32 | MUNDO | PÚBLICO, DOM 22 MAR 2015
Petição da Amnistia pede retirada
de acusações contra Rafael Marques
Julgamento do activista angolano por denúncias feitas no livro Diamantes de Sangue tem início marcado
para terça-feira. Campanha foi lançada em Portugal, Estados Unidos e no Brasil
Angola
João Manuel Rocha
A Amnistia Internacional lançou
uma campanha para tentar que sejam retiradas as acusações contra o
jornalista e activista angolano Rafael Marques, que na terça-feira deve
começar a ser julgado em Luanda,
acusado de denúncia caluniosa,
por ter revelado alegados abusos
sistemáticos dos direitos humanos
na região diamantífera da LundaNorte.
Rafael Marques é acusado por sete generais angolanos, entre eles o
ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente da
República, Manuel Hélder Vieira
Dias Júnior “Kopelipa”, e por duas
empresas diamantíferas: a Sociedade Mineira do Cuango e a ITMMining.
A petição, disponível para subscrição no site da Amnistia Internacional
Portugal, tem como destinatários o
primeiro-ministro português, Passos
Coelho, e o ministro dos Negócios
Estrangeiros, Rui Machete. É-lhes
pedido que “encorajem” o Governo
de Angola a retirar as acusações. A
organização de defesa dos direitos
humanos considera que Rafael Marques “está a ser alvo de perseguição
por exercer o seu direito à liberdade
de expressão protegido pelo direito
internacional”. A acção é concertada com a Amnistia nos Estados
Unidos —onde petição idêntica será enviada ao secretário de Estado,
John Kerry — e no Brasil.
Paralelamente, a Amnistia divulgou uma carta aberta em que três
dezenas de organizações manifestam preocupação com a possibilidade de o activista “não ter um
julgamento justo”. Publicada hoje
no PÚBLICO (ver página 59), tem
entre os signatários responsáveis
de ramos nacionais da Amnistia
e de organizações como a Transparency International, o Comité
para a Protecção dos Jornalistas, o
Centro Robert F. Kennedy para a
Justiça e Direitos Humanos, a União
dos Advogados Pan-Africanos ou
a organização não governamental
angolana Omunga.
Rafael Marques, que tem sistematicamente denunciado casos de
alegada corrupção e injustiça social
no seu país — em 1999 esteve 40 dias
na cadeia sem acusação formulada — incorre em pena de prisão e
numa penalização monetária. É alvo de nove acusações de denúncia
caluniosa por acusações feitas no
livro Diamantes de Sangue: Tortura
e Corrupção em Angola, publicado
em Portugal em 2011.
No livro são relatados inúmeros
casos de tortura e homicídio que teriam sido cometidos nos municípios
do Cuango e Xá-Muteba. Testemunhos recolhidos pelo autor indicam
que os actos foram da responsabilidade de guardas da empresa privada
de segurança Teleservice, ao serviço
da Sociedade Mineira do Cuango, e
de militares das Forças Armadas.
Após o lançamento, em Setembro
de 2011, o autor apresentou na Procuradoria-Geral da República de Angola uma queixa, na qual pedia uma
investigação à alegada participação
moral dos generais nos abusos denunciados, enquanto proprietários
da Teleservice e sócios da Sociedade
Mineira. Reclamava também justiça
para as vítimas. A queixa acabaria
por ser arquivada.
Em Novembro de 2012, sete generais e a sociedade mineira apresentaram em Portugal uma queixacrime contra o jornalista e a editora
DANIEL ROCHA
Rafael Marques começa a ser julgado em Luanda esta terça-feira, acusado de denúncia caluniosa
portuguesa Tinta da China, que veio
a ser arquivada por falta de indícios
incriminatórios. A procuradoria
portuguesa considerou que a publicação do livro se enquadrava no
direito da liberdade de informação
e de expressão.
Em Abril do ano seguinte, os generais angolanos e as duas empresas diamantíferas recorreram aos
tribunais angolanos. A acusação foi
formulada em 2014. O julgamento
agora marcado para terça-feira teve
início previsto para o passado mês
de Dezembro, mas foi adiado.
“Os queixosos neste processo
são grandes accionistas de empresas diamantíferas, e as empresas de
segurança privada sob sua alçada
levaram a cabo muitas das violações
que denuncio”, disse Rafael Marques, na passada quarta-feira, em
Londres, no discurso de aceitação
do prémio que lhe foi atribuído pelo Index on Censorship, organização
de defesa e promoção da liberdade
de expressão. O activista angolano
foi um dos distinguidos com os Freedom of Expression Awards, na categoria de jornalismo, juntamente
com a saudita Safa Al Ahmad. O júri
entendeu que “está a fazer um trabalho importante, num ambiente
bastante difícil”.
O Observatório para a Protecção
dos Defensores dos Direitos Humanos — programa conjunto da Federação Internacional das Ligas dos
Direitos do Homem e da Organização Mundial contra a Tortura —, que
na quinta-feira divulgou um relatório em que denuncia um aumento
de pressão sobre os activistas de
direitos humanos e jornalistas em
Angola, também está preocupado.
“Rafael Marques estava já na mira
das autoridades há vários anos. Este julgamento é apenas mais uma
demonstração da determinação do
regime em colocar obstáculos à sua
liberdade de expressão”, disse.
O apelo feito às autoridades de
Luanda pelo observatório e pela
Associação Justiça Paz e Democracia, uma organização angolana, é
o mesmo que consta da petição
da Amnistia: retirem as acusações
contra o activista angolano. “As irregularidades processuais verificadas
desde a acusação de Rafael Marques
em Janeiro de 2013 mostram claramente que não terá um julgamento
justo.”
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Petição da Amnistia pede retirada de acusações contra Rafael