Central de Cases Fundação Abrinq: uma atuação global www.espm.br/centraldecases Central de Cases Fundação Abrinq: uma atuação global Preparado pelo Prof. Sydney Manzione, da ESPM-SP Este caso foi escrito inteiramente a partir de informações cedidas pela empresa e outras fontes mencionadas no tópico “Referências”. Não é intenção dos autores avaliar ou julgar o movimento estratégico da empresa em questão. Este texto é destinado exclusivamente ao estudo e à discussão acadêmica, sendo vedada a sua utilização ou reprodução em qualquer outra forma. A violação aos direitos autorais sujeitará o infrator às penalidades da Lei. Direitos Reservados ESPM. Dezembro de 2010 www.espm.br/centraldecases RESUMO A Fundação Abrinq, após 20 anos de atuação e atendendo perto de 275 mil crianças por ano, colocou-se uma meta de atender 1 milhão de crianças por ano. É uma meta audaciosa, que pode necessitar mais do que simples mudanças estratégicas ou criação de projetos, uma vez que a Fundação Abrinq vem obtendo considerável eficiência em sua captação de recursos, tendo se tornado referência quando se fala em projetos voltados a crianças e adolescentes. Uma das formas encontradas para ampliar suas áreas de atuação e atender o quádruplo de crianças/adolescentes por ano foi a de promover uma fusão – que seria um termo usual no segundo setor, nesse caso chamaremos de acordo de cooperação – com a Save the Children, organismo internacional que atua na mesma área desde 1919. A cooperação foi iniciada em 2010 e, com ela, novas oportunidades se descortinam, assim como novos (e grandes) desafios aparecem. PALAVRAS-CHAVE Globalização, internacionalização, marketing global, ambiente de negócios, fusão. | Central de Cases 3 SUMÁRIO Introdução................................................................................................ 5 A Fundação Abrinq................................................................................... 5 Parceria com a Save the Children............................................................ 7 O ambiente............................................................................................. 11 Os fatos.................................................................................................. 13 | Central de Cases 4 Introdução O mundo globalizado conduz as empresas a escolhas por vezes difíceis. Há momento em que não crescer pode significar morrer. Hoje, para muitas organizações, não globalizar pode ser morrer, ou não crescer, o que, no fundo, é a mesma coisa. Pensando em empresas, a globalização, em que pese todas as críticas que lhe são endereçadas, é um fator fácil de ser encarado e justificado. “Pensar globalmente e agir localmente” passou a ser um bordão utilizado para, muitas vezes, justificar a busca por internacionalização, por vezes, aparentemente, descabidas. Agora, buscar internacionalização para entidades do terceiro setor? Qual a lógica que sustenta ações desse tipo? Se pensar em marketing para entidades do terceiro setor não é tarefa fácil, que dirá do marketing global? Uma organização que se preste a ajudar crianças e adolescentes, como é o caso da Fundação Abrinq, ao se internacionalizar soma às suas responsabilidades a prestação de contas internacional. Passará boa parte de seu tempo devendo justificar suas ações para comitês internacionais. Como provar que determinado projeto tem relevância ou não? Quando falamos de objetivos comuns, o idioma internacional facilmente se adapta. Quando falamos em meios de ação e obtenção de recursos, esbarramos em diferenças culturais, em modelos mentais de decisão diferentes; resumindo, falamos em meios diferentes de se atender necessidades por vezes iguais. Não basta a união pela solidariedade e pelo amor. A análise de ambiente será mais necessária do que qualquer outro momento, o marketing global será colocado em ação. O desafio para a Fundação Abrinq está lançado. Como lançar mão do marketing global para levar a efeito suas ações locais? Será que, para a Fundação, “glocal” será mais do que uma brincadeira semântica? A Fundação Abrinq No final da década de 1980, uma das formas que o Brasil era visto mundo afora era pelos índices relativos a infância e adolescência. As violações de direitos eram enormes e 350.000 crianças ao ano morriam antes de completar cinco anos de idade. Junte-se a isso a falta de ensino, a pouca atenção das autoridades e o trabalho infantil, por si só ilegal e, por vezes, escravo. Diante desse quadro, algumas pessoas e entidades passaram a se manifestar e a se indignar. Muitas atitudes foram tomadas e muitas propostas encaminhadas, seja de forma oficial, via instituições de governo, ou de atuação de entidades de terceiro setor. Foi, então, no ano de 1989, que uma atitude de grande importância foi levada a efeito. Empresários do setor de brinquedos, próximos, portanto, à realidade infantojuvenil do País, resolveram criar, com a associação congregadora do setor, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos – Abrinq – uma diretoria específica para monitorar, defender e buscar a defesa dos direitos infantis, a Diretoria de Defesa dos Direitos das Crianças. Essa diretoria se transformou no embrião daquilo que seria a Fundação Abrinq que, em fevereiro de 1990, se transformou numa entidade independente com estatuto próprio. A data é extremamente significativa, uma vez que 1990 é o ano de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – o ECA. | Central de Cases 5 Já em seu DNA ficava estampada a preocupação com a criança e com os caminhos institucionais. Desde o início, os estatutos da Fundação Abrinq são pautados pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança (ONU, 1989), pela Constituição Federal Brasileira (1988) e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). A Fundação Abrinq foi, dessa forma, criada como uma instituição sem fins lucrativos, com o objetivo de mobilizar a sociedade para questões relacionadas aos direitos da infância e da adolescência. A partir de então, contando em seus quadros de conselheiros e colaboradores com pessoas de destaque na sociedade brasileira, entre o meio político, empresarial e artístico, a Fundação Abrinq passou a criar diversos programas de abrangência nacional que mobilizaram a sociedade de diversas formas. Um exemplo disso é a atuação forte que a entidade passou a ter no combate ao trabalho infantil, criando, em 1995, o Programa Empresa Amiga da Criança. Por meio de um selo social, o programa reconheceu as empresas que não se utilizam de mão de obra infantil e que invistam em projetos em prol da infância e adolescência. O selo passou a ser sinônimo da busca por uma gestão socialmente responsável, com grande visibilidade entre empresários e consumidores. A consolidação da instituição se fez por meio de seus estatutos e de sua posição em relação à sua atividade social. Sua exposição exigia, portanto, que se criassem meios de fazer o reconhecimento social ser absolutamente visível. Sua declaração de missão a atividade da entidade: “Promover a defesa dos direitos e o exercício da cidadania de crianças e adolescentes”. Seu foco de atuação fica nítido em sua declaração: são as crianças e os adolescentes. A missão da empresa, obedecendo aos princípios de planejamento e transparência, mostra para que existe a entidade. Considerando que sua atividade é parte de um todo, seja ideológico ou não, existe uma expectativa da organização em relação à sociedade e a parcela de contribuição que ela dá. Surge, dessa forma, sua visão, um sonho para muitos distante, para outros impossível, mas o motor da atuação da Fundação, cuja declaração é: “Uma sociedade justa e responsável pela proteção e pelo pleno desenvolvimento de suas crianças e adolescentes”. Para se atingir essa visão, extemporânea como devem ser as visões, existem os “trilhos” que norteiam o caminho, os valores que devem dar as diretrizes para o prosseguimento das atividades. São os valores da Fundação Abrinq: • • • • • • Ética Transparência Solidariedade Diversidade Autonomia Independência As ações da Fundação, independentemente de seus valores, obedecem alguns pressupostos, que identificam sua posição política e social, deixando clara a sua forma de atuação diante da sociedade. Alguns pressupostos básicos orientam os trabalhos e a forma de trabalhar da Fundação, sempre regida pela transparência. O que a Fundação denomina pressupostos são, na realidade, derivações operacionais de seus valores, uma forma de deixar clara a sua posição. São pressupostos de trabalho: | Central de Cases 6 • • • • • • • • A Fundação Abrinq é uma organização dedicada à defesa dos direitos das crianças e adolescentes, com foco na faixa etária que inicia com o recémnascido até o jovem de 18 anos; A Fundação não realiza atendimento direto; A Fundação não recebe recursos públicos; As ações são realizadas em rede; A gestão da Fundação é profissional, eficiente (avalia seus processos), eficaz (avalia seus resultados) e efetiva (avalia os impactos das ações). A Fundação Abrinq não recebe recursos de fabricantes de armas, cigarros e bebidas alcoólicas; A Fundação é preocupada com a sustentabilidade, realizando, somente, ações que já tenham recursos garantidos; A Fundação usa a accountability como padrão, ou seja, existe, por parte dos membros de um órgão administrativo ou representativo, a obrigação de prestar contas a instâncias controladoras ou a seus representados, de forma regular. Não só números e ações são avaliados, mas há autoavaliações, mostrando o que se obteve ou não. Para atingir seu objetivo, que no caso da Fundação até pode se confundir com sua missão, a entidade adota algumas estratégias, de forma a atuar na sociedade de forma efetiva e clara: • • • • • Estímulo e pressão para implementação de ações públicas; Fortalecimento de organizações sociais e governamentais para a prestação de serviços ou defesa de direitos; Estímulo à responsabilidade social diante dos direitos da criança e do adolescente; Articulação política e social na construção e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes; Conhecimento da realidade brasileira quanto aos direitos da criança e do adolescente; Sustentabilidade. • • A Fundação posiciona-se de forma incisiva com relação a alguns fatores, que apoiam suas estratégias, definindo quase um conjunto de crenças. Com relação à educação, a Fundação Abrinq defende a educação infantil, fundamental, do ensino médio de qualidade, defendendo, também, a educação inclusiva e a ambiental. O sistema de Gestão Ambiental e a Lei da Aprendizagem também são focos de defesa da Fundação. Somente dentro do campo de promoção de vidas saudáveis de crianças e adolescentes, item, também, defendido pela organização, iremos encontrar 13 subitens, todos de importância e relevância. A Fundação defende, ainda, a corresponsabilidade na gestão pública e a convivência familiar e comunitária e a garantia do registro civil a todas as crianças e adolescentes, sendo absolutamente contrária a exploração, maus tratos e violência, à redução da maioridade penal e ampliação do tempo de internação. A Fundação Abrinq repudia todas as formas de trabalho infantil, a violência doméstica, sexual e toda forma de violência contra crianças e adolescentes. | Central de Cases 7 Em 2010 a Fundação beneficiou 275.000 crianças e adolescentes e angariou novos parceiros, que somam em esforços e recursos. Foi, também, o ano de adesão à organização internacional Save the Children Alliance – entidade com mais de 90 anos de atuação mundial, como membro associado no Brasil. A seguir, apresentaremos um resumo dos programas/projetos realizados pela Fundação Abrinq, com breve descrição do que é a atividade e seus números principais. Programa/ projeto Adotei um sorriso Prêmio Criança O que é Números principais Promove a melhoria de qualidade de vida. Voluntários da área da saúde são mobilizados Identifica e reconhece iniciativas inovadoras voltadas à primeira infância, realizadas por empresas e organizações sociais 170.000 crianças beneficiadas; 2.877 profissionais voluntários 355 iniciativas inscritas, 10 finalistas (2 empresas e 8 ONGs) Patrocinadores master Copagaz Apoio cultural HSBC Paralamas do Sucesso TAM Intercontinental Prefeito Amigo da Criança Mobiliza prefeitos para 1.501 adesões que se comprometam a desenvolver políticas públicas nas áreas de saúde, educação, assistência social e garantam os recursos Empresa amiga da criança Engaja o empresariado na defesa dos direitos da criança e do adolescente, mobilizando e reconhecendo empresas que realizam ações sociais para o público interno e comunidade e que promovem e divulgam os direitos da população infantojuvenil brasileira 89 novas empresas credenciadas em 2009; 880 empresas amigas da criança; R$ 3,4 bi investidos em programas; R$ 84,3 mi destinados pelas empresas aos Fundos da Criança e do Adolescente Contribui com a ampliação do acesso e melhoria da qualidade do atendimento em creches 3.000 crianças beneficiadas; 270 professores capacitados Instituto C&A 545 crianças beneficiadas; 20 educadores diretamente beneficiados SulAmérica Primeira infância vem primeiro Creche para todas as crianças projeto Creche e reforma – Amplia o número de projeto vagas e melhora a qualidade de atendimento da região da Cidade Nova, no Rio de Janeiro | Central de Cases 8 A Parceria com a Save the Children Movidas pela situação mundial decorrente da I Grande Guerra e da Revolução Russa e problemas causados a crianças, as irmãs Eglantyne Jebb e Dorothy Buxton fundaram a Save the Children, em Londres, em maio de 1919. O principal objetivo das irmãs foi criar um organismo internacional capaz de atuar nos locais mais afastados. Demorou pouco tempo para chegarem ao que se propuseram, perenizando sua atuação. O trabalho de Eglantyne Jebb em pressionar os governos e a sociedade por uma proteção internacional para as crianças foi a semente da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada pelas Nações Unidas em 1989 e, hoje, ratificada por quase todos os países do mundo. Em 1990 foi instalado no Brasil o escritório da Save the Children, com programas que buscam a garantia dos direitos das crianças e adolescentes, principalmente no que se refere aos direitos à educação, saúde e proteção, incluindo situações de emergência por desastres naturais. Os projetos da Save the Children no Brasil são financiados por recursos provenientes da sede em Londres que os capta com doadores privados, pessoas físicas, outras agências de cooperação e setores públicos. A Aliança Internacional Save the Children é o maior movimento independente, de âmbito mundial, que trabalha para melhorar as condições de vida das crianças e adolescentes, conseguindo melhoras imediatas e duradouras e conta com um orçamento mundial de U$ 1,2 bilhão. A partir da promoção de uma perspectiva inovadora, denominada Enfoque de Direitos, a Aliança Save the Children luta por um mundo que valorize, respeite e escute todas as crianças para que elas possam crescer com esperança e oportunidades. É composta por 27 membros e administrada por um Comitê Executivo, com sede em Londres (Reino Unido), que apoia e coordena a atuação de todas as organizações de Save the Children. A Secretaria Geral da Organização, em Londres, lidera e coordena os 28 escritórios internacionais participantes da Aliança Internacional Save the Children – uma rede global de organizações sem fins lucrativos que atua em mais de 120 países. Cada um deles trabalha em favor das crianças do seu país, mas também em escala internacional. Projetos da Save the Children: | Central de Cases 9 Projetos da Save the Children: Projeto Parceiros Mobilização e Articulação Social pela Educação de Qualidade Campanha Nacional pelo Direito à Educação Rede Nacional Primeira Infância Instituto Pró-Mundo Semeando a Cultura dos Bons Tratos Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (Cendhec); Secretaria Municipal da Educação da Cidade de Recife Projeto Aprender Secretaria das Políticas Sociais da Prefeitura de Olinda Intervenção no Orçamento Criança e Adolescente (OCA) em Pernambuco Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) Mobilização do Comitê Estadual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF) Observatório e Pesquisa Ação Educativa Crianças Criando Cidadania com Arte Centro de Referência Integral de Adolescentes (CRIA) Rede Sou de Atitude – Advocacy em Educação Cipó Comunicação Interativa Projeto Rede de Arte-Educação para Prevenção em DST/AIDS Centro de Referência Integral de Adolescentes (CRIA) Programa Serviços Amigáveis Ecos Comunicação e Sexualidade – em parceria com Unidades Básicas de Saúde da Brasilândia/SP, Hospital Pérola Byington/SP, Canto Jovem – Em parceria com Unidade Básica de Saúde de Macaxeira e Passarinho; Secretarias de Saúde dos municípios de Natal (RN), Recife (PE) e São Paulo (SP) | Central de Cases 10 O Ambiente As informações sobre o terceiro setor são esparsas e de difícil compilação. Diversas fontes, muitas vezes contraditórias, nos levam a usar números, quase sempre aproximados. Além disso, muitas delas são defasadas no tempo ou não atualizadas. O que é fato, no entanto, é que se trata de um setor em crescimento, contando, cada vez mais, com voluntários e doações. A americana John Hopkins University, em pesquisa recente, em 22 países, incluindo o Brasil, concluiu que o Terceiro Setor é a oitava força econômica mundial, chegando a movimentar cerca de 1 trilhão de dólares por ano, gerando aproximadamente 10,4 milhões de empregos, excluindo-se os voluntários. Esta pesquisa levantou o perfil do Terceiro Setor no Brasil, em pessoal ocupado por área de atuação: Área de atuação Número de pessoas Educação e pesquisa 381.098 Saúde 184.040 Cultura 175.540 Assistência Social 169.663 Associações Profissionais 99.203 Religião 93.769 Defesa dos direitos 13.721 Meio Ambiente 2.499 % 34,0 16,4 15,7 15,2 8,9 8,4 1,2 0,2 Tabela 1– Pessoas empregadas no terceiro setor por área de atuação Fonte: Hopkins, John University, apud http://ambientes. ambientebrasil. com.br/gestao/ ongs_e_oscips/ informacoes_ sobre_o_terceiro_ setor.html, acessado em 1º de setembro de 2010 As instituições de terceiro setor possuem diversos focos de atendimento. Hoje, o principal são crianças e adolescentes, que centraliza cerca de 64% do número de instituições.Ver a distribuição na tabela 2. Público-alvo Crianças e/ou adolescentes Movimentos urbanos Associações de moradores/movimentos de bairro Mulheres Outras ONGs Público em geral Sindicatos rurais Pequenos produtores Tabela 2 – ONGs segundo principais categorias de público atingido (Respostas múltiplas) % de ONGs 63,7 52,4 46,6 41,9 25,8 22,5 22,5 20,9 Fonte: TACHIZAWA, Takeshi. Organizações não governamentais e Terceiro Setor. São Paulo: Atlas, 2002. p. 29 A Fundação Abrinq é uma entidade do terceiro setor e, como tal, não objetiva lucro. Suas preocupações são divididas em dois campos: como obter recursos e onde aplicá-los, mostrando à sociedade suas ações. O uso de ferramentas, como marketing, pode parecer, a princípio, incompatível com uma organização desse tipo. O uso de marketing, no entanto, passa a ser altamente eficiente, se trocarmos, no conceito, termos como lucro por eficiência e preço por elemento de troca. | Central de Cases 11 A Fundação é a maior entidade nacional voltada ao atendimento da criança e do adolescente, porém “concorre” em um mercado acirrado e pulverizado, onde existem mais de 260.000 organizações sociais em atividade. Se forem consideradas as organizações registradas com caráter de filantropia, esse número chega a perto de 400.000. Algumas dessas organizações possuem forte reconhecimento nacional, como, por exemplo, GRAAC e o Instituto Ayrton Senna, e, algumas, nem sequer são localizadas “no radar”. Pequenas entidades constituídas por pessoas físicas não possuem registro ou existência formal. Uma senhora, por exemplo, que adotou diversas crianças ou que cuida de uma pequena creche em sua casa, está beneficiando, à sua maneira, inúmeras crianças, sem ser, no entanto, formalmente reconhecida. A quantidade desse tipo de entidade não é conhecida, nem tampouco possível de ser estipulada. Perto de 80% das organizações estão concentradas em São Paulo, mas a aplicação de seus recursos está espalhada por todo o País. Parte significativa dessas organizações, ao menos do ponto de vista de concentração de recursos, são ONGs profissionalizadas com alta capacidade de gestão, conhecimento de técnicas de fundraising. Permitem a captação de recursos, além de contarem com profissionais ou voluntários que as ajudam a aplicar métodos de marketing, seja para fundamentar sua capacidade de captação, seja para escolher o foco de suas aplicações ou para seu planejamento. Um dos grandes problemas enfrentados pela Fundação Abrinq (e por outras instituições sérias) são as organizações que atuam sem ética, seriedade ou comprometimento. Além da atividade individual, houve toda uma propaganda negativa para o terceiro setor, quando do escândalo da ONGs fantasmas, ou de empresas que, para se beneficiar das vantagens fiscais, se registram como organizações do terceiro setor. Uma das características desse setor é o fato, conforme dito, da pulverização, que acaba por tirar a concentração de recursos. Por um lado permite que haja mais atividades em prol de um objetivo, porém impedem que projetos de maior porte possam ser realizados. Um dos fatores que colaboram para essa pulverização é o crescente número de empresas e, mesmo, de celebridades que criam suas próprias fundações e institutos, muitos deles oriundos de vontade de colaborar, porém sem qualquer capacidade gerencial e de marketing. As empresas contam com benefícios fiscais quando prestam algum tipo de aporte financeiro ao terceiro setor, seja em atividade própria, seja fazendo contribuições aos institutos ou às fundações. A contribuição advinda de pessoas físicas, ao contrário do que já ocorreu no passado, não permite benefícios fiscais. Descontos no imposto de renda de pessoas físicas motivados por doações eram possíveis há alguns anos. Esse seria um fator de incentivo para que pessoas físicas pudessem fazer suas contribuições individuais. O benefício fiscal para empresas, por outro lado, se torna um grande fator motivacional para a doação para atividades de terceiro setor. Outros fatores impulsionam algumas empresas a serem doadoras e patrocinadoras de atividades sociais. Ações sociais geram credibilidade para as marcas, agregando valor. Esse fator, por sua vez, já se comoditizou, na medida em que a situação se inverte: não é quem colabora socialmente que agrega valor à marca, mas quem não faz investimentos sociais “desagrega” valor à marca. O vínculo com causas sociais cada vez mais está se tornando ponto de análise do consumidor ao escolher determinada marca. Junte-se ao fato anterior, o surgimento de uma “Era da Responsabilidade Social”, com envolvimento maior e mais constante das pessoas, tanto físicas quanto jurídicas. | Central de Cases 12 Especificamente para o setor da Fundação Abrinq, cujo target de auxílio são crianças e adolescentes. Sabe-se, através de um levantamento do IPEA, que os potenciais doadores de verbas para causas sociais valorizam muito a causa de crianças e adolescentes. Existe, hoje, um grande número de organismos e fundações internacionais com interesse específico no Brasil. Prova disso é a própria filiação da Fundação Abrinq à Save the Children. Esse é um fator importante, seja no aporte de verbas, seja em investimentos diretos por parte dessas instituições. Os fatos Os presidentes da Fundação Abrinq e da Save the Children, respectivamente Synésio Batista da Costa e Peter Woicke, assinaram um acordo de cooperação que permite operacionalizar ações e projetos para atender crianças e adolescentes brasileiros. Synésio, comentando o acordo diz: “A finalidade dessa parceria é consolidar esforços conjuntos no sentido de contribuir para a garantia e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil. São duas organizações de grande porte que se unem para atuar de maneira decisiva, a fim de transformar a realidade de milhares de crianças brasileiras e recuperar futuros”. Partir das atuais 275.000 crianças atendidas por ano para, em cinco anos, chegar a 1 milhão é um dos resultados esperados do acordo firmado. De início a Fundação Abrinq receberá uma injeção de 5 milhões de dólares, a serem aplicados em modernização, consolidação, infraestrutura e captação de recursos sendo que, os investimentos em programas e projetos serão ampliados, dos atuais US$ 4,5 milhões/ano, para US$ 11 milhões até 2013. A Fundação Abrinq passa, agora, a ter mais um desafio. Sua atuação global, visto que, através do acordo e da Save the Children é visível, sendo quase uma portavoz do setor, para o mundo. A Save the Children, por sua vez, coloca à Fundação Abrinq o acesso a recursos internacionais. É Synésio quem, ainda, comenta: “Esta ação de unir competências e forças entre duas grandes corporações com o objetivo de melhorar a vida das crianças brasileiras é inédita no País e pode ser comparada às megafusões ocorridas recentemente no Brasil e no mundo, em vários setores”. O discurso é desafiante. Como transformá-lo em realidade é o verdadeiro desafio. Como mostrar o quadro social brasileiro para o mundo? Como gerar sinergia na atuação das duas entidades? A Fundação deve preparar-se para uma situação cultural e de marketing diferente da que vive hoje. Sem contar que quadruplicar a meta exige muito mais do que só quadruplicar a captação. | Central de Cases 13