GOVERNANÇA E LEGALIDADE
Fevereiro de 2008
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POR MILTON NASSAU RIBEIRO
Professor da Pós-Graduação da FGV, mestre em Direito Empresarial e advogado. Autor do livro “Aspectos jurídicos da
governança corporativa” ([email protected]).
QUAL É A RELAÇÃO ENTRE GOVERNANÇA CORPORATIVA E OS ACIONISTAS MINORITÁRIOS?
A idéia de governança corporativa continua muito associada à figura do acionista não controlador ou minoritário.
Tal associação não surgiu por acaso, uma vez que foi graças ao ativismo de grupos minoritários organizados que
surgiu o movimento da governança corporativa na década de 80. Não seria equivocado, portanto, chamar os
acionistas minoritários de pais da governança corporativa, mas certamente é um enorme erro considerar que essa
deva ser implementada simplesmente em benefício de seus criadores.
Foram os acionistas não controladores, especialmente os investidores institucionais da Inglaterra e dos Estados Unidos, os
primeiros a se insurgirem contra fraudes e abusos dos controladores e gestores, exigindo a adoção de práticas de gestão
probas e transparentes. Um grande exemplo dessa luta foi o fundo de pensão dos funcionários públicos da Califórnia
California Public Employees Retirement System − CalPERS −, que se tornou extremamente ativo após a recusa pelos
executivos da Texaco de uma oferta de compra desse fundo em 1984, claramente motivada pela defesa de seus empregos.
Como resposta, a CALPERS adotou uma resolução repudiando o comportamento similar de outras empresas e elaborou
uma lista de problemas na gestão das companhias a serem solucionados, tais como: altos salários dos executivos,
dependência do Conselho de Administração em relação aos gestores e arranjos para a evitar a compra de empresas
mediante oferta hostil entre outros.
Não devemos esquecer-nos, contudo, de que, na sociedade empresarial, bem como em qualquer regime democrático, a
predominância do princípio majoritário estabelece que a submissão das minorias (nesse caso, os vencidos na Assembléia
Geral e, conseqüentemente, nas demais deliberações sociais) é essencial para a existência do regime. No caso das
sociedades empresárias, o princípio majoritário se legitima não apenas em nome da democracia, como também em razão
da maior assunção de riscos e/ou alocação de capital dos controladores da sociedade.1
Há nas sociedades anônimas, porém, um freio à disposição dos controladores que se situa na esfera do interesse da
companhia, conforme já mencionado em outras oportunidades. Esse interesse da sociedade não pode ser
compreendido como a submissão de todos aos interesses individuais da maioria. As deliberações da maioria, para
serem legítimas e legais, devem sempre se direcionar ao melhor interesse da empresa. Este, por sua vez, deve ser
compreendido como a compatibilização da realização do objeto social de forma mais rentável, com os interesses
dos acionistas não controladores, comunidades, empregados e demais interessados na companhia, na forma do
artigo 116, parágrafo único da lei das S/A. O interesse da sociedade é, portanto, o fim a ser buscado pelo
controlador e o limitador do exercício de seu poder.
É nessa medida que se relaciona a governança corporativa com o acionista minoritário ou não controlador. Este é
um agente interessado na companhia, devendo ter os seus direitos respeitados e os interesses compatibilizados
com a consecução dos objetivos lucrativos da companhia.
Além do evidente interesse de retorno de seus investimentos via dividendos e valorização das ações, os acionistas não
controladores têm outros direitos consagrados na lei das sociedades anônimas. Destacam-se os seguintes direitos:
1
No Brasil, em razão da existência de ações preferenciais sem direito a voto ou com direito de voto restrito, nem sempre o grupo
vencido nas assembléias gerais da companhia (minoria das ações com direito de voto) corresponde à minoria em relação ao número
total de ações. Por tal razão, muito embora esteja consagrada a expressão acionista minoritário, tecnicamente seria mais adequado
chamá-los de acionistas não controladores.
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I. individuais: v.g.: direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais; direito de preferência na subscrição de
ações; direito de participar dos lucros sociais e do acervo da companhia, quando de sua liquidação (art.
106); tratamento igualitário nas alienações de controle mediante oferta pública (art. 254A); liberdade de
circulação das ações (art. 36); participação em assembléias (art. 125); direito de propor ação de
responsabilidade contra administradores em nome próprio (art. 159) etc;
II. de minoria: são direitos que pressupõem a titularidade de um número mínimo de ações, conforme a matéria
do interesses dos minoritários. Além de serem minoria, os titulares desses direitos não podem participar do
grupo de controle. Bem como os direitos individuais, os direitos da minoria são irrenunciáveis,
indisponíveis, inderrogáveis e intangíveis, v.g: direito de requerer exibição dos livros e cópia dos
documentos que se acham à disposição dos acionistas, desde que detenha mais de 5% do capital social (art.
105); direito de convocar assembléia geral na omissão dos administradores, caso representem 5% do capital
social ou preferencial (123, c); direito de requerer funcionamento do Conselho Fiscal para os acionistas que
representem 5% ou mais de ações sem direito de voto (art. 161, § 2o) e de eleger membros deste órgão,
desde que titulares de ações ordinárias que não representem, em conjunto, 10% ou mais dessas ações ou
preferencialistas (art. 161, § 4o ); direito de requerer adoção de voto múltiplo para eleição dos membros do
Conselho de Administração desde que representem 1/10 do capital votante (art. 141, caput); direito de
eleger e destituir um membro do Conselho de Administração, em votação em separado na assembléia geral,
os titulares de 15% das ações ordinárias e de 10% das ações preferenciais, ambas de companhia aberta;
III.
próprios de classes de acionistas: a diversidade de direitos dessa categoria (espécie e classe de ações) não
pode ultrapassar os limites que a lei autoriza para o tratamento diferenciado da respectiva categoria. Esses
direitos específicos não podem ser modificados a não ser com o assentimento dos titulares dos respectivos
direitos, v.g.: limitação da criação de espécie e classe de ações (art. 15); abrangência do resgate e
amortização para as diversas classes (art. 44), alteração das condições das classes de ações existentes ou
criação de nova classe mais favorecida (art. 136); e direito de recesso (art. 137);
IV. gerais de dissidência: incluem-se nesses os direitos resultantes da criação de ações preferenciais ou alteração de
seu regime (art. 137), mudança de objeto da companhia (art. 137, III, a), incorporação da companhia controlada ou
sua fusão (art. 264), dissolução voluntária da companhia (art. 206) ou cessação do estado de liquidação (art. 137),
participação da companhia em grupo de sociedades (arts. 137 e 270), transformação da companhia (arts. 221 e 298,
III) e aquisição, por companhia aberta do controle de sociedade mercantil (art. 254);
V. coletivos: são aqueles em que prevalece a vontade dos controladores. Eles podem ser alterados pela
manifestação dos acionistas em assembléia geral e com a modificação da lei interna da sociedade. Essa
prerrogativa tem como limitação a licitude dos fins societários e o exercício regular das atividades sociais.
Infelizmente, em alguns episódios recentes, noticiou-se um ativismo de pequenos grupos de minoritários mais
voltados à satisfação de seus interesses próprios do que propriamente à consecução do interesse da companhia, em
uma atitude muito próxima da ação dos controladores que abusam de seu poder.
Como pais da governança corporativa, cumpre aos acionistas minoritários serem os tutores de seu desenvolvimento. Para
tal, a agenda desses acionistas deve estar voltada à educação e ao ativismo dos investidores, à transparência nas decisões
das companhias, à prestação correta e abrangente de informações, à análise de alternativas que permitam uma
sustentabilidade da empresa no longo prazo, além de, é claro, fazer valer os seus direitos previstos em lei.
Dizem que os bons pais preparam o filho para o mundo e não para si, preocupando-se mais com o
desenvolvimento dos rebentos do que com os pequenos interesses pessoais ou familiares. Essa receita parece-nos
perfeitamente aplicável também aos pais da governança corporativa que, apesar de serem responsáveis pelo seu
nascimento e desenvolvimento, não devem ser os únicos destinatários de suas realizações.
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