Saberes experienciais construídos pelos bolsistas de Iniciação à docência durante sua atuação nas escolas Janaína Oliveira da Silva1 Lucieli Lopes Marques2 Bryana da Silva D’Ávila2 Luciana da Silva Catardo2 Subprojeto Ciências Biológicas-São Gabriel INTRODUÇÃO É esperado que na formação inicial de professores pudesse ocorrer a construção de saberes necessários para o desenvolvimento e atuação do papel docente. Nesse sentido, tem-se o campo de investigação denominado “saberes docentes”, o qual Tardif (2007) define como o conjunto de processos de formação e de aprendizagem elaborados socialmente e destinados a instruir os membros da sociedade. Eles são plurais, classificam-se em saberes: da formação profissional, disciplinares, curriculares e experienciais. “O professor deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia, e, desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos”, declara o autor (p. 39). Ratificando este saber, advindo da prática cotidiana, Gauthier (1998) propõe que a experiência e o hábito estão relacionados, na medida em que esta experiência torna-se regra de caráter pessoal e privada, estando confinadas nos segredos da sala de aula. O programa Institucional de Bolsa de Iniciação à docência (PIBID) se relaciona com esses saberes docentes, uma vez que pode contribuir para a sua construção, tendo por finalidade promover a elevação da qualidade da formação de professores nos cursos de licenciatura, possibilitando a integração entre a educação superior e educação básica. Além de incentivar a formação de docentes em nível superior para a educação básica, em prol da valorização do magistério. (CAPESCoordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior). Entre esses saberes, destacam-se os saberes experienciais, pois ao inserir-se no cotidiano escolar, o bolsista de iniciação à docência (ID) tem a oportunidade de criar e participar de experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar, buscando superar problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem na educação básica Ao mesmo tempo, ele tem a oportunidade, durante a sua formação como licenciando, de antecipar experiências no contexto escolar que antes se restringia aos períodos de estágios de observação e regência. O educando e futuro docente quando está na escola de forma participativa, tem a oportunidade de construir seus saberes experienciais sobre a docência, pois estes estão vivendo no “chão” da escola, elaborando e executando sua prática pedagógica diária, 1 Docente do Curso de Ciências Biológicas – Licenciatura da Universidade Federal do Pampa e colaboradora no PIBID. 2 Discente do Curso de Ciências Biológicas – Licenciatura da Universidade Federal do Pampa e Bolsista no PIBID. observando e se integrando nas relações da comunidade escolar e nas demandas geradas por ela. A construção de tais saberes se refletirão na sua prática docente futura, na medida em que se complementarem com os demais, pois os saberes experienciais“[...] não provém das instituições de formação nem dos currículos. [...] não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias” (TARDIF, 2007, p. 48,49) Os bolsistas do subprojeto Licenciatura em Ciências Biológicas da UNIPAMPA campus - São Gabriel, tem registrado mensalmente suas ações nas escolas num documento denominado “diário reflexivo”3. Dessa forma, o bolsista tem em mãos um instrumento para repensar na importância de seu papel como futuro docente através da autoavaliação da ação considerando suas impressões pessoais. Ao indagar a própria prática, por meio de registros de reflexão, o bolsista pode desestabilizar uma situação de conforto e criar conflitos que oportunizem a descoberta de uma nova resposta que, por sua vez, dará origem a uma nova pergunta. Para Bruini (2011) o uso do diário reflexivo pode ser entendido como o espaço narrativo do pensamento, isto é, como documento da expressão e da elaboração de seus pensamentos e dilemas. Ao analisar os diários dos bolsistas ID constatamos que as reflexões feitas acerca das práticas desenvolvidas se constituíram em forma de relatos de experiências vividas por eles. Com base nesta constatação decidimos transformar a natureza desses relatos em dados de pesquisa, com o objetivo de identificar os saberes experienciais que foram construídos por estes iniciantes à docência a partir do que foi relatado. Tardif (2007) conceituou genericamente os saberes experienciais e os diferenciou em relação a outros saberes, além de ressaltar sua importância para a atuação do professor. Buscando ampliar seus estudos no campo dos saberes docentes, especificadamente acerca dos saberes experienciais durante a iniciação à docência, percebemos a necessidade de contextualiza-los dentro do PIBID e categorizá-los a partir de relatos recorrentes nas experiências vivenciadas. Assim, este estudo visa apresentar quais foram os saberes experienciais construídos pelos bolsistas ID, do subprojeto de Ciências Biológicas da UNIPAMPA, ao longo de suas atuações nas escolas. Recorreu-se a análise qualitativa dos diários de 15 bolsistas atuantes em três escolas no município de São Gabriel entre o período de maio de 2012 a maio de 2013, totalizando 142 diários. Esta análise consistiu em três etapas. Na primeira foi realizada uma leitura dos diários produzidos por cada bolsista. Na segunda, foram sendo identificados fragmentos que abordavam fatos recorrentes e na terceira os mesmos foram selecionados, extraídos dos textos e agrupados por semelhança de conteúdo. Como resultado, foram encontrados nos relatos fragmentos que permeavam três saberes experienciais: sobre relacionamento interpessoal, emoções e conhecimento. Os mesmos serão discutidos a seguir, exemplificando-se alguns desses fragmentos, e, os respectivos indícios selecionados que os levaram a serem classificados nesses diferentes tipos de saberes experienciais. Saberes experienciais sobre relações interpessoais O termo interação social está ligado à proposta de Vygotsky (1989) que traz o homem como um ser essencialmente social, pois é na relação com o próximo que este se desenvolve enquanto sujeito. O ser humano não se encontra limitado a sua experiência 3 O diário reflexivo é uma ferramenta para promover experiências de reflexão sobre a ação, o uso destes registros pode resultar em atitudes que desenvolvam o crescimento pessoal gerando conhecimentos capazes de prever alguns conflitos. pessoal, ao contrário, a experiência individual alimenta-se, expande-se e aprofunda-se graças à apropriação da experiência social. No contexto educacional, a escola estabelece-se como um ambiente completamente dependente de relações interpessoais que se desenvolvem em decorrência do processo de interação entre alunos, alunos e professores, professores e professores e demais pessoas que compõem o grupo escolar, onde aqui se incluem os bolsistas ID. Estes passaram a fazer parte da escola tendo a oportunidade de interagir e consequentemente construir saberes oriundos nas e sobre as relações interpessoais, num primeiro momento de forma inter-subjetiva (entre pessoas) e num segundo momento, de forma intra-subjetiva (no interior do sujeito). O bolsista ID não trabalha isoladamente, o sucesso nas atividades muitas vezes depende de outras pessoas e é através da convivência, do diálogo, do trabalho em grupo que se desenvolvem as competências interpessoais. Para Moscovici (2004, p. 36), competência interpessoal é a “habilidade de lidar eficazmente com relações interpessoais, de lidar com outras pessoas de forma adequada às necessidades de cada uma e às exigências da situação”. Ao analisarmos os diários, encontramos no fragmento 1, um exemplo que versa sobre esse processo de desenvolvimento de competência interpessoal que foi oportunizado na atividade relatada. Fragmento 1: “... as dinâmicas realizadas me fizeram pensar e refletir sobre as situações cotidianas vividas por mim e por outras pessoas que ali estavam presentes, colocou em evidência minhas capacidades e dificuldades de lidar com o outro, sendo que foi um aprendizado fundamental para minha futura profissão docente”. Também foram identificados relatos que tratam da importância do trabalho em grupo e do “saber lidar com o outro” e as razões para isso, conforme destacamos no fragmento 2 à seguir: “A organização de um evento dentro do ambiente escolar, proporcionou a nos bolsistas, grandes momentos de aprendizagem, ainda mais no que se refere ao trabalho em grupo e a responsabilidade com suas tarefas. Pois para que qualquer atividade tenha sucesso é necessária à colaboração e participação de todos, cada um com sua função.” “É fundamental abrir a cabeça em relação as opiniões dos colegas de trabalho, que nem sempre são as mesmas, pois nossas vivências, apesar de semelhantes, possuem uma história diferente, e que transformaram cada um de sua maneira.” Sendo a escola um local privilegiado de socialização e, portanto, propício ao desenvolvimento de sentimentos, afetos e emoções pode em determinado momento ocorrer conflitos. A esse respeito Ortega, (2002, pág.143), afirma que: O conflito emerge em toda situação social em que se compartilham espaços, atividades, normas e sistemas de poder e a escola obrigatória é um deles. Um conflito não é necessariamente um fenômeno da violência, embora, em muitas ocasiões, quando não abordado de forma adequada, pode chegar a deteriorar o clima de convivência pacífica e gerar uma violência multiforme na qual é difícil reconhecer a origem e a natureza do problema. Pessoas convivem e trabalham com pessoas e portam-se como pessoas, isto é, reagem às outras pessoas com as quais entram em contato: comunicam-se, simpatizam, e sentem atrações, antipatizam e sentem aversões, aproximam-se, afastam-se, entram em conflito, competem, colaboram, desenvolvem afeto. O processo de interação humana é constituído através dessas reações voluntárias ou involuntárias, intencionais ou não intencionais (MOSCOVICI, 2004). O bolsista ID como parte integrante da escola em que atua muitas vezes presencia e até mesmo participa de situações de conflito que ocorrem no ambiente escolar. O fragmento 3 apresenta uma situação de conflito durante o desenvolvimento de uma atividade regida pela bolsista, onde a professora titular da turma envolvida acabou por comprometer o andamento da ação planejada. Fragmento 3: “Uma aluna do curso de Gestão Ambiental foi até a escola nos entregar as mudas que íamos plantar e convidamos ela para assistir o filme conosco. A professora da escola acabou sendo grossa com ela e se desentendendo com uma colega bolsista, infelizmente esta professora é uma pessoa muito difícil de trabalhar, ela quer só “matar” as aulas dela e acaba atrapalhando nossas atividades.” Quando os bolsistas experienciam diretamente situações de conflito como essa em relação à professores, estes testemunham interações que são consideradas inadequadas ao serem relacionadas com os saberes pedagógicos e acadêmicos acerca do papel de professor e como este deve conceber o seu aluno. Conforme vemos no fragmento 4: “Infelizmente a professora regente das turmas que eu trabalhei é uma pessoa bastante difícil, ela trata mal os alunos, subestima a inteligência deles e por diversas vezes nos coloca em situações constrangedoras e desnecessárias”.Frente a estes episódios o futuro docente reflete sobre os conflitos oriundos das relações interpessoais, onde entende que a relação com o outro implica na aceitação do outro como legítimo na convivência. Diante dos conflitos é necessário que a escola desenvolva ações preventivas e curativas no intuito de tornar as relações e o ambiente escolar harmonioso, por meio da prática do diálogo e da mediação dos conflitos. A supervisora do PIBID muitas vezes desempenha o papel de mediadora de conflitos, oferecendo aos sujeitos envolvidos no conflito a possibilidade de solucioná-lo ou amenizá-lo, sendo isto reconhecido por vários bolsistas que relatam no diário este papel fundamental do supervisor. Entre estes relatos, apontamos: Fragmento 5:“A convivência e o trabalho em grupo estão sendo importantíssimo para a continuidade e andamento dos projetos e atividades práticas que estão em andamento. Acredito que isso se deve a intervenção da supervisora, que sempre busca fazer o elo entre bolsistas e professores.” Assim, com respeito e diálogo é possível construir relações que propiciam troca de conhecimentos e enriquecimento pessoal e profissional, como é possível observar no fragmento 6: “Trabalhar junto com a professora do quarto ano sempre é uma aprendizagem para mim, pois ela sempre tem propostas novas para os alunos e está sempre participando de várias atividades, inovando suas aulas fazendo com que os alunos participem mais.” Outro momento de relevância na construção de saberes experienciais, encontrase nas relações interpessoais entre bolsistas ID de outros subprojetos, propiciados nos encontros institucionais do programa num evento denominado IntraPIBID4. Nas palavras de um dos bolsistas:“É um momento muito importante para troca de 4 Estes encontros reúnem bolsistas, supervisores e coordenadores e tem como objetivo discutir temas relacionados ao programa. informações e para renovar nossas ideias, e (re)conhecer os desafios que as outras enfrentam dentro de suas respectivas escolas”(Fragmento 7). Estar inserido na escola durante a formação acadêmica, antes mesmo de desempenhar a sua futura profissão como docente, traz para o bolsista vivências com os alunos que podem fazer a diferença quando estes estiverem em sala de aula. Este aprendizado vindo do convívio com o aluno envolve rever concepções a respeito da educação, do ensinar e do aprender. Com ela emergem vários questionamentos sobre o que fazer e como fazer. Em meio a isso, o bolsista é levado a questionar-se sobre os saberes necessários para a docência, pois, o professor cuja função é ensinar, tem também a necessidade de aprender. Estes saberes oriundos do convívio com o educando é observável no fragmento 8:“O trabalho com os alunos sempre me ensina algo novo...” Em suma, as relações interpessoais constroem a identidade e a personalidade do ser humano e permitem que conheçamos melhor os outros e a nós mesmos. As relações construídas no ambiente escolar são decisivas no rendimento dos sujeitos que estão inseridos neste contexto, sejam eles alunos, pais, professores, supervisores, bolsistas entre tantos outros sujeitos que fazem parte da escola. Nessas relações também emergem saberes experienciais acerca das emoções e do conhecimento uma vez que é dentro delas que estes podem ser expressos e construídos, sendo também elementos importantes para a prática docente. Saberes experienciais sobre emoções As emoções podem ser entendidas a partir de várias concepções. Darwin acreditava, dentro de uma perspectiva evolutiva, que as emoções desempenhavam um papel adaptativo essencial a espécie humana como fator determinante a sua capacidade de sobrevivência. Numa perspectiva fisiológica, William James dizia que as emoções partiam dos estímulos fisiológicos produzidos através da nossa mente em determinadas situações. Já na perspectiva cognitiva, pessoas diferentes, agem de formas diferentes mediante um mesmo fato, e na perspectiva culturalista as emoções são construídas num processo de desenvolvimento social e podem variar de acordo com o tempo e espaço. Ainda segundo a ciência, o corpo e a mente trabalham em sintonia dando total subsídio as emoções, e isso faz com que elas tenham inúmeras manifestações. Desde muito cedo começamos a formar o nosso conhecimento acerca dos múltiplos papeis que desempenhamos, dentre eles, o de aluno, por exemplo, no qual vamos formando as nossas capacidades sociais, históricas, culturais e afetivas. E a transformação de aluno para professor, é um processo emocional cheio de incertezas, medos, desejos, sonhos, expectativas, frustrações e desilusões. As transformações que acontecem ao longo do tempo são de caráter interpessoal, intrapessoal e constante. O Fragmento 9 mostra quanto o processo emocional que vai se formando ao longo da vida se reflete nas ações da bolsista ID, que ainda enquanto aluna, sente-se frustrada com a necessidade de melhorar as suas ações e ao mesmo tempo demonstra satisfação de se ver em outro papel, o de professora, num ambiente onde até então ela só havia vivenciado experiências como aluna: “Só me sinto um pouco frustrada, porque queria fazer mais, pois estou começando agora no curso[...]pra mim foi um experiência única e diferente, pois até então só tinha a visão de aluna”. O PIBID enquanto formador da identidade docente nos permite desenvolver habilidades e testá-las de forma experimental, onde podemos corrigir possíveis erros durante nossa formação. Essa construção docente é um processo longo que envolve diversas situações práticas e pessoais, onde o bolsista se vê como o ator principal e a partir disso começa a construir o seu perfil profissional. O Fragmento 11 revela o quanto a vida pessoal muitas vezes interfere na vida profissional, fazendo com que isso reflita no seu desempenho. Fragmento 11: “....refletindo acerca desta situação professores antes de qualquer coisa, são seres humanos e tem problemas que mesmo sem querer muitas vezes afetam seu rendimento”. Os saberes experienciais são construídos a partir de saberes práticos, oriundos frequentemente da prática diária e contínua em sala de aula. Esses saberes são “práticos ligados à ação, mesclando aspectos cognitivos, éticos, emocionais ou afetivos” (FIORENTINI, NACARATO & PINTO, 1999, p. 55, citado por PASSOS et al, 2006). Neste sentido, o fragmento 12 apresenta uma situação em que a bolsista faz uma reflexão crítica sobre a sua prática pedagógica. O exercício de refletir é, portanto, repensar, retornar continuamente aos caminhos já percorridos, reconsiderar e reexaminar a prática pedagógica de forma crítica numa busca constante de significados e assim buscar soluções para os problemas encontrados, e melhorar sua forma de gerir a prática. Fragmento 12: “ Para mim foi um choque de realidade as formas de aluno que vamos encontrar, tinha aluno incentivado de fazer a atividade, tinha desmotivado, tinha uma menina que não fez para poder conversar com as colegas e por fim deu a desculpa que ia levar para casa para fazer, tinha os empenhados em fazer, porém, não conseguiam escrever. Teve até um menino que quando terminou a atividade proposta e que enquanto os mais atrasados terminavam o trabalho, ele colocou uma musica funk e começou a agitação das crianças. As emoções básicas se constituem das nossas características e funções metabólicas e biológicas, fazendo com que nosso cérebro e corpo enviem respostas diferentes a situações extremas, que variam de ira, tristeza e medo, até o ápice do amor e prazer. A maneira de manifestar essas emoções varia entre espécies e de indivíduo para indivíduo. A cultura a que estamos inseridos também influencia na forma como expressamos essas respostas emocionais (GOLEMAN, 1995). No ato da reflexão também emergem as emoções vivenciadas no dia-a-dia do bolsista, onde sentimentos como tristeza e apreensão podem contribuir para a formação do futuro docente, que diante das dificuldades motiva-se, como podemos ver no fragmento 13:“Estou realmente tocada com isso, fiquei mexida, triste, apreensiva e motivada a mudar isso...”. A motivação do bolsista traz-lhe razões para que este faça mais e melhor aquilo que lhe é esperado, visto que uma pessoa motivada tende a doar-se mais, comprometer-se mais e buscar fazer o melhor. Outro exemplo de motivação está no Fragmento 14: “Uma professora da escola falou que não imagina mais a escola sem o PIBID, fiquei feliz em ouvir este e outros elogios sobre o nosso trabalho”. No relato, vemos que a felicidade do bolsista está ligada com o fato da professora reconhecer que a presença dos bolsistas na escola é importante e faz a diferença. Um dos fatores mais importantes para a motivação das pessoas é o reconhecimento. As pessoas reagem favoravelmente ao reconhecimento, isto significa, em suma, ações concretas demonstrando o fato de “reconhecer” o esforço, o talento, a dedicação e o comprometimento. As emoções são controladas pelas respostas que o cérebro tem diante das diversas situações que vivenciamos. É natural que no convívio diário entre pessoas, construam-se relações emocionais, pois estas são oriundas das relações interpessoais. No fragmento 15: “Sinto-me impotente, em situações em que ela humilha seus alunos, dizendo que eles não querem saber de estudar, ou que eles não sabem nada”. Vemos que o bolsista não só executa suas atividades práticas, mas também faz o papel de observador crítico do ambiente escolar, onde muitas vezes testemunha relações negativas entre os sujeitos ali encontrados. Estas situações vivenciadas mobilizam emoções no bolsista que irão se internalizar, e consequentemente podem se repercutir em sua forma de agir com outros sujeitos na sua vida e futura profissão. Freire (2003) destaca a importância de propiciar condições aos educandos, em suas relações uns com os outros ou com o (a) professor (a), de ensaiar a experiência, de assumir-se como uma pessoa social e histórica, que pensa, se comunica, tem sonhos, que tem raiva e que ama. A educação é uma forma de intervir no mundo, ela não é neutra, nem indiferente. As relações emocionais estabelecidas entre os bolsistas e a escola, relações aluno-professor, são relatadas nos diários reflexivos de forma bastante expressiva como nas demonstrações de afeto, carinho, respeito, na postura dos bolsistas. Segundo Wallon (1995, p.164), essas demonstrações são muito copiadas por aqueles que as observam e se utilizam delas como exemplo. "em todo arrebatamento emotivo, o indivíduo extravasa de certa forma a sua sensibilidade. Suas reações emotivas estabelecem entre eu e o outro uma espécie de ressonância e de participação afetivas". Deste modo, as emoções vivenciadas ao longo da atuação nas escolas, também oportunizam a construção de saberes experienciais sobre elas e contribuem para o desenvolvimento do que Goleman (1995) denominou de “inteligência emocional”, referindo-se a capacidade de identificar os nossos próprios sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerir bem as emoções dentro de nós e nos nossos relacionamentos. Embora não seja tão ressaltada nos currículos de formação de professores, esta é tão relevante quanto à inteligência intelectual no processo de aquisição de conhecimentos relativos à docência. Saberes experienciais sobre o conhecimento Piaget (1973) apud De La Taille, (1992, p.11), Vygotsky (1979) mostraram que a inteligência humana somente se desenvolve no indivíduo em função das interações sociais e com o meio. Segundo Piaget a construção do conhecimento pelo sujeito não é transmitido, e sim um processo ativo da construção da realidade por parte do aprendiz. Adquirir conhecimentos não é compreender a realidade retendo informação, mas utilizando-se desta para desvendar o novo e avançar nos seu conhecer. Conhecendo e participando do cotidiano escolar, os bolsistas constroem conhecimentos que vem a complementar os saberes advindos de sua formação acadêmica. Tardif (2007), explica que professores no exercício de suas funções, na prática de sua profissão desenvolvem saberes baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio (a escola), esses saberes são baseados da experiência individual e coletiva sob forma de habitus (disposições adquiridas na e pela prática real) e habilidades de saber-fazer e fazer-ser validados pelo trabalho cotidiano. Os Pibidianos, apesar de ainda estarem na formação inicial de professor, já são formadores de habitus por meio da experiência como bolsistas ID, construtores do conhecimento individual e coletivo. Pois ao investigar os diários reflexivos dos mesmos, podemos constatar que o trabalho como bolsista ID proporciona saber experiencial acerca dos conhecimentos tanto adquiridos na academia a fim de legitimálos ou não, quanto emergidos no próprio contexto peculiar das ações nas escolas. Essa construção de saberes experienciais a cerca desses conhecimentos foi constatado em fragmentos como este: Fragmento 16: “No mês de outubro, trabalhamos na confecção do jardim ecológico. Pedimos a colaboração dos alunos para que trouxessem as mudinhas e as garrafas pet para fazer os vasinhos. Esse tipo de atividade é muito bom para a escola como um todo porque incentiva os alunos a preservar os trabalhos realizados, além de proporcionar um melhoramento visual da escola”. Conforme o relato acima podemos inferir que o bolsista do fragmento 9 percebeu que a metodologia escolhida por ele, pedindo que os alunos trouxessem o material e confeccionassem o jardim ecológico, foi importante para os alunos participarem ativamente. Também foi percebido que a ação favoreceu um embelezamento na escola, ampliando o seu olhar como educador para além da sala de aula. Fragmento 17: Tivemos uma boa participação durante a oficina em que realizamos na escola Nunes, com questionamentos e sugestões, a troca de experiências foi muito importante, pois com realidades de escolas diferentes podemos notar que a questão ambiental enfrenta os mesmos problemas de descaso, mas esses temas sobre poluição ambiental juntamente com uma conscientização também são trabalhadas pelos bolsistas nas escolas, mas não apenas como uma oficina e sim ao longo dos trabalhos realizados nesta. Ao ser convidado por uma escola da cidade como ministrante de oficina sobre reciclagem, o bolsista do fragmento 17 constatou que o descaso pela preservação do meio ambiente era uma temática relevante e que não estava restrita apenas à sua escola de atuação. Além disso, pôde legitimar a importância de seu trabalho sobre essa temática que já estava sendo realizado continuamente em sua escola. Fragmento18: “... uma aluna que estava bem agressiva numa atividade que realizei no laboratório, logo que ela começou a ser mal educada já pensei em chamar a supervisora para levar ela de volta a sala de aula, porém lembrei da nossa última reunião em que conversamos sobre a importância de conhecer o nosso aluno. Então fui dando atenção a ela e pedindo que me ajudasse na atividade, e ela foi se mostrando uma outra pessoa, de uma educação totalmente oposta da que demonstrou no começo da atividade. Com isso aprendi o quanto é importante para os alunos terem atenção do professor, que muitas vezes rotula o aluno como mal educado e nunca lhe dá um voto de confiança. No fragmento 18 acima, o bolsista após enfrentar um comportamento resistente da aluna, teve a oportunidade de construir conhecimentos para gerir com autonomia situações de indisciplina de forma pacífica. Lembrou-se de aprendizagens anteriores e buscou aplicá-las gerando mudança positiva no comportamento da aluna. Todo fazer leva um novo fazer, é um circulo cognitivo que caracteriza nosso ser e esse processo constrói a autonomia do ser vivo (MATURANA E VARELA, 1984). Os Pibidianos refletem sobre as atividades e constroem a identidade profissional ao longo das experiências vivenciadas e internalizadas. A reflexão foi um fator contribuinte para ele repensar o papel de professor em propiciar atenção sem rotular os alunos e acreditar no potencial e capacidade de mudança deles. Conforme Maturana e Varela (1984, p. 30), “a reflexão é um processo de conhecer como conhecemos, um ato de voltar a nós mesmos, os processos envolvidos em nossas atividades, em nossa constituição e atuação como seres vivos formam o nosso conhecer”. Através da reflexão por meio da escrita dos diários, os bolsistas ID repensam suas ações na escola, reavaliam o ambiente de trabalho e relações interpessoais. Assim, conhece o ambiente de forma crítica e reflexiva. Vygotsky aponta que os conhecimentos se somam, e com as experiências de aprendizagem pode-se desenvolver-se cognitivamente. E um conjunto qualitativo de mudanças, resulta em modos diferenciados de abordar competências especificas que facilitam esse processo de construção. As atividades didáticas pedagógica do Pibid passam por um processo de “amadurecimento” da construção do conhecimento. Por meio destas, quando eles repensam suas ações nas escolas, estas podem ser aprimoradas quando realizadas novamente. Segue exemplos com esses traços de amadurecimento de ideias: Fragmento 19: Abordando o público mais velho como o do EJA pude perceber que os alunos necessitam de atividades diferenciadas, durante a palestra eles se envolveram, conversaram e mostraram muito interesse... Pude ver o que o fator cultural e a idade dos educandos diverge bastante em relação aos demais alunos que participaram da atividade anteriormente, pois estes estão imersos a lendas a respeito destes animais, no entanto se mostraram bastante abertos a novas ideias e percebi que eles saíram dali com outra visão a respeito dos répteis e anfíbios. O bolsista do fragmento 19 ao se deparar com realidades diferentes de alunos, onde alguns eram adultos que estudavam à noite na Modalidade de Educação de jovens e adultos - EJA, e outros eram estudantes diurnos com idades esperadas para o ensino fundamental. O bolsista trabalhou répteis e anfíbios em um primeiro momento, tendo uma percepção diferente em relação aos alunos adultos do EJA. Pôde concluir que a forma de abordar um conteúdo seria diferente para ambas as realidades, aperfeiçoando suas ações como professorando. Deste modo, a oportunidade de aprender como bolsista ID demonstra favorecer a construção pessoal e social da formação do futuro docente. Pois a formação de professores precisa ser projetada com intuito de formar professores aptos a construir uma identidade profissional através de uma analise crítica reflexiva (TARDIF, 2007; FREIRE 1996; PIMENTA 2002; NOVOA 1992). CONCLUSÃO Diante do exposto, os bolsistas ID do subprojeto Ciências Biológicas – licenciatura demonstraram nos relatos dos seus diários reflexivos que construíram saberes oriundos das experiências vividas no ambiente escolar em que estiveram inseridos. Estas vivências culminaram em saberes fundamentais para a formação do docente, dentre eles, foram identificados nesse trabalho: saberes experienciais sobre relações interpessoais, emoções e conhecimento. Apesar de terem sidos diferenciados nessa tipologia para fins de discussão, os mesmos estão interligados e possuem uma interdependência, pois, por exemplo, em muitos fragmentos identificados como saberes emocionais, também podiam ser encontrados indícios de saberes das relações interpessoais e do conhecimento, e vice-versa. Seria plausível verificar a incidência deles em outros subprojetos do PIBID, pois além destes, outros saberes experienciais podem ser encontrados. Nesse trabalho, foi possível perceber também os diários reflexivos como um instrumento pertinente para investigação acerca dos saberes experienciais característicos da iniciação à docência, embora não tenham sidos produzidos para esta finalidade de pesquisa. Supõe-se que se os mesmos passarem a ser registrados, considerando esse enfoque de construção de saberes, talvez a proposta de reflexão se torne mais palpável no relato dos bolsistas, uma vez que os mesmos tem encontrado dificuldade de produzir uma escrita reflexiva, em detrimento de uma escrita meramente descritiva. A identidade profissional do futuro docente se constrói no dia a dia, mediante interferências internas e externas dos acontecimentos escolares. Essas interferências, às vezes conflituosas, promovem, no futuro professor, a formação de sua personalidade profissional. As experiências vividas constroem um elo entre os demais saberes, demonstrando que relações interpessoais, emoções e conhecimento são aspectos constituintes dos papeis sociais desempenhados por seres humanos, especialmente no que diz respeito ao papel de professor. E ter a oportunidade de construir saberes sobre eles a partir de experiências nas escolas, antes do exercício da profissão, torna-se uma necessidade legítima para o desempenho adequado desde papel. Esse fator constrói um sentido peculiar para ação dos bolsistas nas escolas enquanto futuros docentes, ratificando as finalidades do Programa de bolsas de iniciação a docência. REFERÊNCIAS ALEXANDROFF, Marlene Coelho. O Papel das emoções na constituição do sujeito. Construção Psicopedagógica. Versão ISSN 1415-6954. Vol.20 nº20, São Paulo, 2012. BRITO, Regina Edna 2006. O significado da reflexão na prática docente e na produção dos saberes profissionais do/a professor/a. Revista Iberoamericana de Educación (ISSN: 1681-5653)25/05/2006. BRUINI, Eliane da Costa. Educação no Brasil. Disponível: http://educador.brasilescola.com/trabalho-docente/o-diario-reflexivo-napratica-pedagogica.htm Acesso: 25/07/2013. DANI, Lúcia Salete Celich. Et al., Cenas e cenários: reflexões sobre a educação. 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