O PROGRAMA MÍDIAS NA EDUCAÇÃO E NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS: LIMITES E POSSIBILIDADES Denise Rosana da Silva Moraes-UNIOESTE campus de Foz do Iguaçu [email protected] Agencia financiadora - Capes Introdução Este artigo tem por base uma investigação doutoral sobre formação de professores/as para a inserção das mídias no cotidiano escolar e na organização do seu trabalho pedagógico. A pesquisa pautou-se em analisar o discurso de um Programa institucional do governo federal brasileiro cujo objetivo elencado é a formação de professores/as em serviço. Realizei ainda, com o apoio da CAPES, um estágio de doutorado em Portugal. A intenção foi realizar breve cartografia da inserção das tecnologias e suas mídias na formação de professores/as com repercussão na escola portuguesa. Observei e em contato com outras IES e mesmo em algumas escolas portuguesas de Ensino Básico, a caminhada, os consensos e dissensos das ações de implementação das TIC. Este movimento de diálogo entre os/as pares baseou minhas análises posteriores, sobre essa modalidade formativa em nosso país. Observei ainda, que as discussões e encaminhamentos de efetivação das tecnologias no espaço educativo português vêm de longa data sendo trabalhadas, entretanto, as universidades estão preocupadas em contribuir com o debate e com a repercussão na prática docente da formação que amplia a ideia de instrumento. A pesquisa que empreendi trata da análise do Programa denominado Mídias na Educação, encontra-se disponibilizado no portal do Ministério da Educação e destina-se especificamente à formação continuada de professores/as da Rede Pública de Educação Básica na modalidade à distância. Trata-se de uma proposta de aplicação na prática pedagógica das potencialidades das mídias no espaço escolar. O Programa oferece conceitos e estudos das diferentes linguagens midiáticas para capacitar o/a professor/a na compreensão do atual contexto educacional e o papel das mídias no processo de ensino e aprendizagem. Assim, a questão norteadora foi: Quais as possibilidades e limites do Programa Mídias na Educação, ofertado via web, para a formação de professores/as? A hipótese encaminhou para uma ambiguidade, de um lado, uma orientação pedagógica de introdução da mídia na educação formal de inclusão, de outro, um Programa intencionalmente técnico, que não resulta na formação crítica dos/as cursistas para o uso da mídia na sua prática docente. Para atender ao objetivo proposto, foi realizada pesquisa bibliográfica sobre a temática e análise documental tendo a internet como fonte de pesquisa. No referencial teórico faz interlocuções com autores dos Estudos Culturais. A conclusão é que o Programa analisado necessita ser redimensionado, com a inserção de momentos de interação online e presencial entre os/as cursistas porque a formação exige tempo e espaço para alcançar sua finalidade pedagógica. O resultado demonstrou a necessidade da formação de professores/as como prática genuína, para materializar a relação entre a teoria e a prática. Os vínculos formativos junto às universidades com propostas contínuas e ininterruptas contribuem para mudar a prática docente ao perceber que os estudos críticos dos meios são necessários para elaboração de um novo projeto político-pedagógico escolar. Considero uma fragilidade do Programa, sua característica fortemente instrumental, constituída por uma seqüência de modelos a serem seguidos e aplicados verticalmente na escola. A compreensão do processo de produção das mídias e o lugar que ocupa no contexto cultural contemporâneo podem contribuir com a continuidade e aprofundamento teórico e metodológico sobre as mídias na educação desde que os modelos de formação sejam alicerçados nos contextos de vida e trabalho dos/as professores/as como forte reivindicação. Observo que os/as professores/as nas escolas têm dificuldades para transitar, elaborar e transmitir os conteúdos simbólicos em relação às mídias, já que exercem importante papel formativo tanto entre os/as docentes quanto entre os alunos/as. Na contemporaneidade são fundamentais, a reflexão e o conhecimento acerca da cultura da mídia na educação escolar. Não há como negar que o estudo sobre as mídias na educação exige um permanente diálogo entre as pesquisas em educação e comunicação. Esta análise estabelece interlocuções com os estudos de Canclini(2008), Escosteguy (2010), Fischer(2005), Giroux (1995), Hall (2006), Kellner(2001), Martin- Barbero(2006) Freire (1982), Pretto (2008), Silva(1995), Veiga Netto;Woodward 2 (2001), entre outros/as de expressiva produção intelectual, que defendem o uso das mídias no espaço escolar, para além de um domínio puramente mecânico. O texto está organizado da seguinte maneira: inicialmente apresento breve introdução sobre o campo da investigação em mídias e educação, em seguida, traço a perspectiva teórico metodológica da pesquisa e finalmente elaboro uma discussão sobre a formação dos/as professores/as no que se relaciona a apreensão das mídias em sua ação didático-pedagógica. Intenciono que essa investigação, aliada as demais sobre essa temática, auxilie e contribua para uma necessária rediscussão e retomada do currículo, tanto das escolas de Educação Básica, na formação continuada, quanto para a rediscussão do projeto político-pedagógico das Instituições de Ensino Superior, no sentido de inserção dos estudos sobre mídia e educação como uma abordagem contributiva à formação de professores/as. 1.1 A Mídia e a Escola O pesquisador da cultura da mídia, Kellner (2001) propõe-nos um repensar das novas tecnologias, afirmando que estas mudaram substancialmente os padrões da vida cotidiana e reestruturaram poderosamente o trabalho e o lazer. Os computadores substituíram tarefas que eram realizadas por pessoas e desapareceram empregos, ao mesmo tempo em que surgiram outros novos. A internet oferece o acesso rápido e instantâneo à informação e a comunicação com outras pessoas. Para ele, concordamos, as novas tecnologias da mídia e da informática são ambíguas e podem ter sentidos divergentes. Por um lado, proporcionam maior diversidade de escolha, maior possibilidade de autonomia cultural e maiores aberturas para as intervenções de outras culturas e idéias, por outro podem constituir-se em instrumento poderoso de alienação. Atualmente, presenciamos uma revolução tecnológica de grande proporção e repercussão na indústria de mídias, contribuindo para o surgimento de (re) interpretações do mundo e da realidade. Neste cenário, a utilização dos recursos midiáticos na educação e na escola é fundamental para a democratização do conhecimento. As mídias no espaço escolar têm sido ainda utilizadas como recurso didático desvinculado em sua grande maioria da reflexão pedagógica. Os/as professores/as têm dificuldades em lidar com as mídias em seu trabalho pedagógico, pois tanto a formação inicial quanto a formação continuada não têm contribuído para uma reflexão e apropriação crítica dessa arte. Em geral, a formação instituída sobre as 3 mídias na prática pedagógica está limitada à prática puramente instrucional. Ao invés de conhecer esse aparato, seu conceito, concepção e técnica, opta-se pela instrumentalização mecânica, como se para os/as professores/as não fosse importante conhecer a fundo esta nova e importante possibilidade didático-pedagógica. A prática docente nesta perspectiva torna-se uma mera reprodução ou resposta a demandas e ordens externas. Fugir ou competir com os meios de comunicação é uma postura pouco produtiva, mesmo que os/as professores/as não organizem seu trabalho pedagógico com o apoio das mídias, seus alunos/as recebem mensagens e interagem ativamente com algum tipo de mídia. Apesar de seu conhecimento ser fragmentado a esse respeito, mesmo assim estão em contato com essa nova modalidade. Ao contrário, uma grande parcela dos/as professores/as não tem acesso à tecnologia quanto mais a sua compreensão como uma importante ferramenta didática. Giroux (1995, p.101) defende a necessidade de “transformação do papel do professor: do papel de um técnico supostamente objetivo, para o papel de um intelectual público, comprometido”. Quando o docente se compromete com sua própria formação, ao ponto de contribuir com ela, passa da figura de cumpridor de tarefas para a de um possível pesquisador de sua prática. Para as pesquisadoras Orofino (2005) e Fischer (2006) da mídia-educação a esperança é a educação escolar. Para elas é no espaço da escola que o processo de formação se consolida, permitindo a compreensão dos meios de comunicação e o seu uso em benefício da sociedade, com a consciência de não deixar que esses veículos alienem seus usuários. As investigações desenvolvidas no campo da mídia aliadas a pedagogia têm contribuído para o seu entendimento como possibilidade de reorganização do trabalho pedagógico. Algumas iniciativas práticas já estão presentes no cotidiano escolar, mas ainda discretamente. A formação dos/as professores/as precisa estar mediada por um currículo crítico, onde os cursos forneçam meios de abordagens em uma multiplicidade de contextos diversos, onde questões concernentes a identidade, diversidade, trabalho responsabilidade social se interconectam. e Simon (1995) alerta que entender a tecnologia como uma oposição a arte, por exemplo, significa reduzi-la a uma questão de instrumento apenas. Assim, a arte e a tecnologia partilham dos mesmos objetivos desde que entendidas como formas de prática, onde necessariamente carecem de conhecimento e de materialidade. Nesse panorama, as escolas, enquanto espaços legítimos e históricos de contestação e articulação, não podem ser reduzidas a reflexos 4 de decisões tomadas à margem de sua identidade, principalmente em relação à formação continuada. O estudo das mídias no campo da educação precisa ser intensificado num estreitamento do diálogo entre a cultura escolar e a cultura midiática. Assim, incluída no currículo escolar, as crianças e jovens podem ter uma compreensão menos superficial de sua época, da influência midiática no jogo democrático e no discurso ideológico e no consumo. Algumas questões precisam ser problematizadas pelos/as professores/as em relação à formação dos/as jovens diante de um mundo cambiante e de intensa interlocução pela via da tecnologia digital. As pesquisas no Brasil sobre mídia e escola têm sido ampliadas e isso tem contribuído para dar visibilidade a esse novo campo de estudos, principalmente nos cursos de formação de professores/as. Em relação à contribuição das mídias na organização do trabalho pedagógico docente, é preciso ousar uma ação que é políticopedagógica e não se coaduna com propostas mecânicas, onde o hardware é o núcleo da formação. Freire (1982) propõe a pesquisa como parte da didática educacional das escolas, para que seja possível uma prática diferenciada de estudo, tendo como princípio a emancipação do indivíduo. Segundo ele, manter a exclusão da pesquisa do universo escolar e restringir seu acesso a uma pequena parcela da academia seria negligenciar uma didática educacional que apoia a construção do conhecimento e sua democratização. Nessa leitura, o autor propõe a pesquisa com acesso franco e ilimitado desde sempre na escola, e que o professor e a professora sejam pesquisadores de sua própria prática docente. Nesse pressuposto, o estudo das mídias e seu contributo à prática pedagógica é uma possibilidade ímpar de instaurar a pesquisa aliada à contribuição da tecnologia, com vistas a problematizar o discurso unilateral do professor sobre o aluno. É fundamental à investigação sobre as possibilidades e limites da introdução na prática docente dos potenciais que a mídia pode proporcionar, para além de um simples modismo, mas como uma finalidade educativa. A discussão sobre a mídia e educação no Brasil não é um campo de investigação novo, apesar de sua inserção ainda inicial na formação dos/as professores/as. Entretanto, a tendência inicial foi a não compreensão da sua natureza como finalidade educacional, assim ficando à mercê da moda. Com isso, tendeu-se a ignorar a importância de compreender e lidar com essa arte e suas inúmeras possibilidades em “fazer análises 5 conjunturais, análises que estejam imersas em seu meio, que sejam descritivas e histórica e contextualmente específicas” (SILVA, 1995, p.20). O conhecimento da mídia vai além de simplesmente aprender a trabalhar com elas, mas tem um fundamental papel de contribuir com as mudanças necessárias que estão se avizinhando da escola, o que o autor denomina como uma “teoria da articulação” (p.20). Nesta pesquisa me propus a uma reflexão crítica das possibilidades do uso do aparato midiático no espaço escolar. Para além de uma formação treinamento, mas como possibilidade de reflexão na formação dos/as professores/as. 1.3 Perpectiva teórico-metodológica Na perspectiva teórica dos EC e da Análise do Discurso, doravante AD, considerei como corpus de análise o discurso do Programa Mídias na Educação, descrevendo-o, entremeando sua análise, inspirada nos estudos de (Foucault,1990;Orlandi,1987;2010;Pêcheux,2008), o que envolveu consideração acerca do sentido e distinção do que é discurso. Para Orlandi “as palavras refletem sentidos de discursos já realizados, imaginados ou possíveis. É desse modo que a história se faz presente na língua”(p.67). Nessa perspectiva o discurso carrega consigo uma marca indelével do social e que através de sua prática auxilia a organizar a sociedade. Importante nesta investigação foi optar por dispositivos: de análise e teórico, como forma de uma melhor organização, enquanto pesquisadora. Nesse caso, no dispositivo de análise o objetivo foi observar a circularidade do discurso pedagógico, quanto ao dispositivo teórico, utilizei-me da teoria dos EC para analisar o texto do programa. É na escola que o discurso pedagógico é construído, ela esta organizada e se institui por meio de regulamentos, normatizações e modelos que são seguidos para a concretização das ações que são propostas em seu ínterim. Entretanto, o discurso pedagógico crítico é diferente, e precisa ser, pois é eivado de outros discursos sociais, e elege como um bem simbólico, a educação que emancipa. 3. Formação de professores/as para o uso das mídias: contributo dos Estudos Culturais Veiga-Neto e Wortmann (2001), ao analisar a importância dos estudos culturais, defendem que tanto na política educacional quanto nos programas de formação é 6 preciso incluir o aporte dos estudos culturais, objetivando a formação crítica como fundamento. A possibilidade do uso das mídias na escola, pelos/as professores/as na perspectiva dos EC, pode contribuir com uma nova possibilidade de trabalho pedagógico, incluindo-os/as como participantes ativos/as. Ao adotar a perspectiva, que se contrapõe à lógica da formação treinamento, os EC pretendem que a formação seja pautada numa educação problematizadora, assim é necessário uma prática dialógica entre formadores/as e formandos/as. A grande dificuldade que ainda persiste é de que uma boa e sólida formação docente se reflita nas ações das escolas. É preciso romper com o paradigma da formação que treina peritos disciplinados. Hall (2006, p.123) expressa que em se tratando dos novos paradigmas “o que importa são as rupturas significativas, em que velhas correntes de pensamento são rompidas, velhas constelações deslocadas, e elementos novos e velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama de premissas e temas”. É preciso apropriação do pensamento como fator de orientação fundamental para compreender as condições de existência. Para ele, a importância do trabalho intelectual é a possibilidade de uma organização teórico-prática, considerada como prática genuína e legitima. Como contributo à construção da identidade do/a professor/a são decisivos programas elaborados num processo contínuo, daí a importância da formação na universidade em caráter inicial e continuada. Assim, se efetiva um processo em que o/a professore/a participa, estabelecendo o diálogo como ponto de partida e ponto de chegada. Para que essa profissionalização se configure como prática coexistente, é relevante para o exercício dessa identidade profissional, o vínculo dos/as professores/as com as instituições formadoras. Sacristán (1995) ao tratar da formação docente enuncia que “é importante repensar os programas de formação de professores, que tem uma incidência forte nos aspectos técnicos da profissão do que nas dimensões pessoais e culturais” (p.67). Para ele, o conceito de educação bem como sua qualidade tem diferentes entendimentos, dependendo dos grupos hegemônicos no poder. Os/as professores/as ao não produzirem o conhecimento que são chamados, tem prejudicado o significado de sua prática educativa. Essas reflexões provam que pouco a pouco a formação de professores/as tem se transformado numa área válida para conhecimento e para investigações, que ao oferecer soluções para os problemas encontrados ao mesmo tempo, provoca rupturas no sistema 7 hierarquizado educativo. Atualmente a formação está inserida nos discursos, sejam eles, pedagógicos ou políticos. Há os que a defendem e a compreendem, porque dela fazem parte , e até as camadas políticas utilizam-se desse substantivo para realizarem seus discursos politicamente corretos. Neste mundo em cuja informação chega de forma cada vez mais veloz, a ideia ampliada de formação precisa fortalecer a efetivação de práticas políticas nesse campo além da mera instrumentalização. A formação, na área das mídias é atualmente um instrumento potente para contribuir com a democratização do acesso às diferentes culturas, pois dialoga com as demais culturas através dos diversos aparatos midiáticos, em que já não existem distâncias aparentes. Especificamente sobre a formação para as tecnologias, Martín-Barbero (2006, p.55), pesquisador da Universidade da Colômbia, que se dedica a estudar, nos últimos vinte anos, a recepção das mídias na América Latina, argumenta que enfrentamos hoje uma submersão, uma onda crescente da concepção hegemônica que determina um “fatalismo tecnológico”. Para ele o que se pretende é manter a tensão entre as mediações históricas que dão sentido e alcance social às mídias e ao papel de mediadores que eles estão realizando hoje. Assim, é impossível o desenvolvimento do pensamento crítico. Já Canclini (2008) ao corroborar Martin-Barbero(2006) expressa que a educação formal, que se encontra mais aberta às novas revoluções culturais e tecnológicas e a incorporação de meios audiovisuais e informáticos tem oferecido só uma parte dos conhecimentos e esses, ocupam parcialmente as horas com aprendizagem. Para ele, os/as jovens têm adquirido extra-curricularmente uma formação bem mais ampla, em que conhecimento e entretenimento se combinam. Ambos os autores defendem o pensamento de que é no espaço da universidade, e também no espaço social, que se devem conhecer as novas linguagens e habilidades especificas das tecnologias, pois é outro discurso. Essa postura crítica, auxiliaria a discernir o valor da informação e do espetáculo, contributo inalienável para a conectividade aliada ao pensamento crítico. Em relação aos/as professores/as, Canclini (2008, p.33) assevera que os/as mesmos/as “continuam falando de um divórcio ou curto circuito entre, de um lado, a escola e leitura e do outro, o mundo da televisão, do cinema e outros passatempos audiovisuais”. Considero com os autores, tratar-se de uma visão antagônica entre a escola e a mídia, que vem sendo amplamente problematizada por pesquisadores/as dos estudos da 8 cultura e da comunicação. Para Kenski (2008) a contradição se apresenta no âmago das instituições educativas, as quais sentem dificuldade para incorporar as inovações e avanços nos conhecimentos que ela mesma produz, tornando-os públicos sua oferta à sociedade, o que significa contribuir com a transformação. Para ela “as constantes mudanças não se apresentam como ameaças, mas como oportunidades para a integração, o diálogo, a interconexão entre as mais diversas iniciativas educacionais, no sentido de convergência de pessoas e conhecimentos” (p.662). O desafio ao qual a escola não pode se isentar, lembrando Orofino (2005) e Kenski (2008) é abrir-se para as novas aprendizagens, num mundo em que a grande revolução é de cunho cultural, onde os deslocamentos estão mudando o modo de ver e estar no mundo. Mas, não é somente o aprender para ensinar, é para, além disso, os/as professores/as desafiarem as crianças e jovens a comprometerem-se com a comunidade local e contextual a que pertencem e onde atuam. Ainda, há que se estabelecer a defesa de oportunidade de acesso a todos os recursos simbólicos e intelectuais e efetivamente materiais que as mídias oferecem atualmente à humanidade. O sentido da relação entre educação e comunicação vai além de novas oportunidades de conhecer, mas estabelece, ou ao menos, intenta estabelecer uma estreita interconexão destas com a vida cotidiana. Assim, o processo de ensino e de aprendizagem, no caso das mídias, é amplo, pois leva em conta o contexto social onde a escola está inserida, para além de uma simples ordenação de conteúdos e estratégias, trancafiados em um currículo descontextualizado e sem movimento. Entendo que a exigência que se faz hoje para a tessitura de uma nova dinâmica escolar vem de encontro à necessidade de uma formação de professores/as inicial e continuada, e de práticas eivadas de significação e de vida. Uma formação que vislumbre a mudança cultural à qual estão inseridos, favorecendo a aprendizagem e reciprocidade solidária entre os que compõem a escola. Definir o papel da escola na atual sociedade tornou-se uma tarefa complexa, porque cada vez mais há consciência de sua necessidade, entendendo que não é hoje, o único espaço formativo, entretanto em se tratando de educação formal é no campo da escola que está institucionalizada. Na atual sociedade a prática inerente é de uma constante ressignificação de suas instituições, e isso consequentemente tem alterado o olhar para a escola, a partir dessas redefinições. Ainda mais, com o advento das novas tecnologias de informação e comunicação, em seu espaço, mesmo que ainda não 9 devidamente materializadas, não há como negar sua inserção, num processo dinâmico de recondução das práticas educativas. Thompson (2011) propõe, e sua tese versa nesse sentido, que a grande mudança está se dando na maneira como as pessoas estão se relacionando, uns com os outros e com eles próprios. Ele argumenta que os indivíduos atualmente estão usando os meios de comunicação e se envolvendo em novas formas de ação e interação que diferem das formas conhecidas, do tipo face a face. E isso, exige um redimensionamento do pensamento, porque “estão não só intercambiando informação ou consumindo um produto (embora também possam estar fazendo isso); estão também participando de formas de interação que tem propriedades bastante específicas” ( p.9). Neste cenário alentador e, ao mesmo tempo, desafiador, a escola como instituição formadora, e os/as professores/as como partícipes e responsáveis por essa formação, articuladamente, têm um grande trabalho e desafio em efetivar a mídia na sua prática e a da escola, sobretudo em compreender que juntamente a evolução midiática está-se presenciando o desenvolvimento de uma revolução cultural. É fundamental, e a minha pesquisa versa nesse sentido de que as mídias sejam compreendidas pelos/as professores/as, não como o assumir ingênuo de um aparato, como uma panacéia. Mas, para uma assunção crítica e reflexiva de suas práticas, para estudarem o fenômeno midiático e sua contribuição para um currículo mais orgânico e interdisciplinar em que as disciplinas dialoguem entre si. É importante estudar a mídia para conhecer o seu poder, a fim de através do debate em sala de aula e em sociedade, contribuir para sua democratização. Os estudos culturais interdisciplinares teorizam a complexidade e as contradições dos múltiplos efeitos de uma ampla variedade de formas de mídia, de cultura, e comunicações, demonstrando como essas produções servem de instrumento de dominação, mas também oferecem instrumentos para a resistência e a mudança. Os contornos dessa nova sociedade não estão claros e estão ocorrendo conflitos intensos entre as forças conservadoras que precisam manter a ordem social estabelecida e as forças que desejam uma transformação. Nesse sentido, o campo midiático é particularmente importante, para o convencimento das massas. E, muito mais importante para o campo da educação, que deve encampar a perspectiva crítica e propositiva, subjacente aos estudos culturais. Escosteguy (2010) ao elaborar uma cartografia dos estudos culturais, aponta a forte característica desse campo teórico com a importância dada ao contexto, à 10 atenção, à especificidade e as particularidades devidamente articuladas a uma conjuntura histórica e social, produzindo o que se pode chamar de teoria engajada com as diferenças sociais. Os estudos culturais propõem um olhar interdisciplinar, para o desvelamento das intersecções entre as práticas sociais e as formas de práticas culturais. Está-se presenciando nos estudos culturais latino-americanos um aumento crescente da temática das identidades, até mesmo pela condição identitária com uma forte marca de exclusão. Pretto (2008) reflete sobre a formação docente pautada no viés instrumental, que mais fala do como fazer, fortalecendo o receituário. “Nessa lógica há um tempo de receber e um tempo de devolver” (p.35). Os/as professores/as formadores devem contribuir com uma nova prática de formação quando se propõem a atuar como problematizadores e não como donos/as de um saber a ser repassado, muitas vezes de forma mecânica. Podem ainda, corroborando os autores, levar para as escolas propostas e projetos que advêm de suas pesquisas, mas, isso não significa que respondam as questões dos/as professores/as no exercício da docência nas classes de Educação Básica. Uma boa saída é ouvi-los, com o estabelecimento de metas antecipadas, respeitando sua experiência na docência, estabelecendo uma espécie de formação interativa, ainda mais, num mundo cada vez mais conectado e plural. Em se tratando de educação não se tem mais como ignorar as mudanças que a revolução tecnológica e midiática vem trazendo, é crucial o debate e o desvelamento da importância central da mídia em cada cultura, nessa nova sociedade no limiar deste novo milênio. Para Silverstone (2002,p.09), é um momento de “abertura, em vez de fechamento”. Segundo ele, essa dificuldade em compreender o mundo em que se vive tem levado a reclamar constantemente da mídia, como uma expressão de repudio, que contraria a concepção de prática humanista. Para essa leitura mais profunda da mídia, é necessária e urgente uma investigação das várias maneiras como a mídia atravessa a nossa vida cotidiana, social e cultural. É preciso reconhecer em Silverstone a defesa do estudo da mídia e de sua concepção, como sentido para apreender seu significado, indispensável hoje para a vida. Entendida como um processo empírico que tem uma fundamental contribuição com a humanidade revelaria um senso de pertencimento, encorajaria ao envolvimento, bem como a participação e o engajamento. Os/as professores/as estão envolvidos com e na mídia todo o tempo de suas vidas, aprendem a realizar desde o básico até o mais complexo e isso obviamente faz 11 com que tenham que confiar em seus aparatos virtuais. Não há mais como, no campo educacional menosprezar a contribuição desse poderoso aparato, que pode auxiliar na organização do trabalho pedagógico escolar. Hoje a mídia está de toda forma entranhada profundamente no tecido social, tanto orientando como desorientando seu entendimento, é impossível ficar alheio a essas novas possibilidades e redefinições. Nessa perspectiva estudei o programa de formação para as mídias, parafraseando Silverstone (2002) para compreender o seu poder, para entender o quão a mídia é poderosa na vida cotidiana, e estruturante na experiência docente, tanto em sua superfície quanto em seu âmago. “E queremos utilizar esse poder para o bem, e não para o mal” (p. 264). A adversidade desse quadro conjuntural em que se encontra a classe docente, no qual as mídias tanto tendem a acomodar as contradições quanto deixá-las passar pelas fissuras mínimas, mas importantes, acentua-se mais quando articulado aos ditames do mercado e da lógica de mercantilização da educação, seja em qualquer um dos níveis. Considerações: Os contornos dessa nova sociedade não estão claros e estão ocorrendo conflitos intensos entre as forças conservadoras que precisam manter a ordem social estabelecida e as forças que desejam uma transformação. Nesse sentido, o campo midiático é particularmente importante, para a perpetuação de grupos hegemônicos no poder. Os/as docentes têm ampla co-responsabilidade em formar jovens críticos/as e capazes de estabelecer interlocução com essa mídia. Urge usar a mídia a favor da educação, dos/as professores/as e consequentemente da escola. Esse contexto pode ser particularmente potencializador das práticas de formação para o uso das mídias na ação docente escolar. Os/as professores/as precisam sentir-se seguros de tal modo que se mostrem receptíveis a essa nova possibilidade de formação. O Brasil tem uma extensa região geográfica, comparada a outros países. Isso é claro, tem sido um fator de dificuldade para as práticas institucionais de formação, aliado a outros condicionantes, tais como dificuldade de acesso a regiões distantes, e acesso aos instrumentos de qualidade, bem como uma formação que tem inicio e não tem fim, porque é parte da vida. É preciso e urgente pensar em novas possibilidades de acesso a programas que formem 12 professores/as para o uso das tecnologias e suas mídias como possibilidade de democratização desses veículos. Os/as professores/as envolvidos na educação midiática precisam saber como funciona, para saber ler e compreender o que ela propaga. Assim, o grande projeto educativo é apreender o seu significado e sua concepção como processo em constante mudança, e ainda, democratizá-lo no espaço da escola. As mídias ensinam, é preciso apropriar-se de sua concepção e fundamento como possibilidade de crítica e democracia. Tanto no Brasil quanto em Portugal a discussão premente é e precisa ser, sobre as mídias como um contributo pedagógico. Isso indica que é necessária a participação efetiva dos/as professores no sentido de desmistificar a ideia da tecnologia como uma panacéia, que passa ao largo de uma concepção pedagógica que tenha repercussão na escola e na vida. REFERÊNCIAS CANCLINI, Néstor García. 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