IDEAL DE JUSTIÇA*
Vallisney de Souza Oliveira
Excelentíssimo Senhor Doutor Reginaldo Márcio Pereira, Juiz Federal
Diretor do Foro. Agradeço a Vossa Excelência a idéia e a iniciativa da
realização deste evento.
Ao caríssimo Juiz Federal Ricardo Augusto Sales quero dizer também
muito obrigado pelas palavras bondosas, decerto vindas da nossa amizade e do
respeito que nutrimos mutuamente um pelo outro. Eu acompanho o seu êxito,
desde o tempo em que era meu aluno na Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Amazonas. Presenciei sua escalada profissional de sucesso, desde
os cargos de Procurador do Estado do Amazonas e de Juiz de Direito do
Distrito Federal, até o cargo de Juiz Federal do Ceará e mais recentemente o
de Juiz Federal no Amazonas.
Demais
colegas
juízes
federais
aqui
presentes,
senhores
desembargadores, juízes e promotores, procuradores, advogados, professores
da Universidade e estudantes, amigos, familiares. Senhoras e senhores.
Sinto agora uma emoção imensa com este gesto alegre de bondade e de
estima.
Lembro que em 09 de novembro de 1992, em meu discurso de posse
perante o Tribunal Regional Federal, depois de ser aprovado em Concurso
Público para o cargo de juiz federal substituto, eu dizia que já entrava na
magistratura com a marca da justiça. Essa marca da justiça sempre foi o meu
norte e o meu sul, o meu leste e o meu oeste de razão e de idealização de vida
e a minha busca maior como julgador.
E qual seria o sentido de justiça a que eu me referia naqueles tempos,
senão aquele que se relaciona com a eqüidade, com o equilíbrio e com a
verdade. Percebe bem melhor esse sentimento quem sofre uma injustiça.
Como diz France Farago, “é a injustiça, nossa experiência mais comum, que,
suscitando a revolta, faz nascer o sentimento de justiça”, ou seja, é a situação
de iniqüidade que evidencia a justiça.
O juiz precisa verificar no processo qual das partes está gerando essa
situação de iniqüidade para poder fazer o seu julgamento, o que não é muito
fácil, porque amiúde a verdade se esconde no emaranhado de sofismas que
turbam e perturbam a percepção do julgador, tanto que muitas vezes só lhe
resta dizer, como em muitas oportunidades disse a mim mesmo: “auxilie-me ó
Deus para que eu possa acertar, para que neste caso eu possa ofertar a
proteção judiciária à pessoa que realmente deve merecer esta tutela jurídica”.
Era com este coração aberto à verdade que eu invocava luzes à minha
cognição sobre a causa.
É provável que nessa jornada muito tenha errado até mesmo algumas
vezes em que pensei ter dado a correta e induvidosa decisão. Posso ter
cometido injustiças e talvez até causado o inevitável sentimento de
insatisfação e de revolta interior. Se isso aconteceu não foi minha intenção,
pois jamais atuei com o fim de prejudicar quem quer que seja ou para vingarme ou para cometer prevaricação, porque trago comigo a consciência de que é
fundamental aproximar o direito da justiça, a bondade da retidão, o sentimento
da verdade. Se porventura cometi injustiças, tal ocorreu mais por ignorância
ou por falta de experiência, mais pelas minhas limitações ou pela pressa
naturalmente exigida para decidir, mais por não ter compreendido ou não ter
conseguido alcançar fática e juridicamente o problema que me foi trazido.
A justiça. O que é a justiça senão algo que se concretiza muito mais do
que se cogita; que se sente muito mais do que se propaga; que se pratica muito
mais do que se sonha.
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Estar em paz, apesar das tormentas e da controvérsia que agita o
pensamento do julgador, estar em bom estado de espírito para decidir com
eqüidade e racionalidade esse sempre foi o procedimento que procurei
observar durante os anos em que aqui prestei jurisdição.
Senhores. Não pretendo ser mencionado como o justiceiro ou vingador
do povo ou cavaleiro que ganha todas as batalhas ou que nunca erra. Ter sido
útil é o que me basta. Ficaria sim muito satisfeito se, ao cumprir minha
missão, ao mesmo tempo devoção, o meu veredicto, orientado pela minha
busca pessoal da justiça em qualquer litígio, pudesse ter feito alguém mais
feliz e mais crente na atividade do Poder Judiciário. Extrai-se da Epístola de
São Paulo aos Romanos (I, 10) a máxima de que “é com o coração que se
acredita na justiça”.
Entretanto, não são apenas os vestígios do meu ideal de justiça ou da
minha minúscula participação na justiça federal do Amazonas que pretendo
deixar aqui ou levar comigo.
Desejo, desta Casa, levar os bons momentos, os gestos de carinho, de
gratidão e de companheirismo colhidos nos dias em que costuramos juntos o
tecido do direito para aquecer de felicidade a fé e a esperança de quem
precisou de agasalho judicial.
Espero levar daqui para sempre uma corrente da mais sincera amizade,
prima da justiça e irmã da compreensão. Essa amizade que brota do fundo do
espírito, esse querer bem que nos socorre e nos acode nos momentos de
dificuldades, nos momentos de saudades e de indeléveis lembranças.
Quero deixar aqui também o meu amor, esse sentimento sublime de
querer bem a todos os que comigo compartilharam essa missão durante esses
anos de magistratura federal no Amazonas.
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Estarei sempre de braços abertos e o pensamento jamais apagado das
imagens do cotidiano desta Seção Judiciária. Dos meus atos, das horas de
labuta, dos momentos de dúvida, dos despachos e das sentenças, das
audiências longas e curtas, das decisões difíceis e fáceis e de tudo que a minha
memória registrou neste cenário onde nós, servidores da sociedade,
vivenciamos e continuamos a vivenciar, seja aqui seja em outros campos, a
plantação e a frutificação do Direito.
Deixo a Judicatura Federal desta Seção Judiciária, porque a
competência e a jurisdição provêm do poder constitucional. Mas não deixo o
Amazonas, grande razão da minha vida e da minha existência, onde está esta
Manaus, cidade na qual eu vivi da minha adolescência até a maturidade. A
partir de hoje, procurarei muito sentir, muito mais sentir, o abraço do retorno e
o afeto da saudade neste Estado que eu não deixarei jamais de visitar e para
onde retorno constantemente desde o tempo em que passei a atuar como juiz
federal convocado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.
Passarei a ser expectador e torcedor do êxito e da felicidade tanto dos
Juízes Federais, alguns com quem tive a honra de conviver, quanto dos
servidores, em especial os da minha inesquecível Segunda Vara Federal, com
muitos dos quais tive a grande satisfação de trabalhar. A todos, juízes e
servidores, eu agradeço o apoio e o incentivo a mim sempre prestado.
Deixo a Justiça Federal do meu Estado, algo que me deixa também
triste e com sentimento de perda, essa perda voluntária que aos poucos no meu
consciente fui aceitando. Mas, é com incomensurável alegria que agradeço a
Deus por me proporcionar este momento de carinho, em que se reúnem
magistrados, funcionários, procuradores, advogados, autoridades civis,
familiares e amigos, nesta inesquecível e feliz homenagem a qual nem sei se
sou merecedor.
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Concluo com o poeta Rilke: “Tudo o que o torna algo mais do que foi
até agora em suas melhores horas é bom. Toda intensificação é boa, quando
está em todo o seu sangue, quando não é turva ebriedade, mas alegria cujo
fundo se vê”.
E esta é uma das minhas melhores horas, uma alegria profunda que no
meu semblante se pode facilmente perceber.
Muito obrigado!
* Discurso proferido por ocasião da solenidade de despedida da Justiça
Federal do Amazonas, Manaus, 19.09.2006.
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