i
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AVM FACULDADE INTEGRADA
ESTUDO DE CASO: POSSIBILIDADES DE
DESENVOLVIMENTO POR MEIO DE ATENDIMENTOS
PSICOMOTORES DE UMA CRIANÇA VÍTIMA DE
VULNERABILIDADE SOCIAL
Por: Juliana Maria Corrêa
Orientador: Profª Maria Esther de Araújo
Co-orientadora: Profª Giselle Böger Brand
Gravataí
2015
ii
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
ESTUDO DE CASO: POSSIBILIDADES DE
DESENVOLVIMENTO POR MEIO DE ATENDIMENTOS
PSICOMOTORES DE UMA CRIANÇA VÍTIMA DE
VULNERABILIDADE SOCIAL
Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Cândido Mendes como
requisito
parcial
para
obtenção
especialista em Psicomotricidade.
Por: Juliana Maria Corrêa
do
grau
de
iii
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela oportunidade
maravilhosa de trabalhar com pessoas
com deficiência, ao meu sobrinho, que
foi colocado em nossas vidas com um
grande
propósito:
abrir
nossas
fronteiras e ampliar os horizontes! Sou
tia e professora de pessoas com
deficiência com muito orgulho.
iv
DEDICATÓRIA
A construção desse trabalho se deu
diante de uma criança que precisava dele,
precisava que alguém que dedica-se seu
tempo a estudá-la e buscar alternativas
para lhe proporcionar qualidade de vida,
logo, dedico este trabalho a esta criança,
que assim como meus demais alunos,
fazem toda a diferença em minha vida.
Dedico a todos que assim como eu são a
favor da inclusão e acreditam no potencial
de todas as pessoas!
v
RESUMO
O presente estudo trata da história de Lúcia (nome fictício), uma criança vítima
de vulnerabilidade social desde sua concepção, considerando a vulnerabilidade
como a falta de recursos ao desenvolvimento. Os objetivos pretendidos são:
analisar por meio de observação o desenvolvimento de uma criança em
situação de vulnerabilidade social; traçar o perfil do seu desenvolvimento;
observar e identificar as potencialidades da criança e por fim contribuir com
orientações aos profissionais cuidadores. O desenvolvimento humano padrão
ocorre de forma natural, porém, depende de inúmeros fatores contemplando
aspectos psicológicos, ambientais e fisiológicos. Quem cuida da criança deve
estar atento as suas necessidades e as fases de seu desenvolvimento,
pensando sempre na estimulação com o respeito às condições individuais. A
terapia psicomotora seria a indicação para Lúcia, caminhando pela sua forma
relacional, buscando pela sua expressão, a superação dos conflitos relacionais.
A criança estudada apresentou déficit de estímulos em todos os ambientes
freqüentados até aproximadamente seus 6 anos. Apesar disso temos diversas
constatações de que devemos acreditar no potencial de todos. Nesse caso
especifico, o atendimento deve ser intensivo, faz-se essencial uma rotina
estruturada. O psicomotricista também saberá adequar suas intervenções,
além disso, a formação dos profissionais que atendem em abrigos se torna
urgente pelo misto de pessoas que estão em seus cuidados, podendo assim,
contribuir com o desenvolvimento pleno de todos.
vi
METODOLOGIA
O estudo se desenvolverá por meio de estudo de caso, que segundo
André (1984) contempla a descoberta; a interpretação de contextos; representa
os diferentes pontos de vista de uma situação social; usa uma grande
variedade de fontes; permite generalizações naturalísticas; retrata a realidade
de forma completa e profunda e por fim tem uma linguagem mais simples e
acessível se comparado a outras metodologias de estudo.
O sujeito estudado é uma criança em situação de abrigo, que terá
seu nome ocultado e será chamada no texto de Lúcia. Esta foi retirada da
convivência familiar muito cedo, sua mãe possui transtornos mentais e
atualmente também vive sob os cuidados da assistência social do município.
Suas duas irmãs sofrem de uma síndrome não identificada e as características
físicas são bastante semelhantes e da criança estudada. Esta criança participa
de atividades na APAE da cidade e freqüenta um atendimento em meio
aquático oferecido pela prefeitura. As observações serão realizadas neste
espaço.
Inicialmente será feito um levantamento teórico a respeito da
temática: desenvolvimento humano padrão e desenvolvimento humano em
situação de vulnerabilidade social. Segundo Fonseca (2008), para Wallon o
bebê é um perito em afetividade, desse modo induz o adulto a lhe dar atenção,
que por sua vez quer satisfazer as necessidades do bebê. No caso de crianças
vítimas de vulnerabilidade desde bebês, esta troca não acontece e o seu
desenvolvimento já se inicia aturdido pela violência. A amostra foi selecionada
em virtude do tema específico, que nos causa curiosidade em virtude de
poucos estudos nesta área e também dos poucos atendimentos especializados
para pessoas com estas condições.
Buscaremos junto à literatura informações que possam nos apoiar
referenciando o desenvolvimento alterado da criança e as possibilidades de
intervenção. Pretende-se auxiliar os profissionais do abrigo com sugestões e
propostas de intervenção para o acompanhamento da criança, visto que o
desenvolvimento psicológico se dá com base no desenvolvimento social
vii
(VYGOTSKY E LURIA, 1996 apud NASCIMENTO, 2013), sendo o abrigo o
principal contato social da criança, o seu lar.
viii
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
09
CAPÍTULO I
12
1.1 Desenvolvimento humano: autores e seus padrões
CAPÍTULO II
20
2.1 Desenvolvimento Humano em Situações de Vulnerabilidade Social: Estudo
de Caso
CAPÍTULO III
29
3.1 Observação e Possibilidades de Intervenção Psicomotora para o Caso
Estudado
CONCLUSÃO
37
BIBLIOGRAFIA
40
WEBGRAFIA
44
ANEXOS
46
Anexo 1 – História do Garoto Selvagem de Aveyron
Anexo 2 - Anamnese
ix
INTRODUÇÃO
O presente estudo envolve o desenvolvimento de Lúcia (nome
fictício), uma criança que vive em situação de abrigo desde seus primeiros dias
de vida, vitima de maus tratos, com deficiência intelectual severa e de que
forma
a
psicomotricidade
pode
contribuir
para
crianças
vítimas
de
vulnerabilidade social e com grande redução de estímulos. Por meio do
seguinte questionamento surgiu a motivação do estudo: Sabendo-se que
existem diversos padrões de desenvolvimento, voltados a cada habilidade.
Buscando um atendimento completo e um desenvolvimento pleno, como
podemos pontuar o desenvolvimento de um sujeito que sofreu vulnerabilidade
social em vários aspectos da vida, desenvolvendo seqüelas em virtude disto?
Abramovay et al (2002) diz que:
Vulnerabilidade social é o resultado negativo da relação entre a
disponibilidade dos recursos materiais ou simbólicos dos atores,
sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de
oportunidades sociais, econômicas, culturais que provêem do Estado,
do mercado e da sociedade.
Atualmente
uma
grande
parte
da
população
sofre
com
vulnerabilidade social, crianças órfãs, famílias vivendo em meio a violência,
pobreza, falta de saneamento, alimentação, educação de qualidade, pessoas
morrem por falta de atendimento médico, entre outras situações. Através de
observações do comportamento de uma criança vítima de condições cruéis de
desenvolvimento, buscamos avaliar e identificar junto à literatura, possíveis
intervenções a fim de contribuir com os profissionais cuidadores a respeito de
manejos diários, acrescentando em seu desenvolvimento e contribuindo com o
atendimento já realizado. Este trabalho é um grande desafio, visto que o
comportamento da criança é primitivo, nos causa grande interesse em
desvendá-lo,
identificando
o
que
lhe
mantêm
nessa
fase
e
quais
x
potencialidades podem ser estimuladas. Na falta de materiais que possam
definir comportamento primitivo, buscamos no dicionário Priberan (s/d) a
definição de comportamento: “é o modo de comportar-se. Comportar é
poder conter em si; suportar; admitir; sofrer; portar-se, proceder; haver-se” e
primitivo que é:
“mais antigo;
primeiro;
dos primeiros tempos;
inicial,
original;
relativo à origem de algo ou aos seus primeiros momentos ou estados
que não sofreu evolução;
arcaico,
rudimentar;
que não usa as convenções sociais de boa educação; que não
mostra delicadeza no trato;
grosseiro,
rude;
que ou quem vive em estado natural, geralmente sem uso da escrita
nem de técnicas consideradas evoluídas.”
Baseado nisso podemos fazer uma construção da definição
composta de comportamento primitivo, que é o modo de comportar-se de forma
arcaica, comportamento que não sofreu evolução. Tal qual a condição da
criança observada. Ainda sobre o objetivo, gostaríamos de colaborar com
outras pessoas que vivem nessas condições, desmistificando a cultura que
induz toda a sociedade a desacreditar no potencial desses sujeitos. Em virtude
de toda a violência sofrida, a criança estudada não tem acesso a atendimentos
e dificilmente terá condições de passar por atendimento psicomotor, pois, a
cidade não oferece e a criança não dispõe de recursos para tal, acreditamos
que este estudo será fundamental na vida desta criança, reestruturando e
reorganizando seu desenvolvimento.
Os objetivos pretendidos são: analisar por meio de observação, o
desenvolvimento de uma criança em situação de vulnerabilidade social; traçar
o perfil do seu desenvolvimento; observar e identificar as potencialidades da
criança e por fim contribuir com orientações aos profissionais cuidadores.
Acredita-se que o desenvolvimento da criança em questão foi e está
prejudicado em virtude de sua situação de vulnerabilidade, vítima de maus
tratos provavelmente desde a gestação, logo a psicomotricidade vem contribuir
na forma de terapia psicomotora. Contudo, deve haver a orientação dos
cuidadores para contribuir com a terapia no restante do seu dia.
A fundamentação teórica esta dividida em três capítulos:
xi
1. Desenvolvimento humano: Autores e seus Padrões
Onde buscamos tratar dos padrões de desenvolvimento apresentados por
renomados autores, podendo traçar para a idade da criança estudada,
pensando quais pontos ela poderia ter alcançado se vivesse em condições
comuns de desenvolvimento.
2. Desenvolvimento Humano em Situações de Vulnerabilidade
Social: Estudo de Caso
Neste capítulo iremos cruzar o desenvolvimento humano com a vulnerabilidade
social, relatando situações de vulnerabilidade e como estas refletem no
desenvolvimento do sujeito, além disso, iremos apresentar o caso estudado, a
fim de situar o leitor frente às dificuldades do mesmo. Por não haver um
material especifico que possamos nos basear para o caso, encontramos no
filme O garoto selvagem, um norte para este trabalho, logo esta história esta
em anexo e será comentada durante o texto.
3.
Observação e Possibilidades de Intervenção Psicomotora
para o Caso Estudado
Por fim, traremos a psicomotricidade como forma de intervenção, identificando
possíveis manejos e indicações para os cuidadores, visando um atendimento
mais completo e eficaz.
xii
CAPÍTULO 1
Este capítulo visa apresentar o desenvolvimento humano de uma
forma ampla, contemplando aspectos cognitivos, motores e psicomotores,
segundo os autores Piaget, Gallahue e Ozmun e Wallon. Estes autores foram
fundamentais na estruturação de um padrão de desenvolvimento. Com estas
informações pode-se estimular corretamente os sujeitos, pensando no que se é
capaz em cada fase da vida e oportunizando a diferentes profissionais e pais,
observar e intervir mediante alguma alteração.
1.1 Desenvolvimento Humano: Autores e Seus Padrões
O desenvolvimento humano ocorre de forma natural, porém,
depende de inúmeros fatores contemplando aspectos psicológicos, ambientais
e fisiológicos. O sujeito já nasce com as condições de desenvolver-se, mas
esse desenvolvimento se realiza a partir dos estímulos que recebe, por
exemplo: aos 5 meses de gestação, o feto já á capaz de ouvir (Lindner, 1999),
podendo criar laços com aqueles que conversam com ele. Os estímulos
recebidos desde a concepção não se restringem a audição, o sujeito recebe
diversos estímulos e por meio deles vai se adaptando e aprendendo. Azevedo
e Moreira (2012) esclarece que o feto se desenvolve ativamente, interagindo
com o meio intra e extra uterino, quer dizer
que ele recebe estímulos do
próprio corpo da mãe que o gera, do mesmo modo que do meio externo, com
os carinhos e conversas que recebe e escuta, e ele da retorno a isso,
movendo-se e realizando tudo que seu pequeno corpo já consegue. Para
Maturana (2004) as consciências individuais e sociais da criança surgem da
interação com a mãe, pela aceitação mútua. Que se inicia já na gestação,
como citado, pela forma que a mãe recebe este feto e interage com ele. E não
só por isso, mas pela rotina que a mãe vivencia durante a gestação, sabendo
que sua tranqüilidade ou agitação terão influência direta no seu bebê. Almeida
e Silva, Esteves e Castro (2012) determinam que para o bebê recém nascido, a
xiii
mãe é o seu prolongamento. O favorecimento hormonal que ocorre na gestante
facilita a estruturação do vínculo, porém, uma mãe em condições adversas
pode não estar pronta para isso, prejudicando sua relação por toda a vida.
Além desta preparação prévia, a mãe deve usar os seus sentidos a seu favor,
mantendo o contato com seu bebê, através do olhar, do tato, do olfato, do
paladar e da audição, sabendo que a amamentação é fundamental para todos
estes sentidos, não só para o bebê, mas para a própria mãe, reconhecendo
seu bebê e aprendendo a lidar com ele.
O desenvolvimento ontogênico é o aprendizado correspondente a
cada fase da vida, pois, cada uma delas vai ser mais favorável a determinados
aprendizados, conforme a maturidade, permitindo que possamos receber e
interpretar corretamente os estímulos, aprendendo em todos os momentos da
vida de forma plena (BRITES, 2014). Quem cuida da criança deve estar atento
as suas necessidades e a estas fases, pensando sempre na estimulação com o
respeito às condições de cada criança. Segundo Vygotsky (IVIC, 2010), o
desenvolvimento infantil se realiza todo pelo social, pois, tudo que a criança
realiza tem a mediação do adulto. É o adulto que alimenta, auxilia nos hábitos
de higiene, protege e ensina, embora não seja o adulto, dono de todo
conhecimento e sim o instrumento que a criança utilizará para se relacionar
com o aprendizado que nos rodeia. Todos esses passos simples do dia-a-dia
devem ser utilizados para promover o desenvolvimento completo deste
pequeno sujeito que esta sob os cuidados do adulto. Logo, não é uma tarefa
fácil,
exige
um
certo
equilíbrio,
que
com
todas
as
dificuldades
e
vulnerabilidades atuais, tornam a efetivação desta empreitada bastante
complexa. Cada ação deve ser pensada levando em conta o que a criança vai
aproveitar daquele momento. E ainda tratando da mediação, Fonseca (2008)
nos orienta que é impossível desenvolver as funções psicológicas superiores
sem a devida intervenção. Embora cada criança tenha condições de se
desenvolver, isso se dá pelo estimulo adequado, nas condições de ambiente
adequadas, por exemplo: um sujeito com deficiência irá precisar de um
estímulo e ambiente diferente de outro que na possua deficiência. A infância,
considerada da concepção até os 7 anos, (FROTA, 2007) é a fase mais rica
para o aprendizado, conforme o neurocientista Charles F Ferreira (2014), aos 5
xiv
anos ocorre a primeira “poda” de neurônios, aos 7 anos ocorre a segunda
“poda” e após essa idade o aprendizado acontece mais lentamente. Portanto,
esses primeiros anos devem ser muito aproveitados. Podemos aprender em
todas as fases da vida, porém, alguns períodos são mais propícios do que
outros para cada tipo de aprendizagem. Nos primeiros anos, a criança deve ser
apresentada a diversos materiais, situações diferentes, condições e tudo mais
que esta possa usar para a sua vida e para nossas aprendizagens.
Os padrões de desenvolvimento, descritos por diversos autores
(PIAGET, GALLAHUE E OZMUN, WALLON, entre outros)
servem para nos
orientar quanto à normalidade de desenvolvimento e comportamento, podendo
assim, intervir quando houver necessidade e realizar os procedimentos
necessários, buscando o maior desenvolvimento possível. Embora cada
criança desenvolva em um ritmo próprio, estes padrões estabelecem algumas
margens para que pais e profissionais possam se assegurar de que suas
intervenções estejam corretas e adequar quando for necessário, buscando
sanar as defasagens.
Segundo Jean Piaget (MADEIRA s/d) o desenvolvimento cognitivo
se divide em quatro fases, conforme segue abaixo:
1. Sensório motor – 0 aos 2 anos
Fase de descobertas, onde a criança desenvolve seus reflexos,
organização das percepções e hábitos e inteligência sensório-motora. Nessa
fase a criança descobre muitos movimentos que vão contribuir para o seu
desenvolvimento cognitivo. Também é importante estimular o sistema sensorial
como um todo, ofertando sons, imagens, cores, texturas, cheiros e sabores
variados. O bebê de zero a dois anos tem sede por descobertas e isso deve
ser estimulado, certificando-se de que esta tem a segurança em seus
pais/cuidadores para conhecer.
2. Pré – operatório – 2 aos 7 anos
Já a fase pré – operatória contempla a linguagem, subdividindo-se
em pré – conceitual (2 aos 4 anos) e intuitivo (4 aos 7 anos), sendo que o
primeiro contempla a fase dos “por quês”, onde a criança já compreende
muitas coisas e por isso tem muitas dúvidas, solicitando dos cuidadores as
respostas. Nesse período pais e cuidadores têm dificuldade de construir
xv
respostas adequadas as dúvidas, evitando mentir, mas ao mesmo tempo não
podendo detalhar muito, pela pouca maturidade da criança que questiona. Já
referindo-se ao segundo, a criança pensa de forma um pouco mais concreta e
tem dificuldades de compreender as transformações, porém, seu raciocínio
ainda é bastante simbólico. As dificuldades de compreender as transformações
contemplam situações bastante concretas, envolvendo volume, quantidade,
entre outros, que só poderão ser compreendidas na próxima fase. O
pensamento simbólico permite que a criança construa histórias, crie
personagens e brincadeiras, viva situações do seu cotidiano como outros
personagens e essa habilidade é fundamental para o aprendizado, pois, a
criança que não vive o simbólico terá grandes dificuldades no seu
desenvolvimento como um todo. O simbólico antecede o próprio nascimento da
criança (KAMERS e BARATTO, 2004) e cresce junto com ela, produzindo e
compreendendo a vida social. Na brincadeira a criança vive o seu dia-a-dia,
compreende certas situações complexas de serem explicadas. Como exemplo,
podemos citar as brincadeiras de motorista, mãe, babá, profissões em geral,
entre outros.
3. Operatório concreto – 7 aos 11 anos
O sujeito consegue realizar diversas atividades lógicas, de seriação,
relacionadas a volume, profundidade, reversibilidade simples, tempo, ordem,
entre outras. O desenvolvimento lógico tem seu auge nesse período, ótimo
para estimular atividades mais complexas. O sujeito esta numa fase
heterônoma, acreditando que todas as regras vêm de alguém dito superior
(SOUZA e WESTCHLER, 2014). Nessa fase a criança já caminha para a
adolescência, podendo chamar o período de pré adolescência, devido à maior
compreensão e ao aumento de maturidade. Logo, a própria maturidade e a
dificuldade de lidar com ela, também surgem às dificuldades e conflitos
4. Operatório formal – 11 aos 14 anos
Fase de desenvolvimento mais elevada, onde a abstração é livre e
constante
no
raciocínio
do
adolescente.
(http://penta.ufrgs.br/~marcia/estagio2.htm#eof). O sujeito torna-se autônomo
em vários aspectos, com vários conceitos pré-definidos, torna-se questionador
de seus “superiores”. O adolescente vive o conflito por estar em uma fase
xvi
intermediária, onde não é nem criança e nem adulto. Algumas vezes o
adolescente houve que é jovem demais para tal tarefa e outras que já é
“grande” o suficiente.
Gallahue
e
Ozmun
(2001)
apresentam
a
ampulheta
do
desenvolvimento motor in Marques et al (2013) p. 1.
FONTE: http://www.efdeportes.com/efd186/padroes-motores-fundamentais-demovimento.htm
1. A fase motora reflexiva (do útero até 4 meses de vida) é composta
unicamente por movimento reflexos involuntários, que serão a base para as
fases seguintes. O bebê realiza diversos movimentos que tem grande
influência para sua família, embora, todos os movimentos sejam involuntários.
Essa troca incentiva ambas as partes envolvidas. Mais adiante, porém, nesta
mesma fase (de 4 meses até 1 ano) a criança já elabora alguns movimentos,
inicia o estabelecimento de sua postura, partindo do pescoço até a postura
ereta, conseguindo sentar, depois rastejar, engatinhar e assim por diante. Essa
fase se mescla com a seguinte em alguns aspectos.
2. Os movimentos rudimentares (do nascimento até 2 anos de idade)
subdividindo-se em fases que vão do nascimento até um ano e de um ano até
dois anos. Na primeira subdivisão se elabora um pré controle, estruturando-se
xvii
a partir dos movimentos involuntários realizados na fase anterior. Na fase
rudimentar propriamente dita, os movimentos são voluntários, porém, sem
precisão, a criança já tem o pescoço firme, assim como o tronco, agarra-se nas
coisas e em objetos, rola e arrasta-se, realizando isso incansavelmente quando
festejada
pela família
e
espectadores. Interage
voluntariamente
com
brincadeiras e com objetos, demonstrando assim interesse pelo meio e por
seus movimentos, a criança deve ser estimulada a tentar, pois, inicialmente os
movimentos não são fáceis de ser realizados. Aquelas crianças que não
recebem comemoração, ficam desmotivadas e com baixa estima.
3. A fase motora fundamental (dos 2 anos até os 7 anos) é o período
da descoberta, um pouco mais longo que os anteriores, pois, já existe a base e
esta será cada vez maior e estabilizada, os movimentos adquiridos a seguir
serão cada vez mais elaborados, a fim de alcançar a fase seguinte. Os
movimentos locomotores, manipulativos e estabilizadores serão o foco. A
criança é bastante curiosa, coincide com a entrada em ambiente escolar, onde
a criança poderá interagir com outras crianças, professores, objetos
diferenciados, regras, comandos, será o primeiro ambiente social fora da
família que a criança tem acesso.
4. Por fim a fase motora especializada (dos 7 anos até os 14, sendo
o pico do desenvolvimento, porém, segue adiante por toda a vida), onde os
movimentos são bastante precisos, maduros e podem ser trabalhados esportes
para fins de competição. A criança compreende e respeita as regras, sabe da
importância delas para a realização das atividades e cobra os pares,
cooperando para o bom desempenho nos ambientes que convive. Todo sujeito
deve ter uma educação voltada para o convívio em sociedade, respeitando os
demais. Se por ventura isso não for seguido, nesta fase podem aparecer
problemas, dificuldades de relação com os outros, dificuldades de dividir
materiais e brinquedos, entre outros.
Tratando-se
de
desenvolvimento
psicomotor,
Wallon
(apud
MADEIRA et al, p 94 s/d) desdobra esse campo em 6 estágios, conforme
consta esta descrito abaixo.
1. Estágio impulsivo – emocional – 0 aos 3 meses
xviii
Fase que predomina a afetividade nas relações, onde o bebê esta
descobrindo, conhecendo tudo, nesse período tanto bebê quando a família dá
afeto buscando a reciprocidade.
2. Estágio expressivo – emocional – 3 aos 12 meses
Inicia-se a interação com o meio com objetivo definido, o bebê já
sabe de que gosta ou não, fica feliz com interações e brincadeiras, reclama
quando algo não agrada, como o próprio nome diz, já expressa suas emoções
de forma mais clara.
3. Estágio sensório motor e projetivo – 1 aos 3 anos
Desenvolvimento da inteligência prática – simbólica, a criança atribui
significados as ações e situações. Os símbolos vão permitir que a criança
compreenda a lógica social e interaja com ela.
4. Estágio do personalismo – 3 aos 6 anos
Através da socialização a criança começa a formar a sua
personalidade. Já tem suas crenças, criadas pelo simbolismo, já define o que é
certo e o que é errado, a influência cultural é fortíssima para essa construção,
por isso, o comportamento dos pais deve ser pensado e repensado a cada dia,
buscando a melhor condição para o desenvolvimento da criança que esta sob
sua responsabilidade.
5. Estágio categorial – 7 aos 11 anos
Predomínio do aspecto cognitivo, consolidação da função simbólica
e da inteligência. A criança começa a se interessar por outras situações,
desenvolve outros interesses, quer realizar outras atividades, fazer parte de
grupos e demonstrar seus conhecimentos.
6. Estágio da adolescência – 11 aos 12 anos
Fase de muitas mudanças corporais, de personalidade e de
interesses, os quais estão relacionados ao pessoal, existencial, moral e retorno
afetivo.
O adolescente entra em conflito, pois, são diversas mudanças ao
mesmo tempo, tornando difícil a compreensão do que acontece com ele
mesmo.
Todas essas fases nos permitem estruturar a nossa intervenção,
podendo avaliar as alterações do desenvolvimento a fim de tornar a nossa
prática capaz de dar suporte a qualquer público, de forma eficaz. Para a correta
xix
intervenção é fundamental saber das limitações e potencialidades do sujeito,
embora o foco deva ser nas potencialidades, é preciso identificar as limitações
biológicas, para evitar estímulos incorretos e frustrações. Fonseca (2008)
explica que o estudo do comportamento é “o meio para atingir o fim”,
possibilitando compreender o que deve ser tratado. Logo, precisamos conhecer
a história do sujeito. Além disso, podemos perceber que todos os padrões
estão interligados, cognitivo, motor e psicomotor, se houver uma falha em um
destes, todos ficarão comprometidos e família/cuidadores são fundamentais
para que isso ocorra de forma natural, segura e saudável, permitindo ao sujeito
aprender o máximo para cada etapa conforme suas condições biológicas.
xx
CAPÍTULO 2
O capítulo 2 trata do desenvolvimento comentado no capítulo
anterior, porém, sob condições de vulnerabilidade social e como os sujeitos
respondem nessas condições. Detalharemos os principais contextos da
vulnerabilidade social segundo a UNESCO (ABRAMOVAY et al, 2002) e como
isso influi no desenvolvimento padrão e para onde esta situação encaminha o
sujeito. Com base nisso e no filme O Garoto Selvagem (ANEXO 1)
levantaremos o caso estudado, pensando nas condições em que a criança
viveu até agora e seus desdobramentos.
2.1 Desenvolvimento Humano em Situações de
Vulnerabilidade Social: Estudo de Caso
O tema principal deste estudo é o desenvolvimento de crianças que
vivem em situação de vulnerabilidade social e com redução de estímulos.
Abramovay et al (2002) explica que a vulnerabilidade social é tratada como a
falta de recursos ao desenvolvimento, prejudicando o acesso dos sujeitos ao
seu próprio desempenho. Seria então um grupo de fatores de risco que estão
associados a um determinado ambiente ou condição de vida e que limitam o
desenvolvimento do sujeito. Segundo Reppold et al (2002), os fatores de risco
são condições ou variáveis associadas à alta probabilidade de ocorrência de
resultados negativos ou indesejáveis. Como já falamos no capítulo anterior,
para o pleno desenvolvimento do sujeito são necessárias condições e
estímulos constantes, mesmo para aqueles sujeitos que não possuam
alterações biológicas, logo, quem sobrevive em vulnerabilidade social
certamente tem estímulos diferentes, que nem sempre vão estimular os
aspectos necessários ao seu bom desenvolvimento. Ao contrário, muitos
desses estímulos são negativos e por isso inibem o desenvolvimento, podendo
impedi-lo ou atrasá-lo.
O documento da UNESCO, Juventude, Violência e Vulnerabilidade
Social na América Latina: Desafios Para Políticas Públicas (ABRAMOVAY et al,
xxi
2002) será utilizado como principal referência quanto a vulnerabilidade social,
em virtude da Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) ser um órgão mundialmente reconhecido pela preocupação
com o desenvolvimento de todos os países, sem influencia e envolvimento
político. Neste documento os autores nos colocam que a violência tem
definição complexa, sendo um item multifacetado dentro da vulnerabilidade
social, pois, não engloba apenas a violência física, podendo atacar também o
psíquico, comprometendo o desenvolvimento do sujeito como um todo. Por
esse motivo é um fator primordial para a condição de vulnerabilidade social,
podemos observar violência entre pais e filhos e até entre o próprio casal,
violência de professores com seus alunos com maior dificuldade, violência
oriundo de preconceito, tal como a homofobia e, além disso, diversos outros
problemas sociais conduzem a violência, tais como uso de álcool e drogas.
Outro fator de vulnerabilidade social seria a pobreza, que
automaticamente já torna o grupo excluído socialmente e o dirige a vários
riscos: insegurança, violência de várias formas, desemprego, fome, frio, entre
outros. Muitas famílias entram para o crime pela pobreza, embora isso não seja
justificado, mas as dificuldades, tais como: falta de oportunidades e de atenção
da sociedade, buscando opções para este grupo desencaminha a população
pobre, cada vez mais.
O acesso a educação também colabora para o aumento da
vulnerabilidade social, limitando assim as possibilidades de acúmulo de capital
social e bem estar. Levando em conta o difícil acesso de muitos locais em que
pessoas pobres residem e a violência destes mesmos locais, muitas crianças
não frequentam as escolas, além do trabalho infantil, que é também um grande
motivo para a baixa escolaridade. Segundo o Censo IBGE (2010) a população
brasileira com 15 anos estuda em média 7,7 anos, o que significa que não
concluem sequer o ensino fundamental.
Partimos da educação para o trabalho, uma situação abstrusa para
muitas famílias, onde os jovens precisam trabalhar para colaborar com o
sustento da casa e ao mesmo tempo precisam estudar para acompanhar as
exigências do mercado de trabalho atual. Nos dias atuais o mercado de
trabalho esta cada vez mais complicado, obrigando as pessoas a trabalharem
xxii
mais, buscando melhores salários. Segundo os principais jornais de rede
brasileira de televisão, o IBGE aponta um crescimento de 7,9% de desemprego
no primeiro trimestre deste ano (2015), com isso, também aumentou a
população desocupada em 23%, comparado ao último trimestre de 2014.
Segundo os economistas, isso é atribuído a uma queda nas oportunidades de
trabalho. Embora a situação ataque todas as camadas sociais, logicamente
quanto mais vulnerável for a família, mais fortemente ela sentirá as dificuldades
em situações de crise.
A precariedade de informação e acesso a saúde torna o jovem ainda
mais vulnerável, tendo início cedo na vida sexual e por isso sofrendo riscos de
gravidez indesejada e exposição a doenças sexualmente transmissíveis.
Cerca de 26,8% da população entre 15 e 64 anos que tem vida sexual ativa,
iniciou antes dos 15 anos (MS/PCAP, 2008). Segundo Jardim e Santos (2012)
apenas 40,4% dos meninos usam preservativo na primeira relação. Já em um
estudo de 2006, de Teixeira et al, 60% das meninas e 63,8% dos meninos
relataram ter usado preservativo na primeira relação. Por fim, a UNESCO
determina que o lazer esta vinculado ao tempo disponível para realizar
atividades prazerosas e fortalecer laços com amigos e familiares. Essa
atividade é relativa, pois, cada um pode considerar o seu lazer diferente dos
seus pares, visto que nem tudo da a mesma satisfação a todos. O lazer para
alguns esta relacionado a gastos, bens de consumo, passeios mais caros,
outros já se satisfazem com atividades comuns.
Pensando a vulnerabilidade social dentro das famílias, Andrade et al
(2005) diz que existe forte vínculo entre o estímulo doméstico e o bom
desempenho cognitivo da criança. Logo, uma criança que passa por percalços
na primeira infância, principalmente no lar, requer uma atenção maior
posteriormente para tentar alcançar o maior desenvolvimento possível. Como
relatado no capítulo anterior, a relação com a mãe é de suma importância para
o desenvolvimento do bebê. O desenvolvimento depende de outros fatores
além da família, os amigos, familiares mais distantes, escola e todos os locais
onde a criança convive. Brites (2014) nos coloca que crianças pobres, que
vivem em casas pequenas, têm grande probabilidade de apresentar
dificuldades de aprendizagem, pois, tiveram redução de estímulos motores,
xxiii
visuais, auditivos e sociais. O menor espaço diminui o estimulo motor, a baixa
renda, impede a aquisição de brinquedos e materiais que possam estimular a
visão e a audição e a violência diminui a relação com a sociedade, além disso,
o preconceito que também delimita as relações.
A criança estudada passou por quase todas as vulnerabilidades
citadas, em virtude disto é preciso uma formação mais específica a fim de
estruturar os profissionais que venham a atender esta criança, assim como
informação para os familiares e cuidadores, pois, a mesma necessita de
atendimento intensivo, assim como o garoto selvagem, citado no anexo 1. Esta
tem em torno de 8 anos, quando bebê vivia com a mãe e duas irmãs um pouco
mais velhas, tanto a mãe como as irmãs sofrem de esquizofrenia precoce e
suas características indicam a presença de alguma síndrome nunca
identificada. A criança foi encontrada na casa da família, no chão, suja e
desnutrida, justamente por este motivo foi retirada do convívio familiar e desde
então vive sob custódia da assistência social de sua cidade, tendo vivido em
um lar de meninas e atualmente em uma casa lar da cidade. Na primeira
instituição fora diagnosticada com surdez e deficiência intelectual, mais um
aspecto em comum com o garoto selvagem, por esse diagnostico, também
teve restrição de estímulos nos primeiros anos de vida, pois, os profissionais
não tinham informações necessárias para atendê-la, até que na instituição
seguinte iniciaram os trabalhos e atendimentos mais específicos para a sua
condição. Com as dificuldades de diagnósticos precisos e pelo comportamento
agressivo e primitivo da criança, os anos foram passando e ela se desenvolveu
pouco, teve algumas regressões quando em convivência com crianças
menores e quando precisou se ausentar dos atendimentos. Existem poucos
locais de atendimento que “aceitam” a criança, pois, ela se mostra bastante
agressiva, apresenta “gana” com crianças menores, o que torna bastante
complexa a sua inclusão nos mais diversos ambientes. Atualmente ela
freqüenta a Associação de Pais e Amigos do Excepcional (APAE) da cidade e
recebe atendimento em meio aquático, com profissional de educação física,
uma vez por semana, com o objetivo de melhorar seu comportamento
agressivo e permitir uma melhor socialização, objetivos que se mostram mais
importantes nesse momento.
xxiv
A instituição que abriga a criança tem poucas informações de sua
história, mas sabe-se que ela sofreu diversos riscos, encontrando-se em
situação de vulnerabilidade social desde a gestação. Provavelmente a mãe não
fez pré-natal, as irmãs contam que a mãe guardava a criança dentro de um
refrigerador e que elas só conseguiam retirá-la desse ambiente quando a mãe
saia de casa. Sem ter acesso a vínculo afetivo e a alimentos adequados a
criança cresceu com atraso motor, demorando alguns anos para caminhar,
atraso mental, demonstrando pouca compreensão e principalmente atraso
social, pois, seu comportamento é bastante agressivo, desorganizado, o que
torna os atendimentos difíceis.
Pensando na condição desta criança buscou-se, avaliar e identificar
junto à literatura, utilizando-se da História do Garoto Selvagem como base
(ANEXO 1), justamente pela similaridade do comportamento e pela dificuldade
de adequar os padrões de desenvolvimento ao seu caso. A educação do
garoto selvagem, chamado Victor, foi organizada por Itard em cinco metas:
1. Interessá-lo pela vida social;
Até ser encontrado, o garoto viveu apenas com estímulos selvagens,
se interessando apenas por comer, dormir, não fazer nada e correr livremente.
Com isso, primeiramente se pensou que a sociedade deveria ser agradável
para que o garoto demonstra-se interesse em aprender e conhecer as regras
sociais. Esse aspecto também pode ser trabalhado com Lúcia, visto que seu
comportamento é totalmente anti-social.
Para Victor, Itard precisou observá-lo e utilizou-se das habilidades
que o menino já possuía para fazê-lo descobrir outros aspectos da vida,
ofertando maior variedade de alimentos, fazendo dormir nos horários corretos,
dar opções de atividades nas horas ociosas e por fim, oportunizar horários de
passeio onde o garoto pudesse correr e caminhar livremente, mas dentro dos
limites estipulados. O que se faz com Lúcia, permitindo que ela interaja com
alguns materiais, pois, se fossemos limitar todas as ações indesejadas, no
momento sobraria pouco a ser trabalhado. Limitamos apenas ações agressivas
que possam machucar quem esta ao redor ou ela própria.
Embora fosse preciso ensinar regras a Victor, isso não poderia ser
feito de forma brusca, evitando o fechamento do garoto para o aprendizado e
xxv
buscando estimular sua curiosidade por novidades, que pudessem ser
prazerosas. Isso se mostrou muito interessante para o menino, trazendo-lhe
liberdade e alegria, embora ele tivesse dificuldades de expressar os
sentimentos, isso era percebido no seu comportamento e no seu interesse por
realizá-lo outras vezes.
2. Despertar a sensibilidade nervosa;
O garoto não demonstrava sensibilidade alguma, nem frio, nem
calor, nem dor, nada era observado. Itard nos fala dos seguintes exemplos:
quando o garoto ficava nu, acocado nos pátios da escola de “surdos-mudos”,
em dias extremamente frios, ou quando pegava batatas que estavam sendo
cozidas em água fervendo ou até quando o próprio Itard colocava pó de tabaco
nos orifícios do nariz do garoto, sem que ele sequer ameaçasse espirrar. Isso
se devia também a redução de estímulos e a falta de sensibilidade de todos os
sentidos, olfato, audição, paladar, visão e tato. Na floresta o garoto precisava
ser resistente para sobreviver, não era aceitável que sentisse muito frio, pois,
não haveriam cobertas, também não poderia sentir muito calor, pois, em
determinadas ocasiões não teria opção e disso dependeria sua vida, além
disso, um ambiente hostil como a floresta não permite ao sujeito que vive nela
ser alérgico ou frágil a qualquer um de seus animais e plantas. Embora Lúcia
pareça muito bem cuidado, sempre limpa, aparentemente alimentada e
saudável, não demonstra insatisfação referente a sua sensibilidade, nem frio,
nem calor, podemos citar como exemplo, o banho, onde mesmo a água
estando gelado ou fervendo ela não sai de baixo do chuveiro. Buscando excitar
os sentidos do garoto, Itard propôs que por um período pré determinado, o
menino passasse a vestir-se com as roupas adequadas a temperatura do
ambiente, além disso, que ele passasse a tomar banhos diários em água
fervente, o que surtiu grande efeito, pois, após algum tempo, o garoto passou a
demonstrar a sensação de frio. Massagens e cócegas também entravam nessa
meta, em locais mais específicos do corpo, buscando o estimulo tátil, com isso
se descobriu até a entrada na puberdade, devido a respostas sexuais, podendo
inclusive ter a noção de sua idade. Itard estimulava o garoto em todos os
aspectos comuns do dia a dia em sociedade para que ele pudesse literalmente
xxvi
aprender a sentir e associar cada sensação ao que lhe compete, sejam roupas
adequadas ou fuga em caso de perigo.
3. Ampliar as esferas de suas idéias;
Itard e Victor sempre saiam a passear pelos campos e iam comer
em restaurantes no centro da cidade, buscando mostrar ao garoto como
funcionavam os ambientes e como as pessoas se comportavam, nos
restaurantes Itard exigia que Victor se mantivesse sentado e fizesse uso de
talheres, tarefa difícil, que precisou de bastante treinamento e ajuda. O que no
caso de Lúcia torna-se quase impossível pelo local onde vive e as poucas
oportunidades que este oferece. Além disso, Itard procurava pedir os pratos
que o garoto gostava e quando iam ao campo, permitia que ele corresse
livremente. As cuidadores referem que Lúcia fica muito feliz quando sai de
carro e mais feliz ainda quando chega ao ambiente em que faz a aula de
natação, ficando eufórica. Essas associações faziam com que o mesmo se
comportasse bem, na expectativa de sair a passear, logo ele sabia que após o
bom comportamento no restaurante poderia sair para correr, quando isso não
ocorria, iam direto para casa. Assim Itard alcançou bons resultados e pode
ampliar os conhecimentos do garoto. Também o vínculo criado com a
governanta, que ajudava na sua criação, era muito importante para o seu
aprendizado, pois, o garoto buscava agradar a governanta, que era para ele
como uma mãe. Isso também se mostra no caso de Lúcia, as cuidadoras
referem que seu comportamento melhora com a presença de um cuidador
especifico,
que
brinca
muito
com
ela,
fazendo-a
bastante
feliz,
e
aparentemente por isso, ela se comporta bem quando ele exige, sua fala causa
muito impacto.
4. Levá-lo ao uso da fala;
A sensibilidade dos seus ouvidos era associada a grunhidos e sons
mais selvagens, dificilmente a fala lhe chamava a atenção, logicamente, no
ambiente onde fora criado não havia fala humana, por isso, era algo
desconhecido, sem significado e sem importância. Para estimular o uso da fala,
ocorreram várias tentativas em vão, quando Itard resolveu utilizar nomes de
objetos e alimentos que o garoto utilizava com freqüência no dia-a-dia se
iniciou o sucesso também nessa meta. As primeiras palavras foram leite que
xxvii
água, que o garoto bebia com freqüência e demonstrava grande satisfação ao
fazê-lo. Ocorria da seguinte forma, o garoto foi ensinado que aquilo que ele
queria chamava-se água e leite, com bastante repetição, após algum tempo só
ouvindo, o garoto passou a ser cobrado a falar, tendo que falar os nomes do
que desejava para poder ganhar. Em relação a Lúcia, pela falta de exames
aprofundados, não sabemos se ela possui deficiências no aparelho fonológico.
Ela emite diversos sons, mas nenhuma palavra definida. Nessa meta, o garoto
já estava há bastante tempo com Itard e Guérin, havia desenvolvido afeto por
eles e sensibilidade sentimental, assim, mostrava-se frustrado quando não
recebia seu pedido por não conseguir falar. A dificuldade de pronunciar as
palavras solicitadas era grande, por isso, o garoto não era levado a passar
sede e nem fome, seria muito cruel, Itard solicitava a pronuncia por pouco
tempo, se o menino não o conseguia, era entregue o que ele estava pedindo,
mas a cada dia esse tempo aumentava, melhorando a tolerância do garoto e a
possibilidade de falar. Nesse período de avanço não podia haver desistência
dos cuidadores, isso poderia levar todo o avanço a se perder.
5. Exercitar as operações da mente.
Nessa meta considerada mais complexa, Itard pensou em estimular
o raciocínio lógico do garoto. Para isso Itard iniciou nomeando alguns objetos,
primeiramente Victor tinha de mostrar qual objeto estava sendo solicitado, mais
adiante Itard guardou os mesmos objetos em locais variados, o garoto devia
procurar pela casa o objeto solicitado. Pensando em complexar ainda mais,
Itard começou o trabalho com ordens, ensinando primeiramente a ordem
desejada e solicitando ao garoto que coloca-se os objetos conforme o
solicitado, isso trabalha memorização visual e a organização espacial do
garoto. Por fim, os objetos eram novamente escondidos e deviam ser postos na
ordem mostrada anteriormente (BANKS LEITE e GALVÃO, 2001). Lúcia é
estimulada quanto a função dos objetos, visto que leva tudo a boca, mas ainda
não obtivemos sucesso.
Cada uma das metas foi construída pensando nas necessidades
sociais, buscando qualidade de vida para o garoto, lhe oportunizando
condições de viver dignamente em sociedade, aproveitando todos os
benefícios que a vida lhe oferta, que é justamente o que buscamos para a
xxviii
criança estudada. Porém, esse trabalho era feito praticamente o dia todo,
levando em conta o seu atraso, era preciso um trabalho intensivo, que no
nosso caso, embora também seja necessário, seria muito difícil de realizar,
pelo número de profissionais que atendem e pelas condições do ambiente em
que vive. Buscamos junto à psicomotricidade possíveis intervenções a fim de
contribuir com os profissionais cuidadores a respeito de manejos diários,
acrescentando em seu desenvolvimento e contribuindo com o atendimento já
realizado. Este trabalho é um grande desafio, visto que as atuais condições da
criança são primitivas, ela morde e se revolta quando contrariada, não tem uma
linguagem desenvolvida e sua comunicação se dá por meio das expressões
bastante simples. A busca por melhores condições de vida e pela descoberta
das suas potencialidades é o principal norteador deste estudo. Além deste
motivo principal, gostaríamos de colaborar com outras pessoas que vivem
nessas condições, desmistificando a cultura que induz toda a sociedade a
desacreditar no potencial desses sujeitos.
xxix
CAPÍTULO 3
Por fim, o capítulo 3 vem apresentar a psicomotricidade, a base da
sua intervenção e suas divisões, segundo os autores Negrini, Rossi, Barros et
al, Alcance, entre outros e a aplicação disso no caso de Lúcia. Podemos avaliar
e traçar um perfil para ela, identificando suas potencialidades e defasagens e
planejar intervenções que podem ser usadas no dia a dia, pensando em
contribuir com seus cuidadores. A grande importância dos profissionais na
condução de sua rotina torna também importante falar sobre os profissionais
que atenderam Victor, pela similaridade do caso.
3.1 Observação e Possibilidades de Intervenção
Psicomotora para o Caso Estudado
A psicomotricidade se divide em reeducação, terapia e educação,
podendo trabalhar com pessoas que tenham atrasos cognitivos e psicomotores
em todas as fases da vida (NEGRINI, 2002). Cada uma dessas divisões vai
atender um público específico, sendo a educação psicomotora focada na
formação da base para as crianças, indispensável para o seu desenvolvimento
integral, através de jogos, brincadeiras e atividades lúdicas (ROSSI, 2012),
como o próprio nome já diz vai educar e isso pode ser feito com grupos que
não tenham nenhuma dificuldade específica ou diagnóstico, em escolhinhas,
turmas de séries iniciais, entre outras; já a reeducação psicomotora é
desenvolvida na educação infantil, por meio de experiência ativas, onde a
criança é estimulada a desenvolver-se de forma integral através de atividades
físicas recreativas e bem orientadas (BARROS, FONTENELE e FERREIRA,
2012) esta por sua vez vai focar naqueles grupos que por algum motivo
sofreram atrasos na sua educação, vai proporcionar atividades “extras” para
reforçar as aprendizagens que já foram passadas e por algum motivo se
perderam ou sequer puderam ser passadas, em casos como o de crianças que
precisaram ficar internadas em hospitais ou acamadas por muito tempo e por
xxx
fim a terapia psicomotora, que segundo Alcance (s/d), vem auxiliar no
desenvolvimento
de
crianças
que
tenham
alterações
no
padrão
de
desenvolvimento, ocasionando déficits no seu desenvolvimento, assim como
crianças com deficiências e patologias, pensando na definição de terapia
segundo Ferreira (2008) esta associada ”a aliviar ou curar doentes”. No caso
da terapia psicomotora nem sempre estará associada a doenças, como já
citado, para pessoas com deficiência também é bastante importante, buscando
minimizar ao máximo suas defasagens. Para Lúcia, a intervenção adequada
seria a terapia, pois, a criança tem várias alterações no seu desenvolvimento,
tanto biológicas, quando por fatores ambientais, conforme consta no capítulo
anterior.
Buscamos identificar pontos positivos e negativos, da área relacional
e funcional, a fim de pontuar qual seria mais eficaz para a terapia com essa
criança. A psicomotricidade relacional busca no próprio sujeito a expressão e a
superação
dos
conflitos
relacionais,
através
da
interpretação
dos
comportamentos, oportunizando liberdade de expressão, a fim de poder
colaborar com seu desenvolvimento integral, usando a comunicação nãoverbal, brincadeiras e movimentos como instrumento (VIEIRA, 2013). A
psicomotricidade funcional esta relacionada a habilidades motoras específicas,
tais como: tônus, coordenação, equilíbrio, entre outros. Sendo a defasagem
destas, o motivo de diversos problemas e dificuldades observados no
desenvolvimento da criança. Trabalha-se com exercícios específicos, por isso
chama-se funcional, o exercício vem colaborar para habilitar/reabilitar
determinada função no corpo (ROCHA s/d).
A avaliação é fundamental para um bom trabalho, podendo
identificar as demandas para cada sujeito (ROCHA s/d). A instituição onde a
criança vive possui poucas informações sobre sua vida, logo, o preenchimento
da anamnese é um tanto complicado, no anexo 2 estão as informações
coletadas nesse processo. Os dados de identificação foram ocultados para
preservar a privacidade da criança. A avaliação foi realizada em ambiente
aquático, mediante observações posteriores em diferentes situações, tais
como: com ou sem outras crianças, com barulho e em silêncio, com maior
número de materiais ou sem materiais. Não utilizamos nenhuma bateria
xxxi
especifica e sim a composição delas, baseando-se na própria criança. As
seguintes alterações foram observadas:
•
Não identifica partes do corpo quando solicitado.
•
Identifica-se no espelho.
•
No espaço observado ela demonstra lateralização manual
esquerda, pedal direita, ocular de difícil observação em
virtude do estrabismo e auditivo não pode ser identificada,
pois, não reagia aos estímulos, porém, os cuidadores relatam
o uso da mão direita no ambiente domiciliar.
•
Não há estruturação espacial, nem temporal, eventualmente,
há alguma organização, mas isso varia conforme seu humor.
•
A criança apresenta muitas sincinesias, pouco equilíbrio, sua
postura é próxima a de um primata, ficando o tronco inclinado
a
frente,
braços
“pendurados”
e
membros
inferiores
afastados.
•
Quanto a atividades de imitação, nenhuma é repetida, a
criança demonstra desinteresse.
•
Corpo ectomorfo.
•
Ao mergulhar não controla respiração, em muitos momentos
toma água e por gostar muito de mergulhar, é preciso certo
controle quanto a isso por parte do profissional.
•
Ao entrar na piscina tem boa organização, sabe que precisa
se trocar e aguarda por isso, ao sair também, sabe que deve
guardar os brinquedos, consegue realizar isso com perfeição.
•
Não realiza atividades de motricidade fina.
•
Tem dificuldades globais também, não coordena as parte do
corpo entre si para a realização das atividades.
•
Todos os objetos oferecidos são levados a boca.
Com as discrepâncias identificadas, podemos traçar um método de
trabalho. Embora a criança tenha muitos aspectos particulares que precisam
ser trabalhados, a sua dificuldade de seguir comandos, faz com que seja
utilizada a psicomotricidade relacional, que permite fazer as intervenções
através da brincadeira livre.
O interesse dos profissionais pelo seu
xxxii
desenvolvimento se faz fundamental, assim como ocorreu com Victor. Jean
Itard foi primordial para o desenvolvimento do garoto, foi através dele que o
menino conseguiu aprender e se libertar dos comportamentos que impediam
seu avanço em sociedade. Logo, por se tratar de observação e intervenção, se
torna importante falar um pouco sobre estes profissionais e a forma como eles
viam os pacientes na época.
Phillipe Pinel foi um dos pioneiros em saúde mental, pensando no
tratamento moral dos seus pacientes, desenvolveu um método completamente
diferente do usado na época, promovendo maior liberdade e conforto
(FACCHINETI, 2008). No Brasil o tratamento mental foi baseado nos princípios
dos hospitais parisienses Salpêtriére e Bicêtre, reformados justamente por
Pinel
(RAMOS
e
http://www.sms.rio.rj.gov.br/pinel/media/pinel_origens.pdf).
GEREMIAS,
Em seu artigo
(1801) Pinel retrata a seguinte situação:
No tratamento de sua mania, eu tinha o poder de usar um grande
número de remédios, mas o mais poderoso de todos faltou-me:
aquele que só se pode encontrar num hospício bem organizado,
aquele que consiste, por assim dizer, em subjugar e domar o alienado
colocando-o na estreita dependência de um homem que, por suas
qualidades físicas e morais, seja apto a exercer sobre ele um domínio
irresistível e a mudar a cadeia viciosa de suas idéias. Alguns
exemplos escolhidos, e que se passaram no hospício de alienados de
Bicêtre, tornarão mais clara essa verdade (p 123).
De certa forma isso foi o que aconteceu com o Victor, conseguiu se
livrar dos costumes selvagens de sua criação em virtude do acompanhamento
constante de Jean Itard, sendo dependente dele pelo vínculo. Apesar de Pinel
não ter se dado conta disso e sim Jean Itard, a forma de pensar desses
profissionais era muito parecida, ambos lutavam por condições dignas de
tratamento, utilizando as formas mais saudáveis e de qualidade para o
paciente, apesar de essa intervenção exigir mais dos profissionais, precisando
estudar mais para compreender seus pacientes e se envolver no seu dia-a-dia,
fugindo dos protocolos pré formados para buscar novidades junto aos próprios
pacientes.
xxxiii
Philipe Pinel passou por diversos percalços em sua vida, dificuldades
financeiras e políticas. Iniciou seus trabalhos no Hospício de Bicêtre já com 48
anos de vida. Por ter um olhar diferenciado e ser muito sensível, pode
identificar junto a um ex-paciente, Pussin, formas variadas de pensar a
psiquiatria, levando em conta a vivência de Pussin como paciente e como
funcionário do hospício, pois, depois de passar por tratamento, Pussin passou
a integrar o quadro funcional do hospício (PINEL, 2004). Rossi (2012) fala
sobre esse olhar diferenciado que o educador deve ter, citando o professor
como mediador do processo formal de ensino e aprendizagem, para que possa
identificar defasagens e possibilidades para seus educandos. Foi exatamente
isso que ocorreu com Pinel, tornou-se educador dentro do hospício, levando
em conta não só as dificuldades dos internados, mas também as possibilidades
diferenciadas de intervenção, visando as habilidades dos pacientes.
Jean Itard também foi um psiquiatra francês de renome, discípulo de
Pinel, tornou-se famoso ao educar o menino Victor:
Como se a sociedade tivesse o direito de arrancar uma criança a uma
vida livre e inocente, para enviá-la morrer de tédio num hospício, e ali
expiar a infelicidade de ter enganado a curiosidade pública. Julguei
que existia uma solução mais simples e sobretudo mais humana; era
a de usar para com ela bons tratos e muita condescendência com
seus gostos e suas inclinações (p. 15, 2000).
O trabalho de Itard com Victor foi o marco do início da ciência da
psicologia do desenvolvimento, pois, foi o primeiro a por em prática suas idéias
(COLE e COLE, 2004). Vários autores elucidam que o social é fundamental
para o desenvolvimento (VYGOTSKY apud IVIC 2010; PINTO e GÓES, 2006;
FORTUNA, 2008) assim como Itard, esses autores indicam que a evolução
vem do meio cultural e da convivência em sociedade, da imitação, das
representações que os pares significam dentro do contexto social que o sujeito
convive. O fator mais interessante da vida de Victor é que apesar da restrição
de estímulos durante os primeiros anos de vida, o garoto teve um bom
desenvolvimento, conseguiu criar vínculos com os humanos e com seus
xxxiv
hábitos, desenvolveu higiene consigo e com os objetos, aprendeu nomes,
formas, objetos, organização, ordem, aprendeu inclusive a negociar e a
reivindicar, atribuindo significado e sentido as palavras faladas, logo, comentar
essa história é primordial, pois, o comportamento do garoto selvagem remete
muito ao comportamento da criança que será estudada e com isso poderemos
traçar um comparativo, tanto relacionando o desenvolvimento de um e de
outro, como nas formas de intervenção.
Victor de Aveyron após as intervenções e seu educador Jean Itard. FONTE:
http://www.crescimentoesabedoria.com.br/products.php?product=O-MENINOSELVAGEM-DE-AVEYRON-
Nos primeiros momentos de intervenção com Lúcia, se trabalhou a
adaptação no espaço, com seus objetos e materiais, nos seus respectivos
lugares, a interação com a professora era livre, buscou-se observar seus
interesses dentro deste novo local. Nessa fase a criança não demonstrava
interesse em interagir, só era contida por motivos de segurança, reclamando
muito quando isso acontecia, beliscava, mordia e batia na professora. Em
seguida buscou-se a inserção de brinquedos, de forma livre e até desordenada,
com, intuito de identificar algo que despertasse o interesse da criança. Ela se
mostrou indiferente, tudo que lhe era ofertado, era colocado na boca, rasgado e
xxxv
furado quando conseguia. Lembrando que todas as formas de intervenção
permaneciam por pelo menos 6 meses, visto que a criança demora a nos dar
retorno e precisa de paciência e insistência.
O próximo passo foi limitar os materiais, sendo que em cada
atividade era usado um pequeno grupo de materiais, às vezes eram bolas, de
diferentes cores, em outros momentos, brinquedos de borracha em forma de
animais, sempre buscando materiais macios, pois, ela sempre morde. Essa
estratégia deixou Lúcia bastante incomodada, pois, queria escolher brinquedos
aleatoriamente, jogando-os por todos os lados, mordendo e atacando a
professora, junto com a limitação dos brinquedos trabalhou-se a resignificação
dos brinquedos, sempre mostrando formas que ela poderia brincar com elas ao
invés de morder, porém, com pouco sucesso. Nesse momento a criança já
tinha bastante vínculo com a professora, abraçando sempre que via. Já dava
retorno quanto a algumas cobranças e exigências, olhava nos olhos da
professora em vários momentos da aula. Apesar disso, ser um grande avanço
perante a sua condição, acredita-se que o progresso seja lento, pelo tardio
acompanhamento, frente à situação de vida.
Essa criança já vem realizando essas intervenções há 1 ano e meio,
junto ao profissional de educação física. Nas últimas intervenções foram
inseridos materiais grandes, tais como colchões para flutuação. A criança
demonstra algum interesse em utilizá-los, mas quando passa por dificuldades
em subir no tapete, logo, desiste e busca outra coisa para fazer. O horário de
atendimento sempre é particular, pois, com a presença de outras pessoas,
principalmente crianças, ela se agita, fica eufórica, querendo pegar as crianças,
puxa seus cabelos e grita. Acredita-se que esse horário particular permite
maior desenvolvimento para ela, podendo aproveitar mais o seu atendimento,
que tem duração de 45 minutos. O trabalho permanecerá o mesmo até
completar dois anos de atendimento, que é o tempo máximo de permanência
no projeto de natação.
Um dos objetivos é colaborar com os cuidadores, a fim de tornar
mais fácil a rotina no abrigo e também para que o processo terapêutico tenha
melhores resultados. Não sabemos o quão prejudicada é a sua cognição, mas
temos vários indícios de que ela compreende os comandos, em vários
xxxvi
momentos da aula, quando é cobrada mais rigorosamente a realizar a tarefa ou
ao contrário, quando morde e é cobrada a não fazer, mostra prestar atenção na
fala da professora, nos últimos meses tem batido palmas quando faz algo
diferente, atitude realizada por conta própria e motivada posteriormente, agora
sempre que ela consegue é aplaudida. Essa foi a sua forma de mostrar que
precisa de motivação e que entende que fez algo corretamente, além disso,
pede ajuda, pegando na mão da professora e encaminhando para o que ela
quer, algo que não era realizado antes. As mordidas e beliscões têm sido mais
esporádicos, embora as cobranças permaneçam, sinal de que ela esta
compreendendo e esta mais tolerante também. Por fim, acreditamos que a
criança precisa de um trabalho intensificado, na APAE, na natação e no abrigo,
cobrando comportamento correto, usando inclusive artifícios que ela gosta para
isso, podendo ofertá-los em forma de gratificação ou retira-los em forma de
castigo, ao menos, num primeiro momento, até que ela tenha cada vez mais
compreensão do certo e do errado. A intervenção psicomotora em consultório
seria muito importante, podendo fazer uma trabalho mais direcionado as suas
defasagens, pois, na água, é bastante complicado, precisamos de muitas
adaptações e ainda assim nem sempre conseguimos alcançar nossos
objetivos.
xxxvii
CONCLUSÃO
A criança estudada apresentou déficit de estímulos em todos os
ambientes freqüentados até aproximadamente seus 6 anos, logo, um tempo
precioso para o seu desenvolvimento foi perdido. Outro fator que é
determinante para o seu desenvolvimento é a falta de exames minuciosos e
precisos que possam identificar o nível de lesão cerebral que ela possui. Tudo
isso dificulta a preparação de atividades, pois, nem sempre se consegue
realizar o planejado, fazendo com que o profissional tenha que estar sempre
atento ajustando as atividades as suas necessidades e a sua condição em
cada dia. Para os cuidadores se torna ainda mais complicado, pois, não
possuem formação específica para tal.
Apesar disso temos diversas constatações de que devemos
acreditar no potencial de todos. Pinel e Itard sempre acreditaram nisso e
demonstraram
nas
suas
ações.
Itard
conseguiu
construir
diversos
aprendizados e tornar o garoto selvagem um ser bastante sociável para suas
condições. Baseando-se nas constatações e principalmente na forma de
trabalho do psicomotricista, sabemos que algumas habilidades foram
severamente comprometidas e não há informação suficiente para pontuar isso,
porém, sempre podemos melhorar a qualidade de vida do sujeito. Os estudos
de Pinel e Itard nos permitem acreditar, apesar dessas dificuldades e levar
adiante a proposta de atendimento psicomotor desta criança. Embora não se
possam usar os parâmetros de desenvolvimento, pois, as condições são muito
adversas, podemos traçar objetivos conforme as principais necessidades para
que ela tenha qualidade de vida, tais como: realizar hábitos de higiene,
alimentar-se e comunicar-se, ao menos algum tipo de expressão que possa ser
compreendida.
O desenvolvimento é lento, principalmente por que o atendimento é
por pouco tempo se considerado as horas diárias que a criança passa sem a
devida intervenção. Seria muito interessante ter profissionais com formação
especifica no abrigo, para conduzir a rotina da criança assim como orientar os
outros profissionais.
xxxviii
Nesse caso especifico, o atendimento deve ser intensivo. Faz-se
essencial uma rotina estruturada: horário de acordar, higiene, café da manhã,
interação com colegas ou atendimentos (conforme as necessidades de cada
dia), higiene novamente, almoço, tarefas da tarde, eventuais passeios em
locais de fácil condução, para que assim como o garoto selvagem, Lúcia tenha
contato com hábitos sociais de outros espaços, diferentes do seu ambiente
domiciliar, higiene, lanche ou janta e horário de dormir. Essa rotina, baseada na
repetição irá dar um grande suporte para o comportamento da menina, que irá
absorver essas informações, sempre com a paciência dos cuidadores e
repetição das tarefas. Conforme ela demonstrar evolução as tarefas podem ir
se tornando mais complexas. A situação de vulnerabilidade social torna difícil a
construção de vínculos, logo, os profissionais que atendem a criança devem
estar abertos para se vincular a ela, o vínculo por si só já é uma ferramenta
muito eficaz para o desenvolvimento, pois, permite que a criança realize
diversas atividades em prol do vínculo que tem com o adulto que coordena ou
indica as tarefas. Seria interessante que Lúcia tivesse um profissional de
referencia e que este fizesse as cobranças e incentivos, para que não haja
alterações que possam comprometer seu atendimento.
Por fim, identificamos a necessidade de intervenção psicomotora pela
complexidade da situação, logo, outra terapia não poderia agir de forma
integral nesse indivíduo especifico, tal como a psicomotricidade. Seria
interessante complementar este estudo fazendo visitas no ambiente onde Lúcia
vive, buscando formas de intervenção e colaboração com os cuidadores, assim
como ajustes na rotina. Embora, a psicomotricidade não seja completa, agindo
em todas as defasagens desta criança, na falta de um atendimento
multidisciplinar, acreditamos que a psicomotricidade pode dar a base para os
outros profissionais, visto que trabalha tanto aspectos cognitivos, psicológicos e
motores de forma interligada. Lúcia precisa sanar aspectos básicos do seu
desenvolvimento para avançar, visto que se detém em um estágio muito
aquém de sua idade cronológica, dificultando o progresso nas outras áreas. O
psicomotricista também saberá adequar suas intervenções pensando que
muito provavelmente Lúcia não alcance sua idade cronológica, embora não
possamos ditar isso, visto que não há exames para pontuar, coordenando
xxxix
assim, as principais necessidades e as amarras que ela possui. Além disso, a
formação dos profissionais que atendem em abrigos se torna urgente pelo
misto de pessoas que estão em seus cuidados, podendo assim, contribuir com
o desenvolvimento pleno de todos.
xl
BIBLIOGRAFIA
ABRAMOVAY, Miriam. et al. Juventude, Violência E Vulnerabilidade Social Na
América Latina: Desafios Para Políticas Públicas /– Brasília : UNESCO, BID,
2002. 192 p.
ALMEIDA E SILVA, Paula. ESTEVES, Maria L. CASTRO, Florencio V.
Vinculação Mãe Bebê. INFAD Revista de Psicología, Nº1-Vol.2, 2013. ISSN:
0214-9877. pp:729-736.
ANDRADE, Susanne A. et al. Ambiente Familiar E Desenvolvimento Cognitivo
Infantil: Uma Abordagem Epidemiológica. Rev Saúde Pública 2005;39(4):60611.
ANDRÉ, Marli E D A. Estudo de caso: Seu Potencial na Educação. Cad. Pesq.,
(49): 51-54, maio 1984.
AZEVEDO, Elisa C. MOREIRA, Mariana C. Psiquismo Fetal: Um Olhar
Psicanalítico. Diaphora | Revista da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do
Sul 12(2) | Ago/Dez | 64-69. 2012.
BANKS-LEITE & GALVÃO (org.) A Educação De Um Selvagem: As
Experiências Pedagógicas De Victor Do Aveyron, São Paulo, 2001.
BARROS, Eugênia N. FONTENELE, Francisca E. FERREIRA, Teresinha G. L.
Reeducação Psicomotora. Campina Grande, REALIZE Editora, 2012.
COLE, Michael. COLE, Sheila R. O Desenvolvimento Da Criança E Do
Adolescente. Universidade da Califórnia, San Diego. 4ª Edição Tradução:
Magda França Lopes. 2004.
xli
FACCHINETTI, Cristiana. Philippe Pinel E Os Primórdios Da Medicina Mental.
Rev. Latinoam. Psicopat. Fund., São Paulo, v. 11, n. 3, p. 502-505, setembro
2008.
FERREIRA, Aurélio B. H. Miniaurélio: O Minidicionário Da Língua Portuguesa.
– 7 ed. – Curitiba: Ed. Positivo; 2008.
FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento Psicomotor E Aprendizagem. Porto
Alegre: Artmed, 2008. 584p.
FORTUNA, Tânia R. O Brincar, As Diferenças, A Inclusão E A Transformação
Social. Atos De Pesquisa Em Educação – PPGE/ME FURB ISSN 1809– 0354
v. 3, nº 3, p. 460-472, set./dez. 2008.
FROTA, Ana Maria M C. Diferentes Concepções Da Infância E Adolescência: A
Importância Da Historicidade Para Sua Construção. Estudos E Pesquisas Em
Psicologia, UERJ, RJ, ANO 7, N. 1, 1º SEMESTRE DE 2007.
GALLAHUE, D. L; OZMUN, J. C. Compreendendo O Desenvolvimento Motor:
Bebês, Crianças, Adolescentes E Adultos. 1. ed. São Paulo: Phorte, 2001.
FERREIRA, Charles F. I Seminário de Neurociência e Inclusão, Promovido por
Educa Ação, 2014, Porto Alegre.
IVIC, Ivan. Lev Semionovich Vygotsky – Recife: Fundação Joaquim Nabuco,
Editora Massangana, 2010.
JARDIM, Dulcilene P. SANTOS, Enir F. Uso Do Preservativo Masculino Por
Adolescentes No Início Da Vida Sexual. Revista Oficial Do Núcleo De Estudos
Da Saúde Do Adolescente. Vol. 9 nº 2 - Abr/Jun – 2012.
xlii
KAMERS, Michele. BARATTO, Geselda. O Discurso Parental E Sua Relação
Com A Inscrição Da Criança No Universo Simbólico Dos Pais. Psicologia
Ciência E Profissão, 2004, 24 (3), 40-47.
LINDNER, Lorene B. O Feto Como Ser Ouvinte. Monografia de Conclusão do
Curso
de
Especialização
em
Audiologia
Clínica.
Orientadora
Mirian
Goldenberg. Porto Alegre. 1999.
MADEIRA, Eunice do V. et al. Aula II: Jean Piaget e o desenvolvimento
cognitivo. Disciplina: Psicologia do Desenvolvimento. Curso de Pós Graduação
em Psicomotricidade à Distância. Rio de Janeiro: UCAM/AVM, 195p.
MARQUES, Taillon S. et al. Desenvolvimento Motor: Padrões Motores
Fundamentais De Movimento Em Crianças De 4 E 5 Anos De Idade.
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 18, Nº 186, Novembro de
2013.
MATURANA, Humberto R. e VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar E Brincar:
Fundamentos Esquecidos Do Humano. Tradução de Humberto Mariotii e Lia
Diskin. São Paulo, Palas Atenas, 2004.
NASCIMENTO, Ariana. Estudos Sobre A História Do Comportamento: Símios,
Homem Primitivo E Criança. Resenha Livre. Nuances: estudos sobre
Educação, Presidente Prudente, SP, v. 24, n. 1, p. 235-238, jan./abr. 2013.
NEGRINI, Airton. O Corpo Na Educação Infantil. Caxias do Sul: EDUCS,2002.
PINEL, Hiran. Psicologia Educacional: Alguns Textos Esparsos [Livro em CDROM]. Belo Horizonte (MG): NUEX-PSI, 2004. 1 a Edição. P651p
xliii
PINTO, Gláucia U. GÓEZ, Maria C. R. Deficiência Mental, Imaginação E
Mediação
Social:
Um
Estudo
Sobre
O
Brincar.
Rev.
bras.
educ.
espec. vol.12 no.1 Marília Jan./Apr. 2006.
PINEL, Philippe. Tratado Médico-Filosófico Sobre A Alienação Mental Ou A
Mania (1801)* (extratos sobre a mania e sobre o tratamento moral). Rev.
Latinoam. Psicop. Fund. VII, 3, 117-127
REPPOLD, C. et al. Prevenção De Problemas De Comportamento E O
Desenvolvimento
De
Competências
Psicossociais
Em
Crianças
E
Adolescentes: Uma Análise Das Práticas Educativas E Dos Estilos Parentais.
In C. Hutz (Org.), Situações De Risco E Vulnerabilidade Na Infância E Na
Adolescência: Aspectos Teóricos E Estratégias De Intervenção (pp. 7-52). São
Paulo: Casa do Psicólogo. 2002.
ROCHA, Dina Lúcia Chaves. Aula III: Psicomotricidade funcional e relacional.
Disciplina: Psicomotricidade. Curso de Pós Graduação em Psicomotricidade à
Distância. Rio de Janeiro: UCAM/AVM, 138p (s/d).
ROSSI, Francieli S. Considerações Sobre A Psicomotricidade Na Educação
Infantil. Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas – MG –
Brasil – Nº 01 – Ano I – 05/2012.
SOUZA, Natália M. WECHSLER, Amanda M. Reflexões Sobre A Teoria
Piagetiana: O Estágio Operatório Concreto. Cadernos de Educação: Ensino e
Sociedade, Bebedouro-SP, 1 (1): 134-150, 2014.
TEIXEIRA, Ana Maria F. B. et al. Adolescentes E Uso De Preservativos: As
Escolhas Dos Jovens De Três Capitais Brasileiras Na Iniciação E Na Última
Relação Sexual. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 22(7):1385-1396, jul,
2006.
xliv
WEBGRAFIA
ALCANCE.
Terapia
Psicomotora.
Disponível
http://alcance.com.pt/index.php/psicomotricidade/terapia-psicomotora.
em:
Acesso
em: 06/08/2014.
BRITES, Clay. Neurociências e desenvolvimento: como o cérebro aprende.
<URL: https://www.youtube.com/watch?v=23I4yU-jCGM> data de acesso:
20/12/2014.
CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Taxa de desemprego no Brasil foi a mais alta
em
dois
anos
diz
IBGE.
<URL:
http://g1.globo.com/jornal-da-
globo/noticia/2015/05/taxa-de-desemprego-no-brasil-foi-mais-alta-em-doisanos-diz-ibge.html> data de acesso: 23/05/2015.
"comportamento", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha],
2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/comportamento [consultado em 0801-2015].
Desemprego Ficou Em 7,9% No Primeiro Trimestre De 2015, Diz IBGE. <URL:
http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/05/desemprego-ficou-em-79-no-primeirotrimestre-de-2015-diz-ibge.html> data de aceso: 15/05/2015.
Menino
selvagem
de
Aveyron.
<URL:
http://psicologiamodera.blogspot.com.br/2014/09/menino-selvagem-deaveyron.html> data de acesso: 06/04/2015.
O
menino
selvagem
de
Aveyron.
<URL:
http://www.crescimentoesabedoria.com.br/products.php?product=O-MENINOSELVAGEM-DE-AVEYRON-> data de acesso: 06/04/2015.
xlv
Períodos
do
desenvolvimento
segundo
Jean
Piaget.
<URL:
(http://penta.ufrgs.br/~marcia/estagio2.htm#eof> data de acesso: 10/12/2014.
"primitivo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 20082013, http://www.priberam.pt/DLPO/primitivo [consultado em 08-01-2015].
RAMOS, Fernando A da Cunha. GEREMIAS, Luiz. Instituto Philippe Pinel:
origens
históricas.
<URL:http://www.sms.rio.rj.gov.br/pinel/media/pinel_origens.pdf>
data
de
acesso: 12/12/2014.
TRUFFAUT, François. GRAUALT, Jean. O Garoto Selvagem [Filme]. Produção
de Marcel Berbert. Direção de François Truffaut. França. Les Films Du Cross.
1970. <URL: https://www.youtube.com/watch?v=K6GZPuxuBTU> data de
acesso: 12/12/2014.
MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS). Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e
Práticas
na
População
Brasileira
(PCAP).
2008.
<URL:
http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2009/40352/pcap_2
008_f_pdf_13227.pdf> data de acesso: 22/05/2015.
VIEIRA, José Leopoldo. Psicomotricidade Relacional - Uma Intervenção Social
"O
Despertar
do
Jovem
para
o
Mercado
de
Trabalho" <URL:
http://psicomotricidade.com.br/artigos/odespertar_do_jovem.htm>
acesso: 10/12/2014.
data
de
xlvi
ANEXOS
ANEXO 1: História do garoto selvagem de Aveyron
Em 1798, na França, foi encontrado o garoto selvagem, chamado
Victor de Aveyron, referencia a cidade onde foi encontrado. O garoto foi
descoberto por uma camponesa e por não saberem do que se tratava, um
grupo de camponeses caçou o menino, que fugiu acuado como um animal,
apresentando comportamento extremamente selvagem e rudimentar. Por ser
um grupo grande de pessoas, estas conseguiram capturar o garoto, que se
apresentava nu, ferido, cheio de cicatrizes e sujo.
Victor
de
Aveyron
quando
encontrado.
FONTE:
http://psicologiamodera.blogspot.com.br/2014/09/menino-selvagem-deaveyron.htm)
Em virtude da novidade do caso, houve grande divulgação em
jornais e revistas importantes da época, por isso, alguns médicos e estudiosos
se interessaram pelo seu caso, a fim de investigar e entender a situação
daquela menino, que parecia nunca ter visto um semelhante. Jean Itard e
Phillipe Pinel, foram os principais interessados pelo caso, justamente pelo perfil
destes profissionais, que se preocupavam com a qualidade de vida de seus
pacientes, sempre respeitando a todos. Inicialmente o menino foi considerado
“surdo-mudo” e colocado aos cuidados de uma escola especializada, ficando lá
sem grandes cuidados e sendo apresentado como uma espécie de aberração,
xlvii
pois, todos queriam ver o menino chamado de selvagem, gerando grande
estresse ao garoto pela visitação. Os próprios colegas não interagiam com ele,
pelo seu desinteresse por pessoas e pelo modo peculiar como agia, não havia
vínculo com os profissionais, que aparentemente acreditavam que o menino
possuia deficiência intelectual a tal ponto de não compreender nada. Ao passar
dos dias, com a avaliação dos profissionais se percebeu que ali não era o seu
lugar, pois, demonstrava ouvir respondendo a diversos estímulos sonoros.
Segundo os profissionais, Pinel e Itard, ele dedicava atenção a sons
específicos, rudimentares, tais como grunhidos, buscando sua origem, segundo
os próprios estudiosos, isso se devia aos estímulos que ele tinha na floresta,
logo, esses estímulos possuíam grande significado para ele.
Ao fim da avaliações, Jean Itard solicitou sua tutela, junto a sua
governanta Guérin, para tentar educá-lo na sua casa, embora ninguém
soubesse de suas possibilidades, Itard acreditou que com cuidados intensos de
uma família o garoto poderia progredir. Em contrapartida o psiquiatra Pinel não
acreditava no potencial do menino, considerava que o garoto tivesse uma
deficiência intelectual severa que o levava a ter o comportamento agressivo,
diferente de Itard que acreditava que o comportamento era fruto de sua
criação, que ele respondia aos estímulos que tivera na floresta, que
obviamente eram limitados a preservação e a vida, pois, acreditava-se que o
menino fora criado por lobos. Devido às diversas cicatrizes, possivelmente
tenha sido vitima de violência entre os animais, atividade relativamente normal
neste ambiente, devido à luta pela sobrevivência, além disso, a gravidade das
cicatrizes indicava que tenham tentado matá-lo nos primeiros dias de vida,
pois, havia uma grande cicatriz em seu pescoço, que representava um corte
com material afiado. Apesar disso o menino conseguiu sobreviver e aprender a
se defender com os animais, aflorando seu instinto selvagem. Com toda a
selvageria do seu comportamento ele ainda apresentava certa inteligência, se
dando conta de alguns estímulos voltados à preservação e segurança (LES
FILMS DU CROSS, 1970).
Com o estacionamento dos progressos, Itard
deixou de fazer seus escritos sobre o garoto, deixando o mesmo fica aos
cuidados da senhora Guérin, que passa a morar próximo a instituição
organizada por Itard, a fim de manter o contato. Estima-se que o garoto tenha
xlviii
nascido por volta de 1785 e seu falecimento foi em 1828, aos 43 anos (BANKSLEITE e GALVÃO, 2001).
xlix
ANEXO 2: Anamnese
ANAMNESE
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Idade: aproximadamente 8 anos
HISTÓRIA DO PAI
Não se sabe nada sobre o pai.
HISTÓRIA DA MÃE
Vive sozinha em uma casa, com auxilio da assistência social da cidade. Possui
esquizofrenia.
IRMÃOS
Tem duas, com aproximadamente 14 e 11 anos, também com deficiência
mental, esquizofrênicas, ambas vivem no abrigo.
HISTÓRIA DA DEFICIÊNCIA
Não tem diagnóstico preciso, acredita-se que tenha traços do transtorno do
espectro autista, deficiência intelectual severa.
Informação pré-natal
Não temos.
Informação peri-natal
Sabe-se que foi mal tratada, teve contato com bactérias e condições de frio
extremo, além da desnutrição.
Começou a caminhar com aproximadamente 5 anos, mas por viver em abrigo,
tem contato com diferentes crianças com bastante freqüência e sempre que
tem contato com crianças menores regride na marcha e na higiene.
Não fala.
Nos quase dois anos de atendimentos não teve doenças, porém, nos últimos
meses teve complicações renais pelo excesso de medicações.
l
HÁBITOS DE VIDA
Dorme mediante medicação.
Faz natação, é muito ativa no dia-a-dia.
O passeio preferido é passear de carro.
Passa o dia no abrigo, freqüência a APAE por algumas horas, uma vez na
semana faz natação.
Toma diversas medicações para o sono e para convulsões.
HÁBITOS ALIMENTARES
Come tudo que lhe é oferecido, usa colher.
HÁBITOS HIGIÊNICOS
Toma banho com auxilio.
Usa fraldas.
AJUSTAMENTO SÓCIO-EMOCIONAL
Tem dificuldade de concentração, é agressiva e rebelde sempre que
contrariada, demonstra algum interesse em interagir, mas muito rapidamente
se dispersa. Bastante instável, as vezes apática. Tem comportamento de
destruição também quando contrariada.
MOTIVO DO ENCAMINHAMENTO
A criança tem comportamento muito agressivo, levando a dificuldades de
aprendizagem e de socialização.
IMPRESSÕES SOBRE OS ENTREVISTADOS
Os cuidadores são bastante interessados e carinhosos com a criança.
Realizado em janeiro de 2015.
Download

universidade cândido mendes pós