proteção. Reforça essa tese o fato de que esta nascente ainda apresenta a menor variação quanto ao recuo em relação às margens direita e esquerda, bem como em relação ao volume de água que ocorre entre os períodos de cheia e estiagem, conforme aponta dados demonstrado em artigo que versa 66 sobre as condições hidrodinâmicas dessas nascentes constantes do último capítulo deste trabalho de dissertação. A vulnerabilidade da nascente do córrego Carnaíba ocorre exatamente na sua montante, onde a vegetação original foi totalmente retirada. Donadio et al. (2005) observaram em seus trabalhos que, em áreas de nascente com vegetação remanescente, a qualidade da água é superior que nas nascentes de áreas de uso agrícola. 3.2 A nascente urbana de São José dos Quatro Marcos Diferentemente das nascentes rurais do distrito de Sonho Azul que estão inseridas no contexto de atividades agropecuárias, os fatores de pressão exercidos na nascente do córrego Tereré em São José dos Quatro Marcos decorrem do processo de urbanização. O município de São José dos Quatro Marcos possui área de 1.275,10 km², localiza-se no sudoeste do estado de Mato Grosso e foi habitado pelos índios boróro. O processo colonizador desta região ocorreu a partir de 1946. Os imigrantes chegaram nessa localidade em busca de terras boas para o plantio, onde os primeiros produtos plantados foram: café, arroz, feijão e milho. O entorno da nascente do Córrego Terere teve sua ocupação no final da década de 80, quando foi construído, pelo poder público, um conjunto residencial para atender as famílias de baixa renda do município. Faz-se importante ressaltar que, as famílias que ocuparam o local foram famílias que não detinham condições financeiras para ocupar áreas consideradas nobres no perímetro urbano da cidade e foram relegadas, sem nenhuma preocupação ambiental e social, àquele local. Torres & Marques, (2001) mencionam que a conseqüência social da fusão entre desigualdade e a segregação é o forte efeito cumulativo dos riscos sociais e ambientais em alguns pontos críticos da periferia. Assim, o uso do solo no local coincide com a falta de opção dessa população para adquirir outras áreas. Sobre esse assunto Carlos (1988, p. 44): “assegura que o uso do solo urbano será disputado pelos vários segmentos da sociedade de forma diferenciada, gerando conflitos entre indivíduos e usos, esses conflitos 67 serão orientados pelo mercado, mediador fundamental das relações que se estabelecem na sociedade capitalista, produzindo um conjunto limitado de escolha e condições de vida”. É importante mencionar ainda que esse processo de urbanização no município coincide com o esvaziamento que ocorreu no campo, decorrente do crescimento da pecuária extensiva em detrimento do enfraquecimento do cultivo do café na região. Corroboraram para esse fato o empobrecimento do solo e a conseqüente falta de recursos para investimento em tecnologias de recuperação A questão fundamental daqueles ocupantes do entorno da nascente era o de garantir uma faixa de terreno urbano que não estivesse ligado à especulação imobiliária da área central da cidade e, nesse processo de ocupação não houve nenhuma preocupação no que se refere às questões ambientais, tais como a preservação de nascentes e/ ou da mata nativa. Por outro lado, esta falta de preocupação também não foi observado por parte do poder público que não traçou um projeto para a ocupação do referido local. Dessa forma, o entorno da nascente encontra-se totalmente ocupado por ruas e residências construídas tanto em sentido latitudinal quanto em sentido longitudinal à zona de encharcamento (Figura 06). Observa-se que para atender a demanda da expansão urbana, a vegetação original foi totalmente retirada, dando lugar às residências e algumas árvores frutíferas ali introduzidas como mangueira (Mangifera sp), limoeiro (Citus sp), entre outros. Nessas construções não se observou o limite mínimo exigido pela legislação para área de preservação permanente Ao considerar a porcentagem de proteção da nascente em relação ao parâmetro do Código Florestal, esta se apresenta totalmente desprotegida, uma vez que na área de entorno não se observou nenhuma característica do fragmento arbóreo original. Dessa forma, está totalmente vulnerável às pressões de uso no entorno e descaracterizada enquanto bem ambiental. Ao contrário, é vista pelos moradores da comunidade como local incômodo, fonte de insetos vetores de doenças, entre outros males. 68 Figura 06 - Croqui demonstrativo do uso da terra no entorno da nascente do córrego Tereré no perímetro urbano do município de São José dos Quatro Marcos. Org: José Carlos de Oliveira Soares 3.2.1 Aspectos topográficos e pedológicos Ray (1963) cita que cada padrão de relevo está associado a um processo geomorfológico específico de erosão ou deposição e reflete a origem e o caráter geral da paisagem. Esta afirmação ratifica o papel que a forma de relevo através da topografia exerce sobre os atributos ambientais, materializados na paisagem. Neste sentido, é certo o entendimento de que as diferentes declividades de um terreno exercem também influências diferenciadas na forma da paisagem. A erosão marginal desempenha um importante papel no controle da largura dos canais fluviais. Este tipo de erosão contribui, significativamente, para o incremento na carga de fundo dos rios, além de provocar destruição progressiva da área marginal e conseqüente perda de áreas habitadas, áreas cultivadas, áreas preservadas, dentre outras (THORNE, 1990). Assim, a declividade constitui importante fator de erosão do solo nas áreas das nascentes. No geral a declividade média das áreas no entorno das nascentes mostrou-se baixa. De conformidade com os parâmetros de Garcia & Piedade 69 (1984), a percentagem média de declividade entre as nascentes situou-se de fraca a moderada (Quadro 07). Quadro 07 - Demonstrativo da percentagem da declividade e gradiente de pressão exercida sobre a nascente Nascente Média de declividade Nível de pressão em em (%) relação à erosão Córrego Zé Cassete 4,58 Moderado Córrego Carnaíba 2,05 Fraca Córrego Tereré 4,96 Moderado As classes de declividades na nascente Zé Cassete variaram de acordo com sua posição em relação à área encharcada propriamente dita, situando-se entre 3,17 % a 5,78 % que, na média, caracteriza o aspecto topográfico com declividade moderada. A análise de perfil da estrutura topográfica dessa nascente reflete caimentos inferiores a 10 metros, conferidos da base até o limite da zona de interflúvio. Os níveis de declives variam de um lado para outro, indo da posição próxima de ser considerada fraca na margem direita, até a próxima de próxima de moderada a forte à montante. Com declividade de 5,78 %, este é o setor que demonstra maior possibilidade de pressão erosiva sobre a nascente. Essa pressão ocorre porque o barranco que possui maior declividade torna propicia a erosão fluvial e a declividade acentuada no entorno contribui para transportar maior volume de sedimentos para a nascente. De acordo com Bertoni & Lombardi Neto (1993) o volume e a velocidade da enxurrada depende diretamente da declividade da área. A nascente do córrego Carnaíba tem a sua montante como um prolongamento do declive que ocorre da serra do Padre Inácio, assim, essa é a parte que apresenta a maior porcentagem de declive. Calculou nesse setor, declividade de 6,17 %, portanto, caimento topográfico situado na ordem de moderada a forte (Quadro 1). No sentido leste e oeste da nascente a declividade é praticamente nula, não exercendo nenhuma pressão sobre a nascente no que diz respeito aos processos erosivos. Com relação à nascente do córrego Tereré, do limite norte da zona de interflúvio, ou seja, da margem direita para a área de encharcamento, obteve- 70 se a declividade de 6,62 %, que demonstra, portanto, pressão considerada moderada a forte exercida pela topografia. Neste sentido, em relação ao relevo, este é o setor mais vulnerável da nascente. Os lados da margem esquerda e montante apresentam declive moderado de 4,16% e 4,1%, respectivamente. Considerando os aspectos relacionados às formas de uso e aos atributos naturais que influenciam essas nascentes é possível perceber as seguintes diferenças e pontos comuns entre elas (Quadro 08). Quadro 08 - Demonstrativo dos fatores e gradiente de pressão sobre as nascentes dos córregos Zé Cassete, Carnaíba e Tereré Nascente Uso da terra no Vegetação- nº. de Proteção real pela entorno indivíduo p/m² vegetação original Córrego Zé Cassete Córrego Carnaíba Córrego Tereré cana-de-açúcar e criação de bovino Criação de bovino urbanização 0,01 p/m² 4,16% 0,16 p/ m² 0,00 p/m² 66,6% 0,0% Análises de variáveis como Ph, matéria orgânica, textura e a saturação por bases apontam as condições da fertilidade do solo nas nascentes (Tabela 01). No geral não houve diferença entre os atributos em relação à profundidade de coleta das amostras e, por isso, só são mostrados os dados das amostras coletadas na profundidade de 0 a 0,2 m. O termo pH define acidez ou alcalinidade de uma solução. A escala pH cobre uma amplitude de 0 a 14, um valor de pH a 7,0 é neutro, ou seja, as atividades dos íons H⁺ e OH⁻ na solução são iguais. Os valores abaixo de 7,0 são ácidos (predomina o H+) e acima de 7,0 são alcalinos ou básicos (predomina o OH- na solução do solo). O grau de acidez ou alcalinidade do solo é influenciado pelos tipos de materiais de origem, precipitação na região, grau de intemperismo e decomposição da matéria orgânica do solo, entre outros fatores. Constitui um importante atributo relacionado à fertilidade dos solos, pois a disponibilidade de nutrientes para as plantas, bem como a presença de elementos tóxicos são influenciados pelo pH do solo. Em geral, valores de pH entre 5,6 e 6,3 são considerados ideais para o desenvolvimento das plantas (SOUZA & LOBATO, 2004). 71 No presente estudo, maiores valores de pH foram observados nas nascentes Carnaíba e Quatro Marcos, as quais apresentaram valores de pH em torno da neutralidade. Esses valores (Tabela 01), refletiram em elevada saturação por bases, que em alguns casos podem indicar um possível desbalanço nutricional para as plantas cultivadas e a indisponibilização dos micronutrientes Fe, Zn, Mn e Cu (SOUZA & LOBATO, 2004). Os elevados valores de pH observados neste estudo, nas áreas naturais, provavelmente está relacionado à geologia regional, na qual predomina a ocorrência de rochas calcárias, principalmente na região de Mirassol D’Oeste. Na nascente urbana, o pH próximo à neutralidade pode ser reflexo da urbanização da cidade de São José dos Quatro Marcos, onde não há rede de esgoto, o que pode contribuir para a entrada de saponáceos nos corpos hídricos. A matéria orgânica do solo (MO) desempenha importante papel nas propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. Atua aumentando a estabilidade de agregados, reciclagem de nutrientes, no tamponamento impedindo alterações bruscas de pH, aumenta a retenção de água contribuindo para a diminuição do escoamento superficial, minimizando a erosão. Teores mais elevados de MO foram observados na área de mata, na nascente Carnaíba por causa da serrapilheira ali existente, os quais foram significativamente mais elevados que as demais áreas. Porém, todos os locais apresentaram baixos teores de MO, sendo os maiores valores observados nos pontos de coleta situadas na profundidade de 0 a 0,2 m, por conta da decomposição da MO recente. Processos de antropização, tais como a conversão de áreas de mata em pastagens tende a diminuir os teores de MO do solo, com eventuais prejuízos para a ciclagem de nutrientes e porosidade do solo (DORAN et al., 2006; MELLONI et al., 2008). Dada à superficialidade de concentração desse atributo nas áreas do entorno das nascentes sua perda pode ocorrer com maior facilidade em decorrência da declividade e do volume de chuva concentradas na região durante o período de cheia. Vários fatores podem ser considerados para explicar os baixos teores de matéria orgânica mesmo nas áreas sem interferência antrópica, como as áreas de mata. Merece destaque, no entanto, 72 a textura do solo, a qual variou de média a arenosa em todas as áreas amostradas, refletindo os baixos teores de argila no solo. Segundo Canellas et al. (1999) a interação das moléculas orgânicas com a fração argila dos solos pode proteger a MO do solo, ao mesmo tempo que proporciona maior estabilidade dos agregados do solo. Todas as áreas, excetuando a nascente Tereré apresentaram baixos teores de fósforo (P), o que está condizente com dados da literatura os quais relatam baixos teores de P na maioria dos solos do Brasil (REZENDE et al., 1996). Os teores mais elevados observados na nascente Tereré, provavelmente, também estão relacionados com a urbanização, pois a maioria dos detergentes contém P em sua composição, o que pode contribuir para a elevação ou acúmulo de seus teores no solo, principalmente nas áreas de deposição. Outro atributo importante a ser considerado em relação ao solo diz respeito à sua densidade. A densidade do solo expressa a relação entre a quantidade de massa de solo seco por unidade de volume do mesmo. Os valores normais para solos arenosos variam de 1,2 a 1,9 g cm-3, enquanto solos argilosos apresentam valores mais baixos, de 0,9 a 1,7 g cm-3. Valores altos de densidade associados ao estado da compactação que oferecem maiores riscos de restrição ao crescimento radicular situam-se em torno de 1,65 cm3 para solos arenosos e 1,45 g cm³ para solos argilosos (REINERT & REICHERT, 2006). Assim, pode ser observado na tabela 01 que apenas a área de mata esquerda, na nascente do Zé Cassete, apresente valor restritivo de densidade do solo. A maioria dos valores de densidade observados no presente estudo estão entre os valores observados por Silva et al. (2008) em Latossolo Vermelho-Amarelo do estado de Mato Grosso cultivados sob sistemas de plantio direto, pastagem cultivada e cerrado nativo pastejado. De maneira geral, foi verificado que em relação aos atributos químicos de fertilidade vários deles, principalmente, Ca2+, K+, Mg2+ estão em teores elevados, refletindo em elevados valores da soma de bases e baixos teores de Al3+, excetuando-se as áreas alagadas e de cultivo de cana-de-açúcar na nascente do Zé Cassete. Como a área de cana de açúcar apresenta as 73 mesmas feições pedológicas e topográficas que o pasto leste e pasto oeste, pode-se inferir que o cultivo da cana de açúcar está esgotando a fertilidade do solo, haja vista que esta apresenta um valor de V = 37,6 %, inferior aos valores observados nas áreas de pasto (V = 53 e 68 % para o pasto leste e pasto oeste respectivamente). (cmolc dm-3) Tabela 1 - Alguns atributos químicos e físicos dos solos e declividade do entorno das nascentes Zé Cassete e Carnaíba, município de Mirassol D’Oeste-MT, e nascente Tereré, município de São José dos Quatro Marcos-MT. Zé Cassete Carnaíba Atributo1 Tereré Cana de Alagada Pasto Pasto Pasto Mata Mata açúcar leste Oeste esquerda direita pH água 5,6 a 1 5,7 a 1 6,2 a 2 6,4 a 2 6,8 a 3 7,0 a 4 7,6 a 4 7,2 a 4 MO (gk g-1) 1,2 a 1 1,2 a 1 1,4 a 1 1,3 a 1 1,5 a 1 2,0 a 2 2,3 a 2 1,7 a 1 P (mg kg-1) 3,3 a 1 3,0 a 1 2,2 a 1 2,3 a 1 1,2 a 1 2,8 a 1 2,6 a 1 52,2 a 2 K+ (mg kg-1) 86,4 a 1 85,3 a 1 127,2 a 102,8 a 44 a 1 56,2 a 1 50,9 a 1 107,0 a2 2 2 Ca2+ 1,0 a 1 0,6 a 1 1,4 a 1 2,2 a 2 6,6 a 3 8,0 a 4 9,3 a 5 5,9 a 3 2+ Mg 0,3 a 1 0,7 a 1 1,1 a 2 1,2 a 2 2,1 a 3 3,3 a 4 4,7 a 5 1,4 a 2 0,3 a 2 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 Al3+ H+Al 3,2 a 2 3,1 a 2 2,5 a 1 1,8 a 1 4,0 a 2 4,7 a 2 2,3 a 1 1,1 a 1 CTCefe 2,2 a 1 1,1 a 1 2,7 a 3 3,7 a 4 9,0 a 6 11,6 a 7 14,1 a 8 7,6 a 5 CTCpH7,0 5,2 a 1 4,6 a 1 5,2 a 1 5,5 a 1 13,0 a 3 16,1 a 4 16,2 a 4 8,6 a 2 V (%) 37,6 a 2 33 a 1 53,0 a 3 68,0 a 4 69,6 a 4 73,0 a 4 86,7 a 5 87,2 a 5 m (%) 11,2 a 2 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 0,0 a 1 -1 Argila (g kg ) 199,4 228,8 196,2 206,2 213,5 183,50 185,7 234,0 Areia (g kg-1) 634,8 666,6 651,4 630,8 583,54 547,8 585,0 662,6 165,8 114,6 152,6 160,0 202,9 268,7 240,8 104,0 Silte (g kg-1) Densidade 0- 1,0 1,5 1,5 1,66 1,0 1,0 1,5 0,10 m (g cm 3 ) Densidade 0,10-0,20 m (g -3 cm ) Drenagem 1,5 - 1,5 2,0 1,39 2,0 1,33 1,5 Bem Mal Bem Bem Bem Bem drenada drenada drenada drenada drenada drenada Profundo Raso Profundo Profundo Profundo Profundo Bem Mal drenada drenada Profundidade Profundo Pouco profundo 1 MO = matéria orgânica; CTCefe e CTCpH 7,0 = capacidade de troca de cátions efetiva e a pH 7,0, respectivamente; V = saturação por bases; m = saturação por alumínio; 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo mostra que as condições atuais das nascentes variam em função dos aspectos ligadas às atividades humanas e aos elementos geofísicos presentes no entorno de cada uma delas. 74 As nascentes localizadas no distrito de Sonho Azul, com relação às atividades humanas, recebem influência direta das práticas agropecuárias desenvolvidas nos seus arredores, destacando-se a criação de gado bovino e a cultura da cana de açúcar. A nascente localizada na cidade de São José dos Quaro Marcos recebe a influência da urbanização, que ocorreu sem planejamento que levasse em conta a preservação dos bens naturais ali existentes e, tampouco, a qualidade de vida da população que para aquele local foi deslocado e vive ali na atualidade. No contexto rural a nascente que recebe maior pressão decorrente das atividades econômicas desenvolvidas no entorno é a do córrego Zé Cassete, onde a vegetação natural foi retirada quase em toda a sua totalidade, deixando-a praticamente desprotegida dos processos erosivos que a vegetação consegue minimizar. A nascente do córrego Carnaíba, que por sinal é a principal fonte que abastece a estação de tratamento de água da cidade de Mirassol D’ Oeste, é a que se encontra mais preservada, porém, a prática da criação de gado no seu entorno, com pastagem à montante, é o principal fator de pressão sobre ela. No ambiente urbano, a nascente do córrego Tereré encontra se totalmente desprotegida, se levarmos em conta o papel que a vegetação oferece à manutenção dos cursos e afloramentos de água. Nesse local a vegetação original foi totalmente retirada para ceder lugar a construção de ruas e residências. Dentre as nascentes analisadas, a que apresenta maior nível de declividade e, conseqüentemente, mais suscetível às pressões exercidas pelo relevo, é a nascente do córrego Tereré, na cidade de São José dos Quatro Marcos. Nesse local, são comuns as enxurradas, agravadas no período da cheia, sendo este motivo de transtorno tanto para a população local, quanto para o poder público que sempre terá que dispensar recursos, para a reorganização das ruas, danificadas nesse processo. No que diz respeito aos atributos do solo, percebe-se que o pH mais ácido foi encontrado no solo do córrego Zé Cassete (5,7) e os mais elevados, 75 próximos da neutralidade foi encontrado na nascente do córrego Tereré (7,2) e Carnaíba (6,8-7,6). O solo que apresentou a menor densidade na média foi da nascente do córrego Carnaíba, com valores iguais a 1,3. As nascentes dos córregos Zé Cassete e Tereré apresentaram os mesmos valores de densidade de solo (1,5). Vale ressaltar que essas duas nascentes encontram-s em ambientes bastantes diferentes, o que demonstra que, mesmo em ambiente rural, a nascente do córrego Zé Cassete apresenta a mesma vulnerabilidade de compactação e, por conseguinte, poderá sofre, na mesma medida, os efeitos da impermeabilização do solo, do escoamento superficial, entre outros. De modo geral, a nascente do córrego Carnaíba mostra-se mais preservada, fato este corroborado pelas condições de uso e atributos naturais do entorno. Por outro lado, a nascente que se encontra em maior risco é a nascente do córrego Zé Cassete, ocasionado pelo uso do entorno deixando-a vulnerável. Apesar da área no entorno dessa e nas demais nascentes apresentarem, no geral, alta saturação por bases (indicativo de boa fertilidade) observou-se que o cultivo de cana de açúcar provocou uma redução considerável nesse atributo do solo. A nascente do córrego Tereré já perdeu praticamente todas suas características, no entanto, esta não pode ser ignorada enquanto bem natural que é, até por que exerce influência direta na qualidade de vida da população que atualmente vive no seu entorno. De modo geral, os dados da pesquisa apontam a necessidade de intervenção nas nascentes estudadas para que estas possam continuar abastecendo a sub-bacia hidrográfica sem prejudicar as atividades econômicas que se desenvolvem na sua jurisdição. Estas intervenções devem extrapolar o campo das medidas a curto prazo, com a rearticulação da forma de manejo que se efetua no entorno das nascentes para atingir, no longo prazo, mudanças de postura das comunidades do entorno. Nesse contexto, a gestão ambiental deve passar, necessariamente, pela Educação Ambiental. 76 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AB´SABER, A. N. Um conceito de geomorfologia a serviço de pesquisas sobre o quaternário. Geomorfologia. nº 18, São Paulo, IGEOG, USP, 1969. 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Bot., V.28, n.1, p.191-202, jan.-mar. 2005. 80 CONDIÇÕES HIDRODINÂMICAS E QUALIDADE DA ÁGUA NAS NASCENTES DOS CÓRREGOS, ZÉ CASSETE, CANAÍBA E TERERÉ NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO CAETÉ, SUDOESTE DO ESTADO DE MATO GROSSO [Preparado de acordo com as normas da Revista Brasileira de Recursos Hídricos] RESUMO: Estudos das condições hidrodinâmicas de um corpo d’ água permitem que se perceba as variações no seu volume de água e, por conseguinte, entender a sua capacidade de abastecimento. Combinados com o conhecimento sobre a qualidade da água, essas informações podem nortear estratégias de manejo desse recurso. O objetivo foi verificar a dinâmica de vazão, as características da calha (batimetria) e a qualidade da água, relacionando essas informações as condições atuais das nascentes. As duas primeiras nascentes estudadas, do Zé Cassete e Carnaíba, estão localizadas, respectivamente, nas coordenadas de 15º 48’ 29” de latitude Sul e 58º 08’ 19” e 15º 46’ 25” de latitude sul e 58º 07’ 29” de longitude oeste, no distrito de Sonho Azul, município de Mirassol D’ Oeste-MT. A terceira localiza-se nas coordenadas geográficas de 15º 38’ 03” de latitude sul e 58º 10’ 14” de longitude oeste, no perímetro urbano de São José dos Quatro Marcos.. Na metodologia, monitorou-se sazonalmente os aspectos da hidrodinâmica, coletou amostras de água para análise em laboratório e relacionou os dados de acordo com os parâmetros metodológicos do CETESB. Os resultados mostram que a vazão e a batimetria variam em função das condições de uso e da sazonalidade. Em relação à qualidade da água, a nascente do córrego Carnaíba apresentou os melhores índices nos parâmetros do CONAMA. Palavras-chave: Hidrodinâmica, nascente, vazão, batimetria, qualidade da água, sub-bacia do Caeté. 81 HYDRODYNAMIC CONDITIONS AND WATER QUALITY ON THE STREAMS SPRINGS, ZÉ CASSETTE, CANAÍBA AND TERERÉ IN SUB-BACIA HYDROGRAPHIC FROM CAETÉ, SOUTHWEST OF MATO GROSSO ABSTRACT: Studies of the hydrodynamic conditions of the water allow the perception of the variations on its volume and, therefore, allow the understanding of its supplying capacity. Combined with the knowledge of the water quality, these information can guide strategies of handling of this resource. The objective was to verify the dynamics of outflow, the characteristics of the gutter (bathymetry) and the quality of the water, relating these information to the current conditions of the springs. The two first springs studied, the Zé Cassete and Carnaíba, are situated, respectively, on the coordinates of 15º 48 ' 29” South latitude and 58º 08 ' 19” and 15º 46 ' 25” south latitude and 58º 07 ' 29” west longitude, in the Sonho Azul district - MT. Third one is situated in the geographic coordinates of 15º 38 ' 03” south latitude and 58º 10 ' 14” west longitude , in the urban perimeter from São José dos Quatro Marcos. In the methodology, it was monitored the aspects of the hydrodynamics, it has been collected water samples for analysis in laboratory and related the data in accordance with the methodologicals parameters of the CETESB. The results show that the outflow and the bathymetry vary in function of the conditions of using and the rain period. In relation to the water quality, the Carnaíba stream spring has presented the best indices in the parameters of the CONAMA. Key Word: Hydrodynamics, spring, outflow, bathymetry, water quality. 82 1. INTRODUÇÃO O homem é o principal agente desequilibrador dos ecossistemas naturais; é capaz de produzir enormes mudanças nos atributos físicos e químicos do ambiente, tanto por que provoca alterações nos aspectos físicos que garantem a estabilidade natural do sistema, quanto por que adiciona substâncias poluentes dos mais diversos tipos nos ecossistemas. Essas mudanças podem provocar rupturas no equilíbrio ambiental que levam muitas vezes a prejuízos incontroláveis e irreversíveis às comunidades humanas, (MAGALHÃES, 1982). O atual processo produtivo tem levado o ser humano a empreender-se cada vez mais agressivamente sobre os recursos naturais, especialmente sobre os recursos hídricos, bem indispensável à todas as atividades biológicas e econômicas. Tanto no meio rural quanto no ambiente urbano os efeitos dessa pressão são refletidos na degradação de importantes reservatórios de água como é caso dos cursos d’ água e nascentes. Para Lisley & Franzini (1978) as nascentes podem ser divididas em dois tipos: o primeiro quanto a sua formação, onde a descarga do aqüífero concentra-se em uma área e tem-se a nascente ou olho d’água; e a segunda acontece quando a superfície freática ou um aqüífero interceptar a superfície do terreno e o escoamento for espraiado numa área, o afloramento tenderá a ser difuso, formando varias pequenas nascentes por todo o terreno originando as denominadas veredas ou brejos. A geometria do canal é uma forma tridimensional (largura, profundidade e declive) que acomoda, em um período de tempo, a condição média de descarga sedimentar (KNIGTON, 1998). Segundo Cooke e Doornkamp (1994) a seção transversal de um canal pode mudar muito rapidamente, tanto no espaço quanto no tempo, tanto pelas condições naturais da hidrodinâmica quanto pela pressão antrópica a ele imposta. A água que escoa pela seção transversal durante uma determinada unidade de tempo é chamada de vazão. A vazão de um curso de água varia durante o ano, de acordo com a pluviosidade. É a pluviosidade que possibilita a infiltração (relacionado com o tipo do solo e sua porosidade), constituindo os 83 depósitos subterrâneos e o escoamento superficial (que alimenta os rios, carrega e fixa sedimentos etc.) (CHRISTOFOLETTI, 1981). O termo qualidade da água descreve basicamente as características físicas, químicas e biológicas, considerando a adequação do recurso hídrico para um determinado fim. Considerados nobres, determinados usos exigem rigoroso controle de qualidade das águas; além disso, padrões de qualidade para consumo humano, indústria, irrigação, variam enormemente. Em função de seus usos e considerando suas características, vários organismos estabeleceram normas e padrões específicos de qualidade da água. No Brasil, as normas de qualidade de água para consumo humano são regidas pelo Ministério da Saúde, que as delibera para instituições competentes, por meio da Portaria nº. 518, de 25 de março de 2004 (BRASIL, 2004). A qualidade da água de uma nascente pode ser influenciada por diversos fatores e, dentre eles, estão o clima, especialmente através da precipitação, a cobertura vegetal, a topografia, material de origem (geologia), tipos de solos, bem como as varias formas de uso e o manejo do solo do entorno. De acordo com Calheiros (2004), a posição de uma nascente na propriedade pode determinar a melhor distribuição das diferentes atividades e também da infra-estrutura do sistema produtivo. É preciso ressaltar que a área circundante num raio de 50 metros é exclusivamente área de preservação permanente, evitando que a nascente fique sujeita à erosão e a todo tipo de degradação de caráter físico (sedimentação) e químico (poluição). Neste contexto, pasto e animais devem ser afastados para evitar contaminações por matéria orgânica e ainda o pisoteio de animais que compacta o terreno e diminui a capacidade de infiltração da água da chuva e compromete o abastecimento do lençol freático. Soma-se à esses prejuízos ambientais o aumento da turbidez no corpo hídrico. Devem ser retiradas todas e quaisquer habitações galinheiros, pocilgas, entre ouros, do entorno definido em lei, evitando contaminações por defensivos ou por excreções, além disso, deve ser organizado o esquema viário de modo a proteger a nascente da exposição. 84 Nesse contexto, este estudo objetivou verificar a dinâmica da vazão, as características da calha (batimetria) e a qualidade da água das nascentes dos córregos Zé Cassete, Carnaíba e Tereré na sub-bacia hidrográfica do córrego Caeté, relacionando essas informações as condições atuais das nascentes. 2. MATERIAL E MÉTODOS O ribeirão Caeté, formador da sub-bacia hidrográfica do mesmo nome, é um dos principais afluentes do rio Jauru, localizado a sudoeste do estado Mato Grosso entre as coordenadas geográficas 58°02’05’’a 58°20’00’’ longitude oeste e 15°35’00’’ a 15°56’00’’ latitude sul, percorrendo os municípios de Mirassol D’Oeste, São José dos Quatro Marcos e Glória D’ Oeste. Alguns de seus afluentes encontram-se localizados em perímetro urbano (Figura 01). As nascentes, objetos do presente estudo estão localizadas na subbacia hidrográfica do córrego Caeté no sudoeste de Mato Grosso. Destas, as dos córregos Zé Cassete e Carnaíba estão localizados no Distrito de Sonho Azul, próximas da serra do Padre Inácio. A primeira nas coordenadas de 15º 48’ 29” de latitude sul e 58º 08’ 19” de longitude oeste e a segunda nas coordenadas de 15º 46’ 25” de latitude sul e 58º 07’ 29” de longitude oeste. A nascente do córrego Tereré está localizada no bairro Zeferino I, perímetro urbano do município de São José dos Quatro Marcos, nas coordenadas geográficas de 15º 38’ 03” de latitude sul e 58º 10’ 14” de longitude oeste. 85 N3 N- Nascente Figura 01 - Área de localização da bacia hidrográfica do ribeirão Caeté (N1 Zé Cassete; N2 Carnaiba; N3 Tereré). Adaptado de Araújo (2008) Neste estudo, foram monitorados os aspectos da hidrodinâmica relacionados à vazão e à batimetria, e da qualidade da água, em função da sazonalidade existente nos locais das nascentes. Para a medição dos parâmetros de batimetria, vazão e coleta de amostras procederam-se das seguintes maneiras: 2.1 Batimetria A batimetria foi verificada em época de seca e cheia nos locais de acumulo de água nas nascentes. Mediu-se a seção transversal em intervalos de 01 em 01 metro, à partir de estacas previamente fixadas no solo. Estas estacas serviram para verificar a variação do volume de água em diferentes 86 períodos (estiagem e chuvoso). Nessa atividade utilizou-se, além de estacas, trena e barbante para medir a largura do manancial (reservatório). 2.2 Vazão A velocidade foi medida utilizando flutuadores (pequenas bolas), cronometrando-se o tempo transcorrido em 5 metros de comprimento. Foram realizadas três repetições para obtenção da velocidade média. Para obter a velocidade média, utilizou-se a seguinte fórmula: d v= t Onde: v = velocidade; d = distância; t = tempo Para o cálculo da vazão foi utilizada a fórmula por Cunha (1996): Q = va Q = vazão; v = velocidade das águas; a = área 2.3 Coleta de amostras de água, caracterização geográfica do entorno e calculo do IQA Para esta análise procedeu-se coleta de amostras da água em duas épocas distintas do ano: período chuvoso e de estiagem. Este critério levou em consideração o aspecto da sazonalidade bem característico da região e que influencia na capacidade da vazão, por conseguinte, relaciona-se diretamente com a capacidade de depuração que a água possui e que define o seu IQA. 87 As amostras de água foram coletadas e preservadas de acordo com as normas da CETESB (1988) e NBR 9898/87. Em laboratório, todas as análises foram executadas seguindo normas da ABNT e/ou AWWA/APHA (1990). Para as análises de bactérias do grupo coliformes adotou-se o método da membrana filtrante (AWWA, 1990). Os resultados das análises foram comparados com limites da legislação CONAMA 357/05, Art. 15 e usados para cálculo do IQA, seguindo as orientações da CETESB. Na caracterização da qualidade da água, utilizam-se algumas variáveis que representam suas características físico-químicas e biológicas, ou seja, indicadores da qualidade da água, que representam impurezas quando ultrapassam a certos valores estabelecidos. Estas variáveis, em outras pesquisas também chamadas de parâmetros foram estabelecidos pela National Sanitation Foudantion (NSF) nos Estados Unidos, através de pesquisa de opinião junto a vários especialistas da área ambiental, para o desenvolvimento de um índice que indicasse a qualidade da água (IQA). Com isso nove parâmetros foram considerados mais representativos: oxigênio dissolvido, coliformes fecais, pH, demanda bioquímica de oxigênio, nitrato, fosfato total, temperatura da água, turbidez e sólidos totais. Para cada parâmetro foram traçadas curvas médias da variação da qualidade da água em função das suas respectivas concentrações. A cada variável foi atribuída um peso, listados de acordo com sua importância relativa no cálculo do IQA. Quadro 01 - Indicativo dos pesos das variáveis analisadas no IQA Variável Oxigênio dissolvido – OD (% OD) Coliformes fecais (NMP/100 mL) pH Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO (mg/L Nitratos (mg/L NO 3) Fosfatos (mg/L PO 4) Variação na Temperatura (ºC) Turbidez (UNT) Resíduos totais (mg/L) 0,10 Fonte: National Sanitation Foudantion Peso- Wi 0,17 0,15 0,12 0,10 0,10 0,10 0,10 0,10 88 Então, o IQA é calculado pelo produtório ponderado das qualidades de águas correspondentes às variáveis conforme a fórmula (CETESB, 1988): Onde: IQA – índice de qualidade de água, um número de 0 a 100 qi = qualidade do parâmetro, obtido através da curva média específica de qualidade; wi = peso atribuído ao parâmetro, em função de sua importância na qualidade, entre 0 e 1. Os valores do índice que indicam a qualidade das águas variam entre 0 e 100, conforme especificado no Quadro 02. Quadro 02 – Classificação de qualidade da água segundo CETESB (1988) Classificação Faixa de variação Ótima 91< IQA ≤ 100 Boa 71 < IQA ≤ 90 Média 51 < IQA ≤ 70 Ruim 26 < IQA ≤ 50 Muito Ruim 00 < IQA ≤ 25 Como esse índice foi criado para fins de abastecimento público, apresenta algumas restrições quando se quer avaliar o ecossistema aquático de forma integrada, mas serve para verificar adequações a esse uso da água. As análises foram feitas conforme métodos especificados em "Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater” (APHA, 1995). 89 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Condições Hidrodinâmicas O monitoramento da batimetria de um curso de água permite compreender a variação no volume de água nos reservatórios em situações de sazonalidade, o que por sua vez, possibilita planejar adequadamente o seu manejo. Estudos sobre a vazão de um corpo hídrico permitem compreender a sua capacidade de abastecimento em períodos diferentes do ano, que por sua vez, possibilita a formulação de estratégias de manejo, de modo não afetar a sua capacidade de suporte. 3.1.1 Nascente do córrego Zé Cassete À montante da nascente principal na área de encharcamento, formam-se pequenos tanques para reservatório de água. Segundo informações obtidas junto aos moradores, essas modificações foram responsáveis para mudar o regime da nascente que, até o ano de 2001, apresentava vazão o ano inteiro e, portanto, constituía nascente de regime permanente. Esta nascente possui três segmentos distintos, que surgiram em decorrência das pressões exercidas pelas atividades humanas e às próprias circunstâncias físicas do terreno: o primeiro à montante é caracterizado pelo encharcamento; o segundo refere-se ao trecho modificado pela construção do barramento e aprofundado na calha, o qual constitui o atributo de maior impacto na nascente, pois impede que a água tenha capacidade de vazão no período de estiagem; o terceiro trecho constitui o ponto de convergência de toda a zona de encharcamento, formando uma pequena lagoa, marcando o inicio do ponto de vazão e definição da calha. Do monitoramento da batimetria no sentido transversal foi possível comparar a variação no volume de água nos dois extremos dos períodos: chuvoso e de seca. No período chuvoso, a nascente apresentou largura de 13,80 m e profundidade máxima de 1,40. No período estiagem a largura da 90 nascente diminuiu para 11 metros e a profundidade máxima não ultrapassou a faixa de 99 cm (Figura 02). Figura 02 - Perfis transversais da nascente do córrego Zé Cassete nos períodos chuvoso e de estiagem Os dados da batimetria demonstram variação no volume de água de forma mais expressiva no sentido de oeste para leste. Assim, o recuo é da ordem de dois metros à margem esquerda da nascente. Nesta margem, o recuo é de aproximadamente 2 m, enquanto na margem direita essa oscilação foi de 80 cm. Entre a superfície e o fundo a variação chega é 80 cm nos pontos de maior oscilação. A vazão nesta nascente está diretamente ligada ao tipo de uso da terra no entorno. Na atualidade, este afloramento d’ água assumiu a condição de nascente com vazão de regime intermitente, pois só tem fluxo organizado no período da cheia. A vazão foi verificada na área de maior concentração de água, onde o leito é definido e o fluxo passa ter velocidade, marcando o inicio do ponto de vazão no período chuvoso. A vazão obtida no período chuvoso é da ordem de 91 5,94 cm³/s. Esta vazão indica que escoa da nascente nesse período 3,56 m³/h de água, que equivale a 3560 litros. Em um dia inteiro, a água escoada é 85.440 litros. No período de estiagem não foi possível definir a vazão, pois a água se acumula em poças, não obtendo velocidade. A alteração no volume de água é um processo que ocorre naturalmente devido às condições de sazonalidade, porém, nesta nascente esse fato devese às alterações (construção de tanques e implementação de pastagem) feitas dentro da zona de encharcamento, que sem dúvida, contribuíram para diminuir a capacidade de abastecimento desta nascente e comprometeram a capacidade de vazão no período de estiagem. 3.1.2 Nascente do córrego Carnaíba A nascente do córrego Carnaíba é a principal fonte de abastecimento da estação de tratamento da cidade de Mirassol D’ Oeste, daí a importância de manter sempre informações acerca de sua capacidade de abastecimento e variação no seu volume de água. Por tratar-se de nascente com regime de vazão permanente o monitoramento ocorreu em dois períodos: chuvoso e estiagem. No período chuvoso a vazão é da ordem de 12.07 cm³/s, que corresponde a 7,24 m³/h, ou 7.240 litros de água. Em um dia inteiro esse valor é de 173.760 litros. Esse volume de água é alimentado pelo abundante volume de chuva que ocorre na região nesse período, as quais contribuem para a subida do lençol freático. Na estiagem a vazão é de 10,23 cm³/s que, em um dia inteiro, corresponde a 147.120 litros escoados. Entre o período de cheia e estiagem há uma variação na vazão dessa nascente na ordem de 1,84 cm³/s. Isso corresponde uma diminuição na ordem de 26.640 litros de água entre um período e outro. Quanto à batimetria, no período máximo de reserva, esta nascente apresentou largura de 14 metros. A profundidade media chegou à faixa de 1,70 m. No período da seca essa largura não ultrapassou a faixa de 13,20 e a profundidade média não ultrapassou 1,55 m (Figura 03). 92 Figura 03 - Perfis transversais da nascente do córrego Carnaíba no período chuvoso e de estiagem O resultado da batimetria aponta que não houve grande alteração no volume de água da nascente, especialmente àquela observada quanto ao recuo no sentido transversal, cuja oscilação não ultrapassou a ordem de 80 cm na margem esquerda. Em relação a oscilação entre o fundo e a superfície, a oscilação máxima entre as duas maiores profundidades (período de cheia e de seca), ficou em torno de 15 cm. Vale salientar que a vegetação nativa das margens esquerda e direita se mantém conservadas, sendo estas constituídas de árvores. 3.1.3 Nascente do córrego Tereré Nesta nascente, ocorreu um intenso processo de modificação da zona de encharcamento. No local, o poder público construiu um “poço” para drenar a água em um ponto único e minimizar o alagamento dos quintais das residências no entorno. Dessa forma, não foi possível monitorar a vazão e a batimetria desta nascente. De qualquer forma, percebeu-se, através de 93 monitoramento no nível da água, que o volume à partir da profundidade do poço variou de de 3,10 m da época de cheia para 2,05 m no período de seca. Essa diferença significa o ponto de estrangulamento no período chuvoso, momento em que ocorre a inundação dos quintais do entorno e provoca estado de revolta nos moradores. 3.2 Qualidade da água De acordo com Toledo & Nicolella (2002), o uso de indicadores de qualidade de água consiste no emprego de variáveis que se correlacionam com alterações ocorridas na sub-bacia, sejam estas de origens antrópicas ou naturais. As nascentes da sub-bacia do córrego Caeté estão localizadas em ambientes que se diferenciam especialmente pela forma do uso da terra, esse fato reflete na variação dos níveis de IQA diagnosticado na água das nascentes dos córregos Zé Cassete, Carnaíba e Tereré nos períodos de estiagem e cheia da região (Quadro 03 e 04). 3.2.1 Nascente do córrego Zé Cassete No período da estiagem, a água da nascente deste córrego apresentou pH de 6,46, que lhe confere acidez. A oxigenação mostrou o valor de 4,6 mg/L, e o nitrato a concentração de 0,036 mg/L. Percebeu-se ainda, disponibilidade de fósforo com o teor de 0,892 mg/L, baixa concentração de matéria orgânica lábil 1,0 mgDBO/L, presença de partículas sólidas em 148 mg/L, incluindo as que causam turbidez, com 58 UNT e condição sanitária satisfatória de 300 UFC.coli/100mL. Os resultados neste período indicaram que somente os parâmetros de oxigênio dissolvido e fósforo não atenderam aos padrões estabelecidos pelo CONAMA 357/05 Art. 15 para corpo d’água Classe 2 (Quadro 03). 94 Quadro 03 - Demonstrativo dos índices das variáveis físico/químicas analisadas Nascente Zé Cassete P.E. P.C. 27,0 - Resultados Nascente Carnaíba P.E. P.C. 31,0 - Nascente Tereré P. E. P.C 35,0 - 22,0 25 25,0 26 23,0 25 – UNT mg/L 6,46 58 4,6 6,38 59 5,2 7,79 8 8,0 6,77 43 6,2 7,08 5 6,0 6,34 158 5,4 DBO Nitrato mg/L mg/L 1,0 0,036 Fósforo total Sólidos totais mg/L 0,892 mg/L 148 Variável Unidade Temperatura do Ar ºC Temperatura da água pH Turbidez Oxigênio dissolvido ºC 8,0 < 1,0 < 1,0 < 1,0 < 1,0 <0,01 < < 0,011 <0,01 0 0,010 0,010 0 <0,01 0,056 < 0,725 <0,01 0 0,010 0 176 178 184 246 290 P.E.- Período de Estiagem; P.C- Período chuvoso No que diz respeito às vaiáveis biológicas, constata-se o seguinte conforme o quadro 04: Quadro 04 - Demonstrativo dos índices das variáveis biológicas analisadas Resultados Variável Unidade Nasc. Zé Cassete Coliformes UFC/100mL totais Escherichi UFC/100mL Nasc. Nasc. Tereré Carnaíba P.E. P.C. P.E. P.C. P.E. P.C. 2.020 6.020 1.560 2.880 3.120 2.780 300 880 110 210 250 310 a coli UFC – Unidade Formadora de Colônia; P.E.- Período de Estiagem; P.C- Período chuvoso A presença de fósforo na água, geralmente está relacionada a rochas fosfatadas da bacia de drenagem a que está inserida. Participa do processo de 95 aumento desse elemento, a decomposição de materiais alóctones e as formas de uso e ocupação do solo dentro da bacia hidrográfica. No caso específico desta nascente, a presença desse nutriente na quantidade encontrada é um indicativo da associação das características naturais da região, que é influenciada diretamente pelas rochas calcárias da formação Araras das serras do Caeté e Padre Inácio, com o uso e ocupação do solo, no caso, a plantação de cana-de-açúcar. Neste sentido, a utilização de fertilizantes pode chegar aos corpos d’água através do escoamento superficial, geralmente intensificada no período chuvoso, e lixiviação e percolação, que ocorrem na subsuperfície. Neste período o IQA foi de 51,06, o que classifica esta nascente como Média para utilização em abastecimento público. No entanto, é importante observar que esse índice está muito próximo do índice que a colocaria na qualidade de ruim situado entre os valores de 50 e 26, conforme estabelecido pelo CONAMA. No período chuvoso este manancial apresentou diminuição do valor do pH, que caiu para 6,38, aumentando ainda mais a sua acidez. Por outro lado, a oxigenação subiu para satisfatória 5,2 mg/L, melhorando as condições bióticas e químicas da água. O nitrato teve seu índice reduzido para o valor < 0,010 mg/L. Nessa mesma tendência, o fósforo também caiu para < 0,010 mg/L. A demanda bioquímica de oxigênio (DBO), subiu de 1,0 mgDBO/L para 8,0 mgDBO/L e apresentou valores acima do o limite máximo da legislação que é 5,0 mg/L, indicando aporte recente de matéria orgânica de fácil decomposição (lábil) e que demanda oxigênio para a sua mineralização. A presença de partículas sólidas subiu de 148 mg/L para 176 mg/L, incluindo as que causam turbidez que subiu de 58 UNT para 59 UNT. A condição sanitária indicada pela Escherichia coli subiu de 300 UFC.coli/100mL para 880 UFC.coli/100mL, porém, ainda esteve dentro das condições saatisfatórias para mananciais dessa classe. O material sólido medido (sólidos totais) refletiu nos valores de turbidez, que, mesmo dentro dos limites da legislação, podem ser considerados relativamente altos para um manancial como de nascentes. Essas variáveis são importantes indicadores de alterações no uso do solo e da mata ciliar na 96 área de drenagem, especialmente na época de chuva, quando há maior escoamento superficial, pois a mesma funciona como um filtro, que retém e/ou diminui o aporte de sedimento para os corpos d’água. Neste sentido, o aumento desta variável na água, constitui um forte indicador de alteração no ambiente. Os coliformes totais saltaram de 2020 para 6020 UFC/mL. A expressiva ocorrência de bactérias coliformes totais também é um indicador do aporte de materiais da bacia de drenagem, devido ao escoamento superficial da época chuvosa, que transporta para os córregos restos vegetais e animais com a presença de bactérias de vida livre, ou seja, que não são de origem exclusivamente fecal. Na comparação entre os dois períodos analisados, apesar da elevação de alguns índices como DBO e sólidos totais, percebe-se que o IQA subiu de 51,06 para 58,95 indicando-a como classe média para utilização em abastecimento. Esse índice mostra que o período chuvoso melhora a qualidade da água da nascente do Zé Cassete. Sabe-se que a água tem grande poder depurativo, especialmente quando se encontra em estado corrente, dessa forma, esse fato pode ser explicado pela capacidade de vazão que ocorre no local por ocasião do período chuvoso. Essa vazão é da ordem de 3,56 m³/h. Portanto, a vazão da água que só ocorre no período chuvoso nesta nascente, constitui fator determinante da melhoria da qualidade da água que ali se observou. 3.2.2 Nascente do córrego Carnaíba No período chuvoso a água da nascente do córrego Carnaíba apresentou pH levemente alcalino de 7,79, baixa concentração para nitrato, < 0,01 mg/L de fósforo que apresentou o valor de 0,056 mg/L. Indicou boa oxigenação, com valor de 8,0 mg/L e baixa quantidade de matéria orgânica lábil estando < 1,0 mg/DBO/L. As partículas que causam turbidez indicaram 8 UNT, acompanhado pelo nível de sólidos totais de 178 mg/L. As condições sanitária indicadas pelo nível de Escherichia coli mostrou-se satisfatória 110 UFC.coli/100mL. 97 Nesse período, o IQA desta nascente foi de 78,21 e, de acordo com o CONAMA 357/05, artigo 15, todos os resultados atenderam os padrões estabelecidos e o índice utilizado (IQA) classificou esse corpo d’água como de qualidade Boa. Esses resultados indicaram que a água dessa nascente pode ser destinada a todos os usos previsto pelo CONAMA 357/05 para corpos d’água Classe 2: como: i) abastecimento para consumo humano, após tratamento convencional; ii) proteção das comunidades aquáticas; iii) recreação de contato primário, como natação, esqui aquático e mergulho; iv) irrigação de hortaliças, plantas frutíferas e de parques, jardins, campos de esporte e lazer, com os quais o público possa a vir ter contato direto; v) agricultura e atividade de pesca. No período chuvoso esta nascente apresentou queda no pH em relação ao período da seca, que passou de 7,79 para 6,77. Esse fato tira o pH da condição de alcalinidade para a situação de acidez, apesar da proximidade da neutralidade. A oxigenação diminuiu de 8,0 mg/L para 6,2 mg/L. Esse dado indica piora nas condições biológicas e químicas da água. A demanda bioquímica de Oxigênio e o nitrato, mantiveram-se estáveis em relação ao período anterior em 1,0 mg/DBO/L e < 0,010 mg/L, respectivamente. A quantidade de fósforo caiu de 0,56 mg/L para < 0,010 mg/L e a turbidez subiu para 43 UTN. Acompanhando a turbidez, os sólidos totais subiram de 178 mg/L para 184 mg/L. No que diz respeito às variáveis biológicas, os coliformes totais subiram de 1560 UFC/100 mL para 2880 UFC/100 Ml. A E. coli elevou-se de 110 UFC/mL para 210 UFC/ml, mas manteve-se em níveis de condições satisfatórias. No geral, com exceção da DBO e nitrato que mantiveram-se estáveis, e do fósforo que apresentou redução, percebe-se que houve piora em todas as outras variáveis analisadas em relação ao período anterior. Em função disso, o índice do IQA caiu de 78,21 para 72,14, porém, ainda manteve no nível de qualidade boa nos parâmetros do CONAMA. 98 Ao contrário do que se observa na variação do índice do IQA que variou para melhor na nascente do Zé Cassete no período chuvoso, nesta nascente, a precipitação colaborou para levar ao manancial, elementos biológicos provavelmente oriundos da área de pastagem localizada à sua montante. Esse processo pode carrear também partículas sólidas que aumentam a turbidez da água. Como esta nascente tem vazão permanente, a vazão da água não constitui fator de grande relevância para influenciar na diferença da qualidade da água entre os períodos de cheia e estiagem. 3.2.3 Nascente do córrego Tereré Durante o regime da seca, a água da nascente localizada na área urbana da cidade de São José dos Quatro Marcos apresentou as seguintes características: pH neutro (7,08), boa oxigenação (6,0 mg/L), baixa concentração para nitrato (0,011 mg/L), disponibilidade de fósforo (0,735 mg/L), baixa quantidade de matéria orgânica de fácil decomposição (< 1,0 mgDBO/L), presença de partículas que causam turbidez (5,0 UNT), e presença de sólidos (246 mg/L). A condição sanitária satisfatória com 250 UFCE.coli/100mL. Neste período, o fósforo foi o único parâmetro que não atendeu ao padrão estabelecido pelo CONAMA 357/05 Art. 15. Esses resultados, sugerem que a água dessa nascente está sujeita a compostos fosfatados, que podem ser oriundos tanto de rochas calcárias mescladas à outras no Complexo Xingu, como também de resíduos gerados nas atividades domésticas do entorno. Porém, é importante ressaltar o papel que pode ser desempenhado pelas rochas do local, uma vez que o aporte significativo de efluente doméstico não foi evidenciado, pois os demais parâmetros não indicaram essa condição através dos resultados de nitrato, oxigênio, DBO e contaminação microbiológica (coliformes totais e Escherichia coli). No período chuvoso, esta nascente localizada na área urbana da cidade de São José dos Quatro Marcos apresentou queda no pH que caiu de 7,08 para 6,34, situação ainda próximo da neutralidade. Esses dados relacionam-se com as condições de fertilidade do solo e refletem a urbanização local. O 99 oxigênio dissolvido na água caiu de 6,0 mg/L para 5,4 mg/L, demonstrando aumento no nível de poluição de um período para o outro. Corrobora para esse fato o carreamento de matérias provenientes dos resíduos domésticos que são levados para a nascente por ocasião das chuvas. A demanda bioquímica de oxigênio manteve-se estável, situando no nível < 1,0 mg/L nos dois períodos. O nitrato apresentou ligeira queda para 0,010 mg/L. Por outro lado, a turbidez saltou de 5,0 UTN para 158 UTN, acompanhado pelo aumento dos sólidos totais que se elevou de 246 mg/L para 290 mg/L. Constitui fator decisivo para o aumento no valor dessas variáveis a topografia do terreno, que apresenta ângulos moderados de 4,96% e a estrutura argiloso avermelhado do pacote pedológico do local. Soma-se a esse fato, a inexistência das matas ciliares no entorno. Com isso, infere-se que a vegetação marginal na área de drenagem deste córrego não é mais funcional, o que refletiu em alterações da qualidade da água relacionadas ao aporte de sedimento e entrada de luz no sistema, condição que pode levar ao rápido assoreamento do manancial e, por conseguinte, a impactos negativos sobre a biota aquática. Quanto às análises microbiológicas, observou se que o fator de diluição também contribuiu para os médios resultados de coliformes totais e E. coli, dentro dos limites da legislação. Com isso, pode-se inferir que na época de chuva, este córrego apresenta boa capacidade de diluição/depuração frente ao aporte dos resíduos domésticos que recebe. Considerando a localização urbana dessa nascente, era de se esperar alterações significativas na qualidade da água, especialmente em relação a concentração de nutrientes e matéria orgânica. Porém, com a ocorrência de chuvas, o fator de diluição atuou na diminuição da concentração dessas substâncias, cujo resultado foi menor do que 1,0 mg/L. Porém, observa-se que houve queda bastante visível no IQA desta nascente, cujo índice caiu de 62,10 para 56,59. 100 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados deste estudo indicam que a nascente do córrego Carnaíba apresentou a melhor qualidade da água para os usos previstos em cursos d’ água considerados como Classe 2 no CONAMA e de acordo com o IQA da CETESB. Esta nascente apresentou ainda, o menor índice de contaminação microbiológica. Essa condição está relacionada à presença da mata ciliar conservada que protege esse corpo d’água e que garante a manutenção da qualidade da água, mesmo com atividades antrópicas ligadas à criação de gado no seu setor de montante. De acordo com os resultados obtidos neste trabalho, pode-se concluir que a forma de uso da terra no entorno das nascentes constitui fator decisivo na hidrodinâmica e na qualidade da água nos regimes de seca e cheia na região. Nas nascentes rurais do distrito de Sonho Azul, atividades econômicas ligadas à criação de gado participam decisivamente na variação da batimetria, indicando que os setores onde há pisoteio de gado, o volume de água diminui com maior evidência. Quanto à qualidade da água, a pesquisa mostrou que o regime de chuva e a vazão provocada influenciam decisivamente na melhora e queda do IQA das duas nascentes ali localizadas. Se por um lado, na nascente do Zé Cassete a precipitação colaborou para melhorar a qualidade da água através da depuração provocada pela vazão, na nascente do córrego Carnaíba a chuva carregou sedimentos e microorganismo para o manancial e isso diminuiu o seu IQA. Na nascente do córrego Tereré, em São José dos Quatro Marcos, de modo geral as chuvas provocaram, diminuição no IQA, porém, é preciso ressaltar que em algumas variáveis, a vazão colaborou para apontar o poder depurativo da água, melhorando o índice de algumas variáveis analisadas. Em outras, como é o caso evidente da turbidez, a chuva participou decisivamente para piorar o seu índice. Esse fato e aponta a fragilidade desta nascente em relação a carga de sedimentos que recebe do entorno por causa da retirada da vegetação original. Entre todas as nascentes analisadas, as melhores condições de suporte e da qualidade da água ocorrem na do córrego Carnaíba, demonstrando o 101 papel decisivo que a cobertura vegetal do entorno pode desempenhar na sua manutenção e capacidade de resiliência às pressões das atividades econômicas desenvolvidas no entorno. A manutenção ou mesmo a restauração da capacidade de suporte de cada nascente analisada depende de articulação de iniciativas, envolvendo a comunidade escolar do entorno dessas nascentes, do poder público e dos agricultores e pecuaristas diretamente envolvidos, visando articular condições de recomposição da vegetação original e construção de dessedentadores para animais. Essa constitui uma medida de gestão para garantir boa qualidade da água e garantir a existência das nascentes estudadas. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APHA - American Public Health Association /AWWA - American Water Works Association & WPCF/Water Pollution Control Federation. 1990. Standard Methods. Ed. APHA. Washington. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS-ABNT. 1987. Preservação e técnicas de amostragem de efluentes líquidos e corpos receptores. Rio de Janeiro. Brasil, 1978. BRASIL. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. nº 357 de 17 de março de 2005-CONAMA/MMA. 23p. 2005 CALHEIROS, R. de Oliviera et al. Preservação e Recuperação das Nascentes. Piracicaba: Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios PCJ CTRN, 2004. CETESB. Guia técnico de coleta e preservação de amostras de água. São Paulo, 1988. CHRISTOFOLETTI. A. (1981) Geomorfologia fluvial. Edgard Blucher. São Paulo, 313p. COOKE, R. B. e DOORNKAMP, J.C. Geomorfologia in Environmental Management, a New Introduction. Oxford: Claredon Press, 1994. 102 CUNHA, Sandra Baptista da. e GUERRA, Antônio José Teixeira. Geomorfologia do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. KNIGHTON, A. D. Channel form. In Fluvial Forms and Processes: a New Perspective. New York: John Wiley e Sons, 1998. LINSLEY, R.K., FRANZINI, J.B. Engenharia de recurso hídricos. In: Mc GrawHill do MAGALHÃES, J. P. Recursos Naturais, Meio Ambiente e sua Defesa no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 1982. TOLEDO, L. G.; NICOLELLA, G. Índice de Qualidade de Água em Microbacia sob uso Agrícola e Urbano. Scientia Agricola, v.59, n.1, p.181186, 2002 VALENTE, O. F. e GOMES, M. A. As Nascentes e os Rios. REVISTA AÇÃO AMBIENTAL. Revitalização de Rios: Área Rural. Editora da Universidade Federal de Viçosa, 2003. 103 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos ambientais visam à obtenção de informações que possam nortear o manejo dos recursos oferecidos pela natureza ao homem de acordo com a especificidade de cada ambiente. Neste contexto, produziram-se diagnósticos de três nascentes da sub-bacia do córrego Caeté que apontam as seguintes conclusões na seqüência dos artigos produzidos: • A intersecção entre os fatores geológicos; que condicionam a percolação e o armazenamento da água na estrutura argilítica/siltosa, com os fatores geomorfológicos; que condicionam a captação e convergência da água nas depressões, mais as circunstâncias climáticas, que condicionam o volume de água que cai no terreno, dão causa ao aparecimento das nascentes dos Córregos Carnaíba de caráter permanente, localizada próximo a rodovia MT 248 e Zé Cassete, de caráter intermitente, localizada próxima da estrada vicinal do Distrito de Sonho Azul. A nascente do perímetro urbano de São José dos Quatro Marcos está assentada na estrutura geológica do complexo Xingu, no grupo Alto Paraguai. Esta estrutura é composta por rochas graníticas que dificultam a permeabilização da água para grandes profundidades do subsolo. Quanto ao aspecto geomorfológico a nascente está localizada no centro de uma estrutura organizada em forma de U, com declives moderados vindos das porções leste (montante), norte (margem direita) e sul (margem esquerda). Essas circunstâncias do relevo são determinantes para o escoamento da água e determinação do ponto onde esta se armazena e aflora no período chuvoso, dando origem à nascente. • relacionados Os fatores de pressão mais marcantes sobre as nascentes estão aos aspectos sócio-econômicos do entorno; atividades agropecuárias nas nascentes rurais do distrito do Sonho Azul e urbanização na nascente de São José dos Quatro Marcos. Sobre esse aspecto, as nascentes que recebem maior pressão decorrente da antropização no entorno são as do córrego Zé Cassete, na zona rural, e a do Tereré na área urbana, onde a vegetação natural foi retirada praticamente em toda a sua totalidade, deixandoas desprotegidas dos processos erosivos e do recebimento de elementos de 104 natureza química e biológica que provocam as suas degradações. A nascente do córrego Carnaíba mostra-se mais preservada, fato este corroborado pelas condições de uso que denotam menor pressão das atividades agropecuárias, bem como pelos atributos naturais do entorno, cuja vegetação original encontra-se ainda bem preservada. • Os efeitos do uso repercutem no regime de vazão, variação no volume e na qualidade da água. Os resultados das amostras indicam que a nascente do córrego Carnaíba apresentou, além do menor índice de contaminação microbiológica, a melhor qualidade da água para os usos previstos cursos d’ água considerados da Classe 2 na Resolução CONAMA 357/05 e de acordo com o IQA. Ainda de acordo com o CONAMA 357/05, as nascentes dos córregos Zé Cassete e Tereré apresentam qualidade da água apenas média. Diante destas constatações, preliminarmente, torna-se possível algumas medidas que podem representar alternativas de uso, preservação e até mesmo recuperação dessas nascentes, quais sejam: • Revegetação imediata no entorno das nascentes, no raio mínimo de raio de 50 metros, nos moldes do que determina a legislação; no caso das nascentes da zona rural; • Na nascente do córrego Zé Cassete, proceder abertura de diques de ligação entre um tanque e outro, de modo que possa ser restabelecido o fluxo da água no período de estiagem e possibilite o seu uso em ponto comum acordado mais à jusante do curso d’ água; • Em todas as nascentes construir cercado nos pontos de montante, a fim de evitar o pisoteio do gado e prevenir contra a compactação do solo; • Criar rodada de negociação entre os proprietários rurais e poder público do entorno das nascentes do distrito de Sonho Azul, a fim criar estratégias de compra de equipamentos que possam bombear água para tanques e/ou outro recipiente de armazenamento de água em locais onde o pisoteio do gado não signifique destruição dos olhos d’ água; 105 • Na nascente urbana de São José dos Quatro Marcos pode ser criado um canal receptor da água trazida pela enxurrada e daquela que emerge à superfície do terreno pela subida do nível do lençol freático no período da cheia. Concomitante a essa medida, faz-se necessário urbanizar o local através de arborização e plantação de gramas no entorno até o ponto onde se define o córrego. Dessa forma, a área poderá ser vista alternativa de ponto de recreação e não de acúmulo de lixo; • Identificar estas nascentes com placas informativas sobre o tipo de nascente ali instalada, necessidade de preservação desse bem ambiental, bem como constar outras informações que possam subsidiar estratégias da educação escolarizada e não escolarizada; • Definição de estratégias pedagógicas de Educação Ambiental nas escolas próximas das nascentes, viabilizando a participação da comunidade. Esta estratégia começou a ser empregada na escola do Sonho Azul, onde já existe um dialogo entre escola e membros da Cooperativa de álcool para definirem política de revegetação em áreas degradas pela cultura da cana.