PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA: ÓBICE PARA A EFETIVA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO? Profª. Elaine Cristina Soares1 Profº. Dr. Fernando de Brito Alves2 RESUMO A “razoável duração do processo” foi alçada à condição de princípio fundamental com a Emenda Constitucional nº 45/2004, dotada, portanto, de aplicabilidade imediata e eficácia plena. Entretanto, discute-se sua aplicabilidade devido ao conflito existente com outros princípios igualmente fundamentais como os do “contraditório” e da ampla defesa” que garantem a “segurança jurídica”. Por meio do presente artigo pretende-se discutir a colisão entre estes princípios e a forma de solucioná-lo, com amparo nos doutrinamentos de Dworkin e Alexy que apontam para a necessidade de ponderação entre os princípios como forma de não afastar por completo um deles. Palavras- chave: Aplicabilidade do princípio da “Razoável duração do processo”. Princípio do “contraditório e ampla defesa”. Colisão entre princípios. Dworkin. Alexy. PRINCIPIOS DEL CONTRADCITORIO Y DE LA DEFENSA AMPLIA: ¿OBSTÁCULOS A LA APLICACIÓN EFECTIVA DE EL PRINCIPIO DE DURACIÓN RAZONABLE DE LOS PROCEDIMIENTOS? RESUMÉN La "duración razonable de los procedimientos" fue cometido a la categoría de principio fundamental con la enmienda constitucional nº 45/2004, dotado así de aplicabilidad inmediata y plena eficacia. Sin embargo, se discute su aplicabilidad debido a conflictos con otros principios igualmente fundamentales como del "contradictorio” y de “la defensa amplia" que garantizan la "certeza jurídica". Por medio de este artículo se ha discutir la colisión entre 1 Advogada. Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Londrina. Láurea Acadêmica pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em “Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Arthur Thomas de Londrina. Mestranda em “Ciências Jurídicas” pela Universidade Estadual do Norte do Paraná. Professora Universitária. 2 Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e pelo Centro de Estudos Interdisciplinares do Séc. XX da Universidade de Coimbra. Doutor em Direito pela Instituição Toledo de Ensino - ITE / Bauru-SP. Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP . Possui graduação em Filosofia pela Universidade do Sagrado Coração e graduação em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro da Universidade Estadual do Norte do Paraná, é especialista em "História e históriografia: sociedade e cultura" pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras da mesma Universidade. Atualmente é Assessor Jurídico da UENP, Editor da Revista Argumenta (Qualis B2), professor adjunto da UENP e professor das Faculdades Integradas de Ourinhos. estos principios y la manera de resolverlo, con amparo en la doutrinacion de Dworkin y Alexy que apuntan a la necesidad de equilibrio entre los principios como una forma de non afastarlos. Palabras-clave: Aplicabilidad del principio de la "duración razonable de los procedimientos". Principio de "contradictorio y amplia defensa". Colisión entre principios. Dworkin. Alexy. 1 INTRODUÇÃO Por meio do presente artigo objetiva-se discutir o possível conflito entre princípios constitucionais que garantem aos jurisdicionados a celeridade da tramitação dos processos judiciais através da garantia da “razoável duração dos processos” e os princípios que garantem a segurança jurídica dos processos judiciais através do “devido processo legal”, do “contraditório”, da ampla defesa” e da “inafastabilidade do controle jurisdicional”. A questão é de relevo visto que o princípio da “razoável duração do processo” tende a satisfazer uma necessidade premente da sociedade na medida em que o processo judicial é meio para se assegurar, preservar ou reparar direitos violados. E a ausência de reparação dos direitos violados por meio da entrega tardia ou ausência de entrega efetiva de um provimento jurisdicional acaba por, igualmente, caracterizar uma violação de direitos. A prestação jurisdicional, por vezes, mostra-se como a única forma de assegurar ou reparar direitos, garantindo efetividade aos mesmos. A tutela jurisdicional quando não entregue ou entregue tardiamente, por vezes, per si, representa igualmente uma violação de direitos, na medida que não garante a satisfação exigida pelo jurisdicionado que se vê lesado novamente, desta feita, pelo próprio Poder Público, através do Judiciário que não cumpriu satisfatoriamente sua função primordial. Nesta situação, a violação aos direitos do jurisdicionado se concretiza (diante da omissão do Poder Judiciário) e acaba-se por violar direitos outros do jurisdicionado, inclusive seu direito ao “acesso ao Judiciário” e seu direito a um processo “célere” e de “razoável duração”. O direito à “razoável duração do processo” foi erigido à categoria de princípio constitucional fundamental por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004 que acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88). E desde que foi erigido à condição de princípio fundamental muito se tem discutido acerca da efetividade deste princípio. Argumenta-se que o princípio da “razoável duração do processo” ameaça os princípios igualmente fundamentais do “contraditório” e “da ampla defesa”, que juntamente com as garantias do “devido processo legal” e da “inafastabilidade do controle jurisdicional” congregam o princípio da “segurança jurídica” ou da “confiança na Justiça” 3 Afirma-se que no sopesamento destes, não seria possível dar preferência à aplicação do princípio da “razoável duração do processo” em detrimento dos demais princípios constitucionais garantidores da segurança jurídica. Dito isto, seria então o princípio da “razoável duração do processo” inócuo? É possível negar aplicação prática ao mesmo em razão do aparente conflito com outros princípios constitucionais? Na tentativa de responder a estes questionamentos foi elaborado o presente artigo que pretende discutir a natureza e efetividade dos princípios constitucionais em questão e que pretende analisar a possibilidade de aplicação dos mesmos diante do aparente conflito existente para ao final responder se pode o jurisdicionado exigir do Poder Público meios que garantam a efetividade do princípio da “razoável duração do processo”. 2 O DIREITO FUNDAMENTAL À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO A “razoável duração do processo” ganhou status de direito fundamental com a Emenda Constitucional nº 45 de 08/12/2004 que introduziu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88) que dispõe in verbis: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação4. Até então a “razoável duração do processo” era apenas uma noção difusa na doutrina de que haveria “um elo anímico, por assim dizer, entre a efetividade da prestação jurisdicional e o tempo tolerável para sua entrega5” 3 PINTO, José Augusto Rodrigues. O processo do trabalho e o princípio fundamental da duração razoável. Revista do Advogado – AASP, SP, ano XXX, n. 110, p. 70, dez, 2010. 4 BRASIL. Constituição Federal de 1988. 5 PINTO, op.cit., p. 69. Era apenas um conceito embutido dentro da ideia de celeridade e que estava implícito dentro do princípio do “acesso à Justiça” previsto no art. 5º, XXXV, da CF/886. Estaria implícito porque o direito ao acesso à Justiça pressupõe a entrega de uma tutela judicial efetiva . A “efetividade”, por sua vez, tem como premissas a adequação e a tempestividade do provimento judicial, sendo que a “adequação” corresponde à busca pela tutela mais apropriada para concretizar o direito material e a “tempestividade” pressupõe a existência de “procedimentos construídos sob o enfoque da harmonização entre ampla defesa e celeridade7” . Portanto, o elemento tempestividade exigido para a efetividade do acesso ao Judiciário trazia implícita a ideia de “duração razoável do processo”. Positivada com a EC 45/2004 e erigida à categoria de direito fundamental, a “razoável duração do processo” passou a ser entendida como “a proclamação do direito de todo indivíduo de ser ouvido, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um Juiz imparcial, independente e competente para o exame do litígio8”, tal como inclusive previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada e adotada pelo Brasil desde 1992 (Pacto de San Jose da Costa Rica, art. 8º). Passou a ser concebida como um princípio fundamental que, deste modo, deve ser entendido como um direito subjetivo público, autônomo e prestacional conferido às pessoas. É uma garantia subjetiva pública porque é dirigida ao Poder Público, ou seja, ao Estado, o qual possui a obrigação de prestar a tutela jurisdicional em um tempo plausível e aceitável; é um direito autônomo porque trata-se de um direito que pode ser exigido independente da garantia do direito ao acesso à Justiça e independente do direito material vindicado em Juízo; e é um direito prestacional na medida em que se exige do Estado uma atuação concreta para a satisfação de direitos individuais, sendo dever do Estado disponibilizar condições e meios materiais para que seus órgãos prestem a jurisdição em tempo razoável9. 6 7 CF/88, art. 5º, XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” VAQUERO, Humberto Lúcio Menezes de. O direito constitucional à razoável duração do processo e seus reflexos nos direitos humanos e fundamentais. 2010. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2010, p.50. 8 PINTO, José Augusto Rodrigues. O processo do trabalho e o princípio fundamental da duração razoável. Revista do Advogado – AASP, SP, ano XXX, n. 110, p. 69, dez, 2010. 9 VIANA, Adriana Grandinetti. A razoável duração do processo como mecanismo de desenvolvimento social. 2007. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Direito Econômico e Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007, p.199. A questão do que seria razoável em termos de duração do processo encontra grande dificuldade de delimitação, podendo ser considerado um conceito indeterminado, uma cláusula aberta. Acerca da questão o único consenso que existe é que muito embora a “razoável duração do processo” seja um conceito indeterminado, a duração do prazo pode e deve ser analisada e considerada em cada caso concreto, onde se deve averiguar qual o tempo absolutamente necessário para a solução do litígio com segurança. Para fazer tal averiguação nos casos concretos devem ser avaliadas algumas circunstâncias tais como as seguintes: complexidade da causa, o lugar onde ela se desenvolve, o tipo de direito nela discutido, a idade das partes etc., sendo que a complexidade das questões discutidas no processo podem ser resultado, por exemplo, da pluralidade de litisconsortes que deverão ser citados, da necessidade de intervenção de terceiros, da dificuldade de se localizar testemunhas, da necessidade de se produzir provas periciais complexas e demoradas e da multiplicidade de incidentes processuais pertinentes suscitados pelas partes ou da controvérsia sobre o direito aplicável 10. No Brasil a questão ainda é relativamente recente, muito embora a celeridade seja há muito mais tempo prevista em nosso ordenamento jurídico. Entretanto, no direito alienígena há significativo progresso quanto ao tema e é possível obter na jurisprudência do Tribunal Europeu, da Corte Interamericana e de outros países proveitosa contribuição no que se refere aos critérios de averiguação do que seria razoável em termos de duração do processo, sendo que tem sido eleitas as seguintes circunstâncias: a complexidade da causa, a conduta dos litigantes, a atuação da autoridade judicial, o contexto do processo e a importância do litígio para os demandantes11 . A Corte Europeia de Direitos Humanos ainda associa o conceito de “razoável duração do processo” à ausência de dilações indevidas na tramitação do mesmo, sendo que para verificar a ausência de dilações indevidas nos casos concretos fixou três parâmetros: a complexidade do assunto, o comportamento dos litigantes e a atuação do órgão jurisdicional. Neste passo, a “complexidade do assunto” se “relaciona com a ponderação entre os princípios da ampla defesa e da efetividade, voltando-se para a determinação da 10 VIANA, Adriana Grandinetti. A razoável duração do processo como mecanismo de desenvolvimento social. 2007. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Direito Econômico e Social da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2007, p.205. 11 VIANA, ibidem., p.202. defesa necessária, de acordo com a causa”; o “comportamento dos litigantes” “concerne à litigância de má-fé e ao respeito às decisões judiciais”; e a “atuação do órgão jurisdicional” refere-se ao “necessário controle da atuação do julgador no curso do processo12” Dilações indevidas também podem ser entendidas como “os atrasos produzidos no processo pela não observância dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das etapas mortas que separam a realização de um ato processual do outro, insubordinação a um lapso temporal previamente fixado, e, sempre, sem que aludidas dilações dependam da vontade das partes ou de seus mandatários13” . Apesar de tais parâmetros, é certo que o conceito de razoável duração do processo é indeterminado, sendo uma cláusula aberta que não admite uma regra matemática. Todavia, tal circunstância não obsta sua aplicação prática, mormente porque erigida à condição de direito fundamental. Tratando-se de direito fundamental ocupa posição de caráter normativo supremo dentro do Estado, de caráter inafastável e de aplicabilidade imediata. Tratando-se de direito fundamental positivado na Constituição Federal passou a exigir providências concretas para a sua efetivação. Neste sentido, não é mais dado aos aplicadores do direito recusar a aplicação de providências que levem a uma maior celeridade processual. Com a positivação do direito à “razoável duração do processo”, (direito público subjetivo, autônomo e prestacional que é) direcionou-se ao legislador e aos aplicadores do direito a norma que exige o manejo de práticas que deem efetividade ao direito em voga. Sendo assim, indiscutível sua exigibilidade e sua aplicabilidade. No entanto, a exigência de providências para tornar o processo mais célere e que tenha uma duração considerada razoável pode ameaçar outros direitos igualmente fundamentais, como o do “contraditório” e o da “ampla defesa”, que juntamente com o do “devido processo legal” e da garantia da “inafastabilidade do controle jurisdicional” representam o princípio da “segurança jurídica” ou da “confiança na Justiça”. 12 VAQUERO, Humberto Lúcio Menezes de. O direito constitucional à razoável duração do processo e seus reflexos nos direitos humanos e fundamentais. 2010. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2010, p.52. 13 ESTEVEZ, Rafael Fernandes. O direito fundamental à razoável duração do processo e os mecanismos processuais garantidores de sua eficácia após a Emenda Constitucional nº 45/2004. 2007. Dissertação (Mestrado em direito) – Curso de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p.40. 3 A QUESTÃO DA “SEGURANÇA JURÍDICA”. DIREITOS AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA A Constituição Federal de 1988 assegura o direito fundamental ao “devido processo legal”, garantia por intermédio da qual se confere ao indivíduo uma proteção tanto no âmbito material como no âmbito formal do processo. Através do “devido processo legal” assegura-se ao indivíduo o direito de ser processado e julgado pelo Juiz competente (art. 5º, LIII, CF/88), o direito aos recursos assegurados em lei (art. 5º, LV, CF/88), o direito à decisão imutável (art. 5º, XXXVI, CF/88), à revisão criminal, além dos direitos à defesa técnica (art. 5º, LXXIV e LXIII, CF/88), à publicidade do processo (art. 5º, LX, CF/88), à citação (art. 5º, LV, CF/88), à não expropriação de bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, CF/88) e à produção ampla de provas (art. 5º, XXXVIII e LV, CF/88). Assim, no âmbito material assegura-se o direito de liberdade e propriedade e no âmbito formal assegura-se uma paridade total de condições do indivíduo com o Estado, conferindo-se plenitude de defesa no âmbito dos processos administrativos ou judiciais, nas esferas criminal ou cível. São corolários do direito ao “devido processo legal”, os do “contraditório” e o da “ampla defesa” (art. 5º, LV, CF/88), assegurados nas instâncias administrativas ou judiciais, nas esferas cível ou criminal, abrangendo inclusive as instâncias especializadas (Justiça Militar, do Trabalho etc.). O direito à ampla defesa assegura à parte condições “que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade”; o “contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo 14” , sendo que para cada ato produzido é assegurado à parte “ex adversa” igual direito de manifestação, viabilizando-se a apresentação de outra versão ou tese. Neste sentido: O contraditório permite a isonomia de atuação entre as partes no processo, concedendo-lhe a bilateralidade de informações e manifestações, sempre ouvidas pelo juiz. [a ampla defesa visa] uma vasta possibilidade de alegações e de produção de provas e um sistema procedimental lógico e coerente para que sua alegações e defesas sejam completamente trazidas a juízo, até mesmo como modo de 14 MORAES, Alexandre de. Direito humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.298. permitir a disputa e o diálogo entre as partes a propiciar a sentença mais adequada e correta possível 15(HOFFMAN, Paulo. Razoável duração do processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 33, apud MENDES, 2011, p. 31-32). O direito ao contraditório permite às partes uma isonomia de atuação no processo por meio da bilateralidade de informações e manifestações prestadas e ouvidas pelo Juiz, ao passo que a ampla defesa corresponde a uma vasta possibilidade de alegações e de produção de provas16 , razão pela qual são apontados como o principal óbice para a celeridade processual e, por conseguinte, para a efetivação do princípio da razoável duração do processo. O direito ao devido processo legal e seus corolários – direito ao contraditório e à ampla defesa – são garantias constitucionais previstas no art. 5º, LV, da CF/88, erigidas igualmente à condição de princípios fundamentais, que, como visto, asseguram os direito de liberdade e propriedade do indivíduo. Tais direitos encontram raízes históricas e apresentam-se como fatores de fundamental importância na consolidação do Estado Democrático de Direito, motivo que leva juristas e operadores do direito a atribuir maior valor aos princípios do contraditório e da ampla defesa do que ao da celeridade e da razoável duração do processo. Neste sentido, os direitos fundamentais ao contraditório e à ampla defesa são garantias que remontam à Carta Magna de 1215 e que, consolidando-se ao longo da história, foram consagrados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. XI, nº 1). Tais direitos que consistem no princípio da “segurança jurídica” são derivados do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. O primeiro tem origem na Magna Carta inglesa de 1215 e no “due process of law” nos Estados Unidos da América. O segundo “é natural da Europa, de criação germânica, tendo origem nos séculos XVII e XVIII, quando na Inglaterra surgiram as teorias jusnaturalistas propugnando ter o homem direitos inalienáveis à sua natureza e anteriores ao aparecimento do Estado17” . Decorrem destes princípios garantias individuais, tais como a que reza que “ninguém será julgado senão por juízo competente e pré-constituído” e a que reza que não há 15 HOFFMAN, Paulo apud MENDES, Iratelma Cristiane Martins. Duração razoável do processo. 2011. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais – direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 31-32. 16 MENDES, Iratelma Cristiane Martins. Duração razoável do processo. 2011. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais – direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011, p.31. 17 VAQUERO, Humberto Lúcio Menezes de. O direito constitucional à razoável duração do processo e seus reflexos nos direitos humanos e fundamentais. 2010. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2010, p. 99. crime sem lei prévia, ou pena sem lei”. Traduzem-se, portanto, no princípio do devido processo legal. O princípio do devido processo legal, aliado à separação dos poderes, constitui-se em fundamento essencial do regime democrático, uma vez que sua abrangência ultrapassa a condição de simples garantia processual. Incorporado à Constituição norte-americana de 1787, através das emendas 5ª e 14, o referido princípio tornou-se prontamente objeto constante de intenso trabalho doutrinário e jurisprudencial, principalmente no que tange à interpretação dada pela Suprema Corte americana, pois se hoje o mesmo pôde alcançar o reconhecimento e o prestígio que lhe são devidos, tal se deve ao enunciado flexível sobre o qual foi esculpido e às possibilidades abertas pelo case system, emblema maior do sistema da Common Law 18. São direitos que derivam dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que são de fundamental importância, visto que: [...] surgiram com o intuito de barrar o poder desenfreado do Estado formal de Direito, trazendo assim, para o novo Estado Democrático de Direito, prerrogativas em busca do respeito à dignidade da pessoa humana e o Direito ao devido processo legal, construindo um Estado moderno, no respeito à declaração do homem e do cidadão e na nova mensagem trazida pela Revolução francesa: “Liberté, Igualité e Fraternité19” Tratam-se de direitos que – a despeito de proporcionarem uma tramitação burocrática dos feitos administrativos e judiciais – garantem um rígido sistema de garantias para as partes visando ao asseguramento de uma justa e imparcial decisão judicial20. São direitos que caracterizam um preceito basilar do Estado Democrático de Direito: a “segurança jurídica”. Inegável que tais direitos tendem a burocratizar as demandas administrativas e judiciais, todavia, resguardam questões fundamentais, questões que conferem aos indivíduos a necessária segurança no Poder Judiciário e o respeito às suas liberdades e à sua propriedade. Sem dúvidas, na medida em que burocratizam os processos administrativos e judiciais, tais direitos ameaçam a celeridade processual e, por conseguinte, o princípio da “razoável duração do processo”. 18 VAQUERO, ibidem., p.100. VAQUERO, ibidem., p.101. 20 MORAES, Alexandre de. Direito humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p.298. 19 Então, como ponderar os direitos fundamentais que proporcionam a necessária e FUNDAMENTAL “segurança jurídica” com o igualmente fundamental direito à “razoável duração do processo”? 4 A QUESTÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. UMA QUESTÃO DE PRINCÍPIOS Direitos fundamentais, na definição de Dimoulis são “direitos públicosubjetivos de pessoas [...], contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual21” (grifos acrescidos). “São os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direto constitucional positivo de determinado Estado”, isto é, são aqueles “reconhecidos ou outorgados e protegidos pelo direito constitucional interno de cada Estado22” E diante da proteção constitucional que os institui ou protege, devem ser objeto de efetiva aplicação. Neste sentido, a própria Constituição Federal de 1988, no §1º, do art. 5º, ressalta a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais constituem, nos dizeres de Sarlet 23 , “elemento nuclear da Constituição material”. Os direitos fundamentais “integram, ao lado da definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do Estado constitucional24”. São de fundamental relevância para o Estado Democrático de Direito, visto que consistem em direitos protetivos da liberdade, direitos protetivos do indivíduo diante das necessidades materiais e direitos protetivos da preservação do ser humano, garantias que foram conquistadas arduamente ao longo da história. Os direitos fundamentais surgiram como uma resposta ao Absolutismo no século XVIII. Fruto do pensamento liberal-burguês daquela época surgiram como necessidade de afirmação dos direitos dos indivíduos frente ao Estado e seu marco histórico está na Magna Carta de João Sem-Terra de 1215, referendados igualmente em outras cartas políticas da época (como a “Petition of Right” de 1628, o “Habeas Corpus Act, de 1619, o “Bill of 21 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: RT, 2007, p.54. 22 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos Fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001, p.33. 23 SARLET, ibidem., p.62. 24 SARLET, ibidem, loc.cit. Rights”, de 1689 e o “Act of Settlement, de 1701). Brotaram como direitos de defesa, “demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder25” . Surgiram como direitos de cunho “negativo, exigindo uma abstenção por parte do Estado. Surgiram como direitos de defesa do indivíduo visando à salvaguarda das liberdades públicas protegendo o direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade 26. Ao longo da história evoluíram e, no século XIX, a partir da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão” de 1789, passaram a compreender também os direitos econômicos, sociais e culturais. Foram complementados por um leque maior de liberdades e passaram a englobar também as liberdades de expressão coletiva, tais como as liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação etc. 27 , além das liberdades de sindicalização, o direito de greve e os direitos fundamentais dos trabalhadores. Os direitos fundamentais evoluíram para uma dimensão positiva, vez que ao invés de uma “liberdade do e perante o Estado” passaram a ser uma “liberdade por intermédio do Estado”; tornaram-se direitos que asseguram aos indivíduos “prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas28” . Esta nova geração dos direitos fundamentais, representados pelos direitos econômicos, culturais e sociais surgiram de uma reação ao Estado Liberal, de caráter individualista. Passou-se a exigir a intervenção do Estado no domínio privado para o estabelecimento de um equilíbrio aspirado pela sociedade na época, ansiosa por medidas de proteção e tutela dos indivíduos visando equilibrar interesses individuais elementares e a arregimentação social e econômica do Estado Industrial. Os direitos fundamentais à liberdade e igualdade, até então assegurados no âmbito apenas formal (igualdade perante a lei), passaram a ser assegurados em seu aspecto substancial, realizáveis materialmente 29. 25 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos Fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001, p.50. 26 MENDES, Iratelma Cristiane Martins. Duração razoável do processo. 2011. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais – direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011, p.64. 27 SARLET, op.cit., p.50. 28 SARLET, op.cit., p.51. 29 MENDES, Iratelma Cristiane Martins. Duração razoável do processo. 2011. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais – direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011, p.65. A igualdade formal passou a compreender também as garantias processuais, como o “devido processo legal”, o “habeas corpus” e o direito de petição. Os direitos sociais foram concebidos como premissa para alcançar a dignidade humana e nesta condição a efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais deixou de ser mera obrigação moral dos Estados. No período observou-se a Constitucionalização dos Direitos Sociais e por força de tratados internacionais tornou-se obrigação jurídica do Estado dar efetividade a tais direitos30 . O direitos sociais vieram em complemento aos direitos de liberdade, tornando-se premente sua concretização, podendo ser compreendidos “[...] como direitos a prestações, consiste precisamente em realizar e garantir os pressupostos materiais para uma efetiva fruição das liberdades”, agenciando a igualdade material no afã de se alcançar a justiça social. Assim, exige-se agora, não mais um comportamento passivo do ente estatal, mas uma atividade comissiva, interventora, para a minoração das desigualdades sociais31 . Esta evolução permitiu classificar os direitos fundamentais, sendo aqueles primeiros que garantiam as “liberdades individuais” denominados de “direitos fundamentais de primeira geração” e estes últimos, que asseguram “liberdades sociais” classificados como “direitos fundamentais de segunda geração”. Observou-se ainda uma terceira dimensão destes direitos fundamentais32. Evoluíram para abranger também os direitos de fraternidade ou solidariedade, direitos em que se visa a proteção de grupos humanos e que assim são de titularidade coletiva ou difusa. Nesta terceira dimensão dos direitos fundamentais surgem “o direito à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação33” . Dada a histórica, notável e natural relevância dos direitos fundamentais, nossa Constituição Federal de 1988 ainda alçou muitos deles à condição de princípios fundamentais, sendo que dentre vários, estão os do “devido processo legal”, o do “contraditório e da ampla defesa” e o do “inafastabilidade do controle jurisdicional” que 30 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o trabalho: principiologia dos direitos humanos aplicada ao direito do trabalho. Revista do Advogado – AASP, SP, ano XXVII, n.97, p. 73. maio, 2008. 31 MENDES, op.cit., p.66. 32 Sustenta-se ainda a existência de direitos fundamentais de quarta geração que seriam os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo, que por ainda não estarem positivados, encontram oposição na doutrina. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos Fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001, p.55. 33 SARLET, ibidem., p.53. representam o princípio da “segurança jurídica” (ou da “confiança na Justiça”) e, de outro lado, o princípio da “razoável duração do processo”. Todos inserem-se atualmente na categoria de princípio fundamental e possuem, portanto, igual valor e exigem igualmente eficácia e aplicabilidade imediata, nos termos do parágrafo primeiro do art. 5º da CF/88. Tratando-se de direitos fundamentais podem ser prontamente vindicados pelos indivíduos que possuem o direito de exigir do Estado providências para a sua concretização. Neste passo, considerando que a “razoável duração do processo” foi erigida à categoria de princípio constitucional fundamental por meio da Emenda Constitucional nº 45/2004 que acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), seguindo, inclusive, uma orientação que hoje é mundial e também está contida na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José, art. 8º), é possível exigir-se do Estado providências para assegurar a efetivação deste direito fundamental. Deste modo, tendo sido assegurado constitucionalmente, é legítimo que se exija do Estado meios para dar efetividade aos direitos fundamentais, em particular criando meios que tornem o processo mais célere, assegurando o restabelecimento de direitos violados ou a preservação destes pelo Poder Judiciário. É inclusive consenso que a morosidade na entrega da tutela jurisdicional é uma forma de denegação de justiça. O saber popular já nos diz: “justiça tardia não é justiça”. Necessário, portanto, que o Estado crie meios para superar a atual morosidade na entrega da prestação jurisdicional de modo a dar efetividade ao princípio da “razoável duração do processo”, mormente considerando que o processo judicial é modo de assegurar a paz social e a justiça. Dar efetividade a este princípio é obrigação estatal, sob pena de responsabilidade. A celeridade processual sempre foi almejada e sempre foi princípio processual, todavia somente a partir da EC 45/2004 é que se tornou princípio fundamental a “razoável duração do processo” exigindo sua materialização através da criação e instituição de instrumentos que viabilizem na prática a persecução deste direito fundamental. Ocorre que ao exigir-se do Estado providências que assegurem a celeridade dos processos judiciais e a razoável duração do processo corre-se o risco de causar grave ofensa ao direito fundamental da parte “ex adversa” ao contraditório e à ampla defesa ou com violação do “devido processo legal”. A despeito de ter sido erigida à condição de princípio fundamental, muito se tem discutido acerca da efetividade deste princípio. Miguel Reale Júnior ao estudar as possíveis alterações estruturais e legislativas que seriam levadas a cabo a partir da Reforma do Judiciário (EC 45/2004) que alçou a “razoável duração do processo” à categoria de princípio constitucional chega a vislumbrar que “denegação de justiça pode ocorrer quando se estabelece como critério básico do exercício da jurisdição a celeridade, criando-se um fordismo judicial34” Alguns inclusive advogam a tese de que a ideia da “razoável duração do processo” sequer possui a densidade de um princípio fundamental. José Augusto Rodrigues Pinto acerca da “duração razoável do processo” proclama que esta: No máximo, é simples componente, ou menos ainda, mero efeito da ação de alguns dos princípios constitucionais do processo, estes, sim, fundamentais, a saber: da Celeridade (ou Efetividade, como, hoje, se prefere dizer), do Devido Processo Legal e da Preclusão. Por extensão, de algumas técnicas de procedimento que dinamizam os princípios citados, a saber: oralidade, concentração de atos, instrumentalidade processual, inquisitoriedade e não identidade física do Juízo com a causa35. Entretanto, inquestionável sua condição de princípio fundamental, eis que expresso na Constituição Federal de 1988. Porém legítimo o questionamento acerca do conflito com os princípios do “contraditório” e da “ampla defesa”. É evidente que o princípio da “razoável duração do processo” ameaça os princípios igualmente fundamentais da segurança jurídica (ou da “confiança na Justiça”) representados pela garantia da ampla defesa e do contraditório conquistados tão arduamente e que visam à garantia da liberdade e propriedade dos indivíduos. De tais direitos (que consistem no princípio da “segurança jurídica”) decorrem garantias individuais que asseguram a liberdade dos indivíduos. São direitos que que inserem-se na estrutura basilar do Estado Democrático de Direito, visto que asseguram prerrogativas garantidoras da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal. 34 REALE JÚNIOR, Miguel. Valores fundamentais da reforma do Judiciário. Revista do Advogado – AASP, SP, ano XXIV, n. 75, p. 79, abr. 2004. 35 PINTO, José Augusto Rodrigues. O processo do trabalho e o princípio fundamental da duração razoável. Revista do Advogado – AASP, SP, ano XXX, n. 110, p. 70, dez. 2010. Tratam-se, portanto, de direitos cuja fundamentalidade e importância impedem sejam vilipendiados ou mesmo relegados a um segundo plano ainda que em prol de outro direito fundamental – o da celeridade e da “razoável duração do processo” – sob pena, até mesmo, de obter-se efeito contrário ao preconizado por este último princípio que visa resguardar a paz social e a justiça. Neste sentido: [o resultado] mais rápido seguramente nem sempre é o mais efetivo. A celeridade processual, conquanto sendo um valor que deve presidir a administração da justiça, não poderá, claramente, ser erigida a um tal ponto que, em seu nome, vá sacrificar outros valores que, afinal, são componentes de direitos fundamentais, tais como os do acesso aos tribunais em condições de igualdade e de uma efetividade de defesa36 (CARVALHO. Fabiano. EC n. 45: reafirmação da garantia da razoável duração do processo. In: WAMBIER, 2005, p. 217). Dito isto, seria então o princípio da “razoável duração do processo” inócuo? Passaria de mera retórica sua inclusão no rol dos direitos fundamentais, haja vista a necessidade maior de assegurar segurança jurídica através do “devido processo legal” e seus conexos direitos ao contraditório e à ampla defesa? É possível negar efetividade ao mesmo em razão do aparente conflito com outros princípios constitucionais, em especial diante do aparente conflito com os princípios do “devido processo legal”, do “contraditório e da ampla defesa” e da “inafastabilidade do controle jurisdicional conquistados tão arduamente ao longo da história e que, a par de garantirem a necessária segurança jurídica, inquestionavelmente burocratizam o processo e acabam por colidir com a almejada celeridade processual? Certamente não. Neste passo, importa analisar a possibilidade de equacionar o conflito existente entre o princípio da “razoável duração do processo” e o da “segurança jurídica”, mormente para que tal conflito não seja levantado como óbice ou dificuldade para a operacionalização do direito à razoável duração do processo como se tem visto. 36 CARVALHO apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.) Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a EC nº 45/2004. São Paulo: RT, 2005, p.217. 5 O CONFLITO ENTRE O PRINCÍPIO DA “RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO” E O DA “SEGURANÇA JURÍDICA” “Os princípios enquanto normas, desempenham função de dar fundamento material e formal aos subprincípios e demais regras integrantes da sistemática normativa37” sendo que os princípios constitucionais, são tidos ainda, de seu turno, como normas supremas do ordenamento. Servindo de pautas ou critérios por excelência para avaliação de todos os conteúdos constitucionais [e infraconstitucionais, acrescenta-se], os princípios, desde sua constitucionalização, que é, ao mesmo passo, positivação no mais alto grau, recebem, como instância máxima, categoria constitucional, rodeada do prestígio e da hegemonia que se confere às normas inseridas na Lei das leis. Com esta relevância adicional, os princípios se convertem igualmente em “norma normarum”, ou seja, norma das normas 38 . Segundo Bonavides: [Os princípios constitucionais fazem] a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de Norma das normas, de Fonte das fontes. São qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição. 39 Os princípios são postos deste modo como normas do mais alto peso e dotados de eficácia suprema. Ainda que entrem em colisão com outros princípios não podem ser tolhidos de sua eficácia. Diferentemente das regras que cedem umas às outras, a colisão de princípios resolve-se de maneira distinta, de modo que, in casu, mesmo diante do conflito entre o princípio da “razoável duração do processo” e o da “segurança jurídica” não há como afastar-se por completo aquele diante da colisão com este. Consoante a definição de Dworkin “princípio [é] um padrão a ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade40” 37 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002, p.78. 38 ESPÍNDOLA, ibidem., p79. 39 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.276. 40 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Edson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p.36. Os princípios são concebidos como normas-valores e quando insculpidos no texto constitucional encontram-se dotados do mais alto peso e de eficácia plena Consoante a doutrina acerca dos princípios concebida por Dworkin com a clássica distinção entre regras e princípios, ambos são espécies do gênero “norma”, nos quais os princípios são concebidos como normas-valores e providos nos sistemas jurídicos do mais alto peso, consistindo em normas de eficácia suprema. Dworkin foi um dos primeiros a admitir a normatividade dos princípios com toda a sua consistência e solidez conceitual, tratando-os com maior rigor científico, enriquecendo-os com seu conteúdo material41 . A doutrina de Dworkin foi seguida por Alexy, mas conforme ressalva Botelho, as concepções de Dworkin foram adotadas por Alexy, porém não são as mesmas e não podem ser confundidas, vejamos: Dworkin, por exemplo, vai afirmar que tanto as regras, quanto os princípios têm seu foco para as decisões particulares acerca da obrigação jurídica em condições específicas [...] Neste contexto, as regras e os princípios terão sua distinção em razão da natureza da orientação que oferecem, ideia distinta daquela preconizada por Alexy que entende que os princípios são mandatos de otimização42 [...] . A doutrina de Dworkin foi seguida por Alexy que corrigiu suas insuficiências e imperfeições restritivas e continuou conjugando princípios e regras como modalidades das normas, sendo aqueles dotados de eficácia plena e normatividade suprema. Na hipótese de colisão de princípios, Dworkin prega que para se resolver o conflito é necessário levar em conta a força relativa de cada um, devendo prevalecer o que se mostrar mais importante. A escolha por um ou outro princípio deve ocorrer de acordo com a sua relevância. De qualquer modo, a escolha por um ou outro não impede que posteriormente, noutras circunstâncias este mesmo princípio volte a ser utilizado e prevaleça na colisão com outro. Diferentemente do que ocorre com as regras, estas têm a sua validade afastada por outra regra quando em conflito. Consoante as possíveis soluções referidas por Dworkin, no caso de conflito de regras terá preferência aquela que houver sido decretada pela autoridade mais alta (critério 41 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p.281. 42 BOTELHO, Marcos César. O procedimentalismo em Alexy e o papel da Corte Constitucional. Revista Argumenta, Jacarezinho-Pr, n. 10, p. 38, 2009. de hierarquia), ou aquela mais antiga (regra da anterioridade ou revogação), ou aquela mais específica (regra da especialidade) ou aquela que tiver o apoio dos princípios mais importantes43. Diferentemente, na colisão entre princípios, ainda que um se incline na presença de outro, o mesmo continua intacto, podendo ser aplicado em outra situação. Alexy propõe solução semelhante introduzindo a ideia de mandados de otimização. Segundo o filósofo, os princípios seriam “mandados de otimização” cuja característica é a possibilidade de sua efetivação em graus variados, cuja satisfação não depende tão somente das possibilidades fáticas, mas também da jurídicas. Mandados de otimização seriam normas que determinam seja algo realizado na maior e melhor medida possível, caracterizando-se, portanto, por poderem ser cumpridos em diferentes graus44. Considerando que os princípios são normas de valor ou importância, estes valores podem ter pesos diferentes, sendo que o de maior peso deve preponderar sem contudo derrogar ou afastar a eficácia do outro que sobrevive para ser aplicado em outros casos 45. [...] As possibilidades fáticas têm relação com as questões do mundo, a aplicação de um ou outro princípio é realizável segundo a facticidade; no campo jurídico, verifica-se a possibilidade teórica de um ou outro princípio ser utilizado. Ao passo que as regras são mandamentos definitivos, sendo válida e aplicável deve ser cumprida, ou seja, é uma questão do tudo-ounada (“all-or-nothing”); são sempre satisfeitas ou não são satisfeitas, se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige, nem mais, nem menos. [...] As colisões entre princípios devem ser superadas de maneira diversa, pois sendo normas de mesma hierarquia, deve ser avaliado o peso relativo a cada um dos envolvidos no caso concreto, as circunstâncias. Para a resolução das colisões, faz-se mister a utilização da relação de ‘precedência condicionada’, consistente em que, “tomando em conta o caso, indicam-se as condições sob as quais um princípio precede o outro. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser solucionada inversamente, as condições, os interesses em jogo é que fornecem os elementos para solver a questão. A procedência condicionada é o resultado de uma ponderação; a dimensão de peso refere-se 43 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Tradução de Edson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 27. 44 Os princípios enquanto mandados de otimização se opõem ao conceito de regras que seriam mandados de determinação. Segundo, Alexy, as regras seriam mandados de determinação sendo aplicáveis no âmbito fático e juridicamente possível pro subsunção desde que presentes seus pressupostos. Ausentes estes, a regra é afastada por invalidade ou pela inserção de uma cláusula de exceção (Teoria dos Direitos Fundamentais). 45 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p.151. às condições do caso concreto, onde os princípios têm pesos diferentes e que os princípios, com maior peso, têm precedência 46. Alexy elegeu assim o princípio da máxima proporcionalidade para a solução das colisões entre princípios: A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de princípios serem mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas. Já as máximas da necessidade e da adequação decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas. 47. Melhor esclarecendo, Faria explica o princípio da máxima proporcionalidade segundo Alexy: Princípio da máxima proporcionalidade: como os princípios são mandamentos de otimização, em face das possibilidades fáticas e jurídicas, a proporcionalidade é deduzível dessa natureza. E, corresponde a três máximas parciais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Adequação é a medida na qual se examina se o meio é o apto, idôneo para atingir o fim colimado. Necessidade verifica qual o meio menos gravoso para atingir daquele fim. Proporcionalidade, em sentido estrito, é o exame do equilíbrio ou da justa medida entre a restrição e a finalidade, ou seja, é uma relativização em face das possibilidades jurídicas48 . Consoante o explicitado, os princípios enquanto mandados de otimização admitem sua aplicação em diversos graus ou pesos, permitindo um “balanceamento de valores e interesses”, podendo ser aplicados em diferentes “graus de concretização” dependendo das condições fáticas e jurídicas, de modo que havendo princípios conflitantes, estes devem ser objeto de “ponderação e harmonização”, devendo subsistir juntos, sendo um aplicado com maior peso que o outro, sem neutralizá-lo, posto que jamais perdem sua validade, tal como colhe-se da lição de Canotilho: Em primeiro lugar, os princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização, compatíveis com vários graus de concretização, consoante os condicionalismos fácticos e jurídicos; as regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência (impõe, permitem ou proíbem) que é ou não cumprida (nos termos de Dworkin: “apllicabel in all-or-nothing fashion”); a convivência dos princípio coexistem, as regras antinômicas excluem-se. 46 FARIA, Renato Luiz Miyazato de. Princípio da razoável duração do processo e medidas de celeridade processual. 2010. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Ciências Jurídicas da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Itajaí-SC, 2010, p.81-82. 47 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p.116. 48 FARIA, op.cit., p.81-84. Consequentemente, os princípios coexistem, as regras antimônicas excluemse. Consequentemente, os princípios, ao constituírem exigências de optimização, permitem o balanceamento de valores e interesses (não obedecem, como as regras, à lógica do tudo ou nada), consoante o seu peso e a ponderação de outros princípios eventualmente conflitantes; as regras não deixam espaço para qualquer outra solução, pois se uma regra vale (tem validade) deve cumprir-se na exacta medida das suas prescrições, nem mais, nem menos... em caso de conflito entre princípios, estes podem ser objeto de ponderação, de harmonização, pois eles contêm apenas exigências ou standards que, em primeira linha (prima facie) devem ser realizados; as regras contêm fixações normativas definitivas, sendo insuscetível a validade simultânea de regras contraditórias. Realça-se também que os princípios suscitam problemas de validade e peso (importância, ponderação, valia); as regras colocam apenas questões de validade (se elas não são correctas devem ser alteradas). (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3 ed. Lisboa: Almedina, 1999, apud MENDES, 2011, p. 44). 49 Em nosso direito constitucional brasileiro ainda não é utilizado o princípio da máxima proporcionalidade, mas é adotada solução semelhante. O princípio da razoabilidade50 (também chamado de “princípio da adequação dos meios aos fins”) tem sido utilizado para resolver a colisão de princípios jurídicos em nosso direito pátrio. Trata-se de um princípio que encontra-se apenas implícito na Constituição Federal de 1988, vez que constou dos trabalhos da Assembleia Constituinte de 1988, embora não incorporado ao seu texto final51. Segundo Vaquero, trata-se de um princípio que visa “evitar resultados desproporcionais e injustos, baseado em valores fundamentais conflitantes” e por meio do qual elegem-se valores fundamentais que devem ceder quando a observância intransigente de tal orientação importar a violação de outro direito fundamental mais valorado 52. Prossegue o autor: 49 CANOTILHO apud MENDES, Iratelma Cristiane Martins. Duração razoável do processo. 2011. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais – direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 49. 50 O princípio da razoabilidade é oriundo do “dues processo of law” da doutrina norte-americana, isto é, deriva do princípio do devido processo legal, já o princípio da proporcionalidade é de criação germânica e teve origem Europa nos séculos XVII e XVIII, quando na Inglaterra surgiram as teorias jusnaturalistas. Entretanto, somente a partir da década de 1970 foi que o STF passou a substituir o termo razoabilidade por proporcionalidade . VAQUERO, Humberto Lúcio Menezes de. O direito constitucional à razoável duração do processo e seus reflexos nos direitos humanos e fundamentais. 2010. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2010, p.99. 51 Assim previa o art. 44: “A administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, exigindo-se, como condição de validade dos atos administrativos, a motivação suficiente e, como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade.” 52 VAQUERO, Humberto Lúcio Menezes de. O direito constitucional à razoável duração do processo e seus reflexos nos direitos humanos e fundamentais. 2010.Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2010, p.99. A resolução de conflito de princípios jurídicos e do conflito de valores é uma questão de ponderação, de preferência, aplicando-se o princípio ou o valor na medida do possível. O Princípio da Razoabilidade, basicamente, se propõe a eleger a solução mais razoável para o problema jurídico concreto, dentro das circunstâncias sociais, econômicas, culturais e políticas que envolvem a questão, sem se afastar dos parâmetros legais. Sua utilização permite que a interpretação do direito possa captar a riqueza das circunstâncias fáticas dos diferentes conflitos sociais, o que não poderia ser feito se a lei fosse interpretada “ao pé da letra” ou pelo seu mero texto legal53. Considerando-se o princípio da proporcionalidade, “quando dois valores devem ser aplicados no mesmo caso concreto, havendo antinomia entre normas ou princípios, deve-se, [...] privilegiar um dos valores, devendo, contudo, os outros valores serem minimamente respeitados54”. Dito isto, não há como afastar-se o princípio da “razoável duração do processo” em detrimento dos princípios do “devido processo legal”, do “contraditório e da ampla defesa” e da “inafastabilidade do poder jurisdicional”, sendo possível encontrar soluções para aplicação do princípio da “razoável duração do processo”, ainda que em possível colisão com o princípio da “segurança jurídica”. Há que se equacionar todos aplicando-os com maior ou menor peso conforme o caso, vez que não é dado negar aplicabilidade a nenhum princípio. Neste sentido, Bandeira de Mello: [...] violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais. 55(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: RT, p. 230, apud MENDES, 2011, p. 44). Neste passo, a doutrina tem eleito possíveis soluções para equacionar a questão: É que o tempo necessário à duração do processo a ser almejado deve ser aquele tempo mínimo imprescindível para que sejam respeitadas as demais garantias constitucionais, como o contraditório e a ampla defesa, a 53 VAQUERO, ibidem., loc.cit. ESTEVEZ, Rafael Fernandes. O direito fundamental à razoável duração do processo e os mecanismos processuais garantidores de sua eficácia após a Emenda Constitucional nº 45/2004. 2007. Dissertação (Mestrado em direito) – Curso de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p.54. 55 MELLO apud MENDES, Iratelma Cristiane Martins. Duração razoável do processo. 2011. Dissertação (Mestrado) – Programa de Mestrado em Direito das Relações Sociais – direito do trabalho da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011, p.44. 54 motivação dos atos processuais, o duplo grau de jurisdição e assim por diante, devendo o legislador adotar técnicas a fim de alcançar este objetivo 56 . Neste mesmo sentido, Cambi sustenta que “a percepção de que a tutela jurisdicional célere é um direito fundamental, vincula o legislador, o administrador e o juiz57” 6 CONCLUSÃO O direito à “razoável duração do processo” foi erigido à condição de princípio fundamental para satisfazer uma necessidade premente da sociedade, que vem tendo seus direitos lesados pelo próprio Poder Público, que a despeito de estar investido na função jurisdicional, deixa de entregar aos particulares a tutela judicial almejada. Situação que fere flagrantemente os direitos dos jurisdicionados, na medida em que a entrega tardia ou ausência de entrega efetiva de um provimento jurisdicional acaba por caracterizar uma nova violação de direitos. E considerando a necessária efetividade dos direitos fundamentais, deve ser atribuída aplicabilidade imediata e eficácia plena à garantia constitucional da razoável duração do processo. E à luz dos doutrinamentos de Dworkin e Alexy, é possível solucionar a colisão entre este princípio e os que consagram a “segurança jurídica (princípios do “devido processo legal”, do “contraditório e da ampla defesa” e da “inafastabilidade do poder jurisdicional”). Considerando que os princípios são dotados de peso ou valor, há que se ponderar tais valores quando em colisão, aplicando-se um sem necessariamente afastar-se o outro por completo, privilegiando o de maior peso, mas assegurando-se minimamente respeito ao outro. Neste passo, sem vilipendiar os direitos fundamentais ao “devido processo legal”, ao “contraditório e à ampla defesa” e à “inafastabilidade do poder jurisdicional”, devem ser adotadas pelo Poder Público medidas para que o processo se desenvolva dentro do 56 ESTEVEZ, Rafael Fernandes. O direito fundamental à razoável duração do processo e os mecanismos processuais garantidores de sua eficácia após a Emenda Constitucional nº 45/2004. 2007. Dissertação (Mestrado em direito) – Curso de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p.35. 57 CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo – direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: RT, 2010. menor tempo possível assegurados o contraditório e a ampla defesa, sendo possível exigir-se do Judiciário, do Executivo e do Legislativo providências para tanto. É possível exigir-se a adoção de tutelas de urgência dos Magistrados, que podem até mesmo atuar por meio do ativismo judicial. É possível exigir-se um melhor aparelhamento do Poder Judiciário e uma modernização dos processos. Assim como é possível exigir-se do legislador a criação de novas leis que promovam a desburocratização dos processos e promovam uma maior agilidade na tramitação dos feitos. É possível exigir-se das autoridades competentes e dos operadores do direito a identificação dos meios possíveis para a consecução das finalidades deste preceito que consagra o direito fundamental à razoável duração do processo. Há alternativas possíveis, sendo que a análise e concretização destas hipóteses devem ser cobradas pelos indivíduos, titulares do direito fundamental à “razoável duração do processo”. A modernização do processo, bem como do próprio Poder Judiciário é medida possível e plenamente exigível, vez que necessária à concretização do preceito constitucional que garante o direito fundamental à “razoável duração do processo”, de aplicabilidade imediata e dotado de eficácia plena, aplicável de forma compatível com a “segurança jurídica”. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. BOTELHO, Marcos César. O procedimentalismo em Alexy e o papel da Corte Constitucional. Revista Argumenta, Jacarezinho-Pr, n. 10, p. 37-52, 2009. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo – direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: RT, 2010. DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: RT, 2007. DWORKIN, Ronald. 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