Pediatria (São Paulo) 2011;33(3):158-61
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Artigo original
Epidemiologia da mortalidade infantil no extremo
Sul do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, 2009
Epidemiology of infant mortality in the southern state of Rio
Grande do Sul, Brazil, 2009
José Aparecido Granzotto¹, Seli Winke², Beatriz Helena da Silva Pinho³, Amilcare Ângelo Vecchi¹,
Maria Coralia Pauletto¹, Tanira Pires Barros¹, Silvia Stringari Fonseca¹
Médico Pediatra do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas.
1
Enfermeira da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul. Comitê de Mortalidade Perinatal.
2
Farmacêutica da Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul. Comitê de Mortalidade Perinatal.
3
Resumo
Descritores: Epidemiologia. Mortalidade Infan-
til. Criança.
Objetivos: Diagnosticar as principais variá-
veis envolvidas na mortalidade infantil com ênfase no peso de nascimento, idade gestacional,
idade do óbito e principais causas associadas à
mortalidade. Método: Foram incluídas no estudo todas as crianças nascidas nos 22 municípios
que compõem a 3ª Coordenadoria Regional de
Saúde do Rio Grande do Sul (3ª CRS-RS) no ano
de 2009. A coleta de dados foi feita por meio das
informações enviadas mensalmente por correio
eletrônico pelos municípios para a 3ª CRS-RS.
Utilizou-se ficha padronizada pela Secretaria de
Saúde do Rio Grande do Sul. Os dados foram
registrados no programa Excel 2007. Resultados: Nasceram na região da 3ª CRS-RS 10.210
bebês no ano de 2009 e foram registrados 151
óbitos de crianças antes de completar um ano
de vida (coeficiente de mortalidade infantil de
14,8 por 1.000). Destas, 112 (74,1%) faleceram
antes de completar um mês de vida (coeficiente de mortalidade neonatal de 11 por 1.000).
Em relação ao peso de nascimento, 50,3% das
crianças que foram a óbito apresentavam menos
de 2.500 g ao nascer. As principais causas de
morte foram problemas relacionados ao aparelho respiratório do recém-nascido. Conclusão:
A maioria dos óbitos infantis está relacionada
ao baixo peso ao nascer e é mais frequente no
período neonatal.
Abstract
Objectives: To diagnose the main variables in-
volved in child mortality with emphasis on birth
weight, gestational age, age of death and major
causes associated with mortality. Method: The
study included all children born in the 22 municipalities that make up the 3rd Regional Health of
Rio Grande do Sul (3rd CRS-RS) in 2009. Data
collection was done through information sent
monthly via email by municipalities for the 3rd
CRS-RS. The data collection was putted in practice
standardized form used by the Health Department
of Rio Grande do Sul and the data were entered
on computer using Excel 2007. Results: They were
born in the region of the 3rd CRS-RS 10,210 children in 2009 with 151 deaths before one year of
life (infant mortality rate of 14.8 per thousand).
Of these, 112 (74.1%) died before completing one
month of life (neonatal mortality rate 11 per thousand). In relation to birth weight, 50.3% of children
who died had lower birth weight of 2,500 grams.
The leading causes of death were respiratory problems related to the newborn. Conclusion: The majority of infant deaths is related to low birthweight
and is more frequent in the neonatal period.
Keywords: Epidemiology. Infant Mortality. Child.
Epidemiologia da Mortalidade Infantil
Introdução
O índice de mortalidade infantil tem sido utilizado como parâmetro para avaliar o nível de
desenvolvimento de um país ou uma região. Os
países com nível socioeconômico mais baixo são
os que apresentam índice de mortalidade infantil mais alto. Portanto, o controle da mortalidade
infantil é de fundamental importância quando
se pretende atingir níveis de desenvolvimento
comparáveis aos de países mais desenvolvidos1.
Nas últimas três décadas, a mortalidade infantil
tem diminuído, inclusive no Brasil. Os países
que apresentam as menores cifras de mortalidade infantil atualmente são a Suécia, San Marino,
Islândia, Cingapura, Luxemburgo, Andorra e Liechtenstein, todos com 3 mortes para cada 1.000
crianças que nascem vivas2. Já os destinos com
maior índice são Serra Leoa (262 óbitos/1.000
nascidos vivos), Afeganistão (257/1.000) e Chade (209/1.000). O Brasil ocupa o 107º lugar na
classificação da mortalidade infantil, com a proporção 23,3/1.0003, registrando taxa mais alta
que a maioria de seus vizinhos da América do
Sul, como Peru e Colômbia, e posicionando-se
melhor apenas em relação ao Paraguai e Bolívia.
O Chile é o país latino-americano com menor
taxa (9/1.000)4,5.
A mortalidade infantil no Brasil apresenta variações regionais importantes. Enquanto no Nordeste as cifras médias atingem 34,4 mortes por
1.000 nascidos vivos, a região Sul apresenta índice
de 15,6/1.000. Alagoas é o estado com maior índice de mortalidade infantil (48,2/1.000), e o Rio
Grande do Sul apresenta o menor (13,1/1.000),
seguido por São Paulo (15/1.000) e Santa Catarina (15,5/1.000)6,7.
Nos últimos anos, a mortalidade infantil tem
apresentado decréscimo significativo em todas
as regiões graças ao emprego de tecnologias de
baixo custo e fácil execução, como a hidratação
oral, a vacinação e o incentivo ao aleitamento
materno8-10. No Brasil, especialmente na região
Sul, a diminuição ocorreu predominantemente
em crianças com mais de um mês de vida, ou
seja, fora do período neonatal. A mortalidade
neonatal (no primeiro mês de vida) permanece
praticamente estável e exerce papel importante
no conjunto da mortalidade infantil, visto que
é responsável por quase dois terços dos óbitos
ocorridos no primeiro ano de vida. No Rio Grande do Sul, em 2009, foi apresentado o menor
coeficiente de todos os tempos (11,7/1.000)7.
Apesar disso, ainda existe grande variabilidade
entre suas diversas áreas.
A 3ª Coordenadoria de Saúde do Rio Grande do Sul (3ª CRS-RS) engloba 22 municípios
da região Sul do estado, com total de nascimentos ao redor de 10 mil por ano. O coeficiente de
mortalidade infantil nesta região sofreu pequeno
decréscimo principalmente em 2007, quando
atingiu coeficiente de 12,1/1.000 e mortalidade
neonatal de 7,9/1.000. Os índices mantiveram-se
quase constantes, sendo 17,5/1.000 em 2005 e
diminuindo para 14,8/1.000 quatro anos depois.
Mesmo com este decréscimo, permanece maior
que a média do estado, que foi 11,7/1.000 A mortalidade neonatal nesta região atingiu 11,9/1.000
em 2005 e 9,2/1.000 em 200911.
A diminuição da mortalidade infantil e também
neonatal ocorrida em 2007 foi um evento isolado,
de difícil compreensão, visto que as tecnologias
aplicadas naquele ano foram as mesmas empregadas nos anteriores e posteriores. Especula-se que,
por apresentar coeficiente elevado no ano 2005
(17,5/1.000), serviu de alerta ao sistema de saúde
local e regional, envolvendo toda a comunidade
(médicos, enfermeiros, serviços de apoio, administradores, entre outros), e contribuindo para a
queda momentânea. No ano seguinte (2006) houve incremento tanto da mortalidade infantil total
quanto do componente neonatal (15,9/1.000 e
10,8/1.000, respectivamente).
Conhecer as características perinatais envolvendo esses nascimentos e óbitos pode servir de
instrumento para a implantação de programas visando diminuir a mortalidade neonatal e infantil
nesta região e contribuindo para o alcance de índices de mortalidade de um dígito (menor de
10/1.000), como a maioria de nossos vizinhos.
O objetivo deste trabalho é relacionar a mortalidade neonatal com as principais variáveis perinatais, entre elas peso ao nascer, idade gestacional, local de nascimento e de óbito, idade do
óbito e principais patologias relacionadas direta
ou indiretamente ao óbito.
Métodos
Foram analisados retrospectivamente todos os
óbitos neonatais ocorridos na região no ano de
2009 por meio de dados recebidos pela 3ª CRSRS enviados pelas secretarias municipais dos 22
municípios que a compõem.
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Resultados
Nasceram na 3ª CRS-RS 10.210 crianças, sendo registrados 151 óbitos antes dos bebês completarem um ano de vida (coeficiente de mortalidade
infantil de 14,8/1.000). Destes, 112 (74,1%) faleceram antes de completar um mês de vida (coeficiente de mortalidade neonatal de 11/1.000). Em
relação ao peso de nascimento, 50,3% dos falecidos tinha menos que 2.500 g. Outros resultados
são apresentados nas Tabelas 1 a 4.
Discussão
Ainda que o Rio Grande do Sul apresente os
menores índices de mortalidade infantil em relação aos demais estados brasileiros, não podemos
deixar de nos preocupar quando comparamos
com países vizinhos como o Uruguai e Argentina, onde os índices de mortalidade infantil são
menores2-6. Apesar da grande maioria dos nascimentos da região ocorrer em nível hospitalar, a
mortalidade infantil, e especialmente a neonatal,
continua em níveis elevados levando-se em consideração o nível de desenvolvimento regional. A
localidade compreendida pela 3ª Coordenadoria
de Saúde é composta por 22 municípios, com população aproximada de 1 milhão de habitantes,
cuja renda per capita gira em torno de R$ 13.208
por ano. A área conta com três grandes universidades, três faculdades de medicina e três hospitais universitários, nos quais funcionam três
unidades de terapia intensiva neonatal, com disponibilidade total de 26 leitos.
O nascimento de prematuros tem apresentado aumento nos últimos anos, paralelamente ao
incremento no número de cesarianas. Na grande
maioria são prematuros tardios entre, 34 e 36 semanas e 6 dias12,13. Isso é atribuído a vários fatores,
entre eles a dificuldade em diagnosticar com precisão a idade gestacional e consequentemente a retirada do feto antes da maturação total. Inúmeros
trabalhos relatam que a mortalidade neonatal neste
grupo é maior que em recém-nascidos a termo14-18.
Se levarmos em consideração que os índices de
prematuridade e de baixo peso ao nascer são altos
na região, e que a mortalidade nestes dois grupos é
maior que nos recém-nascidos normais, podemos
especular que ao controlarmos os dois fatores diretamente associados à mortalidade infantil é possível obter êxito em nosso objetivo de diminuir a
mortalidade neonatal e a mortalidade infantil.
Tabela 1 – Número de nascimentos e óbitos,
coeficiente de mortalidade infantil, neonatal
precoce, neonatal tardio e pós-neonatal
Total de nascimentos: 10.210
Total de óbitos: 153
Coeficiente de mortalidade infantil: 14,98
Coeficiente de mortalidade neonatal precoce (<8 dias): 6,7
Coeficiente de mortalidade neonatal tardio (8–30dias): 4,3
Coeficiente de mortalidade neonatal: 11,0
Coeficiente de mortalidade pós-neonatal: 3,99
Dados coletados pela 3ª CRS-RS em 2009.
Tabela 2 – Distribuição dos recém-nascidos falecidos
de acordo com o peso de nascimento (gramas)
n
%
36
<1.000
1.000–1.499
24
1.500–1.999
12
2.000–2.499
5
2.500–2.999
39
≥3.000
37
BPN (<2.500 g) = 77/153 (50,5%)
MBPN (<1.500 g) = 60/153 (39,2%)
ExtBPN (<1.000 g) = 36/153 (23,5%)
23,5
15,7
7,8
3,3
25,4
24,1
*BPN: baixo peso ao nascer; MBPN: muito baixo peso
ao nascer; ExtBPN: extremo baixo peso ao nascer.
**Dados coletados pela 3ª CRS-RS em 2009 (n=153).
Tabela 3 – Mortalidade em relação à idade do óbito
Número
Idade
%
de óbitos
<7 dias
8–30 dias
30 dias–6 meses
6–12 meses
69
44
31
9
45
29
20
6
*Dados coletados pela 3ª CRS-RS em 2009 (n=153).
Tabela 4 – Causas relacionadas e/o responsáveis
pela mortalidade
Distúrbio Respiratório
Septicemia neonatal
Prematuro extremo
Malformações
Prematuro
Anóxia perinatal
Aspiração de leite em domicílio
Morte súbita
Desconhecida
Sem assistência
Eritroblastose fetal
Pneumonia
44
35
30
23
22
18
17
8
6
3
1
1
*Dados coletados pela 3ª CRS-RS em 2009 (n=153).
**Soma>153 devido às patologias concomitantes.
Epidemiologia da Mortalidade Infantil
Conclusão
Na mortalidade infantil na região Sul do Rio
Grande do Sul predomina o componente neonatal, sendo que 45% falecem na primeira semana
(neonatal precoce). Mais da metade dos óbitos
ocorre em recém-nascidos com menos de 2.500
gramas, portanto, recém-nascidos com baixo
peso ao nascer.
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Endereço para correspondência:
José Aparecido Granzotto
Rua Professor Araújo, 433
Pelotas – RS – Brasil – CEP: 96020-360
E-mail: [email protected]
Submissão: 07/01/2011
Aceito para publicação: 21/07/2011
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