Os Curto-Circuitos do Novo Modelo de Financiamento do Sistema Científico, Tecnológico e de Inovação Paulo J. Ferreira Professor, University of Texas at Austin, USA Professor Visitante, MIT, USA Esta semana o Ministério da Ciência e do Ensino Superior revelou o novo modelo de financiamento do sistema científico, tecnológico e de inovação. Este modelo tem como objectivos, entre outros, promover a fixação de recursos humanos para combater a chamada fuga de cérebros e promover a competitividade das nossas instituições através do aumento da produção científica e transferência de tecnologia. Com estes objectivos em mente, o novo modelo prevê uma série de métricas a implementar na avaliação da capacidade científica das várias unidades de investigação e desenvolvimento (I&D) e propõe uma série de estímulos que visam, por um lado, atrair investigadores portugueses radicados além-fronteiras, e por outro, evitar que investigadores nacionais saiam para o estrangeiro. Embora de louvar o conceito inerente a estas ideias, o modelo apresentado ignora a realidade do sistema nacional e internacional de I&D. Uma vez mais, não passa de um curto-circuito a um problema que é muito mais grave, muito mais profundo, mas que ninguém se atreve a mexer: o funcionamento e financiamento das universidades. É oportuno relembrar que as unidades de I&D (excluindo os laboratórios de Estado) são sub-estruturas do sistema universitário e que os elementos doutorados com afiliação às unidades de I&D são na sua grande maioria docentes universitários. O novo modelo apresenta como base de financiamento das unidades de I&D um montante por elemento doutorado, de acordo com a avaliação das unidades de I&D executada por uma comissão externa (4500 euros/doutorado para uma avaliação classificada de “Excelente”, 3500 euros/doutorado para uma avaliação de “Muito Bom” e 2500 euros/doutorado para uma avaliação de “Bom”). Adicionalmente, considera múltiplos indicadores, tais como o índice de actividade científica e o índice de transferência de tecnologia, que pesam no valor base. Este modelo meritocrático, do género vigente nas instituições norte-americanas, tem como base financiar as unidades de I&D de acordo com o desempenho das mesmas. Até aqui, estamos de acordo. A diferença é que em países como os EUA, os doutorados afiliados às várias unidades de I&D (tal como em Portugal são na sua maioria docentes universitários) são promovidos na carreira académica de acordo com o seu desempenho científico e têm ajustado anualmente o seu salário de acordo com o trabalho produzido. Segundo estes moldes, um investigador nos EUA pode estar afiliado simultãneamente a várias unidades de I&D. Se a produção científica é baixa, dentro ou fora das unidades de I&D, a sua carreira universitária e o seu salário são afectados. Em Portugal o caso é bem diferente. Os doutorados afiliados as unidades de I&D e considerados pelo novo modelo elegíveis para financiamento das unidades de I&D (estranhamente é exigida a dedicação de pelo menos 40% do tempo total), são na sua maioria docentes universitários, cujas carreiras académicas estão condicionadas pela abertura de vagas e cujos salários se encontram tabelados. Resta, portanto, o brio professional para aqueles que tencionam empenhar-se dentro destas unidades de I&D na producao de trabalho científico e no relacionamento com a indústria. Ou seja, o incentivo oferecido pelo Ministério da Ciência e do Ensino Superior aos doutorados, para a obtenção de maior financiamento do Estado para as unidades de I&D, assenta no brio profissional. Este é o primeiro curto-circuito. Olhemos agora para o segundo aspecto salientado pelo novo modelo de financiamento: o complemento de estímulo à excelência e à formação de recursos humanos qualificados, com o intuito de combater a fuga de cérebros para o estrangeiro e promover a contratação de portugueses a exercer funções além-fronteiras. Aqui o curtocircuito ainda é mais visível. O novo modelo define como condições para este estímulo que o investigador em causa tenha pelo menos 100 artigos em revistas internacionais e 200 citações, ou a supervisão de 10 ou mais teses de doutoramento já concluídas, 50 artigos em revistas internacionais e 100 citações. Se fizermos uma simples análise, tendo em conta estes valores, verificamos que mesmo no caso dos EUA, que produz cerca de 5 vezes mais artigos por investigador, as condições de estímulo só poderão ser utilizadas na sua grande parte por professores catedráticos ou investigadores séniores. Isto significa que a estratégia actual do Ministério da Ciência e do Ensino Superior passa por 1) tentar evitar que professores catedráticos e investigadores séniores sejam contratados por instituções estrangeiras ou/e 2) conseguir atrair portugueses radicados no estrangeiro, numa fase avançada da sua carreira, para se estabelecerem em Portugal. Qual o problema desta estratégia? Em primeiro lugar, quem sai de Portugal são os investigadores jovens. Na sua grande maioria estes investigadores inserem-se em programas de mestrado e doutoramento nas mais diversas universidades estrangeiras e quando terminam os seus programas ficam pelos países onde residem. Por duas razões óbvias. As universidades oferecem melhores condições de trabalho e existem melhores possibilidades de emprego quando concluídos o mestrado ou o doutoramento. Em Portugal, o investigador jovem depara com as dificuldades relativas à promoção na carreira universitaria, e tem ténues possibilidades de vir a ingressar no tecido empresarial. Em 2003, apenas 14 doutorados foram colocados nas empresas portuguesas. Atendendo a estes argumentos, parece que se queremos evitar a fuga de cérebros, temos que introduzir uma alteração profunda no funcionamento e financiamento das universidades e temos que incentivar as empresas a absorver mestrados e doutorados. O segundo problema estratégico do novo modelo tem a ver com a dificuldade em conseguir atrair professores catedráticos ou investigadores séniores portugueses radicados no estrangeiro, com base no complemento de estímulo concedido por dois anos. A não ser que estes elementos tencionem regressar a Portugal por razões pessoais, o estímulo considerado no novo modelo não parece ser capaz de cativar estas pessoas. Note-se que em geral os professores catedráticos e investigadores séniores radicados no estrangeiro gerem tipicamente mais de 1 milhão de euros por ano na sua equipa de investigação, e têm facilmente acesso a um número grande de alunos de mestrado e doutoramento que se candidatam anualmente às universidades. Estas condições são difíceis de igualar pelo sistema público português. Pergunto-me entao porque não tentar atrair professores e investigadores jovens portugueses radicados no estrangeiro. Além de serem menos dispendiosos, estes elementos trazem energia, experiência internacional e o potencial capaz de promover o futuro das instituições de I&D. De facto, se olharmos para as universidades internacionais de topo e suas unidades de I&D, verificamos que o grande esforço das contratações faz-se a nível de recém-doutorados. A saúde da economia de Portugal depende de um sistema vigoroso de inovação e de excelente capacidade cientifica. Neste sentido, é de louvar as diligências do governo na implementação de um sistema meritocrático que consiste na avaliação das instituições pelo desempenho. No entanto, tendo em consideração o sistema actual universitário e o pouco envolvimento das empresas nos esforços de I&D, o modelo de financiamento do sistema científico, tecnológico e de inovação na realidade portuguesa deverá ser estruturado em moldes muito diferentes daqueles preconizados pelo Ministério da Ciência e Ensino Superior. É questão para perguntar: Porque se aplica este novo modelo de financiamento directamente às unidades de I&D e não às universidades?