Projeto de pesquisa
De Hipólito a Evaristo: imprensa, circulação de idéias e ação política no
Primeiro Reinado
Isabel Lustosa
O tema:
A importância da atuação na imprensa para a trajetória dos dois personagens
que abrem e fecham o Primeiro Reinado como os jornalistas mais influentes de suas
gerações: Hipólito da Costa e Evaristo da Veiga, demonstra a força que a palavra
impressa e seus emissores tiveram naquele contexto. Demonstra também a forma
como a atividade jornalística acabou por definir a identidade e o lugar que ambos
ocupariam no mundo.
Exemplar dessa importância é o fato de que ambos não chegaram a ter o
mesmo relevo nas outras atividades a que se dedicaram. Fora da imprensa, a ação de
Hipólito é praticamente clandestina, nunca tendo ocupado nenhum cargo relevante,
limitando-se a missões pontuais como emissário do Ministério Andrada já no final de
sua atividade jornalística (1822) que foi sucedido por sua morte no ano seguinte. No
entanto, o indiscutível papel de seu jornal para a difusão da idéias e práticas liberais
entre os brasileiros fica evidente pela inúmeras referencias ao Correio Braziliense
constantes em publicações que surgiram a partir de 1821 e das menções favoráveis e
desfavoráveis ao jornalista quando de sua participação no debate sobre o projeto
constitucional que se discutia no Brasil em 1822.
Naturalmente que, de maneira mais difícil de detectar, é a recepção das idéias
políticas divulgadas pelo Correio, especialmente das reflexões de seu editor. Nas
considerações que produzia a cada número, Hipólito apresentava as críticas ao
governo e à administração joaninas bem como propostas que considerava úteis para o
melhor encaminhamento do processo. Quero crer, que essa mesma atitude, inspirada
no ambiente inglês de franca liberdade de imprensa em que vivia Hipólito, contribuiu
para estimular no Brasil uma atitude política liberal mais positiva e que ganharia
impulso, especialmente no Rio de Janeiro, durante as agitações que marcaram os anos
de 1821, 1822 e 1823. Hipólito, através de sua militância jornalística foi ator
importante na formação de uma cultura política, inclusive com a identificação dos
diversos campos em que se dividiam os ideais políticos.
Se Hipólito viveu quase a vida toda fora do Brasil pode-se dizer de Evaristo
que ele é o maior representante de uma classe média emergente que se formara na
Corte, nas fimbrias do grande crescimento que o Rio de Janeiro e todo o Centro Sul
do Brasil, experimentara a partir da chegada da Corte Portuguesa. Homem do
comércio, estabelecido em um ramo muito especializado, o das livrarias, Evaristo
formou sua mentalidade a partir dos livros mas também da leitura de jornais ingleses
e franceses. Evaristo, como os jornalistas espontâneos que brotaram na cena da
Independência, era um brasileiro ilustrado que se sentia pertencente aquele mundo da
ilustração, o mundo das idéias que impulsionara as mudanças na Europa e no Novo
Mundo.
À cultura do autodidata somou-se o talento natural para o jornalismo, para a
argumentação e para a polêmica. Qualidades que contribuíram para fazer de Evaristo
a maior personalidade da imprensa brasileira da segunda metade do Primeiro
Reinado. Sua eleição para o Parlamento, deveu-se a esse prestigio e ali, como
demonstração prática de que o jornalista superava o deputado, teve atuação foi bem
menos vigorosa. O apogeu de sua trajetória como jornalista foi mesmo a campanha
que resultou na Abdicação de D. Pedro I no 7 de abril de 1831. A partir daí viverá as
contradições que viveriam liberais como eles, agora em confronto com os exaltados
aos quais tinham se aliado no auge da disposta de 1831. Enfrentaria também uma
força nova que, impulsionada pela virada conservadora de seu antigo aliado, Bernardo
Pereira de Vasconcelos, que de liberal passara a inspirador do chamado Regresso.
Durante o processo da Independência, desde as agitações que marcaram os
primeiros meses da regência de D. Pedro (abril de 1821) até a dissolução da
Assembléia Constituinte (novembro de 1823), o Brasil viu surgir uma miríade de
jornalistas. Associados ora ao grupo de José Bonifácio de Andrada, ora ao de Joaquim
Gonçalves Ledo; radicais alguns que, aliás, seriam logo calados; independentes
outros, como Luis Augusto May, tantas vezes espancado; sempre fiéis ao trono e ao
altar como Jose da Silva Lisboa; padres, comerciantes e aventureiros estrangeiros,
maçons e carbonários, atuaram na imprensa da Independência. No entanto, pode-se
dizer que houve um hiato se abre entre a dissolução da Constituinte, em novembro de
1823, até a retomada dos trabalhos legislativos em maio de 1826, quando a imprensa
ficou reduzida a poucos jornais, em virtude da repressão que se seguira à dissolução
da Constituinte no final de 1823 e à Confederação do Equador, em 1824.
A inauguração dos trabalhos parlamentares marcaria o renascimento da
imprensa liberal. Em 1826, surgiu a “Astréa”; em dezembro do ano seguinte, a
“Aurora Fluminense” e, em 1828, a “Nova Luz Brasileira”. Em 1829, apareceriam o
“Republico” e o “Tribuno” e em 1830, viria juntar-se a eles o “Voz da Liberdade”,
publicada pelo Major Miguel Frias e Vasconcelos. Todos esses jornais teriam intensa
atuação na verdadeira campanha feita no sentido de associar as práticas políticas de d.
Pedro I às do rei da França, Carlos X, antevendo as mesmas conseqüências para o
futuro do Imperador do Brasil, caso não mudasse de atitude. Mas a liderança maior, o
autor dos argumentos mais contundentes contra o autoritarismo de d. Pedro, foi
mesmo Evaristo da Veiga.
Objetivo:
Esta pesquisa dá continuidade a pesquisas anteriores da autora sobre Hipólito
da Costa e sobre a Imprensa da Independência, bem como estudo mais recente ainda
inédito sobre o papel da imprensa brasileira em seu bem sucedido ativismo no sentido
de associar d. Pedro I a Carlos X, logo depois que chegaram no Rio as notícias da
Revolução de Julho de 1830, na França. O projeto tem por objetivo central estudar a
imprensa do Primeiro Reinado como um ambiente de circulação de idéias e de
práticas políticas que propiciaram a emergência de atores decisivos para os rumos que
a organização do Estado deviria seguir. Toma como fio condutor a atuação dos dois
grandes jornalistas e os debates que travaram com os contemporâneos em torno dos
destinos do Brasil. Centrada nas trajetórias de Hipólito da Costa e de Evaristo da
Veiga, a pesquisa, no entanto, enfrentará também o material relativo a seus parceiros
e antagonistas para melhor estabelecer os termos e a essência dos debates travados.
Naturalmente, se o universo de idéias mobilizadas por um e outro não tem o
mesmo tempo nem origem, Hipólito sendo francamente inspirado no liberalismo
inglês do século XVIII, tendo Edmund Burke como uma de suas referencias, mas
também, demonstrando interesse pelos experimentos e idéias de Bentham e Evaristo
citando em defesa de suas posições os franceses Guizot, Constant e Lafite, ambos têm
em comum a defesa da moderação e a aversão ao radicalismo que marcara a
Revolução Francesa. Em que medida esse caráter moderado foi fator do maior
sucesso desses dois jornalistas é tema que merece consideração.
Metodologia
Trata-se de pesquisa de caráter interdisciplinar, que contempla
abordagens das áreas de ciência politica, história e literatura, ancorada em
fontes secundárias que possibilitem uma boa compreensão do contexto em que
se produziram os impressos analisados bem como a trajetória politica de seus
principais. A facilidade do acesso às fontes primárias propiciada hoje pela
digitalização da maior parte dos jornais brasileiros, muitos dos quais disponíveis no
site da Biblioteca Nacional, representa um grande avanço para os pesquisadores desse
tipo de material. Tanto o “Correio Braziliense” quanto a “Aurora Fluminense”, quanto
ainda muitos dos jornais acima citados, são completamente acessíveis.
Para o que trata essa pesquisa, somente os anos de 1821 e 1822 do “Correio
Braziliense” serão contemplados. É neste momento que Hipólito da Costa tem uma
participação mais direta no debate que a imprensa travava no Brasil e seu pensamento
sobre a Constituição que se faria, (ainda que supostamente inspirado pelo grupo
andradista, conforme denunciado por um jornal adversário), representa sua última
proposta efetiva com relação aos destinos do país. Tal como José Bonifácio, ele
estivera quase até o último momento hesitante com relação à Independência. Abrir
mão do sonho do grande império luso-brasileiro alimentado por aquela geração que
crescera à sombra d. Rodrigo de Sousa Coutinho foi certamente uma decisão difícil
para eles.
A emergência de Evaristo da Veiga na cena pública só se dará mesmo a partir
do momento em que toma realmente a liderança da “Aurora Fluminense”, onde
entrara inicialmente apenas como colaborador. Acompanhar o processo que fez dele
uma liderança, ao longo dos 4 anos que vão de sua estréia na imprensa até à
Abdicação é também entender a ambígua relação que a Coroa matinha com a questão
constitucional – a afirmativa de d. Pedro de que era mais constitucional do que
qualquer um fazendo contraste com suas ações – e o esforço legitimador da Carta
Outorgada feito pelos liberais através de sua imprensa, da qual a figura maior seria
mesmo Evaristo. A análise de seus artigos, esperamos, comprovará essas nossas
hipóteses.
Referencia bibliográficas
A imprensa da Independência, seus atores e suas bandeiras foram por mim
estudados em minha tese de doutorado “Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na
Independência (1821/1823)”, privilegiando a análise do conteúdo do debate político e
o uso retórico dos insultos. O universo conceitual manejado pelos atores daquele
grande embate foi estabelecido por Lucia Bastos Pereira das Neves em sua tese
“Corcundas e constitucionais – a cultura política da Independência (1820-1822)”.
Naquele trabalho, Lúcia Bastos realiza um verdadeiro mapeamento do universo
político-ideológico e dos interesses que estavam em disputa, estabelecendo a filiação
dos conceitos básicos da cultura política da Independência à cultura política da
Ilustração portuguesa. Certamente temas e questões de que se beneficiará essa
pesquisa.
Outra referencia importante para esse trabalho é o livro de Maria de Lourdes
Vianna Lyra “A utopia do poderoso império”, onde a autora estabelece a origem e a
permanência do ideal de um império português transatlântico que, para alguns,
especialmente a geração de Hipólito da Costa e de José Bonifácio de Andrada teria
como sede o Brasil. A tensão que marcou o debate entre o grupo dos Andrada e o de
Gonçalves Ledo tem como um elemento oculto a teimosa persistência desse sonho
que, aliás, seria também, em certa medida, o do rei, d. João VI. A questão da
emergência de um espaço público também foi o tema de Marco Morel, outro
especialista em historia da imprensa, que mapeou as diversas instancias que, durante o
primeiro reinado foram espaços de agregação e de naturalização de praticas políticas.
A questão da biografia vem sendo hoje tema de um debate promissor no meio
acadêmico, destacando-se especialmente o trabalho de Márcia Gonçalves sobre o
maior biográfico dos principais atores daquele período: Octavio Tarquínio de Sousa.
Apesar de, neste projeto as biografias de Hipólito da Costa e de Evaristo da Veiga,
sejam matérias laterais, a ênfase sendo dada à análise do discurso jornalístico,
certamente caberá aqui uma reflexão sobre as implicações da atividades jornalística
para a construção de determinas personalidades da vida pública. Assistimos ali a
emergência de homens públicos que fizeram lideres, condutores, formadores através
de seu jornalismo, em um momento em que a própria profissional ainda se confundia
com outras tantas atividades: escritor, redator, educador.
Mas a inspiração maior para esse projeto é o artigo de Ilmar Rohloff de Matos
“Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade política”.
Ali, ao pensar na cultura política do constitucionalismo como marca da atuação de
Evaristo, o autor nos sugere não só o caminho da ordem que viria a ser seguido mas
também o significado da ação dos que estavam realmente voltados para dentro, para a
emancipação definitiva do Brasil de Portugal. Os que se formaram aqui dentro e que
não tinham como Hipólito e Jose Bonifácio uma tradição vinculada ao ideal do
império luso-brasileiro tão difícil de abandonar.
Talvez seja interessante pensar a trajetória desses atores, Hipólito e Evaristo,
como ante-sala do chamado Tempo Saquarema. Polêmicos e destemidos no embate
jornalísticos mas ao mesmo tempo, pregoeiros da moderação e da ordem, eles
ajudaram a valorizar a moderação que seria a tônica do tempo saquarema. No entanto,
apesar de seus propósitos, não deixavam de ser agitadores, pois tanto Hipólito quanto
Evaristo fizeram suas carreias jornalistas em tempos instáveis e perigosos, bem antes
da consolidação da ordem dos saquaremas onde talvez não houvesse lugar para
idealistas tão aguerridos. Os que os sucederam, aprenderam a manejar o processo,
inclusive valendo-se da imprensa para não só se tornaram uma forca hegemônica
como também para fazer com que essa hegemonia se perenizasse.
Cronograma
Agosto de 2015 – classificação dos jornais e identificação dos redatores a partir
da bibliografia
Setembro – criação de um índice temático e de uma linha do tempo que funcione
como apoio ao manuseio dos jornais
Outubro a dezembro de 2015 – levantamento e fichamento da bibliografia de
apoio com reuniões periódicas da equipe para discutir os textos lidos.
Janeiro-abril de 2016 – produção de verbetes relativos aos jornais e aos
jornalistas
Maio-julho de 2016 – redação de texto com resultado parcial da pesquisa.
Resultados da pesquisa
Produção de artigos para congressos e livros coletivos no âmbito dos grupos
internacionais de pesquisa a que sou filiada: Transfopress, coordenado no Brasil
por Tania de Luca e Valéria Guimarães
(http://dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/3549766137663642) e Circulação
Transatlântica de impressos, coordenado por Marcia Abreu e Jean-Yves Mollier
(http://www.circulacaodosimpressos.iel.unicamp.br
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b) De Hipólito a Evaristo - Fundação Casa de Rui Barbosa