RELAÇÕES ENTRE AS PRÁTICAS FORMAIS E NÃO FORMAIS DE UMA
ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DO INTERIOR DO BRASIL
Sergio Westrupp
Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE, Brusque, Brasil
Sergio Figueiredo
Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC, Florianópolis, Brasil1
Introdução
A aprendizagem e o ensino da música estão presentes em todas as culturas humanas em
os mais variados contextos sociais. Se por um lado cada vez mais se busca possibilitar o acesso
de todos ao conhecimento musical por meio de sua inclusão no processo de escolarização, por
outro também se reconhece a importância dos vários mecanismos de apreensão do fenômeno
musical dispostos no cotidiano. Os vários grupos sociais passam a apresentar formas
particulares e peculiares de atividades musicais que contribuem para a elaboração de um
conjunto de conhecimentos, valores e crenças acercado fenômeno musical que ora são mantidos,
ora se transformam.
Este trabalho foi desenvolvido com o intuito de contribuir com o campo da educação
musical a partir de um recorte de uma pesquisa de mestrado (Westrupp, 2012) que investigou as
representações sociais de música em práticas formais e não formais nos processos de educação
musical em uma escola do interior do Estado de Santa Catarina, Brasil,que será denominada
neste texto de Escola Municipal do Vale. Este texto discute as várias práticas de educação
musical investigadas nesta escola a partir dos conceitos de educação formal e não formal e dos
dados coletados e analisados.
1
Sergio Westrupp, [email protected]; Sergio Figueiredo, [email protected]
Com base em Trilla (2008), Saviani (2005) e Libâneo (2005) adotou-se a delimitação do
contexto da educação formal como aquele definido pelo currículo do sistema escolar em toda a
sua extensão e, por conseguinte, extensiva a todas as crianças e jovens. Por outro lado, o
contexto da educação não formal se delimita como aquele que compreende todos os espaços
educacionais externos ao sistema escolar, bem como aquelas atividades educacionais
desenvolvidas dentro da escola e que são consideradas extracurriculares, optativas e extensivas
aos interessados pelas mesmas.
O formal é aquilo que assim é definido, em cada país e em cada momento,
pelas leis e outras disposições administrativas; o não formal, por outro lado,
é aquilo que permanece à margem do organograma do sistema educacional
graduado e hierarquizado. (Trilla, 2008: 40)
A divisão entre os contextos formais e não formais foi necessária para que se pudesse
efetuar um confronto entre as atividades musicais desenvolvidas de forma curricular e
extracurricular desenvolvidas na escola investigada. Esta é uma situação que aos poucos está se
tornando comum em muitas instituições escolares no Brasil. Contudo, nem sempre a educação
musical esteve presente no currículo da escola brasileira e, por isto, muitas vezes ela ocorre no
contexto escolar por meio de diversas atividades, como, por exemplo, grupos vocais,bandas e
fanfarras escolares. A investigação deste contexto em particular busca contribuir para o
fortalecimento da área da educação musical em um momento especial para o Brasil que se
encontra diante do desafio da inclusão da música como conteúdo obrigatório no currículo da
Educação Básica por meio da lei 11.769 (Brasil, 2008).
No caso específico deste contexto escolar investigado se constatou a ocorrência do
ensino curricular de música de 2007 ao início de 2010e a prática extracurricular de uma banda,
que neste texto será denominada de Banda Escolar do Vale, a partir do ano de 2008; esta prática
de banda permanece até os dias atuais. Segundo os relatos dos entrevistados, a atividade da
banda decorreu do sucesso das aulas de música na sala de aula que foram ministradas para as
turmas entre as 5as e 8as series do ensino fundamental e do anseio comum do professor de
música e da comunidade por um grupo instrumental que promovesse o resgate da cultura local.
Outra particularidade deste processo é que ambas as atividades eram desenvolvidas pelo
mesmo profissional que é formado em licenciatura em música. Este professor se ausentou da
escola no ano de 2010 para assumir o cargo de Diretor de Cultura do município, e a partir do
momento em que é empossado no novo cargo continua a administrar a banda escolar que ele
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fundou, investindo nela através da compra de novos instrumentos e da contratação de um novo
regente para dar continuidade às atividades na escola. Neste momento, mantém-se o trabalho
com a banda, mas o ensino curricular de música nesta escola fica interrompido.
A transitoriedade e as características particulares destes processos de educação musical
de natureza, ora semelhantes e por vezes tão diversos, instigou o desenvolvimento de uma
pesquisa que se delineou como um estudo de caso do tipo etnográfico que teve como principal
objetivo investigar as relações entre as representações sociais de música constituídas e
compartilhadas por vários sujeitos envolvidos nos processos formais e não formais de educação
musical da escola investigada. Além de extensa observação participante nas atividades da
banda, foram realizadas entrevistas individuais com o professor de música, a diretora da escola,
o regente da banda, o professor da disciplina Artes e entrevistas do tipo grupo focal com os
integrantes da banda, com alunos que tiveram e não tiveram aula de música curricular e os pais
dos integrantes da banda.
Este texto, por se tratar de um recorte de uma dissertação de mestrado, não tem a
pretensão de esgotar a discussão em torno das atribuições específicas da educação formal e não
formal. Inicialmente ele apresenta o campo da educação musical numa perspectiva social e
cultural sem, contudo, deixar de reconhecer a natureza específica do conhecimento musical. Em
seguida é abordada a discussão acerca das delimitações do formal e do não formal tanto no
campo geral da educação como no específico da educação musical tendo-se em vista a
intencionalidade do processo pedagógico e os processos difusos dispostos na educação
informal. Em um terceiro momento são apresentados os dados da pesquisa desenvolvida na
Escola Municipal do Vale e que apontam para alguns elementos discutidos na literatura, mas
que, também, apresentam particularidades que demonstram a fragilidade das fronteiras entre o
formal e o não formal. Por fim, são elaboradas algumas considerações específicas para os
educadores musicais com base na discussão dos dados à luz das certezas e imprecisões
apresentadas na literatura revista.
Dimensão social e dimensão cultural da Educação Musical
Ao longo do processo histórico de todas as sociedades humanas estabeleceram-se
alguns elementos recorrentes, porém diversos, como a linguagem e a relação simbólica com o
meio natural e com o meio social, configurando-se como processos objetivos e subjetivos. Esta
rede complexa de relações estabeleceu um conjunto de conhecimentos e crenças que passou a
permear todas as maneiras do ser humano se relacionar com a realidade externa e a percepção
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de si mesmo em meio a ela. A estes conhecimentos e crenças se atribuem os valores próprios de
cada grupo social que têm como principal objetivo promover o pertencimento de cada indivíduo
a ele. Cada grupo social, por sua vez ,se organiza por meio das mais diversas instituições, isto é,
das “manifestações e concretizações das realidades da vida em sociedade. Criam suas leis, suas
regras, seus códigos, suas ideologias. Mas também protegem, dão garantias. São espaços de
mediação entre a vida individual e a coletiva” (Nasciutti, 2010: 104). Desta forma, consolida-se
a ideia de que os vários grupos humanos elaboram e compartilham as suas culturas, suas
ferramentas materiais e simbólicas com o objetivo de manter o grupo unido em torno dos
elementos que fazem com que seus integrantes se reconheçam semelhantes entre si e
diferenciados dos demais.
A música, por estar presente em todas as sociedades humanas não só em diversos
espaços, mas também como parte do processo histórico de formação das mesmas torna-se uma
ferramenta simbólica imprescindível para a compreensão do processo de consolidação de cada
grupo social e de sua própria transformação ao longo do tempo. O fato da música não possuir
uma natureza absoluta em si mesma e por se apresentar como uma manifestação específica de
uma determinada cultura faz com que ela seja uma das formas particulares do ser humano
representar o mundo no qual está inserido. Como um dos elementos preponderantes da cultura
de um determinado grupo e uma expressão da organização dos materiais sonoros ela promove
unidade e coesão entre os seus integrantes.
Música e cultura se aproximam não somente pelo fato de serem manifestações da
interação dos seres humanos entre si e destes para com o mundo ao seu redor, mas pela
característica intrínseca a elas que é a do estabelecimento de mecanismos e meios de
transmissão. Este processo de transmissão e apropriação de práticas, conhecimentos, crenças e
valores que caracterizam a música e todos os demais elementos constituintes da cultura humana
é denominado de educação. Assim, se “toda a configuração da vida humana, que só pode
ocorrer como convívio, é simultaneamente educação” (Ghanem, 2008: 101), todas as relações
humanas passam a envolver um contínuo processo de apropriação, transmissão e reelaboração
dos produtos simbólicos de uma determinada cultura.
A presença da música dentro da cultura de um determinado grupo não ocorre de
maneira estática e imediata. Sua presença é o resultado de um processo de transmissão,
manutenção e transformação de seus elementos como manifestações inerentes às relações
sociais. Se “todas as sociedades humanas se manifestam através da música, o que significa, em
algum nível, a existência de processos de transmissão e recepção, de ensino e aprendizagem,
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implícitos num fazer social” (Figueiredo, 2010: 156-157), todas elas também promovem
processos característicos e específicos de educação musical.
A educação musical, como área de estudos, busca “compreender de que forma as
pessoas aprendem e ensinam música, a partir dos mais variados pressupostos, já que tais atos
humanos não acontecem em um vácuo, e sim em um contexto específico, diverso e complexo
por natureza” (Figueiredo, 2010: 157). Desta forma, os estudos desta área apontam para uma
inequívoca dimensão social que engloba um contínuo diálogo e confronto entre seus agentes
produtores, transmissores e receptores. O conhecimento musical vai além de um complexo
processo cognitivo e um conjunto de práticas que necessitam de habilidades específicas de cada
indivíduo para se concretizar como um conhecimento social que se estabelece dentro de um
determinado contexto. Nele também se constituem as formas particulares do grupo de
compreender e partilhar este mesmo fenômeno musical, isto é, as representações sociais da
música. Estas, por sua vez, através de processos intersubjetivos e interobjetivos redimensionam
o pensar musical para além de uma atividade cognitiva individual tornando-o, antes de tudo, um
ato social.
Educação [musical] formal e não formal
Todo processo de transmissão e recepção de conhecimento musical se caracteriza como
um fenômeno educacional e, por conseguinte, passa a envolver algum tipo de ação pedagógica
mais ou menos intencional, consciente e sistematizada. Isto nos reporta ao fato de que,
independente de onde ocorra o processo de educação musical, ele envolve ações características
deste fazer musical além de outras ações decorrentes de outros processos educacionais
vivenciados pelos sujeitos nele envolvidos. Segundo Kraemer(2000: 51) “a pedagogia da
música ocupa-se com as relações entre a(s) pessoa(s) e a(s) música(s) sob os aspectos de
apropriação e transmissão” que ocorrem tanto nas instituições e organizações sociais
constituídas em cada grupo de indivíduos como nas mais despercebidas relações dispostas no
cotidiano social. A caracterização de um determinado processo de educação musical irá
também, por outro lado, identificar os sujeitos envolvidos nesta ação pedagógica que ocorre
dentro de uma transmissão e uma recepção do conhecimento musical.
O conceito de pedagogia reporta-se a uma teoria que se estrutura a partir e
em função da prática educativa. A pedagogia, como teoria da educação,
busca equacionar de alguma maneira, o problema da relação educador-
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educando, de modo geral, ou específico da escola, a relação professor-aluno,
orientando o processo de ensino aprendizagem. (Saviani, 2008: 401)
Ao se levar em conta a amplitude da esfera da educação como atividade social e
socializadora presente em todas as culturas humanas e mediada pelas mais diversas ferramentas
e ações pedagógicas – incluindo, como consequência, a sua subárea da educação musical -,
percebe-se a impossibilidade de se compreender o campo desta última como um fenômeno
único e universal. Por outro lado, esta mesma dificuldade de se apreender um processo
multifacetado como o que ocorre desde a sua expressão mais difusa até aquela que é
institucionalizada pela escolarização tem promovido a divisão da educação em três categorias
distintas: a formal,a não formal e a informal.
Ao mesmo tempo em que a teoria da educação tenta delimitar o campo de atuação e a
identificação dos mecanismos próprios de transmissão e recepção dos conhecimentos dentro das
categorias formal, não formal e informal ela se depara com a desconstrução de suas próprias
fronteiras e a vulnerabilidade de seus próprios contornos. Se por um lado se busca estabelecer o
espaço do cotidiano como o contexto genuíno para um processo difuso e menos intencional de
educação informal, por outro se excede na formalização do sistema escolar como um contexto
estritamente intencional, teórico e consciente, restando a todas as demais situações e contextos a
delimitação da não formalidade.
Outra questão que é costumeiramente abordada é o imediatismo dos processos
educacionais presentes no cotidiano e que disporiam de pouca ou nenhuma intencionalidade e
consciência. Desta forma a intencionalidade presente no processo de sistematização da educação
é que poderia mover o homem para além de sua aprendizagem disposta no cotidiano e da sua
dimensão prática-utilitária direcionando-o para a elaboração de uma teoria educacional que
surge de sua problematização, assim como preconizado por Saviani(2005: 84, grifos do
autor).,que afirma que todo processo de educação “se apresenta ao homem como algo que ele
precisa fazer e ele não sabe como fazê-lo” A teoria propicia, portanto, o rompimento do
imediatismo presente nas ações e soluções propostas pelo cotidiano e pelo senso comum, pois
“a prática educativa intencional compreende, assim, todo fato, influência, ação, processo, que
intervém na configuração da existência humana, individual ou grupal, em suas relações mútuas,
num determinado contexto histórico-social” (Libâneo, 2005: 82).A intencionalidade disposta em
uma ação educacional é relativa à intervenção que se opera tanto nas relações sociais de um
determinado grupo como na mobilização do conhecimento específico que se deseja abordar.
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No campo da educação musical não se pode considerar apenas a instituição escolar
como o espaço privilegiado de uma intencionalidade, de uma teorização, sistematização do
conhecimento e organização das práticas musicais. Confederações e sociedades de grupos
instrumentais e vocais, muitas vezes, apresentam maior rigor, formalização e uniformização das
práticas musicais e regulamentam de forma rígida a formação e manutenção dos grupos a elas
subordinados tal qual fazem as unidades escolares. Se por um lado o sistema escolar,
representante da educação formal, se estrutura mediante uma legislação e uma orientação
curricular comum em todo o país, por outro lado muitas atividades que se encontram excluídas
deste sistema e que são consideradas exemplos de uma educação não formal apresentam o
mesmo rigor de estruturação dentro de sistemas e organismos próprios de forma a confirmar a
sua formalidade.
Não há uma única maneira de se aprender e de se ensinar música, da mesma forma que
não há apenas um único contexto específico para a ocorrência destes processos distintos.
Folkestad (2006) compreende a educação e os processos de aprendizagem musical inseridos em
um processo dialético e dialógico entre os elementos apresentados por contextos altamente
estruturados – formais – e aqueles dispostos no cotidiano da vida humana – informais. Estes
elementos devem ser vistos como “dois pólos de um continuum; na maioria das situações de
aprendizagem, ambos os aspectos da aprendizagem estão presentes em vários graus, interagindo
no processo de aprendizagem” (Folkestad, 2006: 143). Os diferentes processos de educação se
inter-relacionam de forma a fundirem suas fronteiras enquanto, ao mesmo tempo, buscam
reforçar características específicas.
O processo de inserção da educação musical na escola, ou seja, no sistema formal da
educação, visa não só a confirmação e a sustentação de que o conhecimento musical é uma
faceta da inteligência humana e uma prática social, como é fundamental na formação deste ser
humano que para compreender a si mesmo e o mundo ao seu redor necessita do
desenvolvimento de todas as suas formas de expressão. Segundo Small (1998: 14), “o ato de
musicar, em toda a sua totalidade, por si só nos provê uma linguagem no sentido de que nós
possamos compreender e articular aquelas relações e através das quais nós compreendamos as
relações de nossa vida”. Contudo, não se pode considerar que todas as formas de contato com o
fenômeno musical promovam as mesmas vivências e desenvolvam as mesmas habilidades entre
todos os envolvidos. Tanto os níveis de intencionalidade, consciência e problematização são
diferenciados como as diferentes formas de atuação implicam em conhecimentos também
específicos.
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Para Elliott (1995: 57), “parece satisfatório sugerir que uma pessoa que sabe fazer
alguma coisa competentemente possui um conhecimento no mais robusto sentido de uma
construção de entendimento e de um domínio”. Para este autor, o conhecimento musical está
relacionado diretamente à qualidade e ao tipo de atividade que o sujeito realiza e/ou desenvolve.
É possível se afirmar que a vivência musical de um instrumentista apresenta características
diferenciadas de um ouvinte sem que isto reforce uma valoração ou uma hierarquização dos
conhecimentos.
A delimitação dos contextos formais e não formais pode ser realizada como meio de se
estabelecer elementos e parâmetros de análise entre diversas práticas de educação musical sem,
contudo, ser considerada como uma abordagem fragmentadora do campo da educação. Em
alguns momentos práticas formais e não formais podem contribuir para o acesso de todas as
crianças à educação musical como pretende a lei 11.769(Brasil, 2008). Entretanto, esta
delimitação não se justifica como forma de sustentação de práticas pedagógicas diferenciadas e
distanciadas, nem tampouco como forma de reforço às divergências epistemológicas do campo
da educação musical. O conhecimento musical permeia todos os contextos sociais e pode
apresentar diferentes mecanismos de transmissão e recepção sem a necessidade da delimitação
de territórios e fronteiras específicas. O desafio dos educadores musicais é o de promover um
diálogo entre estes mecanismos e de promover processos educacionais que também respeitem e
transformem os sujeitos e os contextos nos quais eles ocorrem.
Práticas formais e não formais na Escola Municipal do Vale
Desde o ano de 2007, o foco das aulas de música na Escola Municipal do Vale estava
centrado em um fazer musical instrumental, fato este que somado ao desejo da comunidade
local e do próprio professor de música possibilitou a criação da Banda Escolar do Vale. As
atividades desenvolvidas tanto na sala de aula quanto posteriormente na banda visavam uma
complementaridade entre elas. O professor de música relata que “a banda era também um
processo de aprendizado junto com o que se fazia na sala de aula” (Professor de música). Para
o professor de música, os dois processos, formal e não formal, atendiam a uma mesma prática
comum: a execução musical.
Para os pais dos integrantes da banda a sala de aula se caracterizava como laboratório e
berçário para que outros alunos ingressassem na banda. As aulas de música e a banda eram
ocupados por sujeitos e práticas comuns como aponta o professor de música ao afirmar que “o
pessoal que estava na banda também estava na sala de aula” (Pais). Desta forma o professor se
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apoiava no fato de que “o pessoal que estava na banda já tinha uma leitura melhor, tinha a
prática, tinha mais prática instrumental” (Professor de música). Este fator garantia certa
homogeneidade do conhecimento musical prático na sala de aula semelhante ao da própria
banda.
Eu levava a turma toda pra sala da banda. Dava uma voz e dava a
percussão pra cada um, escrito, cada um a sua parte. A gente conseguia
fazer essa prática instrumental com esse material que a gente tinha ali que
era muito bom. Dava pra atender uma turma inteira dentro daquela sala e
todo mundo conseguia fazer música. (Professor de música)
O processo de educação musical desenvolvido na sala de aula se caracterizou como um
projeto embrionário da própria Banda Escolar do Vale pelo fato de abordar, antes de tudo, as
habilidades necessárias para o seu estabelecimento. A diretora da escola afirma que como o
professor de música “já estava ensinando música para as crianças, ele conseguiu em dois, três
meses formar uma banda: sair tocar e marchar. Sabe foi uma coisa assim inédita o que ele fez”
(Diretora).O professor de música reafirma a predominância na sala de aula da “prática
instrumental. Tinha teoria, história da música, a gente passava outras coisas, mas o foco era
tocar, fazer música; tocar todo mundo junto” (Professor de música).Apesar de certa distinção
entre os dois contextos por meio dos conteúdos propostos em cada um deles, se percebe um
objetivo comum que é o estabelecimento de um fazer musical essencialmente prático.
Outro aspecto que mantinha a aproximação entre as práticas formais de educação na
sala de aula e as não formais da banda era o enfoque preponderante nos elementos culturais
provenientes da tradição germânica do local que segundo o professor de música identificava o
bairro como “predominante... 96%, 97% alemão. Então aproveitei esse gancho. Dentro da sala
de aula trabalhei muito a questão do folclore germânico, das nossas canções, dos costumes
aqui do município e a banda totalmente focada” (Professor de música). Para os alunos que
tiveram aulas de música e não participaram da banda há um reconhecimento de um grande
enfoque nas aulas de música baseado no resgate das tradições culturais dos imigrantes alemães
que colonizaram a cidade. Por outro lado eles também reconhecem um aprendizado mais amplo
que não estava centrado no fazer musical e que envolvia outros elementos como “as notas, os
tons, a cultura, a vida do cantor, história da música, como se canta, as vozes” (Alunos). Todo o
conhecimento teórico e toda a contextualização do repertório musical executado pela banda
foram promovidos na sala de aula de forma que se criou uma forte interdependência entre os
dois processos: envolvendo práticas – formais e não formais – de educação musical.
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À medida que a banda passa a ser valorizada como a grande experiência musical da
Escola Municipal do Vale e é interrompido o ensino curricular de música na sala de aula
percebe-se que a prática não formal camufla, de certa forma, a ausência do ensino de música na
sala de aula. Apesar da interrupção do ensino curricular de música ser continuamente citado
pela diretora da escola e pelos alunos, a Escola Municipal do Vale parece não se ressentir desta
ausência devido ao grande sucesso da banda. O professor de música alega que “a banda tem a
confiança da maioria das pessoas da comunidade. A gente consegue coisas ali que se fosse
outra entidade não faria, nem a escola conseguiria fazer, quem sabe” (Professor de música).
Isto é, a banda é considerada como uma atividade que de certa forma não pertence à instituição
escolar, apesar de funcionar na escola, com a participação de estudantes. A atividade não formal
passa a ter maior reconhecimento e investimento por se tratar de uma atividade específica e
mais representativa dos interesses da comunidade local e por representar de forma mais
eficiente não só a comunidade escolar, mas a localidade em torno desta e o município. Assim,
de certa forma se compreende porque a banda continuou suas atividades, mas as aulas de música
foram suspensas.
Considerações finais
A pesquisa desenvolvida na Escola Municipal do Vale aponta para o fato de que a
realidade educacional explicitada em muitos contextos escolares está distante daquela
apresentada e discutida pelos mais diversos autores do campo da educação geral e, até mesmo
da educação musical. A investigação de atividades musicais, das práticas pedagógicas e da
compreensão de como os processos políticos ocorrem em um contexto específico ao longo de
um determinado período apontam para a fragilidade das fronteiras entre a educação formal, não
formal e informal. Por um lado, a investigação das práticas formais e não formais desta escola
investigada apresentam muitas relações de complementaridade, comprovando que estes tipos de
práticas musicais não são excludentes. Por outro lado, ela também permite o desvelamento de
possíveis relações assimétricas entre as atividades de ensino e aprendizagem musical
decorrentes destes mesmos processos. O fato da permanência da banda e da suspensão das aulas
de música exemplificam esta assimetria, onde a atividade extracurricular ganha mais evidência e
relevância, mesmo sendo dirigida para uma parcela reduzida da comunidade escolar.
Os sujeitos envolvidos no processo educacional desta comunidade, ao não explicitarem
a necessidade da continuação do ensino musical curricular e ao não buscarem a solução para
este impasse reforçaram os limites e as fronteiras entre as atividades curriculares e as
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extracurriculares. Professores, estudantes e pais hierarquizaram os conhecimentos e
estabeleceram diferenças entre a educação formal e a não formal tendendo ao estabelecimento
de um conhecimento prioritário. De um lado estavam situados os conhecimentos acessíveis e
necessários a todos os alunos e de outro lado os conhecimentos atribuídos a um grupo
específico. Esta situação específica demonstra o quanto é importante que o educador musical
compreenda como se diluem e se reforçam as fronteiras entre a educação formal e a não formal
apenas por um viés teórico. É necessário que o educador musical compreenda e estabeleça
relações dialógicas entre as diversas práticas pedagógicas de forma que as práticas educacionais
possam ter características e objetivos específicos ao mesmo tempo em que compartilhem de
elementos comuns que venham a contribuir com o estabelecimento de uma cultura educacional
dinâmica e transformadora.
A atitude intencional por parte do educador musical em meio às suas ações pedagógicas
pode significar antes de tudo a compreensão do mesmo sobre a maneira que ele pode promover
uma intervenção que contribua para que realmente as fronteiras entre a educação formal e a não
formal possam ser mais flexíveis. Esta flexibilidade visa garantir o emprego eficiente dos
respectivos mecanismos de produção, transmissão e recepção destas duas categorias de
educação. Caso contrário, a rigidez das fronteiras entre ambas poderá permitir que as crenças
musicais dispostas no cotidiano do contexto social no qual estão inseridos se sobreponham às
iniciativas pedagógicas e às transformações inerentes a elas, e vice-versa.No caso específico da
Escola Municipal do Vale é perceptível que a gradativa hegemonia que a prática da banda foi
alcançando frente ao ensino curricular de música tornou mais tolerável a ausência do ensino de
música nas salas de aula da Escola Municipal do Vale. O conhecimento musical que a princípio
foi motivado pelas ações na sala de aula passou a se tornar imperceptível à medida que a banda
se configurava como a representação dos anseios comuns em termos de música naquele
contexto escolar. A interação e o diálogo pedagógico entre as práticas formais e não formais
devem garantir a singularidade de cada processo e a permeabilidade de seus mecanismos de
transmissão, produção e recepção do conhecimento musical que se quer abordar.
O processo de educação musical desenvolvido na Escola Municipal do Vale e na
Banda Escolar do Vale apresentaram uma forte coesão e determinação pedagógica graças ao
fato de que o conteúdo musical buscou resgatar um repertório que era compreendido como a
cultura local e a própria maneira de como a comunidade se reconhecia como grupo. Apesar da
aula de música curricular ter sido interrompida no ano de 2010, isto não implica na ausência da
música do cotidiano escolar. Contudo, é inegável o fato de que os novos alunos deixaram de ter
acesso a uma vivência musical que pudesse ser compartilhada por todos e que a forma mais
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preponderante de se envolver com alguma atividade musical na escola ficou restrita à
apreciação da Banda Escolar do Vale.
Por se tratar de um recorte de uma dissertação de mestrado já concluída, este textonão
se propôs a esgotar todas as discussões pertinentes ao campo da educação musical e nem da
educação formal e não formal. Ao propor a revisão e a ampliação da discussão dos dados
recolhidos pela pesquisa desenvolvida, este trabalho pretendeu contribuir para com as muitas
práticas educacionais formais e não formais que ocorrem nos mais variados contextos sociais
não só no Brasil como em muitos outros países. Outros artigos certamente serão publicados
pelos autores deste trabalho para que se promova uma ampliação da discussão iniciada na
dissertação elaborada como conclusão da pesquisa aqui apresentada.
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Sérgio LuizWestrupp
Magíster en Música en el área de Educación Musical por la Universidad del Estado de Santa Catarina –
UDESC bajo la orientación del Prof. Dr. Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo y Licenciado en Música por
la Universidad Regional de Blumenau – FURB. Se desempeñó en varias instituciones privadas de
educación básica y como director de varios coros del Estado de Santa Catarina. Actualmente dirige el
Coro del Centro Universitario de Brusque – UNIFEBE y coordina la Escuela de Música del Centro
Empresarial Social y Cultural de Brusque.
SérgioFigueiredo
Es Doctor en Música (Educación musical) por el Royal Melbourne Institute of Technology – RMIT
University, Australia, Magíster en Música (Educación musical) por la Universidad Federal de Río Grande
do Sul – UFRGS, Brasil, Licenciado en Composición y Dirección por la Facultad de Artes Alcântara
Machado – FAAM, Brasil. Actualmente es profesor de la Universidad del Estado de Santa Catarina –
UDESC, donde se desempeña en las áreas de Canto Coral, Dirección y Educación Musical. Fue
presidente de la Asociación Brasileña de Educación Musical – ABEM, es miembro de la Dirección de la
Asociación Nacional de Investigación y Posgrado en Música – ANPPOM, miembro del Executive Board
de la International Society for Music Education – ISME y co-chair de la ISME Research Commission.
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