Práticas Interacionais em Rede Salvador - 10 e 11 de outubro de 2012 SOLUÇÃO DE PROBLEMAS E TOMADA DE DECISÃO EM EQUIPES VIRTUAIS: UM ESTUDO DE CASO Guilherme da Costa Alves1 Sônia Maria Guedes Gondim2 Resumo: O estudo investigou o processo de tomada de decisões em uma equipe virtual. Em uma situação de teste solicitou-se a três estagiários de uma empresa de produtos e serviços em tecnologia que resolvessem um problema complexo de um cliente em uma reunião virtual, usando um sistema interno de chat. O desempenho da equipe foi comparado com o histórico de desempenho individual. Os critérios analisados foram: o tempo de realização das tarefas, detalhes da interação, existência de conflitos, crenças no trabalho em equipe e eficácia da resposta. O resultado aponta para a menor eficácia da realização da tarefa em equipe quando comparado com o desempenho individual. Conclui-se a favor da necessidade de planejamento na implantação de equipes virtuais para assegurar maior eficácia do trabalho em equipe. Palavras-chave: tomada de decisões, equipe virtual, comunicação mediada Abstract: PROBLEM SOLVING AND DECISION-MAKING IN VIRTUAL TEAMS: A CASE STUDY Abstract: This study investigated the process of decision making in a virtual team. In a test situation, three interns of a technology products and services company were asked to solve a complex problem for a client, in a virtual meeting using an internal chat system. Team performance was compared with individual performance history. The criteria analyzed were: the time to accomplish tasks, details of the interaction, the existence of conflicts, beliefs about teamwork, and effectiveness of the response. The result demonstrates lower task performance effectiveness in a team compared to individual performance. This implies a need for planning in the deployment of virtual teams to assure more effective teamwork. Keywords: decision making, virtual team, mediated communication 1 Instituto de Psicologia, Universidade Federal da Bahia 2 Instituto de Psicologia, Universidade Federal da Bahia Decisões são continuamente tomadas para resolver problemas de natureza diversa da vida cotidiana, em especial os relacionados às demandas no ambiente de trabalho. Em contextos organizacionais, um problema de decisão surge quando há um objetivo a alcançar e as alternativas disponíveis são diversas (MACHADO,1976). Os estudos sobre o processo de tomada de decisões ajudam, portanto, a preparar melhor os atores organizacionais para manejar essas situações desafiadoras. O processo de tomada de decisões é descrito por Bazerman (2004) como aquele que envolve aspectos cognitivos, análise de dados e julgamento. Autores com formação em economia, por sua vez, restringem ao processo decisório um valor racional, quantitativo e mensurável, de busca pela decisão mais acertada com base em critérios de racionalidade. A suposição é a de ser possível separar as emoções do processo de tomada de decisão, mapear todas as alternativas, e antever as consequências das ações, para enfim eleger a melhor decisão (ZANELA, 1999). A esse modelo econômico contrapôs-se o da racionalidade limitada, proposto por Simon (1947), para quem a complexidade do problema, as diversificadas linhas de ação, a limitação de tempo e de conhecimento, e também a fragmentação do conhecimento sobre as consequências da escolha tornam infrutífera a busca da decisão perfeita. De modo geral, o processo decisório pode ser dividido em três fases: i) pré-decisão, em que ocorre a percepção da existência do problema, a delimitação do mesmo, o levantamento de dados, a consideração de métodos de ação, a classificação das consequências e os riscos de cada ação, ii) escolha ou decisão e iii) pós-decisão, que consiste na etapa de avaliação, revisão e controle sobre o que foi feito (MACHLINE, 1977; SAUAIA; ZERRENER, 2009; ZANELA, 1999). Tomada de decisões em equipes A tomada de decisões é um processo rotineiro nas organizações. Em geral, está mais fortemente associado à pessoa do gestor. Teorias como a do mercado eficiente (muito aceita na década de 1970), supunham que os agentes responsáveis pelas decisões (personificados na pessoa do gestor) eram totalmente racionais (SAUAIA; ZERRENER, 2009). Além das críticas dirigidas a essa teoria a favor da perspectiva da racionalidade limitada, hoje em dia se considera que a tomada de decisão não é privilégio de gestores. Todos os atores organizacionais em algum nível necessitam tomar decisões, especialmente os que interagem diretamente com clientes, fortes demandantes de soluções para os seus problemas. Angeloni (2003) afirma que a tomada de decisão nas organizações vai exigir cada vez mais trabalho em equipe e participação das pessoas. A suposição é que no trabalho em equipe evidencia-se um diálogo que permite complementaridade de informações e conhecimentos, elevando a qualidade da tomada de decisão. Equipe pode ser definida como um grupo de indivíduos que interagem para exercer atividades interdependentes, visando atingir objetivos comuns e dividindo a responsabilidade pelo resultado alcançado (COHEN; BAILEY, 1999). Diversos autores (ex: CIPOLLA, 2005) argumentam que o trabalho em equipe é o preferido pelas empresas, em virtude de ampliarem a produtividade, aumentar o controle e reduzir os custos. Em geral, associa-se ao trabalho em equipes características positivas como: a) a possibilidade de aumento do conhecimento do problema, b) da eficácia na sua resolução e c) da expansão do espectro de ação das pessoas que decidem (ANGELONI, 2003; SOUZA; PUENTE-PALACIOS, 2011). Chamar a equipe para decidir, entretanto, pode ter algumas desvantagens como: gasto de tempo para aprimorar a comunicação e interação entre os membros, constrangimento, crenças da ineficácia de equipes, existência de conflitos de relacionamento e de tarefas (HARDINGHAM, 2000; PORTMANN, 2007; SAUAIA; ZERRENNER, 2009). Estudos empíricos sobre a eficácia de equipes de trabalho não são conclusivos. Cohen e Bailey (1999) propõem um modelo multifatorial em que diversos fatores estão associados com a efetividade de um trabalho em equipe, entre eles: fatores ambientais, características da tarefa, composição da equipe, processos internos, modelos mentais compartilhados, normas. A utilização do empoderamento é apontada por Rodrigues e Santos (2001) como fundamental para galgar o nível de autogerenciamento e obter o melhor de cada empregado. O trabalho em equipe estaria, junto com o nível de responsabilidade e outros fatores, na base da estrutura organizacional que permite efetivar o empoderamento e consequentemente um bom desempenho. O estudo de Ferreira e Gallo-Penna (2009), em uma organização agro-industrial de Uberaba, em que os autores analisaram a eficiência do trabalho em equipes por meio do autorrelato, concluíram que a equipe tem impactos positivos na criatividade, na melhoria dos produtos e no desempenho. Em um estudo empírico sobre os fatores associados com satisfação com o trabalho em equipe, Souza e Puente-Palacios (2011) pesquisaram a importância dos atributos individuais no funcionamento da equipe. O autoconceito profissional (percepção do indivíduo sobre si e sua relação com as tarefas que executa), por exemplo, seria um dos fatores antecedentes e preditores da satisfação com o trabalho, e estaria diretamente relacionado com a eficácia da equipe (SOUZA & PUENTE-PALACIOS, 2011). A eficácia da equipe (desempenho que busca alcançar a meta) seria, então, mediada por esse atributo individual (autoconceito). O estudo de Puente-Palacios e Borges-Andrade (2005) que relacionou a interdependência de resultados e a de tarefas, bem como as crenças sobre o trabalho em equipe com a efetividade da equipe concluiu que os indivíduos que relataram depender de seus colegas no alcance de resultados (interdependência de resultados) estavam mais satisfeitos, tendo a crença na efetividade do trabalho em equipe um papel mediador nessa relação. A título de esclarecimento, a interdependência na tarefa se refere ao nível de dependência de esforços ou habilidades dos outros membros, dos insumos do ambiente e da distribuição de recursos para a realização das atividades. A interdependência nos resultados se refere à percepção do nível de compartilhamento do resultado produzido pela equipe. Ao investigar a crença coletiva dos membros de uma equipe sobre sua efetividade na realização de tarefas (potência – compartilhamento grupal da efetividade da equipe), Portmann (2007) questiona a utilização indiscriminada de equipes de trabalho nas organizações sem que realmente se investigue os fatores que potencializam ou restringem sua efetividade. Nesse estudo, assim como em outros aqui apresentados, a autora propõe a inclusão de um fator mediador entre o trabalho em equipes e o desempenho, no caso a potência. O trabalho em equipe é realmente mais eficaz, eficiente e efetivo? Ainda que haja evidências em alguns estudos da efetividade (impacto nos resultados organizacionais e no público externo), eficácia (alcance das metas) e eficiência do trabalho (fins atingidos com menos recursos e gastos) em equipe se reconhece que muitos fatores parecem influenciar o seu desempenho, o que torna o uso de equipes em organizações bastante complexo. Recentemente, por exemplo, houve um crescimento expressivo de empresas de tecnologia de informação que aderiram a comunicação organizacional online para dar maior celeridade e rapidez ao processo de tomada de decisão. Algumas delas, dominadas por uma estrutura matricial com sedes fora do Brasil, veem nessa forma de interação a principal maneira de se tomar decisões importantes. No nível do contato direto com o cliente o atendimento on line ganha força com a invasão dos fóruns de discussão, comunidades online e atendimento via chat ou e-mails. A resolução de problemas complexos de clientes em equipes virtuais (com pessoas de diferentes especialidades e distantes fisicamente) torna-se uma alternativa ao modelo de atendimento individual. Dessa forma, e associando um problema que exige uma decisão a uma interação em equipe, surgem as questões que guiaram este estudo de caso: como ocorre o processo de tomada de decisões em uma equipe de trabalho virtual? E seria essa uma alternativa para maximizar o desempenho (eficácia) quando comparada com decisões tomadas individualmente? Essas são questões pouco debatidas na literatura, ainda mais quando se trata de um estudo realizado dentro de uma organização. O caso da empresa Z O caso estudado é de uma grande empresa multinacional do setor de tecnologia da informação, doravante nomeada de empresa Z. Por ser uma grande empresa com diversas sedes no mundo, a empresa Z possui uma vasta quantidade de equipes de trabalho que interagem para a resolução de problemas, criação e desenvolvimento de projetos. Pelo fato de muitas das equipes terem membros residentes em locais distantes, boa parte da interação é feita por videoconferências, compartilhamento de documentos e reuniões via chat. A realização de um estudo que investigasse fatores como eficácia de se trabalhar em equipes virtuais, a qualidade da interação, a capacidade de fornecer uma resposta conjunta satisfatória ao cliente, a existência de conflitos, seria estratégico para repensar as atuais práticas de gestão e propor mudanças. Ressalta-se que o estudo de caso foi possível de ser realizado em virtude de o primeiro autor estar realizando estágio curricular na ocasião. O objetivo do estudo foi avaliar o processo de tomada de decisão de uma equipe de três estagiários vinculados ao setor que cuida das pequenas e médias empresas e são responsáveis pelo atendimento de demandas de clientes. Procurou-se avaliar se as crenças sobre a eficácia (alcance dos objetivos pretendidos) do trabalho em equipe e a percepção de conflito dos membros da equipe mudavam após a experiência de a equipe encontrar a solução do problema de um cliente (desempenho esperado). Investigou-se também a eficácia da equipe na solução do problema do cliente com base em parâmetros comparativos do desempenho individual dos membros da equipe em solução de problemas de clientes. Método Participantes O estudo de caso foi realizado na empresa Z. Para compor a equipe foram selecionados três estagiários há três meses na empresa, que já se conheciam e cuja solução de problemas de clientes estava no rol de suas atividades. Eram três concluintes do ensino superior, um homem e duas mulheres, estudantes dos cursos de administração, publicidade e propaganda e jornalismo. A idade deles variava entre 22 e 25 anos. Instrumentos Problema apresentado à equipe: O cliente queria saber por que ao clicar no seu anúncio publicitário era direcionado a uma página de erro, sendo que em testes anteriores e no momento em que ele foi aprovado pela empresa isto não ocorria. O problema foi escolhido com base no histórico de problemas de clientes da empresa. Tratava-se de um problema que suscitou dúvidas entre colaboradores mais experientes, sugerindo ser complexo, o que o recomendava para ser usado no estudo. Solução para o problema: A solução correta seria que a codificação automática do link da página de destino gerava um código inválido conhecido como clicktag. Esse impedia o reconhecimento da página original e levava a uma página de erro. Dessa forma o que deveria ser apresentado ao cliente seria a mudança para um modelo de codificação manual em que ele incluiria no link da página de destino um código válido, corrigindo o problema. Parâmetros da medida de eficácia na tomada de decisões: Para criar os parâmetros de análise da eficácia na tomada de decisão em equipe e consequente solução do problema do cliente pela equipe, foi preciso fazer um acompanhamento prévio do desempenho individual dos três estagiários participantes do estudo. Os três pertenciam ao setor de suporte a vendas de publicidade on line, em que uma das atividades é resolver problemas dos clientes. A Tabela 1 apresenta os parâmetros usados para o acompanhamento do desempenho feito em uma semana. Os parâmetros foram: i) tempo médio de resolução do problema; ii) fluxo dos processos internos, que leva em conta implicações legais para a empresa, correção nas fases da resposta e a pertinência da resposta; iii) satisfação do cliente, medida pela completude da resposta, personalização da resposta, empatia e apropriação por parte de quem responde; e iv) consulta a colegas de equipe. Para cada critério, retirou-se uma média de como se deu o desempenho individual (medido através de uma porcentagem de erro em cada critério). A seguir estimou-se o desempenho da equipe em termos de erros, baseado nos conhecimentos sobre o trabalho individual de cada membro da equipe e no fato de ser uma equipe que embora interagisse entre si, nunca havia resolvido um problema coletivamente. Dois outros critérios foram acrescentados para análise da equipe, qual seja, a interação entre os participantes e a existência de conflitos na interação. Tabela 1. Critérios e expectativa do desempenho da equipe Critérios Subcritérios Desempenho indiviual (observado em 1 semana) Desempenho grupal Esperado Tempo de realização - 30-50 minutos < 30 minutos Justificativa do desempenho esperado O diálogo na interação e a junção de conhecimentos favorecem a diminuição do tempo de realização da tarefa. Fluxo dos Processos Internos Erros de conformidade legal Sequência das fases de resposta 10% 0 30% 0 30% 0 Pertinência da resposta Justificativa do desempenho esperado A junção dos conhecimentos diminui a probabilidade de haverem erros relativos ao fluxo dos processos internos (logo englobando as três categorias) Avaliação da satisfação do cliente Resposta incompleta 10% 0 Personalização da resposta 15% 1 Empatia 0% 0 Apropriação 12% 1 Justificativa do desempenho esperado A interação diminui a probabilidade de a resposta dada ser incompleta. A construção de um texto em grupo dificulta a personalização da resposta. O texto construído na interação não impacta na empatia percebida pelo cliente. Consulta a colegas Consulta a 1 colega Sem consulta Justificativa do desempenho esperado A interação no grupo dispensa a consulta a colegas de fora dela Interações entre os estagiários Intensidade da interação Quem interage mais, quem interage menos Foco na tarefa Quem está e quem não está Organização da tarefa Conflitos Existência de conflitos e em que momento Quem centraliza e organiza Menores conflitos em virtude da complexidade da tarefa Obs: Para os dois últimos critérios não há parâmetro individual Crenças sobre o trabalho em equipe A escala foi adaptada ao contexto brasileiro por Puentes-Pallacios (2002) e usada na pesquisa do psicólogo brasileiro (BASTOS, GONDIM & cols., 2010). Ela possui quatro itens (ex.: considero um bom investimento o tempo gasto no trabalho em equipe) respondidos em escala crescente de concordância de cinco pontos. Sua estrutura é unifatorial e sua confiabilidade é satisfatória (alfa=0,75). Percepção de conflitos no trabalho em equipe A escala foi originalmente criada por Jehn (1994), traduzida e adaptada ao contexto brasileiro por Martins, Guimarães e Cardoso (2006). Está dividida em oito perguntas. Ex: “Quanto conflito há entre os membros de sua equipe ou equipe de trabalho?” e “Quanta divergência de opinião existe em sua equipe ou equipe de trabalho?” A escala possui dois fatores: conflitos de relacionamento e de tarefa. Na pesquisa do psicólogo brasileiro, Martins e Puente-Palácios (2010) aplicaram a escala em 253 psicólogos e a estrutura fatorial encontrada foi única, acusando que a amostra pesquisada não fazia distinção entre os tipos de conflitos. O fator foi denominado “Conflitos Interpessoais” e obteve índice satisfatório de confiabilidade (alfa= 0,86). Estados afetivos Os estados afetivos foram medidos a partir de uma lista de 22, sendo 11 afetos positivos (ex: alegria, surpresa agradável e bem-estar) e 11 afetos negativos (ex: ansiedade, tristeza e raiva). Antes da realização da tarefa, os participantes eram convidados a se autoatribuir afetos vivenciados nas últimas semanas, medidos por uma escala de sete pontos na qual 1 representava ausência do afeto (nada) e 7 indicava que o afeto estava muito presente (GONDIM; MUTTI, 2011). A mesma escala era aplicada após a realização da tarefa. Estratégias na solução de problemas: Esse instrumento foi elaborado pela equipe de pesquisa coordenada pela segunda autora com base no Ciclo de Resolução de Problema de Sternberg (2000) e buscou mapear a representação do problema, as estratégias utilizadas, a organização das informações, a alocação dos recursos, monitoramento e avaliação da solução de problemas. Eram 13 questões gerais sobre soluções de problemas (ex:“A atenção foi focada nas informações relevantes desprezando-se as irrelevantes”); três versavam sobre as estratégias utilizadas (ex:“Decomposição do problema em partes menores”) e quatro mensuravam o quanto cada item dificultava ou facilitava o trabalho em equipe (ex:“Forma de definição do problema”). Para estas últimas quatro questões foi apresentada uma escala de sete pontos (1 significava dificultou e 7 facilitou). Para as demais questões era apresentada uma escala de quatro pontos, sendo 1, nada, e 4, muito. Procedimentos Os três estagiários foram convidados a interagir via chat por meio de uma das ferramentas internas da empresa. Foi apresentado a eles um problema para o qual deveriam encontrar uma solução conjunta. O problema foi compartilhado entre os três estagiários, via outra ferramenta da empresa, e foi dada a instrução de que eles precisariam discutir entre si e apresentar uma resposta escrita para o cliente. Antes e depois da realização da tarefa, foi pedido aos estagiários que respondessem aos questionários de crenças sobre a eficácia do trabalho em equipe; percepção de conflitos no trabalho em equipe e estados afetivos. O produto final, ou seja, a redação da resposta ao cliente foi analisada com base nos critérios previamente definidos. Realizado em 09 de novembro no período da noite, o estudo de caso teve duração total de 47 minutos. Cada estagiário foi alocado em uma sala separada, sendo que em nenhum momento houve interação física entre eles. Inicialmente foi explicado o objetivo do estudo e dadas as instruções sobre como eles deveriam proceder para responder ao problema do cliente. Depois, foi solicitado que respondessem aos questionários de crenças, percepção de conflitos e afetos. Após concluírem o preenchimento, foi apresentado em um ambiente virtual compartilhado o problema do cliente a ser solucionado pelos três estagiários. Havia certa expectativa para a realização da atividade entre os estagiários que interagiam via chat. Apesar disso, não foi identificado nenhum problema durante a interação. O observador, primeiro autor deste artigo, acompanhava todo o desenrolar do processo em outro computador, apenas interferindo para esclarecer dúvidas pontuais dos três estagiários. Resultados e Discussão A tabela 2 apresenta os resultados relativos à eficácia da realização da tarefa. Tabela 2: Resultados da eficácia na solução de problemas Critérios Subcritérios Desempenho grupal (esperado) Desempenho grupal (real) Tempo de realização - < 30 minutos 47 minutos Fluxo dos Processos Internos Conformidade legal Sequência das fases de resposta Pertinência da resposta 0 0 0 0 0 1 Resposta completa Personalização da resposta Empatia Apropriação 0 1 1 0 1 1 0 1 Avaliação da satisfação do cliente Consulta a colegas Interações entre os estagiários Conflitos Sem consulta Mais de um colega consultado Intensidade da interação Quem interage mais, quem interage menos Os papéis não foram bem definidos, a interação foi marcada pela instabilidade com momentos de total ausência de conversas para resolução Foco na tarefa Quem está e quem não está Dois dos três participantes buscaram soluções e alternativas, apesar de que de modo individual Organização da tarefa Quem centraliza e organiza Existência de conflitos e em que momento Menores conflitos em virtude da complexidade da tarefa Não houve centralidade na organização. Dois participantes tentaram assumir esse papel sem sucesso Não houve conflitos em nenhum momento Fonte: Dados do estudo O tempo de interação foi maior do que o estipulado (47minutos contra uma expectativa de 30 minutos ou < que a média de 40 minutos para o desempenho individual). A agravante é que apesar de o tempo ser maior que o previsto, a solução não foi considerada a correta pela especialista da área na empresa, sinalizando ter havido problemas de processos internos. Segundo a especialista, a resposta dada ao cliente pela equipe acusou instabilidade no servidor que hospeda o site do cliente, o que poderia causar o problema no redirecionamento. A resposta correta, porém, deveria ser focada em um dos aspectos que o cliente havia descartado no começo (tratava-se de um problema de clicktag – parâmetro utilizado em anúncios de flash do tipo banner que define o site para o qual o clique irá direcionar). Houve problemas no processo de tomada de decisão em quase todos os aspectos relativos à satisfação do cliente. Essa é uma medida que, originalmente, é feita por uma especialista que analisa a interação pela perspectiva do cliente. Para a especialista, portanto, a resposta não foi personalizada (mostrou-se genérica), incompleta (não respondia o problema e a alternativa oferecida não era consistente), além de não haver “apropriação” da equipe do problema do cliente, visto que somente apontaram a instabilidade do sistema como causadora do problema, sem se proporem a fazer novos testes ou acompanhar o cliente para verificar se o problema havia sido de fato resolvido. Para resolver o problema, a equipe consultou mais de um colega (cada estagiário consultou ao menos um colega de fora). A interação entre os participantes foi desencontrada, já que no princípio do processo de tomada de decisão, um dos estagiários apresentou uma ideia que solucionaria o problema, mas que não foi devidamente discutida na equipe. Em sequência, outro estagiário apresentou uma nova ideia que desviou a equipe da solução promissora. O desvio fez perder a linha de raciocínio inicial e daí por diante a interação entre os estagiários diminuiu, e cada um tentou resolver sozinho ou mediante consulta a algum outro colega. Em dado momento um dos estagiários pressionou os demais a finalizar a tarefa e dar a resposta ao cliente. Apesar disso, não foram observados conflitos evidentes entre os estagiários. Em relação às crenças na eficácia do trabalho em equipes não houve diferenças entre a medida inicial e a realizada depois da tarefa, sinalizando que a experiência do trabalho em equipe de insucesso não foi suficiente para mudar as crenças elevadas sobre o trabalho em equipe. Ou seja, parece que a qualidade da experiência não é suficiente para abalar a crença da eficácia do trabalho em equipe (PUENTE-PALACIOS & BORGES-ANDRADE, 2005). A percepção de conflitos, contudo, diminuiu após a experiência. Com relação aos estados afetivos, os estagiários após a realização da tarefa relataram mais alívio, menor ansiedade e maior frustração. Com relação à eficácia na resolução do problema, em geral, os estagiários consideraram que a equipe conseguiu identificar o problema (apesar de dispensar pouco tempo na fase de planejamento), porém não conseguiu se organizar para resolvê-lo a contento, ou seja, apesar de terem utilizado todos os recursos disponíveis, não foi possível dar uma resposta satisfatória. As fases do processo de tomada de decisões, definidas por diversos autores (MACHINE, 1977; SAUAIA; ZERRENNER, 2009; ZANELA, 1999), não foram seguidas. Houve um período inicial em que dois estagiários tentaram organizar a tarefa para delimitar o escopo do problema e pensar em métodos de ação, porém não chegaram a um acordo e o levantamento de dados se restringiu a uma perspectiva individual em que cada um tentou comprovar a sua hipótese por conta própria. De modo geral, pode-se atribuir que a comunicação entre os estagiários foi prejudicada pela interação virtual, visto que um dos estagiários participou pouco da interação pelo chat. Como apontado por Souza e Puente-Palacios (2011) e por Cohen e Bailey (1999), traços individuais são importantes mediadores da eficácia do trabalho em equipe. Apesar de ser uma equipe que já se conhecia, os membros possuíam conhecimentos diversificados, e mais do que atuar em equipe para tentar resolver o problema, os conhecimentos anteriores de cada um guiaram a busca por uma resposta individualizada. Isso repercutiu, inclusive, na finalização da tarefa, quando da redação da resposta a ser encaminhada ao cliente, pois somente um dos estagiários a redigiu. A comparação do desempenho grupal com o individual permite inferir que a equipe não foi capaz de lidar com as limitações da dificuldade do problema. Resolvendo situações igualmente complexas, o estagiário cujo desempenho de uma semana foi acompanhando, conseguia chegar a respostas mais satisfatórias, tendo um bom aproveitamento na resolução dos problemas. Diversos fatores observados, por fim, contribuem para colocar em dúvida a máxima da eficácia do trabalho em equipes. Ainda mais em se tratando de uma interação realizada virtualmente, que dificulta a exposição mais delongada de ideias, e o uso de estratégias de convencimento, necessárias para a atuação conjunta em busca de um objetivo. Considerações finais O presente estudo permitiu acompanhar um caso de resolução de problemas em equipe virtual em uma grande empresa do setor de tecnologia da informação. Apesar de ter sido apenas uma simulação com alguns parâmetros de controle, os resultados apontam para a menor eficácia do trabalho em equipes em ambiente virtual, sugerindo a necessidade de controlar algumas variáveis de processo para que a equipe venha a conseguir melhorar o seu desempenho. Para as práticas de gestão na empresa Z é preciso estar atento às decisões tomadas em reuniões virtuais, porque é possível que elas nem sempre sejam eficazes para atingir os objetivos da empresa. Como limitações do estudo, citam-se o baixo poder de generalização dos resultados e o tempo de experiência na função dos estagiários. Talvez colaboradores mais experientes fossem mais efetivos na interação e demorassem menos tempo para se chegar à solução certa. Entretanto, os resultados deste estudo de caso de pequeno escopo, podem contribuir para sensibilizar os gestores sobre a necessidade de planejar cuidadosamente o uso de equipes virtuais de trabalho, e incluir ações para a orientação e o acompanhamento desta importante modalidade de trabalho. Referências ANGELONI, M. T. (2003). Elementos intervenientes na tomada de decisões. Ci. Inf., Brasília, v. 32, n.1, p. 17-22. BAZERMAN, M.H. (2004). Processo Decisório: para cursos de Administração, Economia e MBAs. Rio de Janeiro: Elsevier Editora. BISPO, C. A.; CAZARINI, E. W. (1996). A evolução do processo decisório. Encontro Nacional de Engenharia de Produção, v.16. CIPOLLA, F.P. (2005). Trabalho em equipe como forma de subsunção real. Estudos Econômicos, v.35, n.1, São Paulo. COHEN, S. G.; BAILEY, D.E. (1997). What makes teams work: Group effectiveness research from the shop floor to the executive suite. Journal of Management, v.23, n.3, 239290. FERREIRA, M.R., GALLO-PENNA, E.C. (2009). 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