i UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU AVM FACULDADE INTEGRADA ESTUDO DE CASO: POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO POR MEIO DE ATENDIMENTOS PSICOMOTORES DE UMA CRIANÇA VÍTIMA DE VULNERABILIDADE SOCIAL Por: Juliana Maria Corrêa Orientador: Profª Maria Esther de Araújo Co-orientadora: Profª Giselle Böger Brand Gravataí 2015 ii UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE ESTUDO DE CASO: POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO POR MEIO DE ATENDIMENTOS PSICOMOTORES DE UMA CRIANÇA VÍTIMA DE VULNERABILIDADE SOCIAL Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre – Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para obtenção especialista em Psicomotricidade. Por: Juliana Maria Corrêa do grau de iii AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela oportunidade maravilhosa de trabalhar com pessoas com deficiência, ao meu sobrinho, que foi colocado em nossas vidas com um grande propósito: abrir nossas fronteiras e ampliar os horizontes! Sou tia e professora de pessoas com deficiência com muito orgulho. iv DEDICATÓRIA A construção desse trabalho se deu diante de uma criança que precisava dele, precisava que alguém que dedica-se seu tempo a estudá-la e buscar alternativas para lhe proporcionar qualidade de vida, logo, dedico este trabalho a esta criança, que assim como meus demais alunos, fazem toda a diferença em minha vida. Dedico a todos que assim como eu são a favor da inclusão e acreditam no potencial de todas as pessoas! v RESUMO O presente estudo trata da história de Lúcia (nome fictício), uma criança vítima de vulnerabilidade social desde sua concepção, considerando a vulnerabilidade como a falta de recursos ao desenvolvimento. Os objetivos pretendidos são: analisar por meio de observação o desenvolvimento de uma criança em situação de vulnerabilidade social; traçar o perfil do seu desenvolvimento; observar e identificar as potencialidades da criança e por fim contribuir com orientações aos profissionais cuidadores. O desenvolvimento humano padrão ocorre de forma natural, porém, depende de inúmeros fatores contemplando aspectos psicológicos, ambientais e fisiológicos. Quem cuida da criança deve estar atento as suas necessidades e as fases de seu desenvolvimento, pensando sempre na estimulação com o respeito às condições individuais. A terapia psicomotora seria a indicação para Lúcia, caminhando pela sua forma relacional, buscando pela sua expressão, a superação dos conflitos relacionais. A criança estudada apresentou déficit de estímulos em todos os ambientes freqüentados até aproximadamente seus 6 anos. Apesar disso temos diversas constatações de que devemos acreditar no potencial de todos. Nesse caso especifico, o atendimento deve ser intensivo, faz-se essencial uma rotina estruturada. O psicomotricista também saberá adequar suas intervenções, além disso, a formação dos profissionais que atendem em abrigos se torna urgente pelo misto de pessoas que estão em seus cuidados, podendo assim, contribuir com o desenvolvimento pleno de todos. vi METODOLOGIA O estudo se desenvolverá por meio de estudo de caso, que segundo André (1984) contempla a descoberta; a interpretação de contextos; representa os diferentes pontos de vista de uma situação social; usa uma grande variedade de fontes; permite generalizações naturalísticas; retrata a realidade de forma completa e profunda e por fim tem uma linguagem mais simples e acessível se comparado a outras metodologias de estudo. O sujeito estudado é uma criança em situação de abrigo, que terá seu nome ocultado e será chamada no texto de Lúcia. Esta foi retirada da convivência familiar muito cedo, sua mãe possui transtornos mentais e atualmente também vive sob os cuidados da assistência social do município. Suas duas irmãs sofrem de uma síndrome não identificada e as características físicas são bastante semelhantes e da criança estudada. Esta criança participa de atividades na APAE da cidade e freqüenta um atendimento em meio aquático oferecido pela prefeitura. As observações serão realizadas neste espaço. Inicialmente será feito um levantamento teórico a respeito da temática: desenvolvimento humano padrão e desenvolvimento humano em situação de vulnerabilidade social. Segundo Fonseca (2008), para Wallon o bebê é um perito em afetividade, desse modo induz o adulto a lhe dar atenção, que por sua vez quer satisfazer as necessidades do bebê. No caso de crianças vítimas de vulnerabilidade desde bebês, esta troca não acontece e o seu desenvolvimento já se inicia aturdido pela violência. A amostra foi selecionada em virtude do tema específico, que nos causa curiosidade em virtude de poucos estudos nesta área e também dos poucos atendimentos especializados para pessoas com estas condições. Buscaremos junto à literatura informações que possam nos apoiar referenciando o desenvolvimento alterado da criança e as possibilidades de intervenção. Pretende-se auxiliar os profissionais do abrigo com sugestões e propostas de intervenção para o acompanhamento da criança, visto que o desenvolvimento psicológico se dá com base no desenvolvimento social vii (VYGOTSKY E LURIA, 1996 apud NASCIMENTO, 2013), sendo o abrigo o principal contato social da criança, o seu lar. viii SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 CAPÍTULO I 12 1.1 Desenvolvimento humano: autores e seus padrões CAPÍTULO II 20 2.1 Desenvolvimento Humano em Situações de Vulnerabilidade Social: Estudo de Caso CAPÍTULO III 29 3.1 Observação e Possibilidades de Intervenção Psicomotora para o Caso Estudado CONCLUSÃO 37 BIBLIOGRAFIA 40 WEBGRAFIA 44 ANEXOS 46 Anexo 1 – História do Garoto Selvagem de Aveyron Anexo 2 - Anamnese ix INTRODUÇÃO O presente estudo envolve o desenvolvimento de Lúcia (nome fictício), uma criança que vive em situação de abrigo desde seus primeiros dias de vida, vitima de maus tratos, com deficiência intelectual severa e de que forma a psicomotricidade pode contribuir para crianças vítimas de vulnerabilidade social e com grande redução de estímulos. Por meio do seguinte questionamento surgiu a motivação do estudo: Sabendo-se que existem diversos padrões de desenvolvimento, voltados a cada habilidade. Buscando um atendimento completo e um desenvolvimento pleno, como podemos pontuar o desenvolvimento de um sujeito que sofreu vulnerabilidade social em vários aspectos da vida, desenvolvendo seqüelas em virtude disto? Abramovay et al (2002) diz que: Vulnerabilidade social é o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêem do Estado, do mercado e da sociedade. Atualmente uma grande parte da população sofre com vulnerabilidade social, crianças órfãs, famílias vivendo em meio a violência, pobreza, falta de saneamento, alimentação, educação de qualidade, pessoas morrem por falta de atendimento médico, entre outras situações. Através de observações do comportamento de uma criança vítima de condições cruéis de desenvolvimento, buscamos avaliar e identificar junto à literatura, possíveis intervenções a fim de contribuir com os profissionais cuidadores a respeito de manejos diários, acrescentando em seu desenvolvimento e contribuindo com o atendimento já realizado. Este trabalho é um grande desafio, visto que o comportamento da criança é primitivo, nos causa grande interesse em desvendá-lo, identificando o que lhe mantêm nessa fase e quais x potencialidades podem ser estimuladas. Na falta de materiais que possam definir comportamento primitivo, buscamos no dicionário Priberan (s/d) a definição de comportamento: “é o modo de comportar-se. Comportar é poder conter em si; suportar; admitir; sofrer; portar-se, proceder; haver-se” e primitivo que é: “mais antigo; primeiro; dos primeiros tempos; inicial, original; relativo à origem de algo ou aos seus primeiros momentos ou estados que não sofreu evolução; arcaico, rudimentar; que não usa as convenções sociais de boa educação; que não mostra delicadeza no trato; grosseiro, rude; que ou quem vive em estado natural, geralmente sem uso da escrita nem de técnicas consideradas evoluídas.” Baseado nisso podemos fazer uma construção da definição composta de comportamento primitivo, que é o modo de comportar-se de forma arcaica, comportamento que não sofreu evolução. Tal qual a condição da criança observada. Ainda sobre o objetivo, gostaríamos de colaborar com outras pessoas que vivem nessas condições, desmistificando a cultura que induz toda a sociedade a desacreditar no potencial desses sujeitos. Em virtude de toda a violência sofrida, a criança estudada não tem acesso a atendimentos e dificilmente terá condições de passar por atendimento psicomotor, pois, a cidade não oferece e a criança não dispõe de recursos para tal, acreditamos que este estudo será fundamental na vida desta criança, reestruturando e reorganizando seu desenvolvimento. Os objetivos pretendidos são: analisar por meio de observação, o desenvolvimento de uma criança em situação de vulnerabilidade social; traçar o perfil do seu desenvolvimento; observar e identificar as potencialidades da criança e por fim contribuir com orientações aos profissionais cuidadores. Acredita-se que o desenvolvimento da criança em questão foi e está prejudicado em virtude de sua situação de vulnerabilidade, vítima de maus tratos provavelmente desde a gestação, logo a psicomotricidade vem contribuir na forma de terapia psicomotora. Contudo, deve haver a orientação dos cuidadores para contribuir com a terapia no restante do seu dia. A fundamentação teórica esta dividida em três capítulos: xi 1. Desenvolvimento humano: Autores e seus Padrões Onde buscamos tratar dos padrões de desenvolvimento apresentados por renomados autores, podendo traçar para a idade da criança estudada, pensando quais pontos ela poderia ter alcançado se vivesse em condições comuns de desenvolvimento. 2. Desenvolvimento Humano em Situações de Vulnerabilidade Social: Estudo de Caso Neste capítulo iremos cruzar o desenvolvimento humano com a vulnerabilidade social, relatando situações de vulnerabilidade e como estas refletem no desenvolvimento do sujeito, além disso, iremos apresentar o caso estudado, a fim de situar o leitor frente às dificuldades do mesmo. Por não haver um material especifico que possamos nos basear para o caso, encontramos no filme O garoto selvagem, um norte para este trabalho, logo esta história esta em anexo e será comentada durante o texto. 3. Observação e Possibilidades de Intervenção Psicomotora para o Caso Estudado Por fim, traremos a psicomotricidade como forma de intervenção, identificando possíveis manejos e indicações para os cuidadores, visando um atendimento mais completo e eficaz. xii CAPÍTULO 1 Este capítulo visa apresentar o desenvolvimento humano de uma forma ampla, contemplando aspectos cognitivos, motores e psicomotores, segundo os autores Piaget, Gallahue e Ozmun e Wallon. Estes autores foram fundamentais na estruturação de um padrão de desenvolvimento. Com estas informações pode-se estimular corretamente os sujeitos, pensando no que se é capaz em cada fase da vida e oportunizando a diferentes profissionais e pais, observar e intervir mediante alguma alteração. 1.1 Desenvolvimento Humano: Autores e Seus Padrões O desenvolvimento humano ocorre de forma natural, porém, depende de inúmeros fatores contemplando aspectos psicológicos, ambientais e fisiológicos. O sujeito já nasce com as condições de desenvolver-se, mas esse desenvolvimento se realiza a partir dos estímulos que recebe, por exemplo: aos 5 meses de gestação, o feto já á capaz de ouvir (Lindner, 1999), podendo criar laços com aqueles que conversam com ele. Os estímulos recebidos desde a concepção não se restringem a audição, o sujeito recebe diversos estímulos e por meio deles vai se adaptando e aprendendo. Azevedo e Moreira (2012) esclarece que o feto se desenvolve ativamente, interagindo com o meio intra e extra uterino, quer dizer que ele recebe estímulos do próprio corpo da mãe que o gera, do mesmo modo que do meio externo, com os carinhos e conversas que recebe e escuta, e ele da retorno a isso, movendo-se e realizando tudo que seu pequeno corpo já consegue. Para Maturana (2004) as consciências individuais e sociais da criança surgem da interação com a mãe, pela aceitação mútua. Que se inicia já na gestação, como citado, pela forma que a mãe recebe este feto e interage com ele. E não só por isso, mas pela rotina que a mãe vivencia durante a gestação, sabendo que sua tranqüilidade ou agitação terão influência direta no seu bebê. Almeida e Silva, Esteves e Castro (2012) determinam que para o bebê recém nascido, a xiii mãe é o seu prolongamento. O favorecimento hormonal que ocorre na gestante facilita a estruturação do vínculo, porém, uma mãe em condições adversas pode não estar pronta para isso, prejudicando sua relação por toda a vida. Além desta preparação prévia, a mãe deve usar os seus sentidos a seu favor, mantendo o contato com seu bebê, através do olhar, do tato, do olfato, do paladar e da audição, sabendo que a amamentação é fundamental para todos estes sentidos, não só para o bebê, mas para a própria mãe, reconhecendo seu bebê e aprendendo a lidar com ele. O desenvolvimento ontogênico é o aprendizado correspondente a cada fase da vida, pois, cada uma delas vai ser mais favorável a determinados aprendizados, conforme a maturidade, permitindo que possamos receber e interpretar corretamente os estímulos, aprendendo em todos os momentos da vida de forma plena (BRITES, 2014). Quem cuida da criança deve estar atento as suas necessidades e a estas fases, pensando sempre na estimulação com o respeito às condições de cada criança. Segundo Vygotsky (IVIC, 2010), o desenvolvimento infantil se realiza todo pelo social, pois, tudo que a criança realiza tem a mediação do adulto. É o adulto que alimenta, auxilia nos hábitos de higiene, protege e ensina, embora não seja o adulto, dono de todo conhecimento e sim o instrumento que a criança utilizará para se relacionar com o aprendizado que nos rodeia. Todos esses passos simples do dia-a-dia devem ser utilizados para promover o desenvolvimento completo deste pequeno sujeito que esta sob os cuidados do adulto. Logo, não é uma tarefa fácil, exige um certo equilíbrio, que com todas as dificuldades e vulnerabilidades atuais, tornam a efetivação desta empreitada bastante complexa. Cada ação deve ser pensada levando em conta o que a criança vai aproveitar daquele momento. E ainda tratando da mediação, Fonseca (2008) nos orienta que é impossível desenvolver as funções psicológicas superiores sem a devida intervenção. Embora cada criança tenha condições de se desenvolver, isso se dá pelo estimulo adequado, nas condições de ambiente adequadas, por exemplo: um sujeito com deficiência irá precisar de um estímulo e ambiente diferente de outro que na possua deficiência. A infância, considerada da concepção até os 7 anos, (FROTA, 2007) é a fase mais rica para o aprendizado, conforme o neurocientista Charles F Ferreira (2014), aos 5 xiv anos ocorre a primeira “poda” de neurônios, aos 7 anos ocorre a segunda “poda” e após essa idade o aprendizado acontece mais lentamente. Portanto, esses primeiros anos devem ser muito aproveitados. Podemos aprender em todas as fases da vida, porém, alguns períodos são mais propícios do que outros para cada tipo de aprendizagem. Nos primeiros anos, a criança deve ser apresentada a diversos materiais, situações diferentes, condições e tudo mais que esta possa usar para a sua vida e para nossas aprendizagens. Os padrões de desenvolvimento, descritos por diversos autores (PIAGET, GALLAHUE E OZMUN, WALLON, entre outros) servem para nos orientar quanto à normalidade de desenvolvimento e comportamento, podendo assim, intervir quando houver necessidade e realizar os procedimentos necessários, buscando o maior desenvolvimento possível. Embora cada criança desenvolva em um ritmo próprio, estes padrões estabelecem algumas margens para que pais e profissionais possam se assegurar de que suas intervenções estejam corretas e adequar quando for necessário, buscando sanar as defasagens. Segundo Jean Piaget (MADEIRA s/d) o desenvolvimento cognitivo se divide em quatro fases, conforme segue abaixo: 1. Sensório motor – 0 aos 2 anos Fase de descobertas, onde a criança desenvolve seus reflexos, organização das percepções e hábitos e inteligência sensório-motora. Nessa fase a criança descobre muitos movimentos que vão contribuir para o seu desenvolvimento cognitivo. Também é importante estimular o sistema sensorial como um todo, ofertando sons, imagens, cores, texturas, cheiros e sabores variados. O bebê de zero a dois anos tem sede por descobertas e isso deve ser estimulado, certificando-se de que esta tem a segurança em seus pais/cuidadores para conhecer. 2. Pré – operatório – 2 aos 7 anos Já a fase pré – operatória contempla a linguagem, subdividindo-se em pré – conceitual (2 aos 4 anos) e intuitivo (4 aos 7 anos), sendo que o primeiro contempla a fase dos “por quês”, onde a criança já compreende muitas coisas e por isso tem muitas dúvidas, solicitando dos cuidadores as respostas. Nesse período pais e cuidadores têm dificuldade de construir xv respostas adequadas as dúvidas, evitando mentir, mas ao mesmo tempo não podendo detalhar muito, pela pouca maturidade da criança que questiona. Já referindo-se ao segundo, a criança pensa de forma um pouco mais concreta e tem dificuldades de compreender as transformações, porém, seu raciocínio ainda é bastante simbólico. As dificuldades de compreender as transformações contemplam situações bastante concretas, envolvendo volume, quantidade, entre outros, que só poderão ser compreendidas na próxima fase. O pensamento simbólico permite que a criança construa histórias, crie personagens e brincadeiras, viva situações do seu cotidiano como outros personagens e essa habilidade é fundamental para o aprendizado, pois, a criança que não vive o simbólico terá grandes dificuldades no seu desenvolvimento como um todo. O simbólico antecede o próprio nascimento da criança (KAMERS e BARATTO, 2004) e cresce junto com ela, produzindo e compreendendo a vida social. Na brincadeira a criança vive o seu dia-a-dia, compreende certas situações complexas de serem explicadas. Como exemplo, podemos citar as brincadeiras de motorista, mãe, babá, profissões em geral, entre outros. 3. Operatório concreto – 7 aos 11 anos O sujeito consegue realizar diversas atividades lógicas, de seriação, relacionadas a volume, profundidade, reversibilidade simples, tempo, ordem, entre outras. O desenvolvimento lógico tem seu auge nesse período, ótimo para estimular atividades mais complexas. O sujeito esta numa fase heterônoma, acreditando que todas as regras vêm de alguém dito superior (SOUZA e WESTCHLER, 2014). Nessa fase a criança já caminha para a adolescência, podendo chamar o período de pré adolescência, devido à maior compreensão e ao aumento de maturidade. Logo, a própria maturidade e a dificuldade de lidar com ela, também surgem às dificuldades e conflitos 4. Operatório formal – 11 aos 14 anos Fase de desenvolvimento mais elevada, onde a abstração é livre e constante no raciocínio do adolescente. (http://penta.ufrgs.br/~marcia/estagio2.htm#eof). O sujeito torna-se autônomo em vários aspectos, com vários conceitos pré-definidos, torna-se questionador de seus “superiores”. O adolescente vive o conflito por estar em uma fase xvi intermediária, onde não é nem criança e nem adulto. Algumas vezes o adolescente houve que é jovem demais para tal tarefa e outras que já é “grande” o suficiente. Gallahue e Ozmun (2001) apresentam a ampulheta do desenvolvimento motor in Marques et al (2013) p. 1. FONTE: http://www.efdeportes.com/efd186/padroes-motores-fundamentais-demovimento.htm 1. A fase motora reflexiva (do útero até 4 meses de vida) é composta unicamente por movimento reflexos involuntários, que serão a base para as fases seguintes. O bebê realiza diversos movimentos que tem grande influência para sua família, embora, todos os movimentos sejam involuntários. Essa troca incentiva ambas as partes envolvidas. Mais adiante, porém, nesta mesma fase (de 4 meses até 1 ano) a criança já elabora alguns movimentos, inicia o estabelecimento de sua postura, partindo do pescoço até a postura ereta, conseguindo sentar, depois rastejar, engatinhar e assim por diante. Essa fase se mescla com a seguinte em alguns aspectos. 2. Os movimentos rudimentares (do nascimento até 2 anos de idade) subdividindo-se em fases que vão do nascimento até um ano e de um ano até dois anos. Na primeira subdivisão se elabora um pré controle, estruturando-se xvii a partir dos movimentos involuntários realizados na fase anterior. Na fase rudimentar propriamente dita, os movimentos são voluntários, porém, sem precisão, a criança já tem o pescoço firme, assim como o tronco, agarra-se nas coisas e em objetos, rola e arrasta-se, realizando isso incansavelmente quando festejada pela família e espectadores. Interage voluntariamente com brincadeiras e com objetos, demonstrando assim interesse pelo meio e por seus movimentos, a criança deve ser estimulada a tentar, pois, inicialmente os movimentos não são fáceis de ser realizados. Aquelas crianças que não recebem comemoração, ficam desmotivadas e com baixa estima. 3. A fase motora fundamental (dos 2 anos até os 7 anos) é o período da descoberta, um pouco mais longo que os anteriores, pois, já existe a base e esta será cada vez maior e estabilizada, os movimentos adquiridos a seguir serão cada vez mais elaborados, a fim de alcançar a fase seguinte. Os movimentos locomotores, manipulativos e estabilizadores serão o foco. A criança é bastante curiosa, coincide com a entrada em ambiente escolar, onde a criança poderá interagir com outras crianças, professores, objetos diferenciados, regras, comandos, será o primeiro ambiente social fora da família que a criança tem acesso. 4. Por fim a fase motora especializada (dos 7 anos até os 14, sendo o pico do desenvolvimento, porém, segue adiante por toda a vida), onde os movimentos são bastante precisos, maduros e podem ser trabalhados esportes para fins de competição. A criança compreende e respeita as regras, sabe da importância delas para a realização das atividades e cobra os pares, cooperando para o bom desempenho nos ambientes que convive. Todo sujeito deve ter uma educação voltada para o convívio em sociedade, respeitando os demais. Se por ventura isso não for seguido, nesta fase podem aparecer problemas, dificuldades de relação com os outros, dificuldades de dividir materiais e brinquedos, entre outros. Tratando-se de desenvolvimento psicomotor, Wallon (apud MADEIRA et al, p 94 s/d) desdobra esse campo em 6 estágios, conforme consta esta descrito abaixo. 1. Estágio impulsivo – emocional – 0 aos 3 meses xviii Fase que predomina a afetividade nas relações, onde o bebê esta descobrindo, conhecendo tudo, nesse período tanto bebê quando a família dá afeto buscando a reciprocidade. 2. Estágio expressivo – emocional – 3 aos 12 meses Inicia-se a interação com o meio com objetivo definido, o bebê já sabe de que gosta ou não, fica feliz com interações e brincadeiras, reclama quando algo não agrada, como o próprio nome diz, já expressa suas emoções de forma mais clara. 3. Estágio sensório motor e projetivo – 1 aos 3 anos Desenvolvimento da inteligência prática – simbólica, a criança atribui significados as ações e situações. Os símbolos vão permitir que a criança compreenda a lógica social e interaja com ela. 4. Estágio do personalismo – 3 aos 6 anos Através da socialização a criança começa a formar a sua personalidade. Já tem suas crenças, criadas pelo simbolismo, já define o que é certo e o que é errado, a influência cultural é fortíssima para essa construção, por isso, o comportamento dos pais deve ser pensado e repensado a cada dia, buscando a melhor condição para o desenvolvimento da criança que esta sob sua responsabilidade. 5. Estágio categorial – 7 aos 11 anos Predomínio do aspecto cognitivo, consolidação da função simbólica e da inteligência. A criança começa a se interessar por outras situações, desenvolve outros interesses, quer realizar outras atividades, fazer parte de grupos e demonstrar seus conhecimentos. 6. Estágio da adolescência – 11 aos 12 anos Fase de muitas mudanças corporais, de personalidade e de interesses, os quais estão relacionados ao pessoal, existencial, moral e retorno afetivo. O adolescente entra em conflito, pois, são diversas mudanças ao mesmo tempo, tornando difícil a compreensão do que acontece com ele mesmo. Todas essas fases nos permitem estruturar a nossa intervenção, podendo avaliar as alterações do desenvolvimento a fim de tornar a nossa prática capaz de dar suporte a qualquer público, de forma eficaz. Para a correta xix intervenção é fundamental saber das limitações e potencialidades do sujeito, embora o foco deva ser nas potencialidades, é preciso identificar as limitações biológicas, para evitar estímulos incorretos e frustrações. Fonseca (2008) explica que o estudo do comportamento é “o meio para atingir o fim”, possibilitando compreender o que deve ser tratado. Logo, precisamos conhecer a história do sujeito. Além disso, podemos perceber que todos os padrões estão interligados, cognitivo, motor e psicomotor, se houver uma falha em um destes, todos ficarão comprometidos e família/cuidadores são fundamentais para que isso ocorra de forma natural, segura e saudável, permitindo ao sujeito aprender o máximo para cada etapa conforme suas condições biológicas. xx CAPÍTULO 2 O capítulo 2 trata do desenvolvimento comentado no capítulo anterior, porém, sob condições de vulnerabilidade social e como os sujeitos respondem nessas condições. Detalharemos os principais contextos da vulnerabilidade social segundo a UNESCO (ABRAMOVAY et al, 2002) e como isso influi no desenvolvimento padrão e para onde esta situação encaminha o sujeito. Com base nisso e no filme O Garoto Selvagem (ANEXO 1) levantaremos o caso estudado, pensando nas condições em que a criança viveu até agora e seus desdobramentos. 2.1 Desenvolvimento Humano em Situações de Vulnerabilidade Social: Estudo de Caso O tema principal deste estudo é o desenvolvimento de crianças que vivem em situação de vulnerabilidade social e com redução de estímulos. Abramovay et al (2002) explica que a vulnerabilidade social é tratada como a falta de recursos ao desenvolvimento, prejudicando o acesso dos sujeitos ao seu próprio desempenho. Seria então um grupo de fatores de risco que estão associados a um determinado ambiente ou condição de vida e que limitam o desenvolvimento do sujeito. Segundo Reppold et al (2002), os fatores de risco são condições ou variáveis associadas à alta probabilidade de ocorrência de resultados negativos ou indesejáveis. Como já falamos no capítulo anterior, para o pleno desenvolvimento do sujeito são necessárias condições e estímulos constantes, mesmo para aqueles sujeitos que não possuam alterações biológicas, logo, quem sobrevive em vulnerabilidade social certamente tem estímulos diferentes, que nem sempre vão estimular os aspectos necessários ao seu bom desenvolvimento. Ao contrário, muitos desses estímulos são negativos e por isso inibem o desenvolvimento, podendo impedi-lo ou atrasá-lo. O documento da UNESCO, Juventude, Violência e Vulnerabilidade Social na América Latina: Desafios Para Políticas Públicas (ABRAMOVAY et al, xxi 2002) será utilizado como principal referência quanto a vulnerabilidade social, em virtude da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) ser um órgão mundialmente reconhecido pela preocupação com o desenvolvimento de todos os países, sem influencia e envolvimento político. Neste documento os autores nos colocam que a violência tem definição complexa, sendo um item multifacetado dentro da vulnerabilidade social, pois, não engloba apenas a violência física, podendo atacar também o psíquico, comprometendo o desenvolvimento do sujeito como um todo. Por esse motivo é um fator primordial para a condição de vulnerabilidade social, podemos observar violência entre pais e filhos e até entre o próprio casal, violência de professores com seus alunos com maior dificuldade, violência oriundo de preconceito, tal como a homofobia e, além disso, diversos outros problemas sociais conduzem a violência, tais como uso de álcool e drogas. Outro fator de vulnerabilidade social seria a pobreza, que automaticamente já torna o grupo excluído socialmente e o dirige a vários riscos: insegurança, violência de várias formas, desemprego, fome, frio, entre outros. Muitas famílias entram para o crime pela pobreza, embora isso não seja justificado, mas as dificuldades, tais como: falta de oportunidades e de atenção da sociedade, buscando opções para este grupo desencaminha a população pobre, cada vez mais. O acesso a educação também colabora para o aumento da vulnerabilidade social, limitando assim as possibilidades de acúmulo de capital social e bem estar. Levando em conta o difícil acesso de muitos locais em que pessoas pobres residem e a violência destes mesmos locais, muitas crianças não frequentam as escolas, além do trabalho infantil, que é também um grande motivo para a baixa escolaridade. Segundo o Censo IBGE (2010) a população brasileira com 15 anos estuda em média 7,7 anos, o que significa que não concluem sequer o ensino fundamental. Partimos da educação para o trabalho, uma situação abstrusa para muitas famílias, onde os jovens precisam trabalhar para colaborar com o sustento da casa e ao mesmo tempo precisam estudar para acompanhar as exigências do mercado de trabalho atual. Nos dias atuais o mercado de trabalho esta cada vez mais complicado, obrigando as pessoas a trabalharem xxii mais, buscando melhores salários. Segundo os principais jornais de rede brasileira de televisão, o IBGE aponta um crescimento de 7,9% de desemprego no primeiro trimestre deste ano (2015), com isso, também aumentou a população desocupada em 23%, comparado ao último trimestre de 2014. Segundo os economistas, isso é atribuído a uma queda nas oportunidades de trabalho. Embora a situação ataque todas as camadas sociais, logicamente quanto mais vulnerável for a família, mais fortemente ela sentirá as dificuldades em situações de crise. A precariedade de informação e acesso a saúde torna o jovem ainda mais vulnerável, tendo início cedo na vida sexual e por isso sofrendo riscos de gravidez indesejada e exposição a doenças sexualmente transmissíveis. Cerca de 26,8% da população entre 15 e 64 anos que tem vida sexual ativa, iniciou antes dos 15 anos (MS/PCAP, 2008). Segundo Jardim e Santos (2012) apenas 40,4% dos meninos usam preservativo na primeira relação. Já em um estudo de 2006, de Teixeira et al, 60% das meninas e 63,8% dos meninos relataram ter usado preservativo na primeira relação. Por fim, a UNESCO determina que o lazer esta vinculado ao tempo disponível para realizar atividades prazerosas e fortalecer laços com amigos e familiares. Essa atividade é relativa, pois, cada um pode considerar o seu lazer diferente dos seus pares, visto que nem tudo da a mesma satisfação a todos. O lazer para alguns esta relacionado a gastos, bens de consumo, passeios mais caros, outros já se satisfazem com atividades comuns. Pensando a vulnerabilidade social dentro das famílias, Andrade et al (2005) diz que existe forte vínculo entre o estímulo doméstico e o bom desempenho cognitivo da criança. Logo, uma criança que passa por percalços na primeira infância, principalmente no lar, requer uma atenção maior posteriormente para tentar alcançar o maior desenvolvimento possível. Como relatado no capítulo anterior, a relação com a mãe é de suma importância para o desenvolvimento do bebê. O desenvolvimento depende de outros fatores além da família, os amigos, familiares mais distantes, escola e todos os locais onde a criança convive. Brites (2014) nos coloca que crianças pobres, que vivem em casas pequenas, têm grande probabilidade de apresentar dificuldades de aprendizagem, pois, tiveram redução de estímulos motores, xxiii visuais, auditivos e sociais. O menor espaço diminui o estimulo motor, a baixa renda, impede a aquisição de brinquedos e materiais que possam estimular a visão e a audição e a violência diminui a relação com a sociedade, além disso, o preconceito que também delimita as relações. A criança estudada passou por quase todas as vulnerabilidades citadas, em virtude disto é preciso uma formação mais específica a fim de estruturar os profissionais que venham a atender esta criança, assim como informação para os familiares e cuidadores, pois, a mesma necessita de atendimento intensivo, assim como o garoto selvagem, citado no anexo 1. Esta tem em torno de 8 anos, quando bebê vivia com a mãe e duas irmãs um pouco mais velhas, tanto a mãe como as irmãs sofrem de esquizofrenia precoce e suas características indicam a presença de alguma síndrome nunca identificada. A criança foi encontrada na casa da família, no chão, suja e desnutrida, justamente por este motivo foi retirada do convívio familiar e desde então vive sob custódia da assistência social de sua cidade, tendo vivido em um lar de meninas e atualmente em uma casa lar da cidade. Na primeira instituição fora diagnosticada com surdez e deficiência intelectual, mais um aspecto em comum com o garoto selvagem, por esse diagnostico, também teve restrição de estímulos nos primeiros anos de vida, pois, os profissionais não tinham informações necessárias para atendê-la, até que na instituição seguinte iniciaram os trabalhos e atendimentos mais específicos para a sua condição. Com as dificuldades de diagnósticos precisos e pelo comportamento agressivo e primitivo da criança, os anos foram passando e ela se desenvolveu pouco, teve algumas regressões quando em convivência com crianças menores e quando precisou se ausentar dos atendimentos. Existem poucos locais de atendimento que “aceitam” a criança, pois, ela se mostra bastante agressiva, apresenta “gana” com crianças menores, o que torna bastante complexa a sua inclusão nos mais diversos ambientes. Atualmente ela freqüenta a Associação de Pais e Amigos do Excepcional (APAE) da cidade e recebe atendimento em meio aquático, com profissional de educação física, uma vez por semana, com o objetivo de melhorar seu comportamento agressivo e permitir uma melhor socialização, objetivos que se mostram mais importantes nesse momento. xxiv A instituição que abriga a criança tem poucas informações de sua história, mas sabe-se que ela sofreu diversos riscos, encontrando-se em situação de vulnerabilidade social desde a gestação. Provavelmente a mãe não fez pré-natal, as irmãs contam que a mãe guardava a criança dentro de um refrigerador e que elas só conseguiam retirá-la desse ambiente quando a mãe saia de casa. Sem ter acesso a vínculo afetivo e a alimentos adequados a criança cresceu com atraso motor, demorando alguns anos para caminhar, atraso mental, demonstrando pouca compreensão e principalmente atraso social, pois, seu comportamento é bastante agressivo, desorganizado, o que torna os atendimentos difíceis. Pensando na condição desta criança buscou-se, avaliar e identificar junto à literatura, utilizando-se da História do Garoto Selvagem como base (ANEXO 1), justamente pela similaridade do comportamento e pela dificuldade de adequar os padrões de desenvolvimento ao seu caso. A educação do garoto selvagem, chamado Victor, foi organizada por Itard em cinco metas: 1. Interessá-lo pela vida social; Até ser encontrado, o garoto viveu apenas com estímulos selvagens, se interessando apenas por comer, dormir, não fazer nada e correr livremente. Com isso, primeiramente se pensou que a sociedade deveria ser agradável para que o garoto demonstra-se interesse em aprender e conhecer as regras sociais. Esse aspecto também pode ser trabalhado com Lúcia, visto que seu comportamento é totalmente anti-social. Para Victor, Itard precisou observá-lo e utilizou-se das habilidades que o menino já possuía para fazê-lo descobrir outros aspectos da vida, ofertando maior variedade de alimentos, fazendo dormir nos horários corretos, dar opções de atividades nas horas ociosas e por fim, oportunizar horários de passeio onde o garoto pudesse correr e caminhar livremente, mas dentro dos limites estipulados. O que se faz com Lúcia, permitindo que ela interaja com alguns materiais, pois, se fossemos limitar todas as ações indesejadas, no momento sobraria pouco a ser trabalhado. Limitamos apenas ações agressivas que possam machucar quem esta ao redor ou ela própria. Embora fosse preciso ensinar regras a Victor, isso não poderia ser feito de forma brusca, evitando o fechamento do garoto para o aprendizado e xxv buscando estimular sua curiosidade por novidades, que pudessem ser prazerosas. Isso se mostrou muito interessante para o menino, trazendo-lhe liberdade e alegria, embora ele tivesse dificuldades de expressar os sentimentos, isso era percebido no seu comportamento e no seu interesse por realizá-lo outras vezes. 2. Despertar a sensibilidade nervosa; O garoto não demonstrava sensibilidade alguma, nem frio, nem calor, nem dor, nada era observado. Itard nos fala dos seguintes exemplos: quando o garoto ficava nu, acocado nos pátios da escola de “surdos-mudos”, em dias extremamente frios, ou quando pegava batatas que estavam sendo cozidas em água fervendo ou até quando o próprio Itard colocava pó de tabaco nos orifícios do nariz do garoto, sem que ele sequer ameaçasse espirrar. Isso se devia também a redução de estímulos e a falta de sensibilidade de todos os sentidos, olfato, audição, paladar, visão e tato. Na floresta o garoto precisava ser resistente para sobreviver, não era aceitável que sentisse muito frio, pois, não haveriam cobertas, também não poderia sentir muito calor, pois, em determinadas ocasiões não teria opção e disso dependeria sua vida, além disso, um ambiente hostil como a floresta não permite ao sujeito que vive nela ser alérgico ou frágil a qualquer um de seus animais e plantas. Embora Lúcia pareça muito bem cuidado, sempre limpa, aparentemente alimentada e saudável, não demonstra insatisfação referente a sua sensibilidade, nem frio, nem calor, podemos citar como exemplo, o banho, onde mesmo a água estando gelado ou fervendo ela não sai de baixo do chuveiro. Buscando excitar os sentidos do garoto, Itard propôs que por um período pré determinado, o menino passasse a vestir-se com as roupas adequadas a temperatura do ambiente, além disso, que ele passasse a tomar banhos diários em água fervente, o que surtiu grande efeito, pois, após algum tempo, o garoto passou a demonstrar a sensação de frio. Massagens e cócegas também entravam nessa meta, em locais mais específicos do corpo, buscando o estimulo tátil, com isso se descobriu até a entrada na puberdade, devido a respostas sexuais, podendo inclusive ter a noção de sua idade. Itard estimulava o garoto em todos os aspectos comuns do dia a dia em sociedade para que ele pudesse literalmente xxvi aprender a sentir e associar cada sensação ao que lhe compete, sejam roupas adequadas ou fuga em caso de perigo. 3. Ampliar as esferas de suas idéias; Itard e Victor sempre saiam a passear pelos campos e iam comer em restaurantes no centro da cidade, buscando mostrar ao garoto como funcionavam os ambientes e como as pessoas se comportavam, nos restaurantes Itard exigia que Victor se mantivesse sentado e fizesse uso de talheres, tarefa difícil, que precisou de bastante treinamento e ajuda. O que no caso de Lúcia torna-se quase impossível pelo local onde vive e as poucas oportunidades que este oferece. Além disso, Itard procurava pedir os pratos que o garoto gostava e quando iam ao campo, permitia que ele corresse livremente. As cuidadores referem que Lúcia fica muito feliz quando sai de carro e mais feliz ainda quando chega ao ambiente em que faz a aula de natação, ficando eufórica. Essas associações faziam com que o mesmo se comportasse bem, na expectativa de sair a passear, logo ele sabia que após o bom comportamento no restaurante poderia sair para correr, quando isso não ocorria, iam direto para casa. Assim Itard alcançou bons resultados e pode ampliar os conhecimentos do garoto. Também o vínculo criado com a governanta, que ajudava na sua criação, era muito importante para o seu aprendizado, pois, o garoto buscava agradar a governanta, que era para ele como uma mãe. Isso também se mostra no caso de Lúcia, as cuidadoras referem que seu comportamento melhora com a presença de um cuidador especifico, que brinca muito com ela, fazendo-a bastante feliz, e aparentemente por isso, ela se comporta bem quando ele exige, sua fala causa muito impacto. 4. Levá-lo ao uso da fala; A sensibilidade dos seus ouvidos era associada a grunhidos e sons mais selvagens, dificilmente a fala lhe chamava a atenção, logicamente, no ambiente onde fora criado não havia fala humana, por isso, era algo desconhecido, sem significado e sem importância. Para estimular o uso da fala, ocorreram várias tentativas em vão, quando Itard resolveu utilizar nomes de objetos e alimentos que o garoto utilizava com freqüência no dia-a-dia se iniciou o sucesso também nessa meta. As primeiras palavras foram leite que xxvii água, que o garoto bebia com freqüência e demonstrava grande satisfação ao fazê-lo. Ocorria da seguinte forma, o garoto foi ensinado que aquilo que ele queria chamava-se água e leite, com bastante repetição, após algum tempo só ouvindo, o garoto passou a ser cobrado a falar, tendo que falar os nomes do que desejava para poder ganhar. Em relação a Lúcia, pela falta de exames aprofundados, não sabemos se ela possui deficiências no aparelho fonológico. Ela emite diversos sons, mas nenhuma palavra definida. Nessa meta, o garoto já estava há bastante tempo com Itard e Guérin, havia desenvolvido afeto por eles e sensibilidade sentimental, assim, mostrava-se frustrado quando não recebia seu pedido por não conseguir falar. A dificuldade de pronunciar as palavras solicitadas era grande, por isso, o garoto não era levado a passar sede e nem fome, seria muito cruel, Itard solicitava a pronuncia por pouco tempo, se o menino não o conseguia, era entregue o que ele estava pedindo, mas a cada dia esse tempo aumentava, melhorando a tolerância do garoto e a possibilidade de falar. Nesse período de avanço não podia haver desistência dos cuidadores, isso poderia levar todo o avanço a se perder. 5. Exercitar as operações da mente. Nessa meta considerada mais complexa, Itard pensou em estimular o raciocínio lógico do garoto. Para isso Itard iniciou nomeando alguns objetos, primeiramente Victor tinha de mostrar qual objeto estava sendo solicitado, mais adiante Itard guardou os mesmos objetos em locais variados, o garoto devia procurar pela casa o objeto solicitado. Pensando em complexar ainda mais, Itard começou o trabalho com ordens, ensinando primeiramente a ordem desejada e solicitando ao garoto que coloca-se os objetos conforme o solicitado, isso trabalha memorização visual e a organização espacial do garoto. Por fim, os objetos eram novamente escondidos e deviam ser postos na ordem mostrada anteriormente (BANKS LEITE e GALVÃO, 2001). Lúcia é estimulada quanto a função dos objetos, visto que leva tudo a boca, mas ainda não obtivemos sucesso. Cada uma das metas foi construída pensando nas necessidades sociais, buscando qualidade de vida para o garoto, lhe oportunizando condições de viver dignamente em sociedade, aproveitando todos os benefícios que a vida lhe oferta, que é justamente o que buscamos para a xxviii criança estudada. Porém, esse trabalho era feito praticamente o dia todo, levando em conta o seu atraso, era preciso um trabalho intensivo, que no nosso caso, embora também seja necessário, seria muito difícil de realizar, pelo número de profissionais que atendem e pelas condições do ambiente em que vive. Buscamos junto à psicomotricidade possíveis intervenções a fim de contribuir com os profissionais cuidadores a respeito de manejos diários, acrescentando em seu desenvolvimento e contribuindo com o atendimento já realizado. Este trabalho é um grande desafio, visto que as atuais condições da criança são primitivas, ela morde e se revolta quando contrariada, não tem uma linguagem desenvolvida e sua comunicação se dá por meio das expressões bastante simples. A busca por melhores condições de vida e pela descoberta das suas potencialidades é o principal norteador deste estudo. Além deste motivo principal, gostaríamos de colaborar com outras pessoas que vivem nessas condições, desmistificando a cultura que induz toda a sociedade a desacreditar no potencial desses sujeitos. xxix CAPÍTULO 3 Por fim, o capítulo 3 vem apresentar a psicomotricidade, a base da sua intervenção e suas divisões, segundo os autores Negrini, Rossi, Barros et al, Alcance, entre outros e a aplicação disso no caso de Lúcia. Podemos avaliar e traçar um perfil para ela, identificando suas potencialidades e defasagens e planejar intervenções que podem ser usadas no dia a dia, pensando em contribuir com seus cuidadores. A grande importância dos profissionais na condução de sua rotina torna também importante falar sobre os profissionais que atenderam Victor, pela similaridade do caso. 3.1 Observação e Possibilidades de Intervenção Psicomotora para o Caso Estudado A psicomotricidade se divide em reeducação, terapia e educação, podendo trabalhar com pessoas que tenham atrasos cognitivos e psicomotores em todas as fases da vida (NEGRINI, 2002). Cada uma dessas divisões vai atender um público específico, sendo a educação psicomotora focada na formação da base para as crianças, indispensável para o seu desenvolvimento integral, através de jogos, brincadeiras e atividades lúdicas (ROSSI, 2012), como o próprio nome já diz vai educar e isso pode ser feito com grupos que não tenham nenhuma dificuldade específica ou diagnóstico, em escolhinhas, turmas de séries iniciais, entre outras; já a reeducação psicomotora é desenvolvida na educação infantil, por meio de experiência ativas, onde a criança é estimulada a desenvolver-se de forma integral através de atividades físicas recreativas e bem orientadas (BARROS, FONTENELE e FERREIRA, 2012) esta por sua vez vai focar naqueles grupos que por algum motivo sofreram atrasos na sua educação, vai proporcionar atividades “extras” para reforçar as aprendizagens que já foram passadas e por algum motivo se perderam ou sequer puderam ser passadas, em casos como o de crianças que precisaram ficar internadas em hospitais ou acamadas por muito tempo e por xxx fim a terapia psicomotora, que segundo Alcance (s/d), vem auxiliar no desenvolvimento de crianças que tenham alterações no padrão de desenvolvimento, ocasionando déficits no seu desenvolvimento, assim como crianças com deficiências e patologias, pensando na definição de terapia segundo Ferreira (2008) esta associada ”a aliviar ou curar doentes”. No caso da terapia psicomotora nem sempre estará associada a doenças, como já citado, para pessoas com deficiência também é bastante importante, buscando minimizar ao máximo suas defasagens. Para Lúcia, a intervenção adequada seria a terapia, pois, a criança tem várias alterações no seu desenvolvimento, tanto biológicas, quando por fatores ambientais, conforme consta no capítulo anterior. Buscamos identificar pontos positivos e negativos, da área relacional e funcional, a fim de pontuar qual seria mais eficaz para a terapia com essa criança. A psicomotricidade relacional busca no próprio sujeito a expressão e a superação dos conflitos relacionais, através da interpretação dos comportamentos, oportunizando liberdade de expressão, a fim de poder colaborar com seu desenvolvimento integral, usando a comunicação nãoverbal, brincadeiras e movimentos como instrumento (VIEIRA, 2013). A psicomotricidade funcional esta relacionada a habilidades motoras específicas, tais como: tônus, coordenação, equilíbrio, entre outros. Sendo a defasagem destas, o motivo de diversos problemas e dificuldades observados no desenvolvimento da criança. Trabalha-se com exercícios específicos, por isso chama-se funcional, o exercício vem colaborar para habilitar/reabilitar determinada função no corpo (ROCHA s/d). A avaliação é fundamental para um bom trabalho, podendo identificar as demandas para cada sujeito (ROCHA s/d). A instituição onde a criança vive possui poucas informações sobre sua vida, logo, o preenchimento da anamnese é um tanto complicado, no anexo 2 estão as informações coletadas nesse processo. Os dados de identificação foram ocultados para preservar a privacidade da criança. A avaliação foi realizada em ambiente aquático, mediante observações posteriores em diferentes situações, tais como: com ou sem outras crianças, com barulho e em silêncio, com maior número de materiais ou sem materiais. Não utilizamos nenhuma bateria xxxi especifica e sim a composição delas, baseando-se na própria criança. As seguintes alterações foram observadas: • Não identifica partes do corpo quando solicitado. • Identifica-se no espelho. • No espaço observado ela demonstra lateralização manual esquerda, pedal direita, ocular de difícil observação em virtude do estrabismo e auditivo não pode ser identificada, pois, não reagia aos estímulos, porém, os cuidadores relatam o uso da mão direita no ambiente domiciliar. • Não há estruturação espacial, nem temporal, eventualmente, há alguma organização, mas isso varia conforme seu humor. • A criança apresenta muitas sincinesias, pouco equilíbrio, sua postura é próxima a de um primata, ficando o tronco inclinado a frente, braços “pendurados” e membros inferiores afastados. • Quanto a atividades de imitação, nenhuma é repetida, a criança demonstra desinteresse. • Corpo ectomorfo. • Ao mergulhar não controla respiração, em muitos momentos toma água e por gostar muito de mergulhar, é preciso certo controle quanto a isso por parte do profissional. • Ao entrar na piscina tem boa organização, sabe que precisa se trocar e aguarda por isso, ao sair também, sabe que deve guardar os brinquedos, consegue realizar isso com perfeição. • Não realiza atividades de motricidade fina. • Tem dificuldades globais também, não coordena as parte do corpo entre si para a realização das atividades. • Todos os objetos oferecidos são levados a boca. Com as discrepâncias identificadas, podemos traçar um método de trabalho. Embora a criança tenha muitos aspectos particulares que precisam ser trabalhados, a sua dificuldade de seguir comandos, faz com que seja utilizada a psicomotricidade relacional, que permite fazer as intervenções através da brincadeira livre. O interesse dos profissionais pelo seu xxxii desenvolvimento se faz fundamental, assim como ocorreu com Victor. Jean Itard foi primordial para o desenvolvimento do garoto, foi através dele que o menino conseguiu aprender e se libertar dos comportamentos que impediam seu avanço em sociedade. Logo, por se tratar de observação e intervenção, se torna importante falar um pouco sobre estes profissionais e a forma como eles viam os pacientes na época. Phillipe Pinel foi um dos pioneiros em saúde mental, pensando no tratamento moral dos seus pacientes, desenvolveu um método completamente diferente do usado na época, promovendo maior liberdade e conforto (FACCHINETI, 2008). No Brasil o tratamento mental foi baseado nos princípios dos hospitais parisienses Salpêtriére e Bicêtre, reformados justamente por Pinel (RAMOS e http://www.sms.rio.rj.gov.br/pinel/media/pinel_origens.pdf). GEREMIAS, Em seu artigo (1801) Pinel retrata a seguinte situação: No tratamento de sua mania, eu tinha o poder de usar um grande número de remédios, mas o mais poderoso de todos faltou-me: aquele que só se pode encontrar num hospício bem organizado, aquele que consiste, por assim dizer, em subjugar e domar o alienado colocando-o na estreita dependência de um homem que, por suas qualidades físicas e morais, seja apto a exercer sobre ele um domínio irresistível e a mudar a cadeia viciosa de suas idéias. Alguns exemplos escolhidos, e que se passaram no hospício de alienados de Bicêtre, tornarão mais clara essa verdade (p 123). De certa forma isso foi o que aconteceu com o Victor, conseguiu se livrar dos costumes selvagens de sua criação em virtude do acompanhamento constante de Jean Itard, sendo dependente dele pelo vínculo. Apesar de Pinel não ter se dado conta disso e sim Jean Itard, a forma de pensar desses profissionais era muito parecida, ambos lutavam por condições dignas de tratamento, utilizando as formas mais saudáveis e de qualidade para o paciente, apesar de essa intervenção exigir mais dos profissionais, precisando estudar mais para compreender seus pacientes e se envolver no seu dia-a-dia, fugindo dos protocolos pré formados para buscar novidades junto aos próprios pacientes. xxxiii Philipe Pinel passou por diversos percalços em sua vida, dificuldades financeiras e políticas. Iniciou seus trabalhos no Hospício de Bicêtre já com 48 anos de vida. Por ter um olhar diferenciado e ser muito sensível, pode identificar junto a um ex-paciente, Pussin, formas variadas de pensar a psiquiatria, levando em conta a vivência de Pussin como paciente e como funcionário do hospício, pois, depois de passar por tratamento, Pussin passou a integrar o quadro funcional do hospício (PINEL, 2004). Rossi (2012) fala sobre esse olhar diferenciado que o educador deve ter, citando o professor como mediador do processo formal de ensino e aprendizagem, para que possa identificar defasagens e possibilidades para seus educandos. Foi exatamente isso que ocorreu com Pinel, tornou-se educador dentro do hospício, levando em conta não só as dificuldades dos internados, mas também as possibilidades diferenciadas de intervenção, visando as habilidades dos pacientes. Jean Itard também foi um psiquiatra francês de renome, discípulo de Pinel, tornou-se famoso ao educar o menino Victor: Como se a sociedade tivesse o direito de arrancar uma criança a uma vida livre e inocente, para enviá-la morrer de tédio num hospício, e ali expiar a infelicidade de ter enganado a curiosidade pública. Julguei que existia uma solução mais simples e sobretudo mais humana; era a de usar para com ela bons tratos e muita condescendência com seus gostos e suas inclinações (p. 15, 2000). O trabalho de Itard com Victor foi o marco do início da ciência da psicologia do desenvolvimento, pois, foi o primeiro a por em prática suas idéias (COLE e COLE, 2004). Vários autores elucidam que o social é fundamental para o desenvolvimento (VYGOTSKY apud IVIC 2010; PINTO e GÓES, 2006; FORTUNA, 2008) assim como Itard, esses autores indicam que a evolução vem do meio cultural e da convivência em sociedade, da imitação, das representações que os pares significam dentro do contexto social que o sujeito convive. O fator mais interessante da vida de Victor é que apesar da restrição de estímulos durante os primeiros anos de vida, o garoto teve um bom desenvolvimento, conseguiu criar vínculos com os humanos e com seus xxxiv hábitos, desenvolveu higiene consigo e com os objetos, aprendeu nomes, formas, objetos, organização, ordem, aprendeu inclusive a negociar e a reivindicar, atribuindo significado e sentido as palavras faladas, logo, comentar essa história é primordial, pois, o comportamento do garoto selvagem remete muito ao comportamento da criança que será estudada e com isso poderemos traçar um comparativo, tanto relacionando o desenvolvimento de um e de outro, como nas formas de intervenção. Victor de Aveyron após as intervenções e seu educador Jean Itard. FONTE: http://www.crescimentoesabedoria.com.br/products.php?product=O-MENINOSELVAGEM-DE-AVEYRON- Nos primeiros momentos de intervenção com Lúcia, se trabalhou a adaptação no espaço, com seus objetos e materiais, nos seus respectivos lugares, a interação com a professora era livre, buscou-se observar seus interesses dentro deste novo local. Nessa fase a criança não demonstrava interesse em interagir, só era contida por motivos de segurança, reclamando muito quando isso acontecia, beliscava, mordia e batia na professora. Em seguida buscou-se a inserção de brinquedos, de forma livre e até desordenada, com, intuito de identificar algo que despertasse o interesse da criança. Ela se mostrou indiferente, tudo que lhe era ofertado, era colocado na boca, rasgado e xxxv furado quando conseguia. Lembrando que todas as formas de intervenção permaneciam por pelo menos 6 meses, visto que a criança demora a nos dar retorno e precisa de paciência e insistência. O próximo passo foi limitar os materiais, sendo que em cada atividade era usado um pequeno grupo de materiais, às vezes eram bolas, de diferentes cores, em outros momentos, brinquedos de borracha em forma de animais, sempre buscando materiais macios, pois, ela sempre morde. Essa estratégia deixou Lúcia bastante incomodada, pois, queria escolher brinquedos aleatoriamente, jogando-os por todos os lados, mordendo e atacando a professora, junto com a limitação dos brinquedos trabalhou-se a resignificação dos brinquedos, sempre mostrando formas que ela poderia brincar com elas ao invés de morder, porém, com pouco sucesso. Nesse momento a criança já tinha bastante vínculo com a professora, abraçando sempre que via. Já dava retorno quanto a algumas cobranças e exigências, olhava nos olhos da professora em vários momentos da aula. Apesar disso, ser um grande avanço perante a sua condição, acredita-se que o progresso seja lento, pelo tardio acompanhamento, frente à situação de vida. Essa criança já vem realizando essas intervenções há 1 ano e meio, junto ao profissional de educação física. Nas últimas intervenções foram inseridos materiais grandes, tais como colchões para flutuação. A criança demonstra algum interesse em utilizá-los, mas quando passa por dificuldades em subir no tapete, logo, desiste e busca outra coisa para fazer. O horário de atendimento sempre é particular, pois, com a presença de outras pessoas, principalmente crianças, ela se agita, fica eufórica, querendo pegar as crianças, puxa seus cabelos e grita. Acredita-se que esse horário particular permite maior desenvolvimento para ela, podendo aproveitar mais o seu atendimento, que tem duração de 45 minutos. O trabalho permanecerá o mesmo até completar dois anos de atendimento, que é o tempo máximo de permanência no projeto de natação. Um dos objetivos é colaborar com os cuidadores, a fim de tornar mais fácil a rotina no abrigo e também para que o processo terapêutico tenha melhores resultados. Não sabemos o quão prejudicada é a sua cognição, mas temos vários indícios de que ela compreende os comandos, em vários xxxvi momentos da aula, quando é cobrada mais rigorosamente a realizar a tarefa ou ao contrário, quando morde e é cobrada a não fazer, mostra prestar atenção na fala da professora, nos últimos meses tem batido palmas quando faz algo diferente, atitude realizada por conta própria e motivada posteriormente, agora sempre que ela consegue é aplaudida. Essa foi a sua forma de mostrar que precisa de motivação e que entende que fez algo corretamente, além disso, pede ajuda, pegando na mão da professora e encaminhando para o que ela quer, algo que não era realizado antes. As mordidas e beliscões têm sido mais esporádicos, embora as cobranças permaneçam, sinal de que ela esta compreendendo e esta mais tolerante também. Por fim, acreditamos que a criança precisa de um trabalho intensificado, na APAE, na natação e no abrigo, cobrando comportamento correto, usando inclusive artifícios que ela gosta para isso, podendo ofertá-los em forma de gratificação ou retira-los em forma de castigo, ao menos, num primeiro momento, até que ela tenha cada vez mais compreensão do certo e do errado. A intervenção psicomotora em consultório seria muito importante, podendo fazer uma trabalho mais direcionado as suas defasagens, pois, na água, é bastante complicado, precisamos de muitas adaptações e ainda assim nem sempre conseguimos alcançar nossos objetivos. xxxvii CONCLUSÃO A criança estudada apresentou déficit de estímulos em todos os ambientes freqüentados até aproximadamente seus 6 anos, logo, um tempo precioso para o seu desenvolvimento foi perdido. Outro fator que é determinante para o seu desenvolvimento é a falta de exames minuciosos e precisos que possam identificar o nível de lesão cerebral que ela possui. Tudo isso dificulta a preparação de atividades, pois, nem sempre se consegue realizar o planejado, fazendo com que o profissional tenha que estar sempre atento ajustando as atividades as suas necessidades e a sua condição em cada dia. Para os cuidadores se torna ainda mais complicado, pois, não possuem formação específica para tal. Apesar disso temos diversas constatações de que devemos acreditar no potencial de todos. Pinel e Itard sempre acreditaram nisso e demonstraram nas suas ações. Itard conseguiu construir diversos aprendizados e tornar o garoto selvagem um ser bastante sociável para suas condições. Baseando-se nas constatações e principalmente na forma de trabalho do psicomotricista, sabemos que algumas habilidades foram severamente comprometidas e não há informação suficiente para pontuar isso, porém, sempre podemos melhorar a qualidade de vida do sujeito. Os estudos de Pinel e Itard nos permitem acreditar, apesar dessas dificuldades e levar adiante a proposta de atendimento psicomotor desta criança. Embora não se possam usar os parâmetros de desenvolvimento, pois, as condições são muito adversas, podemos traçar objetivos conforme as principais necessidades para que ela tenha qualidade de vida, tais como: realizar hábitos de higiene, alimentar-se e comunicar-se, ao menos algum tipo de expressão que possa ser compreendida. O desenvolvimento é lento, principalmente por que o atendimento é por pouco tempo se considerado as horas diárias que a criança passa sem a devida intervenção. Seria muito interessante ter profissionais com formação especifica no abrigo, para conduzir a rotina da criança assim como orientar os outros profissionais. xxxviii Nesse caso especifico, o atendimento deve ser intensivo. Faz-se essencial uma rotina estruturada: horário de acordar, higiene, café da manhã, interação com colegas ou atendimentos (conforme as necessidades de cada dia), higiene novamente, almoço, tarefas da tarde, eventuais passeios em locais de fácil condução, para que assim como o garoto selvagem, Lúcia tenha contato com hábitos sociais de outros espaços, diferentes do seu ambiente domiciliar, higiene, lanche ou janta e horário de dormir. Essa rotina, baseada na repetição irá dar um grande suporte para o comportamento da menina, que irá absorver essas informações, sempre com a paciência dos cuidadores e repetição das tarefas. Conforme ela demonstrar evolução as tarefas podem ir se tornando mais complexas. A situação de vulnerabilidade social torna difícil a construção de vínculos, logo, os profissionais que atendem a criança devem estar abertos para se vincular a ela, o vínculo por si só já é uma ferramenta muito eficaz para o desenvolvimento, pois, permite que a criança realize diversas atividades em prol do vínculo que tem com o adulto que coordena ou indica as tarefas. Seria interessante que Lúcia tivesse um profissional de referencia e que este fizesse as cobranças e incentivos, para que não haja alterações que possam comprometer seu atendimento. Por fim, identificamos a necessidade de intervenção psicomotora pela complexidade da situação, logo, outra terapia não poderia agir de forma integral nesse indivíduo especifico, tal como a psicomotricidade. Seria interessante complementar este estudo fazendo visitas no ambiente onde Lúcia vive, buscando formas de intervenção e colaboração com os cuidadores, assim como ajustes na rotina. Embora, a psicomotricidade não seja completa, agindo em todas as defasagens desta criança, na falta de um atendimento multidisciplinar, acreditamos que a psicomotricidade pode dar a base para os outros profissionais, visto que trabalha tanto aspectos cognitivos, psicológicos e motores de forma interligada. Lúcia precisa sanar aspectos básicos do seu desenvolvimento para avançar, visto que se detém em um estágio muito aquém de sua idade cronológica, dificultando o progresso nas outras áreas. O psicomotricista também saberá adequar suas intervenções pensando que muito provavelmente Lúcia não alcance sua idade cronológica, embora não possamos ditar isso, visto que não há exames para pontuar, coordenando xxxix assim, as principais necessidades e as amarras que ela possui. Além disso, a formação dos profissionais que atendem em abrigos se torna urgente pelo misto de pessoas que estão em seus cuidados, podendo assim, contribuir com o desenvolvimento pleno de todos. xl BIBLIOGRAFIA ABRAMOVAY, Miriam. et al. Juventude, Violência E Vulnerabilidade Social Na América Latina: Desafios Para Políticas Públicas /– Brasília : UNESCO, BID, 2002. 192 p. ALMEIDA E SILVA, Paula. ESTEVES, Maria L. CASTRO, Florencio V. Vinculação Mãe Bebê. INFAD Revista de Psicología, Nº1-Vol.2, 2013. ISSN: 0214-9877. pp:729-736. ANDRADE, Susanne A. et al. Ambiente Familiar E Desenvolvimento Cognitivo Infantil: Uma Abordagem Epidemiológica. Rev Saúde Pública 2005;39(4):60611. ANDRÉ, Marli E D A. Estudo de caso: Seu Potencial na Educação. Cad. Pesq., (49): 51-54, maio 1984. AZEVEDO, Elisa C. MOREIRA, Mariana C. Psiquismo Fetal: Um Olhar Psicanalítico. Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul 12(2) | Ago/Dez | 64-69. 2012. BANKS-LEITE & GALVÃO (org.) 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Victor de Aveyron quando encontrado. FONTE: http://psicologiamodera.blogspot.com.br/2014/09/menino-selvagem-deaveyron.htm) Em virtude da novidade do caso, houve grande divulgação em jornais e revistas importantes da época, por isso, alguns médicos e estudiosos se interessaram pelo seu caso, a fim de investigar e entender a situação daquela menino, que parecia nunca ter visto um semelhante. Jean Itard e Phillipe Pinel, foram os principais interessados pelo caso, justamente pelo perfil destes profissionais, que se preocupavam com a qualidade de vida de seus pacientes, sempre respeitando a todos. Inicialmente o menino foi considerado “surdo-mudo” e colocado aos cuidados de uma escola especializada, ficando lá sem grandes cuidados e sendo apresentado como uma espécie de aberração, xlvii pois, todos queriam ver o menino chamado de selvagem, gerando grande estresse ao garoto pela visitação. Os próprios colegas não interagiam com ele, pelo seu desinteresse por pessoas e pelo modo peculiar como agia, não havia vínculo com os profissionais, que aparentemente acreditavam que o menino possuia deficiência intelectual a tal ponto de não compreender nada. Ao passar dos dias, com a avaliação dos profissionais se percebeu que ali não era o seu lugar, pois, demonstrava ouvir respondendo a diversos estímulos sonoros. Segundo os profissionais, Pinel e Itard, ele dedicava atenção a sons específicos, rudimentares, tais como grunhidos, buscando sua origem, segundo os próprios estudiosos, isso se devia aos estímulos que ele tinha na floresta, logo, esses estímulos possuíam grande significado para ele. Ao fim da avaliações, Jean Itard solicitou sua tutela, junto a sua governanta Guérin, para tentar educá-lo na sua casa, embora ninguém soubesse de suas possibilidades, Itard acreditou que com cuidados intensos de uma família o garoto poderia progredir. Em contrapartida o psiquiatra Pinel não acreditava no potencial do menino, considerava que o garoto tivesse uma deficiência intelectual severa que o levava a ter o comportamento agressivo, diferente de Itard que acreditava que o comportamento era fruto de sua criação, que ele respondia aos estímulos que tivera na floresta, que obviamente eram limitados a preservação e a vida, pois, acreditava-se que o menino fora criado por lobos. Devido às diversas cicatrizes, possivelmente tenha sido vitima de violência entre os animais, atividade relativamente normal neste ambiente, devido à luta pela sobrevivência, além disso, a gravidade das cicatrizes indicava que tenham tentado matá-lo nos primeiros dias de vida, pois, havia uma grande cicatriz em seu pescoço, que representava um corte com material afiado. Apesar disso o menino conseguiu sobreviver e aprender a se defender com os animais, aflorando seu instinto selvagem. Com toda a selvageria do seu comportamento ele ainda apresentava certa inteligência, se dando conta de alguns estímulos voltados à preservação e segurança (LES FILMS DU CROSS, 1970). Com o estacionamento dos progressos, Itard deixou de fazer seus escritos sobre o garoto, deixando o mesmo fica aos cuidados da senhora Guérin, que passa a morar próximo a instituição organizada por Itard, a fim de manter o contato. Estima-se que o garoto tenha xlviii nascido por volta de 1785 e seu falecimento foi em 1828, aos 43 anos (BANKSLEITE e GALVÃO, 2001). xlix ANEXO 2: Anamnese ANAMNESE DADOS DE IDENTIFICAÇÃO Idade: aproximadamente 8 anos HISTÓRIA DO PAI Não se sabe nada sobre o pai. HISTÓRIA DA MÃE Vive sozinha em uma casa, com auxilio da assistência social da cidade. Possui esquizofrenia. IRMÃOS Tem duas, com aproximadamente 14 e 11 anos, também com deficiência mental, esquizofrênicas, ambas vivem no abrigo. HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA Não tem diagnóstico preciso, acredita-se que tenha traços do transtorno do espectro autista, deficiência intelectual severa. Informação pré-natal Não temos. Informação peri-natal Sabe-se que foi mal tratada, teve contato com bactérias e condições de frio extremo, além da desnutrição. Começou a caminhar com aproximadamente 5 anos, mas por viver em abrigo, tem contato com diferentes crianças com bastante freqüência e sempre que tem contato com crianças menores regride na marcha e na higiene. Não fala. Nos quase dois anos de atendimentos não teve doenças, porém, nos últimos meses teve complicações renais pelo excesso de medicações. l HÁBITOS DE VIDA Dorme mediante medicação. Faz natação, é muito ativa no dia-a-dia. O passeio preferido é passear de carro. Passa o dia no abrigo, freqüência a APAE por algumas horas, uma vez na semana faz natação. Toma diversas medicações para o sono e para convulsões. HÁBITOS ALIMENTARES Come tudo que lhe é oferecido, usa colher. HÁBITOS HIGIÊNICOS Toma banho com auxilio. Usa fraldas. AJUSTAMENTO SÓCIO-EMOCIONAL Tem dificuldade de concentração, é agressiva e rebelde sempre que contrariada, demonstra algum interesse em interagir, mas muito rapidamente se dispersa. Bastante instável, as vezes apática. Tem comportamento de destruição também quando contrariada. MOTIVO DO ENCAMINHAMENTO A criança tem comportamento muito agressivo, levando a dificuldades de aprendizagem e de socialização. IMPRESSÕES SOBRE OS ENTREVISTADOS Os cuidadores são bastante interessados e carinhosos com a criança. Realizado em janeiro de 2015.