Mulheres empreendedoras: Desafiando estereótipos
Eva G. Jonathan
Departamento de Psicologia
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Face às profundas e rápidas transformações na economia e nos processos
produtivos que têm causado uma significativa reestruturação da organização
do trabalho, há um grande interesse em conhecer diferentes aspectos relativos
à diversificação da participação feminina no mercado de trabalho. Este é um
fenômeno observado no Brasil, principalmente a partir dos anos 70,
configurando-se o negócio próprio como uma alternativa para as mulheres se
incluírem ou assegurarem sua manutenção nesse mercado.
Dois estudos foram realizados com o objetivo de investigar valores e
significados que constituem a cultura empreendedora de mulheres que estão à
frente de seus próprios negócios. O primeiro estudo, realizado com 31 donas
de pequenos negócios nas áreas de comércio, serviços e de pequenas
confecções, buscou examinar o significado do sucesso e as estratégias
utilizadas para superar dificuldades e garantir a sobrevivência do negócio. De
acordo com o tipo de experiência profissional anterior ao negócio próprio, as
participantes foram divididas em dois grupos: o primeiro composto por 12
mulheres que não tinham experiência prévia de trabalho ou cuja experiência
era no mercado informal, e o segundo, constituído por 19 mulheres que tinham
tido uma experiência prévia de trabalho formal.
Já o segundo estudo, que contou com a participação de 36 empreendedoras,
donas de pequenos negócios nas mesmas áreas acima descritas, explorou a
articulação entre trabalho e família, e o papel desempenhado por estas duas
demandas. As empreendedoras foram distribuídas em três grupos de acordo
com a ausência de filhos, a presença de filhos de até 12 anos de idade, e a
presença de filhos com mais de 12 anos. Em ambos os estudos, os dados
foram colhidos através de questionários.
De um modo geral, as participantes tinham, em sua grande maioria, educação
superior, e suas idades variaram entre 22 e 64 anos. Os negócios estavam
firmemente estabelecidos no mercado (entre 4 e 10 anos de existência) e eram,
em geral, de pequeno porte (entre 1 e 3 funcionários). Os dados sugerem uma
preferência das mulheres por pequenos negócios e uma maior valorização da
qualidade do trabalho do que do tamanho do negócio. Manter o negócio
pequeno, de modo a atingir uma melhor qualidade é, possivelmente, uma
estratégia utilizada pelas empreendedoras para obter sucesso.
Auto-realização e satisfação de necessidades financeiras foram as principais
razões que levaram as mulheres a empreender. A satisfação
pessoal/profissional foi especialmente relevante para as mulheres que tinham
deixado seus empregos formais; estas empreendedoras buscavam evolução
profissional como criadoras de um negócio excitante, realizado em um
ambiente de trabalho consistente com seus sistemas de valores.
Os resultados de nosso primeiro estudo indicaram que as donas de negócios
buscavam o sucesso com uma postura pró-ativa, sendo persistência e
reformulação as principais estratégias utilizadas para enfrentar as dificuldades.
Aparentemente, as empreendedoras superaram as dificuldades encontradas,
uma vez que se consideraram bem sucedidas. Auto-realização, eficiência e
lucros foram os critérios utilizados para avaliar sucesso, ao passo que pouca
importância foi atribuída ao crescimento do negócio como fator definidor de
sucesso. Ao enfatizarem fatores internos como a auto-realização e não
enfatizarem crescimento do negócio como medida de sucesso, as mulheres
empreendedoras quebraram o pensamento estereotipado e hegemônico que
tende a definir sucesso com critérios puramente econômicos ou de
performance. Para as empreendedoras, tais critérios podem ser necessários,
mas não são suficientes; possuir um negócio próprio parece ser uma estratégia
de vida e não meramente uma ocupação ou um meio para ganhar dinheiro.
Os dados de nosso segundo estudo indicaram que o trabalho ocupava um lugar
central na vida das empreendedoras. Ambivalentes, as mulheres tenderam a
valorizar mais o trabalho do que os filhos ou a família em geral, mas, ao
confrontar o dilema trabalho x marido, as empreendedoras optaram por uma
alternativa que expressava a valorização combinada de ambos. Por outro lado,
a maioria das empreendedoras afirmou que tinha como meta atingir um
equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal. Considerados em conjunto, os
dados mostraram ser complexo o sistema de valores das empreendedoras que
utilizam diferentes estratégias para lidar com as demandas do negócio e da
família.
O exame mais detalhado das complexas relações entre família e negócio,
evidenciou que, em geral, as empreendedoras, embora tendendo a perceber
seus negócios como difíceis, os viam muito mais como um desafio do que
como um fardo. Contrariando crenças muito difundidas, os negócios
tenderam a ser vivenciados sem culpa, em harmonia com o lar, vantajosos
para a família, não se constituindo, portanto, como oposições.
Por outro lado, também na contra-mão de uma literatura que enfatiza o
conflito trabalho x família na vida das mulheres que trabalham, observou-se
que as famílias eram percebidas pelas mulheres como estimuladoras,
vantajosas para os negócios e proporcionando ajuda a estes. Ausência de culpa
em relação às famílias e sua percepção como um desafio, e não como um
fardo, complementaram as visões das empreendedoras.
Diante dos resultados, percebemos que as donas de negócios próprios, ao
buscarem auto-realização e independência financeira através de suas
empresas, se sentem desafiadas e instigadas. Argumentamos, então, que, para
estas mulheres empreendedoras, família e trabalho constituem um duplo
desafio que é enfrentado positivamente, diferentemente da experiência
negativa, eivada de restrições e imposições, sugerida pela expressão “dupla
jornada” que tende a qualificar a inserção da mulher no mundo do trabalho.
Nossas análises relativas a como as mulheres empreendedoras significam o
sucesso e como percebem as relações trabalho/família sugerem uma nova
compreensão do trabalho feminino. Embora com cautela, face ao tamanho de
nossas amostras e à alta qualificação educacional das empreendedoras
estudadas, há que se questionar o pensamento estereotipado, os verdadeiros
tabus, que cercam a caracterização do trabalho feminino na atualidade.
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