CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA PRESENÇAS, SILÊNCIOS E AUSÊNCIAS SOBRE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NO ÂMBITO DO CURRÍCULO DE DOIS CURSOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Linha de Pesquisa II Processos Formativos em Educação Tecnológica Alexandre Gomes Soares Orientadora: Profª. Drª. Maria Aparecida da Silva Belo Horizonte 2012 Alexandre Gomes Soares PRESENÇAS, SILÊNCIOS E AUSÊNCIAS SOBRE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NO ÂMBITO DO CURRÍCULO DE DOIS CURSOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFETMG) como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação Tecnológica. Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida da Silva Belo Horizonte 2012 Alexandre Gomes Soares PRESENÇAS, SILÊNCIOS E AUSÊNCIAS SOBRE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NO ÂMBITO DO CURRÍCULO DE DOIS CURSOS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), em 28/2/2012, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação Tecnológica, aprovada pela Banca Examinadora, constituída pelas seguintes professoras: ____________________________________________________ Profª. Drª. Maria Aparecida da Silva – Orientadora Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET-MG _____________________________________________________ Profª. Drª. Marilia Gomes de Carvalho UniversidadeTecnológica Federal do Paraná – UTFPR _____________________________________________________ Prof. Drª. Suzana Lanna Burnier Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET-MG Belo Horizonte, 28 de fevereiro de 2012 A todos aqueles profissionais da educação envolvidos com uma escola democrática que buscam superar práticas excludentes. A todos os sujeitos que estão à margem da História oficial, em especial àqueles que são discriminados por sua classe, etnia, gênero e diversidade sexual. Às vitimas da homofobia; afinal, nosso pais ainda registra um assassinato a cada 36 horas contra a comunidade LGBT. AGRADECIMENTOS A Deus, pela vida e especialmente pelo fato de que Ele não faz acepção de pessoas. À minha orientadora, Profª. Drª. Maria Aparecida da Silva, por me possibilitar uma jornada intensa de aprendizado, de diálogos entre a teoria e a realidade que nos cerca, por ter me propiciado crescimento para além do institucional, em uma relação dialógica. E, ainda, por ser uma pessoa que atribui sentidos à pesquisa, possibilitando-me não apenas abrir armários, mas discutir questões de gênero e diversidade abertamente na Educação Profissional. Estas palavras, neste momento, representam o reconhecimento pelos diversos momentos compartilhados. Aos estudantes/trabalhadores dos Cursos Técnicos de Turismo e Lazer e de Mecânica (Modalidade PROEJA), docentes e demais trabalhadores da instituição da rede federal de Educação Profissional e Tecnológica onde a pesquisa foi realizada. À Banca Examinadora, pelas críticas e contribuições. Aos professores e professoras do Mestrado em Educação Tecnológica do CEFET-MG e ao secretário do Mestrado em Educação Tecnológica, Fábio Vasconcelos. Às professoras Silvani dos Santos Valentim(CEFET-MG) e Ilana Moutian (UFMG) pelo aprendizado proporcionado nas disciplinas isoladas, que antecederam minha entrada no mestrado, e durante a trajetória como mestrando. Aos profissionais da educação que colaboraram por e-mails, telefonemas, diálogos coletivos e individuais, como: Jussara Biagini, Attico Chassot, Carlos Roberto Jamil Cury, Kazumi Munakata, Rogério Junqueira, Ernesto Reis e Raquel Quirino. Às luzes da minha trajetória: Paulina Inácio Gomes, mãe;Paulina Filgueiras,vó-mãe; Érica e Henrique, pessoas amadas que compreendem a minha distância física e torcem por mim; Jussara Biagini, eterna amiga, pessoa iluminada que faz a diferença na Educação Profissional. A todos os integrantes do grupo de pesquisa Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos (EPIEJA), do CEFET-MG, em especial a Danielle Fernandes Viana, Angela Carmem Abreu Fraga Fonseca, Abelardo Bento Araújo, Sandra Maria Glória da Silva. Aos que tornaram viáveis: Igor Antônio Lourenço da Silva, à FAMUC (Fundação de Assistência Médica e Urgência de Contagem), em especial Raquel A. L. de Paula e demais colegas. Aos companheiros e companheiras do Mestrado em Educação Tecnológica, agradeço pelos diálogos, textos compartilhados, angústias e risos divididos. Agradeço a todos os colegas, amigos e amigas que fiz nessa jornada, em especial a Gabriela, Arlana e Danielle, que se dispôs a ajudar na reta final. Agradeço a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho e que torceram para que este momento se concretizasse (Sérgio, Lucimar, Ramon, Dalva, Luciana e outros). Tenho como reflexão que a experiência adquirida nesta dupla jornada de trabalho (a de mestrando e a de professor) possibilitou reconhecer, mesmo que parcialmente, os limites e possibilidades de um ato educacional. [...] Nada a temer senão o correr da luta Nada a fazer senão esquecer o medo Abrir o peito a força, numa procura Fugir às armadilhas da mata escura Longe se vai Sonhando demais Mas onde se chega assim Vou descobrir O que me faz sentir Eu, caçador de mim Caçador de Mim Autoria: Sérgio Magrão e Luis Carlos Sá RESUMO Esta dissertação é resultado de uma pesquisa que tratou das presenças, ausências e silêncios sobre as questões de gênero e diversidade sexual na disciplina História no âmbito do currículo da Educação Profissional. O objetivo principal foi analisar o currículo de dois cursos da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, tendo como foco as questões de gênero e diversidade sexual. Parte-se do pressuposto inicial de que os livros didáticos se configuram como instrumento que sofre intervenção de diversos campos da sociedade e podem ser caracterizados como objetos portadores de conhecimentos. A escolha da disciplina História é feita pelas possibilidades que ela proporciona de desenvolver nos educandos o reconhecimento da diversidade de sujeitos na História, bem como o ato de reconhecer-se como sujeito da História, além de proporcionar leituras da atuação desses sujeitos no ambiente escolar e na sociedade. Como objetivos específicos,buscou-se (i) verificar os livros didáticos de História adotados pelos professores que lecionam essa disciplina nos cursos de uma instituição da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica; (ii) verificar, a partir da perspectiva do professor, como os livros didáticos são escolhidos e trabalhados em sala de aula para o ensino de História; (iii) identificar como são tratadas as questões de gênero e diversidade sexual em documentos e publicações oficiais; e (iv) analisar a natureza, a extensão e a profundidade dos conteúdos sobre questão de gênero e diversidade sexual no ensino de História, bem como nos livros didáticos e materiais didáticos usados pelo professor da disciplina em suas aulas. Serviu-se do aporte teórico sobre as questões de gênero (COSTA, C. L.; 1994; CASAGRANDE; CARVALHO, 2006) sobre gênero e diversidade sexual, (JUNQUEIRA,2009a, 2009b, 2009c; LOURO, 2004), sobre currículo (SACRISTÁN, 2000; SILVA, 2010)e sobre ensino de História (BITTENCOURT, 2009; LUCIOLA SANTOS 2001). Os procedimentos metodológicos adotados foram o estudo de caso segundo André (2005)e a análise de conteúdo na perspectiva de Bardin (2002). As categorias de análise emergiram dos documentos analisados e das respostas às questões das entrevistas com os professores e alunos de História. Confirmou-se a presença de gênero binário nos livros didáticos, ainda marcados pela matriz heterossexual e porum silêncio sobre a questão da diversidade sexual, ainda que haja uma política de avaliação dos livros didáticos pelo MEC. Essa constatação permite inferir que a diversidade sexual ocupa um lugar à margem nos livros didáticos e na política de avaliação dos livros. Tal silêncio pode, também, ser interpretado como se os sujeitos com orientação sexual diferente fossem excluídos da História ou portadores de algo que não pode ser revelado.Os materiais didáticos ao tratarem das políticas afirmativas sobre diversidade sexual demonstrou nas entrelinhas dos textos, que o tratamento do tema cabe ao professor e à instituição.Em relação ao gênero, a pesquisa de campo possibilitou a identificação de algumas ações da instituição no sentido de abordar o tema “gênero e diversidade sexual”, complementado por questões étnico-raciais. O confronto entre o discurso dos materiais escolares dos documentos com a prática pedagógica explicita a necessidade de espaço para diálogos, planejamento e formação continuada de docentes sobre a temática da diversidade sexual, a qual se apresenta no cotidiano escolar de forma germinal. Para se construir o corpus de conhecimento sobre como é tratada nas práticas pedagógicas e nos materiais escolares a questão da diversidade sexual há necessidade de mais pesquisas na mesma direção desta. Espera-se que a realização desta pesquisa subsidie o avanço de pesquisas futuras voltadas para o resgate de práticas, ainda que incipientes, no ambiente escolar, pois ele é o espaço privilegiado, embora não único, para superar as práticas discriminatórias. Palavras-chave: Gênero e diversidade sexual. Ensino de História. Currículo da educação profissional. ABSTRACT This thesis addresses presences, absences and silences regarding gender and sexual diversity in the History discipline in the scope of the professional education curriculum. Focusing on gender and sexual diversity, it reports on a study that aimed to analyse the curriculum of two professional secondary education courses. It builds on the assumption that textbooks are tools that are shaped by different domains in the society and thus are objects carrying biased bodies of knowledge. The History discipline was chosen because of its potential to help students recognise diversity in the subjects throughout the History, identify themselves as subjects within the History, and interpret their performance both in the school and in the society. The specific objectives of the study were: (i) to analyse the History textbooks adopted by History teachers at federal institutions of professional and technological education; (ii) to understand the teachers’ perspective of how textbooks are supposed to be selected and worked upon in the classroom; (iii) to identify how gender and sexual diversity are addressed in official documents and publications; and (iv) to analyse the nature, extension, and depth of the contents regarding gender and sexual diversity for the teaching of History and of the related contents found in the textbooks and other didactic resources used in the classroom. The theoretical underpinnings included studies on gender (COSTA, C. L., 1994; CASAGRANDE; CARVALHO, 2006), gender and sexual diversity (JUNQUEIRA, 2009a, 2009b, 2009c; LOURO, 2004), curriculum (SACRISTÁN, 2000; SILVA, 2010) and History teaching (BITTENCOURT, 2009; SANTOS, L., 2001). The methodological procedures were case study (ANDRÉ, 2005) and content analysis (BARDIN, 2002). The category of analysis emerged from the documents and the interviews carried out with History teachers and students. The results points to the presence of a binary approach to gender in the textbooks, which still reproduce a heterosexual matrix and are silent in terms of sexual diversity, despite the Brazilian Ministry of Education putting forward a policy to assess textbooks. This shows that sexual diversity is marginal both in the textbooks and in the textbook assessment policy. This silence can also be interpreted as if subjects with different sexual orientation were excluded from History or carriers of something that should not or cannot be revealed. Moreover, the didactic materials seem to relinquish any possibility of approaching sexual diversity-related affirmative policies to the teacher and the educational institution. Regarding gender, the field research identified some institutional acts related to gender and sexual diversity, alongside ethnical and racial concerns. The contrast of textbook and documental discourse with the pedagogical practice points to the need of opening rooms for dialogue, planning and continued education of teachers in regards to sexual diversity, which is germinal in the daily lives of the school. Further research is needed to enlarge the body of knowledge on how pedagogical practices and didactic materials have addressed sexual diversity, and the present study is expected to support the advance of investigations concerned with diversityoriented practices in the school context, which can be deemed as an advantageous space, although not the only one, to overcome discriminatory practices. Keywords: Gender and sexual diversity. Teaching of History. Professional education curriculum. ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 – Capa do primeiro livro analisado 75 FIGURA 2 – Proclamação da República no Brazil[sic] 77 FIGURA 3 – Capa do segundo livro analisado 78 FIGURA 4 – Capa do terceiro livro analisado 79 FIGURA 5 – Típica família mineira de classe média na década de 1920 80 FIGURA 6 – Lavadeiras em Januária 81 FIGURA 7 – Cópia da mensagem de e-mail (adaptada) 87 FIGURA 8 – Recorte da Carta Geografhica da Capitania de Minas Geraes 91 FIGURA 9 – Foto da Carta Geografhica da Capitania de Minas Geraes 91 FIGURA 10 – Sugestão de um roteiro para análise de fontes dialógicas 123 QUADROS QUADRO 1 – Síntese histórica do LD no Brasil 68-69 QUADRO 2 – Análise metodológica 71 QUADRO 3 – Diálogo professor e aluna – aulas 1 e 2 83 QUADRO 4 – Diálogo professor e aluna – aulas 3 e 4 84 QUADRO 5 – Aulas 5 e 6 – Conteúdo:Religiosidade Barroca Mineira 86 QUADRO 6 – Aulas 7 e 8 – Turma de Mecânica (Modalidade PROEJA) 88 QUADRO 7 – Aulas 13 e 14 – Conteúdo: Mapear terras e gentes 89-90 QUADRO 8 – Aulas 11 e 12 – Turma Mecânica 92 QUADRO 9 - Aulas 19 e 20 – Turma Mecânica 93 QUADRO 10 -Aulas 13 e 14 –Turma Mecânica 94 QUADRO 11 – Panorama de alguns documentos e publicações oficiais e a relação sobre gênero e diversidade sexual 124-125 TABELAS TABELA 1 – TABELA 2 – Trabalhos encomendados sobre os temas gênero, currículo e ensino de História nas reuniões anuais da ANPEd no período de 2000 a 2010 Trabalhos apresentados nas reuniões anuais da ANPEd no período de 2000 a 2010, segundo seis Grupos de Trabalho 20 23 TABELA 3 – Número de alunos que responderam aos questionários de caracterização socioeconômica em cada um dos cursos de EPTNM 40 analisados,segundo frequência e percentual TABELA 4 – Caracterização dos sujeitos de pesquisa segundo sexo, frequência e 41 percentual TABELA 5 – Idade dos sujeitos da pesquisa, segundo frequência e percentual 42 TABELA 6 - Distribuição dos sujeitos da pesquisa segundo estado civil, frequência 42 Caracterização da raça/etnia de acordo com os sujeitos da pesquisa, segundo frequência e percentual 43 TABELA 7 – TABELA 8 – Pertencimento religioso dos educandos segundo frequência e 43 percentual TABELA 9 – Nível de escolaridade do pai, segundo frequência e percentual 44 TABELA 10 – Nível de escolaridade da mãe, segundo frequência e percentual 44 TABELA 11 – Situação do imóvel dos sujeitos, segundo frequência e percentual 45 TABELA 12 – Número de pessoas residentes no imóvel, segundo frequência e percentual 46 Principal responsável pelo sustento da casa, segundo frequência e percentual 46 Ocupação profissional dos sujeitos da pesquisa, segundo frequência e percentual 47 TABELA 15 – Vinculo empregatício, segundo frequência, percentual 48 TABELA 16 – Tempo de permanência no emprego atual, segundo frequência e percentual 49 Faixa salarial dos sujeitos da pesquisa, segundo frequência e percentual 49 Posse de computadores na residência, segundo frequência e percentual 50 TABELA 13 – TABELA 14 – TABELA 17 – TABELA 18 – TABELA 19 – Acesso à Internet, segundo frequência e percentual 51 TABELA 20 – Atividades realizadas pelos educandos no tempo livre, segundo frequência e percentual 53 O que os educandos mais gostam na escola, segundo frequência e percentual 54 TABELA 21 – TABELA 22 – Do que os educandos menos gostam na escola, segundo frequência 55 epercentual TABELA 23 – Do que os educandos mais gostam no curso escolhido, segundo frequência e percentual 56 Do que os educandos menos gostam no curso escolhido, segundo frequência e percentual 57 Avaliação do curso pelos sujeitos da pesquisa, segundo frequência epercentual 57 Grau de concordância dos educandos com as frases, segundo percentual 97-98 Opiniões dos educandos a respeito das frases, segundo frequência e percentual 104 Abordagem de questões de gênero, sexualidade, diversidade sexual são abordada na escola, segundo frequência e percentual 105 Existência ou não de diálogo dos educandos com os pais ou responsável sobre sexualidade, segundo frequência e percentual 106 Nível de diálogo dos educandos sobre sexualidade com seus responsáveis, segundo frequência e percentual 107 Resposta à pergunta: “Você já presenciou alguma cena de preconceito contra mulheres ou homens envolvendo questão de sexualidade (e.g., machista e homofóbico)?” 108 TABELA 24– TABELA 25 – TABELA 26 – TABELA 27– TABELA 28 – TABELA 29 – TABELA 30 – TABELA 31– TABELA 32 – Recursos pedagógicos que o professor de História utiliza com mais 110 assiduidade na sala de aula, segundo frequência e percentual TABELA 33 – Grau de dificuldade de aprendizagem na disciplina História, segundo frequencia e percentual 111 Principal motivo da dificuldade na aprendizagem de História, segundo frequência e percentual 111 Grau de entendimento da explicação do professor de História, segundo frequência e percentual 112 TABELA 34 – TABELA 35– SIGLAS E ABREVIATURAS AC Análise categorial ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BSH Brasil Sem Homofobia CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEFET-MG Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais CF Constituição Federal CLAM Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos CONFINTEA Conferência Internacional de Educação de Adultos DCN Diretrizes Curriculares Nacionais para a EducaçãoProfissional Técnica de Nível Médio DCSA Departamento de Ciências Sociais Aplicadas EJA Educação de Jovens e Adultos EPTNM Educação Profissional Técnica de Nível Médio FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas GE Grupo de Estudo GT Grupo de Trabalho INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais IRFEPT-MG Instituição da Rede Federal de Educação Profissional Tecnológica de Minas Gerais LDBEN Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional LGBT Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros MEC Ministério da Educação e do Desporto MHB Movimento Homossexual Brasileiro ONG Organização NãoGovernamental PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PROEJA Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos SECAD Secretária de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade SEDH Secretaria Especial de Direitos Humanos SPM Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres CNER Campanha Nacional de Educação Rural CEAA Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 16 1.1 Origem do Problema............................................................................................. 18 1.2 Contextualização do Tema na Literatura.............................................................. 19 1.2.1 As questões de gênero, diversidade sexual e ensino de História nas reuniões anuais da ANPEd.................................................................................................. 19 1.2.2 As questões de gênero, diversidade sexual e ensino de História em publicações diversas................................................................................................................. 24 1.3 Pergunta-Problema…………………………………………………………....... 27 1.4 Hipóteses.............................................................................................................. 27 1.5 Objetivos.............................................................................................................. 28 1.6 Locus de Investigação....................................................................................... 28 1.7 Procedimentos Metodológicos............................................................................. 28 1.8 Estrutura da Dissertação....................................................................................... 32 2 A INSTITUIÇÃO EM FOCO: HISTÓRIA E SEUS SUJEITOS.................. 34 2.1 Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa.............................................................. 39 2.2 Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa Segundo as Condições Socioeconômicas................................................................................................. 45 2.3 Caracterização dos Educandos em Face ao Contexto dos Cursos Técnicos de Mecânica (Modalidade PROEJA) e Turismo e Lazer...................................... 52 2.4 Caracterização dos Docentes das Duas Turmas dos Cursos Técnicos.................. 58 2.5 Os Docentes e o Ensino Noturno.......................................................................... 3 O VELADO E O REVELADO SOBRE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA................................. 62 3.1 Questões de Gênero e diversidade sexual, Pesquisas Historiográficas e a Disciplina História........................................................................................ 62 3.2 Panorama Histórico do Livro Didático................................................................. 3.3 Análise de Conteúdo dos Livros de História......................................................... 70 3.3.1 As questões de gênero e diversidade sexual na sala de aula da Educação Profissional............................................................................................................ 83 3.3.2 As indagações de gênero e diversidade sexual em face às posições discursivas dos educandos da Educação Profissional................................................................................................... 95 3.4 O Contexto da Sala de Aula: Livros Didáticos, Alunos/as e Professores.......... 59 68 109 4 O CURRÍCULO, AS QUESTÕES DE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL E OS DOCUMENTOS E PUBLICAÇÕES LEGAIS.................... 116 4.1 Panorama dos Documentos e Publicações Oficiais no Brasil em Relação as Questões de Gênero e Diversidade Sexual.......................................................... 121 4.2 Os Documentos e Publicações Oficiais em Face do Contexto de Sua Produção Histórica....................................................................................................... 127 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................. 133 REFERÊNCIAS.................................................................................................. 138 APÊNDICES 158 Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido............................... 158 Apêndice B – Consentimento de Participação como Sujeito da Pesquisa............ 159 Apêndice C – Roteiro de Pesquisa – Parte I......................................................... 160 Apêndice D – Questionário Socioeconômico – Parte II....................................... 162 ANEXOS 165 ANEXO A – Primeiro Seminário sobre Diversidades (Adaptado)....................... 165 ANEXO B – Matriz Curricular do Curso de Mecânica (PROEJA)...................... 166 ANEXO C – Grade Curricular para o Curso da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada em Turismo............................................................ 167 ANEXO D – Grade Curricular para o Curso da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Concomitância Externa em Turismo........................................... 168 ANEXO E – Portaria do Brasil Sem Homofobia (BSH)...................................... 169 16 1 INTRODUÇÃO Este [...] se pediu uma liberdade maior que tive medo de dar. Ele está muito acima de mim. Humildemente tentei escrevê-lo. Eu sou mais forte do que eu. (Clarice Lispector) Esta dissertação é resultado de uma pesquisa que analisou as presenças, silêncios e ausências sobre questões de gênero e diversidade sexual nos livros didáticos da disciplina História no âmbito do currículo de dois cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio. As discussões a respeito das questões de gênero e diversidade sexual na sociedade brasileira encontram barreiras em diversas instâncias sociais, barreiras essas relacionadas a fatores como: a falta de pessoas informadas sobre as questões de gênero e diversidade sexual. Além disto, a existência de um Estado frágil no que se refere a laicidade, bem como uma organização social que considera,no senso comum, a heterossexualidade como padrão ideal de sexualidade e afetividade. Segundo Borrilo (2010), o ato de romper com as construções cognitivas que representam barreiras é um verdadeiro exercício, pois essas barreiras se encontram arraigadas à educação. Sendo assim, discutir as presenças, silêncios1 e ausências2 das questões de gênero e de diversidade sexual no âmbito do currículo da Educação Profissional pressupõe, dentre outras possibilidades, verificar como essas questões são abordadas nos materiais didáticos. Analisar as questões de gênero e diversidade sexual âmbito curricular, bem como nos livros didáticos de História na Educação Profissional é viável, tendo em vista a ampliação da distribuição de livros didáticos por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em especial a Resolução nº 60 de 20 de novembro de 2009, que dispõe sobre o Programa Nacional do Livro Didático para a Educação Básica, incluindo a Educação Profissional de Nível Médio (EPTNM). Além disso, concordando com Manfredi (2002), justifica-se a realização deste estudo, pressupondo-se a necessidade de os professores discutirem [...] os temas que permeiam o cotidiano das atividades escolares como projeto pedagógico, autonomia, identidade [...], cultura, religiosidade, importância do conhecimento e da informação na sociedade contemporânea, a ação coletiva e interdisciplinar, as questões de gênero e outros aspectos da sala de aula. (MANFREDI, 2002, p.15) 1 2 No que tange às práticas pedagógicas e às dinâmicas curriculares, entende-se aqui silêncio na acepção de Lionço e Diniz (2008), isto é, como estratégia discursiva dominante, que torna nebulosa a fronteira entre heteronormatividade e homofobia. O termo ausência é concebido por Louro (2001, p. 89) como uma espécie da garantia da norma heteronormativa. Para a autora, tal visão é aquela que compreende a sociedade com base na divisão binária homem e mulher, sem a existência da diversidade. 17 Seguindo essa perspectiva, considerou-se que identificar as presenças, ausências e silêncios das questões de gênero e diversidade sexual na EPTMN pode contribuir para a construção de uma educação justa e democrática, uma vez que “na escola encontra-se uma variedade de indivíduos com experiências de vida, sonhos e realidades específicas” (CASAGRANDE; CARVALHO, 2006, p.1). Na construção de uma educação justa e democrática, as ferramentas de ensino assumem um papel importante, como é o caso do livro didático, que muitas vezes é único material a que professores e alunos têm acesso. Essas ferramentas acompanham as trajetórias escolares dos sujeitos desde a infância e tornam-se fundamentais para o processo de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, esta pesquisa buscou analisar as presenças, ausências e silêncios sobre questões de gênero e diversidade sexual nos livros didáticos da disciplina História, no âmbito do currículo de dois cursos de Educação Profissional Técnica de Nível Médio, considerandose que analisar dialeticamente o ensino de História pressupõe uma ruptura com o padrão hegemônico e discursivo da sociedade. Essa ruptura implica, segundo Fenelon (1997), ampliar a discussão para além da história dos vencedores sobre os vencidos. Assim sendo, buscou-se, nesta pesquisa, um aprofundamento de novos percursos da historiografia3, a partir dos pressupostos teóricos do materialismo histórico, visando-se apreender o movimento dialético das transformações sociais: A importância da recuperação de aspectos da organização social como raça, gênero, religião, no âmbito do quadro geral da investigação materialista histórica (com sua ênfase no poder do dinheiro e na circulação do capital) e da política de classe (com sua ênfase na unidade da luta emancipatória) não pode ser superestimada. (HARVEY, 2010, p.320). As discussões teóricas sobre o ensino de História tiveram uma ampliação expressiva na década de 1980, com o fim da Ditadura Militar. Consoante Zamboni (2001, p.107), as linhas de pesquisas4 se desenvolveram principalmente nos eixos de: formação do professor de História; currículo; linguagens e ensino de História e novas tecnologias; produção historiográfica e livro didático. Na presente pesquisa, a discussão voltou-se para o ensino de 3 4 Frigotto (2000, p. 73) descreve que, para ser materialista e histórico, tem de se dar conta da totalidade, do específico, do singular e do particular. Isso implica dizer que as categorias totalidade, contradição, mediação e alienação não são apriorísticas, mas construídas historicamente. Zamboni (2001) expõe que tais pesquisas também estão presentes nos estudos internacionais, em especial nas abordagens historiográficas francesa, inglesa, alemã e canadense. 18 História e a sua relação com as questões de gênero e diversidade sexual na Educação Profissional Técnica de Nível Médio. 1.1 Origem do Problema A temática desta pesquisa originou-se a partir da participação do autor em alguns eventos científicos na área de Educação e de Saúde, no qual se percebia o tratamento não aprofundado das questões de gênero e diversidade sexual. Notava-se nesses eventos que as questões de gênero e diversidade sexual eram tratadas de maneira superficial e a-histórica. Adicionalmente, o exercício como docente, durante cinco anos, resultou em experiências e vivências que fizeram o autor perceber a falta de um tratamento contextualizado e em sintonia com a realidade dos sujeitos históricos no que diz respeito às questões de gênero e diversidade sexual nos currículos e práticas escolares, desde o Ensino Fundamental até o Ensino Superior. O ingresso no Mestrado em Educação Tecnológica do CEFET-MG e a inserção no grupo de pesquisa “Formação e Produção Científica e Tecnológica em Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos” possibilitaram que o autor fizesse diversas leituras sobre os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos (EJA), sobre o currículo integrado e sobre as questões de gênero. Essas leituras fomentaram reflexões sobre os sujeitos históricos e suas relações sociais no contexto em que vivem e se constroem como sujeitos e, ao cabo, levaram o autor desta dissertação a pesquisar presenças, silêncios e ausências sobre gênero e diversidade sexual no âmbito do currículo de dois cursos da Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio. A escolha da História levou em consideração as possibilidades que essa disciplina proporciona, como: desenvolver nos educandos o reconhecimento próprio como sujeito da história, bem como problematizar a atuação desses sujeitos nas tramas e teias sociais em que estão envolvidos. Além disso, essa disciplina pode favorecer a participação do aluno na construção do saber histórico como processo construído coletivamente. Por fim, mas não menos importante, essa disciplina possibilita identificar a importância de se estabelecerem diálogos entre as diferentes disciplinas para construção do conhecimento histórico. A opção pelo estudo das questões de gênero e diversidade sexual na disciplina História na Educação Profissional justificou-se pela suposta produção e reprodução das desigualdades ocorridas entre homens e mulheres no ambiente da formação profissional e nas relações com o trabalho. Apresenta-se, a seguir, a contextualização do tema desta pesquisa na literatura. 19 1.2 Contextualização do Tema na Literatura No Brasil, as discussões sobre gênero e diversidade sexual no cenário escolar ainda carregam visões e representações dogmáticas sobre o tema. Entretanto, a participação dos movimentos sociais nos debates sobre cidadania, em especial do movimento feminista e do movimento LGBT, e a preocupação da academia com estas questões vêm se tornando visíveis, o que pode ser percebido pelo envolvimento, cada vez maior, das diversas áreas do conhecimento, como a Psicologia, a Antropologia e a História. 1.2.1 As questões de gênero, diversidade sexual e ensino de História nas reuniões anuais da ANPEd Para a contextualização das questões de gênero e diversidade sexual na literatura, realizou-se um levantamento dos trabalhos e artigos encomendados e apresentados nas reuniões anuais da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), no período de 2000 a 2010, considerando-se os seguintes Grupos de Trabalhos (GT) que apresentaram relação direta com o objetivo geral do trabalho: • GT 2 – História da Educação; • GT 12 – Currículo; • GT 14 – Sociologia da Educação; • GT 18 – Educação de Pessoas Jovens e Adultas; • GT 20 – Psicologia da Educação; e • GT 23 – Gênero, Sexualidade e Educação. Conforme se observa na TAB. 1 a seguir, do conjunto de 103 trabalhos encomendados, somente três discutiram temas relacionados ao interesse desta pesquisa, qual seja, as questões de gênero e diversidade sexual. 20 TABELA 1 Trabalhos encomendados sobre os temas gênero e diversidade sexual, currículo e ensino de História nas reuniões anuais da ANPEd no período de 2000 a 2010 Reuniões Anuais ANPEd /Ano Trabalhos/Tema* Trabalhos/Geral 23ª/2000 0 16 24ª/2001 0 12 25ª/2002 0 10 26ª/2003 0 9 27ª/2004 1 20 28ª/2005 – – 29ª/2006 1 12 30ª/2007 0 13 31ª/2008 1 7 32ª/2009 0 4 33ª/2010 – – Total 3 103 * Palavras-chaves: gênero, currículo e ensino de História. Fonte: reuniões anuais da ANPEd (2000-2010). Disponível em : <http://www.anped.org.br/internas/ver/reunioes-anuais>. Acesso em :25 maio 2011. O primeiro trabalho selecionado foi o de Meyer et al. (2004), apresentado na 27ª Reunião da ANPEd, no GT 235(Grupo de Estudos de Gênero, Sexualidade e Educação), com o título Gênero, sexualidade e educação: ‘olhares’ sobre algumas das perspectivas teóricometodológicas que instituem um novo GT. Segundo Meyer et al. (2004), a importância que as dimensões de gênero e sexualidade adquiriram a partir da década de 1970 refletem uma mudança no plano acadêmico internacional,mudança essa quese originou nas pesquisas dos Women Studies (Estudo sobre as Mulheres), seguida dos Gender Studies (Estudos de Gênero) e dos Gays’s and Lesbian’s Studies(Estudos de Gays e Lesbicas). Meyer et al. (2004) explicitam que a ampliação no campo internacional, no entanto, não significou visibilidade nos currículos formais de graduação e pós-graduação no Brasil. Embora seja notável o aumento no número de grupos de estudo vinculados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq), ainda existem lacunas no desenvolvimento de pesquisas e trabalhos que abordem a temática gênero e diversidade sexual na educação. As autoras apontam os diferentes desdobramentos teórico-metodológicos 5 Cabe salientar a proposição de passagem do GE 23 a GT. No ano de 2003, durante a 26ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em Poços de Caldas, um grupo de pesquisadoras/es, docentes e estudantes mobilizou-se para propor à Associação a criação de um Grupo de Estudos que se voltasse para as temáticas de gênero e sexualidade em sua articulação com o campo da educação. Na 29ª Reunião Anual da ANPEd,a proposição foi acatada. 21 que tais estudos sobre gênero passaram a incorporar, de forma crescente e explícita, como: dimensões de classe e de sexualidade, corpo, raça/etnia, faixa etária e nacionalidade. Meyer et al. (2004) concluem que as maneiras de ver, ler, fazer o mundo em que se vive, nas perspectivas assumidas pelos grupos de pesquisa, reafirmam suas diferenças, pois expressam a relevância de se questionar o quanto e como os conhecimentos e as práticas educativas estão implicados na produção de masculinidades, feminilidades, adolescências, infâncias, sexualidades. Além disso, tais perspectivas possibilitam indagar de que forma esses conhecimentos descrevem e hierarquizam sujeitos produzindo ou reforçando exclusões e desigualdades de gênero e sexualidade. Tais perspectivas permitem problematizar o que se pensa, se ensina e se faz para compreender os modos como se aprende a pensar o que se pensa e a fazer o que se faz, bem como os sentidos que os/as estudantes atribuem ao que se ensina a eles/as e o que esses/as estudantes fazem com o conhecimento. Igualmente, tais perspectivas dão a entender, também, que aquilo que não é dito, não é feito e, às vezes, não pode ou não consegue sequer ser pensado em determinados “espaços” (teóricos, políticos, institucionais) precisa, também, ser problematizado. O segundo trabalho é intitulado de Gênero, sexualidade e educação: das afinidades políticas às tensões teórico-metodológicas. Esse texto, escrito por Louro, foi apresentado no GT 23: Gênero, sexualidade e educação em 2006. A autora indica que é fundamental refletir sobre as possibilidades e as impossibilidades que a cultura coloca para a sexualidade e afirma que é necessário refletir sobre os modos como se regulam, se normatizam e se vigiam os sujeitos de diferentes gêneros, raças e classes nas suas formas de experimentar prazeres e desejos. De acordo com a referida autora, importa, ainda, refletir sobre as práticas que tais sujeitos põem em ação para responder a esses desejos e sobretudo sobre aquelas que eles acionam para se constituírem como homens e mulheres. Louro (2006) aborda o tema a partir da perspectiva pós-estruturalista, atribuindo especial atenção à linguagem. A autora parte do pressuposto de que a linguagem que se usa não apenas reflete o modo pelo qual se conhece, mas também institui um jeito de conhecer. A autora alerta para os textos que se escrevem porque eles são constituintes do processo de conhecer e de dar a conhecer. Consequentemente, o modo como se escreve decorre de escolhas teóricas e políticas. O terceiro trabalho, Construção e desconstrução de gênero no cotidiano da educação infantil: alguns achados de pesquisa, apresentado por Carvalho (2008) na 31ª Reunião da 22 ANPEd, evidencia as construções e desconstruções das relações de gênero no cotidiano da educação infantil: na organização escolar, curricular e pedagógica, a partir do projeto de pesquisa: Estudos de caso da prática docente enfocando as construções e desconstruções das relações de gênero no cotidiano da educação infantil. A pesquisa possibilitou identificar que as instituições de educação infantil pesquisadas nas cidades de João Pessoa (PB), Campina Grande (PB), Caruaru (PE) e Belo Horizonte (MG) apresentaram diversidade de tratamento das questões de gênero. Carvalho (2008) conclui que, na educação infantil, ocorre uma estrutura de dominação simbólica, que divide e hierarquiza o mundo e as pessoas em um polo masculino (superior) e outro feminino (inferior), sendo essa e outras relações de gênero aprendidas – os sujeitos incorporam/subjetivam o gênero. A educação infantil é estratégica, pois é na primeira infância que se inicia a corporificação do habitus de gênero a partir do cuidado do corpo e da exploração do mundo em um contexto de educação integral: física, emocional e cognitiva. É nesta fase que se tem a possibilidade de romper com os padrões hegemônicos da heterossexualidade. A seguir, apresenta-se, na TAB. 2, o levantamento dos trabalhos apresentados nas reuniões da ANPEd (2000 – 2010). TABELA 2 23 Trabalhos apresentados nas reuniões anuais da ANPEd no período de 2000 a 2010, segundo seis grupos de trabalhos Reuniões Anuais ANPEd GTs GT02 PalavrasHistória GT12 chave: G, da Currículo C, EH* educação Palavraschave: G, C, EH GT14 Sociologia da educação Palavraschave: G, C, EH GT18PalavrasEducação de chave: G, pessoas jovens C, EH e adultas GT20Psicologia da educação Palavraschave: G, C, EH GT23PalavrasGênero, chave: G, sexualidade C, EH e educação 2000 22 0 16 0 12 1 16 0 14 0 0 0 2001 12 0 17 1 11 0 11 2 13 0 0 0 2002 11 0 10 1 9 0 10 0 6 0 0 0 2003 12 1 13 3 10 0 9 1 13 0 0 0 2004 14 0 12 2 9 2 10 0 13 0 13 6 2005 17 1 17 0 11 0 23 1 23 0 13 5 2006 11 0 11 2 19 0 14 0 11 0 12 4 2007 17 0 15 2 11 1 11 1 11 0 12 1 2008 12 0 17 2 16 0 15 2 16 0 11 3 2009 13 0 17 2 15 0 15 0 12 0 12 5 2010 10 0 18 1 17 0 13 0 10 0 15 5 TOTAL 151 2 163 16 140 4 147 7 142 0 88 29 * Palavras-chave: Gênero, Currículo e Ensino de História Fonte: reuniões anuais da ANPEd (2000-2010). Disponível em : <http://www.anped.org.br/internas/ver/reunioes-anuais>. Acesso em :25 maio 2011. 24 Ressalta-se a recente criação do GT 23 – Gênero, sexualidade e educação – em 2004, sobre o qual a coordenação afirma: [...] acreditamos não ser mais necessário enfatizar a importância que as dimensões de gênero e sexualidade adquiriram na teorização social, cultural e política contemporânea. De fato, desde o final dos anos 70 do séc. XX, uma ampla, complexa e profícua produção acadêmica vem ressaltando a impossibilidade de se ignorarem relações de gênero e sexualidade quando se busca analisar e compreender questões sociais e educacionais. Estudiosas/os e pesquisadoras/es de várias nacionalidades e filiações teóricas e disciplinares participaram e continuam participando da construção desses campos, numa perspectiva que focaliza tanto relações de gênero e sexualidade quanto suas importantes articulações com dimensões como raça/etnia, classe, geração, nacionalidade, religião, dentre outras. (MEYER et al., 2004) Entre os 831 trabalhos apresentados nos GTs, foram identificados trabalhos que, pelos seus títulos e resumos, possuíam alguma proximidade com as palavras-chave elencadas. Esses trabalhos perpassam pelos grupos de trabalho: História da educação, Currículo e Sociologia da educação. Vale destacar que, no GT 20 – Psicologia da Educação –, há uma ausência evidente sobre as questões de gênero e diversidade sexual, a abordagem dos trabalhos tem maior evidência no GT 23 – Gênero, sexualidade e educação – com 29 trabalhos. Porém, em nenhum dos trabalhos,abordaram-se questões de gênero e diversidade sexual nos livros didáticos da disciplina História no âmbito do currículo. 1.2.2 As questões de gênero, diversidade sexual e ensino de História em publicações diversas Para mapear as questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História, foram realizadas buscas no Portal de Periódicos da Capes (Metabusca6) por publicações de 2000 a 2010 que se enquadravam em um dos seguintes descritores: História e gênero, História e diversidade sexual ou Ensino de História e gênero. Essas buscas não forneceram ocorrências de teses e dissertações. Outras pesquisas foram realizadas no Google Acadêmico7 e na SciELO (Scientific Electronic Library On-Line)8, utilizando-se como descritores: gênero e Educação Profissional. Como a busca foi realizada de forma mais abrangente, encontraram-se alguns estudos sobre a 6 7 8 Biblioteca virtual que reúne e disponibiliza a instituições de ensino e pesquisa no Brasil o melhor da produção científica internacional. Disponível em:<http://www.periodicos.capes.gov.br/index.php?option=com_pmetabusca&mn=70&smn=78>. Acesso em: 20 nov. 2011. Google Acadêmico. Disponível em: <http://scholar.google.com.br/>. Acesso em: 25 nov. 2011. SciELO. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 25 nov. 2011 25 temática gênero, diversidade sexual e ensino de História que adotaram percursos teóricometodológicos variados. No Portal de Periódicos da CAPES, identificaram-se dois trabalhos que abordavam as questões de gênero na Educação Profissional (DUARTE, 2009; SILVA, N., 2000)e um que apresentava a abordagem no Ensino Médio (SILVA, A., 2008). Faz-se, a seguir,uma síntese dessas três produções e, em seguida, a síntese das demais pesquisas que abordaram as questões de gênero e diversidade sexual. Duarte (2009) teve como objetivo investigar as formas de produção e corporificação das relações de gênero experimentadas por alunas/os nos currículos dos cursos técnicos de Química e Mecânica de uma escola de Educação Profissional Técnica de Nível Médio em Minas Gerais. A proposta de tratar o currículo como um artefato cultural envolvido na produção das relações de gênero na sociedade atual, buscou analisar as conexões existentes entre as práticas curriculares de escolas profissionalizantes e a reprodução das desigualdades existentes entre homens e mulheres no mundo do trabalho. Fez-se um diálogo com os conceitos das teorias críticas e pós-críticas de currículo, que entendem o currículo como sistema de significação implicado na produção de identidades e subjetividades no contexto de relações de poder. Nanci Silva (2000), por meio de uma pesquisa qualitativa de natureza interpretativa baseada em entrevistas semiestruturadas realizadas junto aos alunos e alunas dos cursos técnicos de Desenho Industrial e de Mecânica do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná, analisou a influência da categoria “gênero” sobre as expectativas profissionais femininas. No marco teórico, a autora procurou elementos simbólicos sobre o masculino e o feminino conservados através do tempo, buscando compreender a divisão sexual do trabalho. A pesquisa de campo buscou representações dos/as entrevistados/as sobre cada um dos gêneros e sobre o mercado de trabalho e também procurou estabelecer a relação entre os entrevistados. Tais representações foram confrontadas com dados quantitativos obtidos em relatórios sobre o acompanhamento de egressos e da oferta de estágios para os/as discentes da Instituição. A autora salientou que a presença majoritária masculina ou feminina em uma determinada área não significa mudança nas relações de gênero e que, no ambiente pesquisado, pôde-se perceber um reforço nos modelos tradicionais de gênero e de estereótipos de inaptidão feminina para a ciência e a tecnologia. Em relação às expectativas sobre o futuro profissional, tanto as masculinas como as femininas se apresentam “tímidas” frente às poucas oportunidades de emprego e às crescentes exigências do mercado de trabalho. Revelou-se 26 ainda que o trabalhador masculino permanece como referência tanto na área de Desenho Industrial quanto na área de Mecânica e destacaram-sea formação permanente, o esforço e a competência individual como estratégias femininas para vencer barreiras no mercado de trabalho. Aline Silva (2008), a partir de uma pesquisa com estudantes de uma escola estadual de Pelotas (Rio Grande do Sul), discute os efeitos de identidades sexuais não normativas no currículo. A autora utilizou como referência o pensamento de Michel Foucault, especialmente aquele referente à construção histórica e discursiva de conceitos como sexualidade, identidade, diferença e normalidade que têm servido para a criação e manutenção de padrões de conduta. A partir dos depoimentos de um grupo de estudantes homossexuais, Aline Silva (2008) abordou a compulsoriedade da identidade heterossexual9 na escola e algumas estratégias que permitem ecoar o discurso, ressaltando o potencial desestabilizador desse grupo como coletivo que desacomoda o cotidiano escolar. Além desses trabalhos, outro, realizado por Moreira (2001),esclarece que hoje se vive em um mundo marcado pelas nefastas consequências de um processo de globalização excludente, resultado não de uma fatalidade econômica, mas de uma política consciente e proposital que busca liberar os determinismos econômicos de todo controle e submeter governos e cidadãos às forças assim liberadas. O autor argumenta que as diferenças derivadas de dinâmicas sociais como classe social, gênero, etnia, orientação sexual, cultura e religião expressam-se nas distintas esferas sociais. No levantamento realizado pelo autor de um total de 46 textos, todos elaborados por pesquisadores brasileiros, o que mais chamou a atenção foi que apenas três trabalhos discutiram currículo e gênero, um abordou currículo, gênero e etnia e um se aproximou da temática currículo e homossexualidade. Segundo Tomaz Silva (1999), colocar essas questões de gênero em foco significa pensar como cultura, escolas e sujeitos se articulam por meio das construções de gêneros e sexualidades, entendendo-os como campo de lutas, negociações, contestações e enfrentamentos, em que se produzem tanto os sentidos quanto os sujeitos que vão constituir diversos grupos sociais e suas singularidades. O autor indaga: “Como se configuraria uma pedagogia e um currículo que estivessem centrados não na diversidade, mas na diferença, 9 Para Duque (2008) a compulsoriedade da heterossexualidade está no fato de existir a obrigatoriedade social (legitimadamente construída) de as pessoas se relacionarem afetiva e sexualmente com pessoas reconhecidas como do “sexo oposto” desde o momento em que “descobrem nosso sexo”, comumente antes mesmo de nascermos. Essa obrigatoriedade nos convida à reflexão sobre os mecanismos poderosos que unem a “invisibilidade” de seu dispositivo aos resultados socialmente eficazes na manutenção da heterossexualidade como central em nossa sociedade. 27 concebida como processo, uma pedagogia e um currículo que não se limitassem a celebrar a identidade e a diferença, mas que buscassem problematizá-las?” (SILVA, T., 1999, p.1). 1.3 Pergunta-Problema Com o intuito de investigar as questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História no currículo da Educação Profissional, esta pesquisa norteou-se pela seguinte pergunta problema: O que está presente,é silenciado e está ausente sobre as questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História no âmbito do currículo de dois cursos de EPTNM? A discussão sobre questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História no âmbito do currículo na educação profissional é escassa e polêmica, conforme apontam pesquisas do MEC10 e de organizações não governamentais. Dispõe-se, até o momento, de poucos elementos teóricos e empíricos para uma reflexão acerca das presenças, silêncios e ausências dos diversos sujeitos da história sob essa perspectiva. Cabe uma reflexão sobre o lugar da disciplina História no âmbito do currículo ser tomada como foco para verificar se, de fato, existem presenças, silêncios e ausências sobre as questões de gênero e diversidade sexual. 1.4 Hipóteses A análise preliminar das fontes primárias e secundárias contribuiu para a emergência de hipóteses de pesquisa. Supôs-se que, se estivesse presente a questão de gênero e diversidade na Educação Profissional Técnica de Nível Médio,a mesma é tratada de forma superficial, descontextualizada, sem sintonia com a realidade dos sujeitos históricos e, por conseguinte, a-histórica. Supôs-se, também, que algumas questões de e diversidade sexual são silenciadas ou estão ausentes na disciplina História no âmbito do currículo dos cursos de EPTNM de uma Instituição da Rede Federal de Educação Profissional Tecnológica de Minas Gerais (IRFEPT-MG). Mais especificamente, supôs o silenciamento e a ausência de questões de gênero e diversidade sexual sobre as quais há censura por fugirem ao padrão heteronormatizador. 10 Para mais informações consultar JUNQUEIRA, Rogério D. (Org.). Diversidade Sexual na Educação: problematizações sobre homofobia nas escolas, v. 32. Brasília: Ministério da Educação/UNESCO, 2009a 28 1.5 Objetivos O objetivo geral deste trabalho é analisar as questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História no currículo de dois cursos de EPTNM de uma instituição da Rede Federal de Educação Profissional Tecnológica de Minas Gerais, focalizando-se as questões de gênero e diversidade sexual. Consistem em objetivos específicos: • verificar os livros didáticos de História adotados pelos professores que lecionam essa disciplina nos cursos de uma instituição da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica; • verificar, a partir da perspectiva do professor, como os livros didáticos são escolhidos e trabalhados em sala de aula para o ensino de História; • identificar como são tratadas as questões de gênero e diversidade sexual em documentos e publicações oficiais; e • analisar a natureza, a extensão e a profundidade dos conteúdos sobre questão de gênero e diversidade sexual no ensino de História, bem como nos livros didáticos e materiais didáticos usados pelo professor da disciplina em suas aulas. 1.6 Locus de Investigação Para a realização desta pesquisa, escolheu-se uma instituição da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica localizada no Município de Belo Horizonte, Minas Gerais. Contribuíram para a escolha dessa instituição as visitas e observações preliminares realizadas pelo autor desta pesquisa, sobretudo os momentos em que foi possível participar de reuniões pedagógicas em que se discutiam questões relacionadas à Educação de Jovens e Adultos. Nos diálogos com duas coordenações de cursos sobre a realização da pesquisa, percebeu-se que o tema gênero,no âmbito da instituição, está associado apenas ao sexo feminino. Concordando com a afirmativa Matos (1994, p. 16),percebeu-se que [...] a categoria gênero reivindica para si em um território específico[...]. Como nova categoria, o gênero vem procurando dialogar com outras categorias históricas já existentes, mas vulgarmente ainda é usado como sinônimo de mulher. 1.7 Procedimentos Metodológicos Esta pesquisa, de caráter qualitativo, buscou analisar as questões de gênero e diversidade sexual ecaracterizou-se como um estudo de caso. De acordo com André (2005),o 29 estudo de caso pode ser usado em avaliação ou pesquisa educacional para descrever e analisar uma unidade social, considerando suas múltiplas dimensões e sua dinâmica natural, ou seja, a realidade em movimento. Na perspectiva das abordagens qualitativas e no contexto das situações escolares, os estudos de caso que utilizam técnicas etnográficas de observação participante e de entrevistas intensivas possibilitam reconstruir os processos e as relações que configuram a experiência escolar diária (ANDRE, 2005). Por meio do estudo de caso, buscouse analisar o currículo de dois cursos de EPTNM, tendo como foco as presenças, silêncios e ausências sobre questões de gênero e diversidade sexual. Yin (2006) apresenta três situações nas quais o estudo de caso é indicado. A primeira é quando o caso em estudo é crítico para se testar uma hipótese ou teoria explicitada. A segunda situação para se optar por um estudo de caso é o fato de o fenômeno ser extremo ou único. A terceira situação se dá quando o caso é revelador, o que pode ser exemplificado pelas questões de gênero e diversidade sexual. Inicialmente,realizaram-se conversas informais com coordenadores de cursos e com uma Técnica em Assuntos Educacionais, com mais de 15 anos de atuação na instituição da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica investigada. A partir desse contato inicial com o campo de pesquisa empírica, definiram-se os cursos a serem analisados e os procedimentos metodológicos utilizados na investigação. Na instituição, apresentou-se a proposta de pesquisa à Diretoria da IRFEPTI (Belo Horizonte) e solicitou-se a permissão para a realização do estudo. Em seguida, a proposta foi encaminhada ao Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (DCSA) e ao Departamento de Ciências Humanas. Por intermédio do DCSA, a proposta foi encaminhada à Coordenação do Curso Técnico de Turismo e Lazer, uma vez que nesses departamentos as questões de gênero são entendidas como aquelas relacionadas, apenas, às pessoas do sexo feminino. Por fim, para que fosse possível obter uma amostra com características diversas, sugeriu-se a realização da pesquisa com o curso de Técnico em Mecânica (modalidade PROEJA), composto, majoritariamente,por jovens do sexo masculino. Em relação ao PROEJA (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos), Simone Santos (2010, p. 127) considera que sua entrada “traz categorias 30 de análise até então invisíveis para a educação profissional: gênero, etnia, opção sexual11, éticas religiosas, categorias essas visíveis para a EJA na compreensão escolar”. Solicitou-se então aos professores de História permissão para observações em sala de aula. Após o aceite, foi feita uma consulta inicial com os professores sobre os livros de História adotados em cada turma. Em seguida, por meio de observação em sala de aula, buscou-se verificar como se realizavam as experiências12 e as expressões de gênero e diversidade sexual nos livros didáticos e no cotidiano das turmas de Turismo e Lazer e de Mecânica (modalidade PROEJA). A coleta de dados da observação ocorreu entre maio e novembro de 2011 – período em que o autor da pesquisa compareceu à escola às terças e quartas-feiras das 18 h às 21h. No período de maio a setembro, observaram-se as turmas das 19h às 20h40min. A observação ocorria, primeiramente, na turma de Turismo e Lazer e, a seguir, na turma de Mecânica (modalidade PROEJA), sendo contabilizadas mais de 100 horas de observação direta. Visando à análise das questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História no âmbito do currículo da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, buscou-se, ao longo da pesquisa, compreender a relação todo/parte, de modo a [...] estabelecer a conexão objetiva entre as particularidades da escola e da sociedade, a partir do levantamento e da análise de qualquer dado empírico (documentos, fotografias, plantas, cadernos, livros didáticos etc.), mas, de acordo com a nossa experiência, acreditamos que os procedimentos mais adequados para alcançar esse objetivo metodológico sejam [sic] a análise das trajetórias dos alunos, ex-alunos e docentes, bem como a análise dos conteúdos e das metodologias utilizadas na instituição estudada. Em outras palavras: é essencial tanto indagar a origem social e o destino profissional dos atores de uma instituição escolar para se definir seu sentido social, quanto analisar os currículos utilizados para compreender seus objetivos sociais. (BUFFA; NOSELLA, 2006, p.366) Cabe ressaltar que, frente à complexidade de se realizar um recorte focalizando as questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História e situá-lo no plano macro, o contato cotidiano com o objeto de estudo e as visitas de campo exigiram um distanciamento e uma frequente revisão de literatura. Para Tura (2003),essa revisão é necessária, porque 11 12 Recentemente, o campo da Psicologia tem revelado que o termo orientação afetivo-sexual é mais apropriado do que opção sexual, pois aquele indica o gênero (masculino e feminino) pelo qual a pessoa sente atração física ou emocional. Segundo Altmann (2003, p. 284), “é curioso notar que, no campo de estudos de sexualidade e nos movimentos sociais, ‘orientação sexual’ é o termo sob o qual se designa a opção sexual [...]”. Thompson (1981, p.103) define que, pela experiência, os homens se tornam sujeitos, experimentam situações e relações produtivas como necessidades e interesses, como antagonismos. Eles tratam essa experiência em sua consciência e cultura e não apenas a introjetam. Ela não tem um caráter só acumulativo; ela é fundamentalmente qualitativa. 31 permite o acompanhamento das diferentes etapas do trabalho e possibilita o acesso ao conhecimento acumulado do objeto em questão. Ludke e André (1986) salientam que a busca da totalidade na pesquisa envolve, também, os comportamentos dos pesquisados e do observador, as observações das aulas foram registradas no caderno de campo e gravadas em áudio, totalizando mais de 15 horas de gravação. No início da observação em sala de aula, a turma de Mecânica recebeu o autor da pesquisacom certa desconfiança, a qual foi rompida, parcialmente, por dois alunos e por uma aluna no decorrer das observações por meio de conversas informais sobre a escolha do curso técnico. As aulas, nessa turma, eram expositivas e não houve, durante o período de observação, atividade externa à escola (tais como: visitas técnicas, etc). Observou-se que 95% dos educandos não faziam anotações e tampouco lançavam mão de materiais pedagógicos para escrever ou discutir sobre o tema da aula. Os dados coletados no período de observação, bem como os livros didáticos foram tratados pela análise de conteúdo13, a qual, de acordo com Bardin (2002), consiste em um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando obter, por procedimentos objetivos e sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção dessas mensagens. Mais especificamente, o presente estudo baseou-se na análise categorial (AC), delineada por D. Oliveira (2008)como aquela que considera a totalidade do texto para se fazer uma classificação e um quantificação de acordo com a frequência ou ausência de itens de sentido. Minayo (1996, p. 204) complementa que, entre as técnicas de análise de conteúdo, a análise das relações tem preocupação “com as relações que os vários elementos mantêm entre si, dentro de um texto”. Tal análise classifica-se em duas: (i) a de co-ocorrências; e (ii) a estrutural. Nessa classificação, Osgood (1959) apud MINAYO, 1996, p. 205) indica [...] a seguinte sequência de procedimentos para a análise de co-ocorrências: (a) escolha da unidade de registro (essa pode ser uma palavra-chave, por exemplo) e a categorização por temas; (b) escolha das unidades de contexto e o recorte de texto em fragmentos (pode ser, por exemplo, parágrafos); (c) presença ou ausência de cada unidade de registro em cada unidade de contexto; [...] (d) representação e interpretação de resultados. 13 Moscovici (2003) descreve que tudo que é dito ou escrito é suscetível a análise de conteúdo. Cf. MOSCOVICI, S. Les méthodes des sciences humaines. Paris: Presses Universitaires de France; 2003. In: OLIVEIRA, D. C. Análise de conteúdo temático-categorial: uma proposta de sistematização. Revista Enfermagem, Rio de Janeiro, v.16, p. 569-576,2008. 32 Bardin (2002) afirma que a análise de co-ocorrências tem sido utilizada para análise de estereótipos e de representações sociais. Nesse sentido, analisar as questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História constitui uma possibilidade viável de identificar e romper uma visão homogênea de sociedade. Analisou-se a entrevista do professor14, com base na análise de conteúdo, em específico a técnica de análise da enunciação, que segundo André (2005) é preciso rever cada dado com a técnica que ofereça o melhor resultado. De acordo com Bardin (2002), entende-se o discurso como um produto inacabado, um momento de criação de significados com tudo o que isso comporta de contradições, incoerências e imperfeições. Bardin (2002) e Minayo (1996) delineiam que a entrevista aberta é o material privilegiado da análise da enunciação dentro da análise de conteúdo, no sentido de que se trata de um discurso dinâmico no qual espontaneidade e constrangimento são simultâneos e no qual o trabalho de elaboração se configura concomitante como emergência do inconsciente e construção do discurso. Paralelo a essas argumentações, Rocha e Deusdará (2005) afirmam que a análise de conteúdo tem como objetivo analisar, ou seja,captar um saber que está por trás da superfície textual. Posteriormente,ocorreu a etapa de observação em sala de aula. Realizou-se o levantamento com os jovens e adultos da Educação Profissional (cf. Apêndices C e D)15. Por meio de questionários, procurou-se conhecer o perfil sociodemográfico dos sujeitos da pesquisa, considerando-se os seguintes aspectos: sexo, idade, etnia, grau de escolaridade dos pesquisados e dos responsáveis (quando era o caso, pois existia pessoas adultas nas turmas), ocupação profissional, município de residência, religião, faixa salarial, motivos de opção pelo curso técnico, relações pedagógicas na disciplina História, aspectos culturais e outros. 1.8 Estrutura da Dissertação 14 15 No mês de agosto, verificou-se junto aos professores de História das turmas investigadas a possibilidade de os docentes participarem de uma entrevista e ambos se posicionaram favoravelmente. No entanto, no mês de setembro, o docente que atuava no curso de Mecânica rescindiu o contrato com a referida instituição. Foram realizadas várias tentativas de contato com esse professor, mas a única informação obtida foi que ele estava na fase final do doutorado e não teria disponibilidade para participar da entrevista. O autor desta pesquisa buscou o auxílio voluntário de quatro doutores/as assim distribuídos:(i)Doutor em Ciências Naturais; (ii) Doutor em Sociologia das Instituições Jurídicas e Políticas; (iii) Doutor em Educação; e (iv) Doutora em Educação. Esses doutores realizaram leitura crítica do roteiro e apresentaram sugestões e críticas de modo a se chegar à versão final. Cabe ressaltar que o segundo pesquisador discute gênero e diversidade sexual nas instituições e a quarta pesquisadora, gênero feminino no mundo do trabalho. 33 Esta dissertação está organizada em cinco capítulos, incluindo esta Introdução. No Capítulo 2, identificam-se as características dos sujeitos – alunos/as – da pesquisa, segundo as condições socioeconômicas e em face ao contexto dos cursos técnicos de Mecânica (modalidade PROEJA) e de Turismo e Lazer.; posteriormente faz-se a caracterização dos docentes das duas turmas dos cursos técnicos. No Capítulo 3, verificam-se primeiramente as questões de gênero e diversidade sexual nas pesquisas historiográficas e na disciplina História; em seguida, apresentam-se um panorama histórico do livro didático e a análise de conteúdo dos livros de História investigados; depois, discorre-se sobre questões de gênero e diversidade sexual na sala de aula da Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio; adiante, pontuam-se as indagações de gênero e diversidade sexual com base nas opiniões dos educandos da Educação Profissional; e, por fim, situa-se o contexto da sala de aula: livros didáticos, alunos/as e professores.No Capítulo 4, apresenta-se, primeiramente, um panorama dos documentos e publicações oficiais no Brasil em relação às questões de gênero e diversidade sexual; em seguida,enfocam-se os documentos com base no contexto de sua produção histórica. No quinto e último, são entrelaçados os capítulos da pesquisa e os resultados obtidos, bem como as limitações desta dissertação e perspectivas para estudos futuros. 34 2 A INSTITUIÇÃO EM FOCO: HISTÓRIA E SEUS SUJEITOS Busca-se a apreensão daqueles elementos que conferem identidade à instituição educacional, ou seja, daquilo que lhe confere um sentido único no cenário social do qual fez ou ainda faz parte, mesmo que ela tenha se transformado no decorrer dos tempos.(Décio Gatti Junior) O presente capítulo apresenta os antecedentes da Educação Profissional no Brasil, com o intuito de situar, no contexto histórico da Educação Profissional, a Instituição da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica investigada nesta pesquisa. As origens da Educação Profissional no Brasil remontam ao Período Colonial. De acordo com Celso Fonseca (1961), os primeiros aprendizes de ofícios no Brasil foram os indígenas e os escravos. Historicamente, as primeiras experiências de Educação Profissional foram registradas no fim do século XVIII e início do século XIX, marcadas pelo modelo de aprendizagem dos ofícios manufatureiros direcionado aos denominados “desvalidos da sorte”. As instituições que promoviam esse ensino, destinavam-se aos seguintes indivíduos: [...] órfãos, os abandonados, os desvalidos, que eram encaminhados pelos juízes e pelas Santas Casas de Misericórdia aos arsenais militares e de marinha, onde eram internados e postos a trabalhar como artífices, até que, depois de um certo número de anos, escolhessem livremente onde, como e para quem trabalhar. (CUNHA,L. 2000, p.91, grifo como no original) Após a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808, e a revogação do Alvará que proibia a instalação de manufaturas na Colônia, D. João VI concebeu o Colégio das Fábricas. Segundo Cunha L. (2000), o Colégio das Fábricas não foi o primeiro estabelecimento de ensino profissional no Brasil, nem mesmo o primeiro que abrigou órfãos com esse propósito, mas foi a referência a instalação de outras instituições de Educação Profissional. No período de 1840 a 1856, houve a criação das “Casas de Educandos Artífices por dez governos provinciais, que adotaram o modelo de aprendizagem de ofícios vigente no âmbito militar, inclusive com os padrões de hierarquia e disciplina” (CUNHA, 2000, p.91). A morte de Afonso Pena, em julho de 1909, levou Nilo Peçanha a assumir a Presidência. Por meio do Decreto nº 7.566, de 23 de setembro de 1909, Nilo Peçanha criou 19 “Escolas de Aprendizes Artífices”.16 Posteriormente com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública, na década de 1930, instituiu-se a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, que passou a supervisionar as Escolas de Aprendizes Artífices. 16 Essas escolas são a origem da instituição onde se realizou a presente pesquisa. 35 Na década de 1940, o mundo vivenciou os impactos da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, esse conflito armado trouxe transformações socioeconômicas, em especial no que se referiam às exportações de café e borracha. Consoante Manfredi (2002, p.96),nos anos iniciais dessa década, por “se tratar de um período ditatorial, as relações entre Estado e sociedade civil foram marcadas por acordos e tolerâncias diferentes. No ano de 1941, a Reforma Capanema modificou o ensino no país”. Dentre os pontos dessa Reforma destacam-se: o ensino profissional passou a ser considerado como de nível médio; para o ingresso nas escolas industriais, exigiam-se exames admissionais;e os cursos foram classificados em dois níveis (i.e., os básicos,de industrial, de artesanal, de aprendizagem e de mestria; e o de técnico industrial, com três anos de duração e mais um de estágio supervisionado na indústria). Somente em 1942 as Escolas de Aprendizes Artífices foram transformadas em Escolas Industriais e Técnicas por meio do Decreto nº 4.127, pelo qual a formação profissional adquiriu status de equivalência ao ensino secundário. Nessa mesma década, como apontam Maiolino e Senna (2007),houve a ampliação da educação de jovens e adultos,com a criação e a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP); a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP); o surgimento das primeiras obras dedicadas ao ensino supletivo; e a inauguração da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA). Di Pierro (2005) afirma que, ao final dos anos 1940, implementaram-se as primeiras políticas públicas nacionais de educação escolar para adultos, disseminando pelo território brasileiro campanhas de alfabetização. Na década de 1950, ocorreu a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), inicialmente ligada à Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA). Ainda em relação aos anos 1950, Biagini (2001) salienta [...] verificou-se a articulação entre as políticas de formação profissional e o quadro socioeconômico do país. Neste período, ocorreram profundas alterações na base técnica da produção, mediatizada pelo surgimento de novas forças produtivas, que enfatizavam a valorização do capital. Ficou identificada a real passagem da economia agrária –que era, até então, o referencial do Brasil em relação à economia mundial –, para a economia industrial. A indústria, diante desta mudança estrutural, passou a ser, efetivamente, o centro dinâmico da economia nacional. Precedido por expressivas crises de poder (tentativa de golpe de estado para impedir a posse do então Presidente Getúlio Vargas, destituição e suicídio deste), o governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), como estratégia política, estabeleceu o Plano de Metas, que visava a efetivar as relações entre os estados e a economia, em favor do desenvolvimento econômico, articuladamente no que dizia respeito à industrialização, por meio tanto de investimentos nacionais e de estrangeiros. 36 Em 1961, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.Foi nessa legislação que houve “a primeira tentativa de articulação dos dois sistemas de ensino, a partir da equivalência plena entre os cursos propedêuticos e os profissionalizantes” (BIAGINI, 2001). Ainda na década de 1960, o MEC possibilitou que os órgãos estaduais e municipais adquirissem mais autonomia: [...] em 1966, o Ministério da Educação e Cultura - MEC e a Agência Norte Americana para o Desenvolvimento Internacional - AID firmaram um acordo de cooperação, conhecido sob a sigla MEC-USAID, objetivando a ajuda técnica e financeira para o processo educativo no Brasil. Conforme tal acordo formaram-se comissões mistas de planejamento, encarregadas de reformular o sistema educativo brasileiro aproximando-o do modelo norte-americano. Esse acordo foi uma tentativa de adaptar o processo educacional às necessidades da expansão capitalista. (SOUSA, 2005, p.48) Ocorreu, em 1968, a reforma universitária, por meio da Lei nº 5.540. Sousa (2005) descreve que, nesse mesmo ano, regulamentou-se a profissão de técnico e implementou-se o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PREMEM). O PREMEM previa a reformulação dos Ginásios Orientados para o Trabalho (GOTs) e suas ações contavam com recursos financeiros da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional. Nesse período, criaram-se Ginásios Polivalentes, que, embora apresentassem diferenças curriculares, fundamentavam-se nos mesmos princípios dos GOTs. No final da década de 1970, conforme Manfredi (2002) e Cunha (2000), três Escolas Técnicas Federais, localizadas nos Estados do Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, foramtransformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). A principal atribuição dos CEFETs era formar engenheiros de operação e tecnólogos, fundamentando-se nas propostas do governo militar que desejava um crescimento econômico do país. A década de 1980, de acordo com Frigotto e Ciavatta (2006),mostrou [...] uma dura travessia da ditadura à redemocratização em que se explicitou [sic], com mais clareza, os embates entre as frações de classe da burguesia brasileira (industrial, agrária e financeira) e seus vínculos com a burguesia mundial e destas em confronto com a heterogênea classe trabalhadora e os movimentos sociais que se desenvolverem em seu interior. A questão democrática assume centralidade nos debates e nas lutas em todos os âmbitos da sociedade ao longo dessa década.(FRIGOTTO;CIAVATTA, 2006, p.34) Biagini (2001) afirma que o Brasil optou, nos anos 1980, pelo desenvolvimento econômico sustentado, que significava o crescimento econômico vinculado ao desenvolvimento social. Tal postura não representou a efetivação de programas que tivessem como base ideológica a construção da justiça social; a atuação do Governo, na área das 37 políticas sociais, era de cunho puramente compensatório. Nessa perspectiva, a educação foi concebida como possibilidade concreta de melhoria de vida para a camada assalariada do setor produtivo e o Ensino Técnico [...] teve suas funções especificadas pelo pressuposto do desenvolvimento sustentado com equidade social. Estruturou-se a partir da prescrição de sua atuação em três níveis, a saber: industrial, desenvolvimento tecnológico e o social. O nível industrial, era destinado à qualificação da mãodeobra demandada pelos mercados de trabalho, conforme suas especificidades técnicas. Quanto ao desenvolvimento tecnológico, a atribuição do Ensino Técnico era de desenvolver, adaptar e assistir as indústrias no uso de tecnologia. Já a sua tarefa voltada para o social estabelecia-se pela meta de promover a valorização do técnico através da qualidade de seu processo de formação e da inserção de seus egressos no mercado, como técnico. Ainda no contexto de reconhecimento da forma de produção do conhecimento no processo produtivo, a promulgação da Lei n.º 7044/1982 representou apenas um novo arranjo que conservou a concepção de educação que antecedia as diretrizes e bases da política educacional estabelecida em 1971. O referencial do trabalho como princípio educativo para a estruturação do sistema de ensino foi abandonado. Isto significou a acomodação do texto legal à realidade, o que revelou que o propósito de escola única profissionalizante, operacionalmente, nunca existiu. (BIAGINI, 2001) Em se tratando da Educação de Adultos, criou-se, nesse período, um ambiente político-cultural favorável para que os sistemas de ensino público começassem a romper com o paradigma compensatório do ensino supletivo (DI PIERRO, 2005). Em 1985, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) foi extinto e substituído pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos (Fundação EDUCAR). O contexto da redemocratização possibilitou a ampliação das atividades da Educação de Jovens e Adultos, pois estudantes, educadores e políticos organizaram-se em defesa da educação pública. No início do Governo Collor, em 1990, a Fundação EDUCAR foi extinta. Ainda nessa década, houve a promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº9.394, de 20 de dezembro de 1996. Moura (2006) descreve que a Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil, como modalidade no nível fundamental e médio, é marcada pela descontinuidade e por tênues políticas públicas, insuficientes para dar conta da demanda potencial e do cumprimento do direito à educação nos termos estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. Para Moura (2006) essas políticas são, muitas vezes, resultantes de iniciativas individuais ou de grupos isolados, especialmente no âmbito da alfabetização, que se somam às iniciativas do Estado. Em 8 de dezembro de 1994,foi promulgada aLei nº 8.948 que instituiu o Sistema Nacional de Educação Tecnológica que transformou as Escolas Técnicas Federais e as Escolas Agrotécnicas Federais em Centros Federais de Educação Tecnológica e,no ano seguinte,regulamentou-se a Educação Profissional e criou-se o Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) segundo (MANFREDI, 2002). O início do século XXI foi 38 marcado pela ampliação da Educação Profissional no País, por meio da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Em 2004, teve-se a publicação do Decreto no 5.154, que permite integração do ensino técnico ao ensino médio e, no ano seguinte, ocorreu o lançamento da primeira fase do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (BRASIL, 2007). O PROEJA surgiu por meio do Decreto n° 5.840, de 13 de julho de 2006 como uma proposta que visava à superação da tendência, no Brasil, de programas pontuais e transitórios sobre Educação de Jovens e Adultos.O programa emergiu com uma dupla finalidade, qual seja, enfrentar as descontinuidades e o voluntarismo que marcam a modalidade EJA no Brasil (MOURA, 2006). No âmbito do ensino médio, contudo,alguns dos desafios dessa proposta são: (i) integrar aeducação básica com uma formação profissional que contribua para a integração socioeconômica de qualidade desses coletivos; e (ii) integrar três campos da educação que historicamente não estão muito próximos (i.e., o ensino médio, a formação profissional técnica de nível médio e a Educação de Jovens e Adultos) (MOURA, 2006); e (iii) conseguir fazer com que as ofertas resultantes do programa efetivamente contribuam para a melhoria das condições de participação social, política, cultural e no mundo do trabalho desses coletivos, em vez de se produzir mais uma ação de contenção social (MOURA, 2006). Coloca-se ainda outro desafio em um plano mais elevado: a transformação desse programa em uma verdadeira política educacional pública do Estado brasileiro para o público da EJA. Moura (2006) ressalta que o Estado brasileiro deve garantir o acesso à educação básica, a permanência nela e a conclusão dos seus ciclos numa perspectiva politécnica ou tecnológica que seja pautada na qualidade e na universalização entrea faixa etária denominada “regular”. Ao alcançar essa universalização, a EJA assumirá outro papel, ou seja, em vez se destinar à formação inicial, poderá direcionar-se à formação continuada da classe trabalhadora e, portanto, à capacitação com vistas ao exercício de atividades mais complexas dentre as profissões técnicas de nível médio (inclusive como forma de contribuir para a universalização do acesso à educação superior). A instituição pesquisada atua em diferentes níveis de ensino e modalidade, como: Ensino Médio Técnico, graduação e pós-graduação (latosensu e strictosensu). A origem da instituição remonta à Escola de Aprendizes e Artífices e tem um legado histórico de mais de 100 anos de existência. Caracterizada basicamente pela oferta de ensino público, gratuito e reconhecidamente dequalidade, a instituição realiza, de forma não dissociada, o ensino, a pesquisa e a extensão na área tecnológica e no âmbito da pesquisa aplicada. Atualmente, são 39 oferecidos pela instituição 71 cursos: 34 no ensino técnico, 15 de graduação, 15 de especialização e sete de mestrado. Do universo de cursos oferecidos da instituição da Rede Federal de Educação Profissional e tecnológica, escolheram-se dois cursos da área técnica, nos quais os mesmos livros didáticos tenham sido adotados em pelo menos dois períodos. Considerando-se as questões de gênero e diversidade sexual, selecionamos o curso técnico subsequente17 de Turismo e Lazer e o curso técnico de Mecânica (modalidade PROEJA). Apresenta-se, no tópico a seguir, a caracterização dos sujeitos da pesquisa. 2.1 Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa O contato com os sujeitos da pesquisa, em cada uma das turmas investigadas, propiciou inquietações diferentes. A cada visita de campo, o autor desta dissertação lançava um olhar diferente para os sujeitos da pesquisa. Percebia-se que os alunos e as alunas indagavam-se sobre quem era aquele sujeito que estava sempre nas aulas de História e qual o motivo de sua presença naquele espaço. Na turma de Turismo e Lazer, na qual era majoritário o número de alunas, percebeu-se que, com o passar do tempo, o pesquisador, inicialmente visto como exótico naquele espaço, foi se tornando familiar com as conversas em sala de aula, com as perguntas sobre o que fazia na sala e, também,com a mediação do professor entre os sujeitos e o pesquisador. Já na turma de Mecânica, formada em grande parte por alunos do sexo masculino,percebeu-se um olhar de desconfiança com a presença do pesquisador. Tais impressões eram identificadas em diversos contextos, nos momentos em que os alunos trocavam brincadeiras entre si durante as aulas e em comentários sobre temas diversos como o futebol, exercícios de outras matérias e manuseio de aparelhos eletrônicos. Percebia-se que, para os alunos do curso de Mecânica, o pesquisador era um estranho, um monitor ou um estagiário de graduação, o que condizia com situações anteriormente vivenciadas por eles. O contato com as turmas durante a pesquisa favoreceu a aproximação com as visões de mundo desses alunos-trabalhadores e com as questões e inquietações que os acompanham no processo formativo. Sob o esse aspecto,Coelho (2009, p. 132) afirma que 17 De acordo com o Decreto Nº 5.154/2004, a Educação Profissional Técnica de nível médio na modalidade subsequente é oferecida aos sujeitos que já tenham concluído o Ensino Médio. Na turma, havia alunos em concomitância externa, que, segundo esse decreto, é a modalidade oferecida somente a quem esteja cursando o Ensino Médio; nesse caso, a complementaridade entre a Educação Profissional Técnica de Nível Médio e o Ensino Médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso 40 [...] concepção do sujeito (individual e coletivo) como atuante sobre o mundo social, construtor e reconstrutor de valores e significados exige uma nova abordagem nos estudos sobre os trabalhadores e sua formação. Se os trabalhadores, inseridos no dinamismo da modernidade tardia, estão em contato com inúmeros valores, projetos e identidades originários de diferentes contextos, grupos e instituições e produzem sínteses originais a partir desses elementos, então torna-se imperativo conhecer os contextos concretos com os quais dialogam e, diante disso, investigar as sínteses que produzem, que elementos selecionam e os valores que definem os critérios utilizados para essa seleção. Por meio dos questionários, realizou-se o levantamento das condições socioeconômicas dos sujeitos da pesquisa. Esse levantamento teve como objetivo descrever o perfil dos alunos e das alunas que compõem as duas turmas de Educação Profissional investigadas. Segundo Pucci, Ramos e Sguissardi (1995), reconhecer os alunos que frequentam a escola noturna é fundamental, pois possibilita identificar a relação desses sujeitos com o mundo do trabalho e com o ambiente escolar. Esse reconhecimento possibilita, também, de acordo com Castro (1988), identificar as condições e as relações de trabalho em que se encontram os jovens alunos-trabalhadores, no contexto atual de reestruturação produtiva e acumulação capitalista. Considerando-se os dois cursos técnicos analisados, o de Turismo e Lazer e o de Mecânica, 33 alunos responderam aos questionários de caracterização socioeconômica (TAB. 3). No curso de Turismo e Lazer, 19 sujeitos responderam ao questionário, o equivalente a 57,6% dos sujeitos dapesquisa. No curso de Mecânica, o questionário foi respondido por 14 alunos, o equivalente a 42,4% do total. TABELA 3 Número de alunos que responderam aos questionários de caracterização socioeconômica em cada um dos cursos de EPTNM analisados,segundo frequência e percentual Cursos Turismo e Lazer Mecânica Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 19 57,6% 14 42,4% 33 100,0% Conforme se observa na TAB. 4, no dia em que foram aplicados os questionários, havia, entre os 33 sujeitos da pesquisa, 18 mulheres (54,5%) e 15 (45,5%) homens. 41 TABELA 4 Caracterização dos sujeitos da pesquisa segundo sexo, frequência e percentual Sexo Feminino Masculino Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 18 54,5% 15 45,5% 33 100,0% Os dados observados na TAB. 4 ratificam, no cenário da EPTNM da instituição investigada, um quadro já delineado no contexto nacional, uma vez que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2007/2009), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (BRASIL. IBGE, 2009, p. 2), [n]o que tange à análise por sexo, do total daqueles que frequentavam ou frequentaram anteriormente curso de educação de jovens e adultos, 53% eram mulheres e 47%, homens. [...] São consideradas as pessoas que estavam frequentando curso de educação de jovens e adultos, na ocasião do levantamento. Dentre os homens, o grupo etário de 18 a 19 anos de idade apresentou o maior percentual, 4,0%, enquanto entre as mulheres os percentuais variaram menos entre as faixas de idade que iniciavam em 18 anos e terminavam em 39 anos. Em se tratando da Educação Profissional, os dados IBGE/PNAD 2007/2009, também apontam que o número de mulheres que frequentam ou frequentaram cursos de Educação Profissional é superior ao número de homens [...] a análise por sexo, as mulheres eram a maioria, com 52,3% (18,7 milhões) do total de pessoas que frequentavam ou frequentaram anteriormente curso de educação profissional. Isto foi perceptível para todas as faixas de idade, tanto para aqueles que frequentavam como para aqueles que frequentaram anteriormente a educação profissional. (BRASIL. IBGE, 2009, p. 41) Apresentam-se, na TAB.5 a seguir, os dados sobre a idade dos jovens e adultos sujeitos desta pesquisa. Salienta-se, em relação a essa distribuição, que alguns autores adotam faixas etárias distintas para jovens e adultos. Para a definição, concebe-se a possível polissemia no que se refere a juventudes18. Para efeito desta análise, considerou-se a classificação da UNESCO, que considera como jovens aqueles sujeitos com idades compreendidas entre 15 e 29 anos. 18 Moll, baseada em Feixa (1998), descreve que a juventude é uma construção cultural que possui os traços da sociedade onde ela está inserida, mas cada grupo social organiza, à sua maneira, a passagem da infância para a vida adulta e, dentro de uma mesma sociedade, existem diversas formas e meios de transitar de uma condição para a outra, o que confere à ideia de juventude uma intensa maleabilidade. Cf.: FEIXA, C. De jóvenes, bandas y tribus: antropología de la juventud. Barcelona: Ariel, 1998. 42 TABELA 5 Idade dos sujeitos da pesquisa, segundo frequência e percentual Idade (em anos) 17 18 19 20 22 28 32 37 49 Total Frequência Percentual 4 12% 13 40% 8 24 % 3 9,0% 1 3,0% 1 3,0% 1 3,0% 1 3,0% 1 3,0% 33 100,0% Fonte: elaborada pelo autor. Em relação à idade, verificou-se, na TAB.5, que,nas turmas de EPTNM investigadas, 85% dos sujeitos da pesquisa têm entre 17 e 20 anos e os 15% restantes têm mais de 22 anos. Esses dados permitem caracterizar as duas turmas como de jovens, contrariando dados do IBGE/PNAD 2007/2009 segundo os quais há maior parcela de pessoas adultas, 21,4%, na Educação Profissional. Considerando-se o estado cível (cf. TAB.6), verificou-se que 87,9% dos sujeitos da pesquisa são solteiros, 9,1% são casados e 3% são divorciados. TABELA 6 Distribuição dos sujeitos da pesquisa segundo estado civil,frequência e percentual Estado Civil Solteiro Casado / União estável Divorciado Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 29 87,9% 3 9,1% 1 3,0% 33 100,0% Em relação à identificação étnico-racial, os dados da TAB. 7, apresentada a seguir, apontamque 57,6% dos sujeitos se declararam pardos/negros e 42,4%, brancos. Na perspectiva do pesquisador, o levantamento e a caracterização dos sujeitos quanto à declaração de raça e etnia possibilita uma aproximação das discussões de gênero ede diversidade sexual com as questões étnico-raciais. 43 TABELA 7 Caracterização da raça/etnia de acordo com os sujeitos da pesquisa, segundo frequência e percentual Raça/Etnia Branca Negra, Parda Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 14 42,4% 19 57,6% 33 100,0% Segundo os dados do IBGE/PNAD 2007/2009, [...] das 6,0 milhões de pessoas que frequentavam, na ocasião do levantamento, curso de educação profissional, 3,3 milhões eram brancas (54,3%), 0,4 milhão era preta (7,3%) e 2,3 milhões eram pardas (37,5%). Na população que frequentou anteriormente, essas proporções eram de 55,5%, 8,0% e 35,5%, respectivamente. (BRASIL. IBGE, 2009, p.13) Na relação entre os dados dos educandos e os dados do IBGE, identificou-se um cenário diferente, ou seja, nas turmas pesquisadas, a predominância é de sujeitos negros e pardos. Outro fator levantado junto aos sujeitos da pesquisa foi o seu pertencimento religioso. A TAB.8 a seguir mostra que há predominância de vinculação ao catolicismo. TABELA 8 Pertencimento religioso dos educandos segundo frequência epercentual Pertencimento religioso Frequência Percentual Sim, não especificou 9 27,3% Católico 16 48,5% Cristão Protestante 1 3,0% Não 4 12,1% Evangélico 3 9,1% Total 33 100,0% Fonte: elaborada pelo autor. Os perfis revelados pelas turmas se assemelham com os resultados da pesquisa do Datafolha19: [...] os católicos continuam sendo maioria na população brasileira, segundo estudo realizado pelo Datafolha a partir de dados consolidados de oito pesquisas nacionais realizadas em 2006 e em 2007, em um total de 44642 entrevistas. Esses dados revelam que os católicos são 64%, que os evangélicos pentecostais somam 17%, e os não pentecostais, 5%. [...] Dizem não ter religião ou ser ateus 7%. [...]No Sudeste, 59% se dizem católicos, taxa cinco pontos inferior à média nacional. Nessa região, os evangélicos pentecostais chegam a 20% (três pontos acima da média). [...]Em Minas Gerais, 69% são católicos, 15% são evangélicos pentecostais e 5% são evangélicos não pentecostais. Contribuem para um percentual de católicos acima da 19 DATAFOLHA. Disponível em:<http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=447>. Acesso em: 20 jun. 2011. 44 média nacional as cidades do interior do Estado, nas quais 73% dizem seguir essa religião. Em Belo Horizonte, por outro lado, a taxa dos que se declaram católicos fica abaixo da média, sendo de 56%. O pesquisador acredita que tal dado sobre o pertencimento religioso influencia diretamente as concepções dos educandos acerca do tema gênero e diversidade sexual, que serão descritas posteriormente no item opinião dos educandos. Outro aspecto verificado refere-se ao nível de escolaridade do pai e da mãe, exibido nas TAB.9 e 10. TABELA 9 Nível de escolaridade do pai, segundo frequência e percentual Nível de Escolaridade do Pai Ensino Fundamental incompleto Ensino Fundamental completo Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo Ensino Superior Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 8 24,2% 2 6,1% 3 9,1% 14 42,4% 6 18,2% 33 100,0% TABELA 10 Nível de escolaridade da mãe, segundo frequência e percentual Nível de Escolaridade da Mãe Ensino Fundamental incompleto Ensino Fundamental Completo Ensino Médio incompleto Ensino Médio completo Ensino Superior Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 10 30,3% 3 9,1% 3 9,1% 14 42,4% 3 9,1% 33 100,0% A predominância de pais e mães com Ensino Médio completo indicam um aumento no nível de escolaridade. De acordo com a pesquisa IBGE/PNAD 2007/2009, a melhora do nível de escolaridade no Brasil fica evidenciada ao se observar a distribuição das pessoas de 25 anos ou mais de idade segundo o nível de instrução. Ainda na relação com a escolarização fica evidenciado que [...] aproximadamente ⅓ das pessoas de 10 anos ou mais de idade, 53,8 milhões de pessoas, tinha pelo menos 11 anos de estudo. Por outro lado, 36,2 milhões de pessoas de 10 anos ou mais de idade, o equivalente a 22,2%, eram sem instrução ou tinham menos de 4 anos de estudo. (BRASIL. IBGE, 2009, p.56) 45 A relevância dos dados dos educandos possibilitou situar os discursos que eles produzem e reproduzem, as representações, os valores e hábitos que emergem na sala de aula. Nesse sentido, na pesquisa buscou-se caracterizar os sujeitos na perspectiva de apreender quem são esses sujeitos que compõem a Educação Profissional e qual relação se estabelece entre as as questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História. 2.2 Caracterização dos Sujeitos da Pesquisa Segundo as Condições Socioeconômicas A caracterização no que tange aos sujeitos da pesquisa é relevante, conforme afirmam Pucci, Ramos e Sguissardi(1995, p. 45): [...] algumas questões [...] cabem quando analisamos, além das condições e relações de trabalho dos jovens trabalhadores alunos do ensino noturno, suas condições de vida no núcleo familiar, sua participação na vida sociopolítica e cultural de seu meio enquanto cidadãos (meio-cidadãos) e jovens adultos. Tendo em vista essa consideração, foi identificada a situação do imóvel dos sujeitos da pesquisa, como mostra a TAB.11. TABELA 11 Situação do imóvel dos sujeitos, segundo frequência e percentual Situação do Imóvel Casa própria Cedido por alguém Alugado Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 26 78,8% 2 6,1% 5 15,2% 33 100,0% A situação dos imóveis dos sujeitos revela,na maioria dos casos, um aspecto que se destaca no cenário brasileiro, a casa própria. Entre os sujeitos pesquisados, mais de 75% possuem casa própria. Ainda nesse aspecto, foi verificado o número de pessoas que residem no imóvel, conforme exibido na TAB.12. 46 TABELA 12 Número de pessoas residentes no imóvel, segundo frequência e percentual Número de Pessoas Residentes Até 3 pessoas De 4 a 6 pessoas De 7 a 10 pessoas Mais de 10 pessoas Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 13 39,4% 17 51,5% 2 6,1% 1 3,0% 33 100,0% Os dados anteriores apontam que, em geral, há de quatro a seis residentes no imóvel, tendência essa seguida por um número de até três pessoas. Esse resultado evidenciou uma peculiar configuração de família, conforme conceito adotado pelo IBGE/PNAD 1996 (BRASIL. IBGE, 2009, on-line)20: Família - conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, residente na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que mora só em uma unidade domiciliar. Entende-se por dependência doméstica a relação estabelecida entre a pessoa de referência e os empregados domésticos e agregados da família, e por normas de convivência as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que moram juntas, sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica. Consideram-se como famílias conviventes as constituídas de, no mínimo, duas pessoas cada uma. Identificou-se o principal responsável pelo sustento da casa, como revela a TAB. 13. TABELA 13 Principal responsável pelo sustento da casa, segundo frequência e percentual Principal Responsável pelo Sustento da Casa Frequência Percentual Pai 19 57,6% Mãe 6 18,2% Casal 5 15,2% O próprio entrevistado 2 6,1% Avó 1 3,0% Total 33 100,0% Fonte: elaborada pelo autor. Embora a predominância do principal responsável descrita pelos sujeitos seja a do pai, percebe-se uma nova configuração, cuja participação envolve a mãe e o casal. Segundo Kollontai (2002, on-line) tal contexto reflete que 20 Para mais informações consulte no sitio do IBGE. Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/conceitos.shtm>. Acesso em: 25 maio 2011. : 47 [...] a vida muda continuamente diante de nossos olhos; antigos hábitos e costumes desaparecem pouco a pouco. Toda a existência da familia proletaria se modifica e se organiza de uma forma tão nova, tão fora do comum, tão estranha, como nunca podemos imaginar. Tratando-se de uma amostra de sujeitos em idade economicamente ativa, encontrou-se um aspecto que merece uma atenção. Segundo Gadotti (2003), esses jovens e adultos trabalhadores lutam para superar suas condições de vida, o que perpassa por questões de moradia, saúde, transporte e emprego, dentre outras. O pesquisador concorda com a argumentação e remete para a heterogeneidade desses sujeitos com a indagação de Hobsbawn (1982, p. 311): Mas é possível falar dos “trabalhadores” como uma categoria única ou como uma classe? O que havia em comum entre grupos de pessoas frequentemente tão diferentes em termos de meio, origem social, formação, situação econômica ou mesmo língua e costumes? Hobsbawn (1982) indaga se é possível falar de uma homogeneidade na categoria dos trabalhadores, uma vez que as pessoas ocupam diversos lugares e vivenciam diferentes hábitos e valores. Ainda nesse sentido, um aspecto que permeia esta discussão são as características relacionadas à ocupação profissional dos sujeitos pesquisados. Pela TAB.14, percebeu-se, em primeiro plano, uma composição maior de desempregados, seguida do percentual de sujeitos que realizavam estágio naquele momento da pesquisa, o que expressa uma parte da realidade da Educação Profissional que exige o cumprimento da carga horária de estágio para obtenção do certificado de nível técnico, além da extensa carga horária semanal de aulas diversas. TABELA 14 Ocupação profissional dos sujeitos da pesquisa, segundo a frequência e percentual Ocupação Profissional Desempregado Estagiário Auxiliar administrativo Mecânico Consultora Professora Auxiliar de mecânica Músico Agente financeiro Costureira Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência 14 7 4 2 1 1 1 1 1 1 33 Percentual 42,4% 21,2% 12,1% 6,1% 3,0% 3,0% 3,0% 3,0% 3,0% 3,0% 100,0% 48 De acordo com dados do IBGE/PNAD 2009b, que propiciam uma relação com os dados levantados para os sujeitos da pesquisa, vale ressaltar que [...] do contingente de 101,1 milhões de pessoas na força de trabalho, 91,7% estavam trabalhando e as demais procurando por trabalho. A população ocupada em 2009, estimada em cerca de 92,7 milhões, não se alterou significativamente frente a 2008 (aumento de 0,3%). Cabe destacar ainda que tal população representava 56,9% das pessoas de 10 anos ou mais de idade. Esta estatística, denominada nível da ocupação, sofreu redução em relação a 2008, quando foi estimada em 57,5%. Em 2004, este indicador havia sido estimado em 56,5%. Uma análise mais detalhada revelou que o nível da ocupação caiu, principalmente, nas faixas etárias mais jovens. (BRASIL, IBGE, 2009b, p.11) Diante da realidade dos sujeitos da pesquisa e das informações do IBGE/PNAD 2009b, percebe-se uma semelhança no que se refere à busca por trabalho e às dificuldades de ocupação profissional entre os mais jovens. Ainda nesse contexto, foram levantados dados referentes ao mercado de trabalho mais especificamente, sobre a situação de vínculo empregatício, relacionada à posse de carteira assinada ou outra garantia via regime estatutário (cf. TAB. 15). TABELA 15 Vinculo empregatício, frequência e percentual Possui VínculoEmpregatício Não Sim Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 13 68,4% 6 31,6% 19 100,0% Os dados anteriores indicam que 68,4% dos educandos não possuem vínculo empregatício em plena idade economicamente ativa. Cabe ainda salientar o tempo de permanência no emprego atual dos educandos, mostrado na TAB. 16. Esse aspecto possibilita uma visualização desses sujeitos e sua inserção no mercado de trabalho21. 21 Há autores que adotam mundo do trabalho ou mundos do trabalho em vez de mercado de trabalho. Na primeira concepção, Guimarães(2005) alerta que tal metáfora é corrente, mas sua inadequação é patente; longe de ser um mundo passível de ser considerado à parte por seus contornos próprios, o trabalho (com destaque para as relações sociais que nele se tecem) deita suas raízes nos outros “mundos”, que são tão importantes para a construção social e simbólica dos “sujeitos trabalhadores” quanto o seria o próprio “mundo” laboral, que é, nesse sentido, carente de qualquer autossuficiência explicativa, sendo permanentemente informado pelas relações e significados tecidos fora das suas fronteiras. Na segunda concepção, Proni (2006) alerta que, para entender a metamorfose do mundo do trabalho no breve século XX (que vai de 1914 a 1991), é necessário, inicialmente, compreender as mudanças decorrentes do colapso do liberalismo econômico na década de 1930, assim como a expansão da regulação pública dos mercados após a Segunda Grande Guerra. Todavia, também é imprescindível considerar o abandono do liberalismo político e o avanço das práticas democráticas, assim como as tensões ideológicas associadas à Guerra Fria,sem o que é difícil examinar o compromisso com o pleno emprego e a centralidade do trabalho para o exercício da 49 TABELA 16 Tempo de permanência no emprego atual, segundo frequência e percentual Tempo de Permanência no Emprego Atual Menos de 1 ano 1ano 2anos 5anos 22 anos Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 8 42,1% 7 36,8% 2 10,5% 1 5,3% 1 5,3% 19 100,0% Os dados possibilitam identificar que os casos mais frequentes foram os dos educandos há menos de um ano no emprego atual e os de estudantes com um ano completo no emprego, o que evidencia uma aproximação desses sujeitos com o mundo do trabalho. Concordamos a afirmativa de Burnier (2006) que expõe a necessidade de compreender as relações sociais que esse segmento de trabalhadores estabelece com o mundo do trabalho: é preciso pensar em uma educação que analise os valores, hábitos e representações que se estabelece com esse ambiente e que contemple trocas realizadas entre os educandos com os demais sujeitos no mundo do trabalho e no ambiente escolar. No levantamento dos dados dos sujeitos da pesquisa, identificou-se a faixa salarial22desses alunos-trabalhadores (cf. TAB.17). Ao analisar a distribuição dos sujeitos, identificou-se uma homogeneidade na faixa salarial de até três salários mínimos. Segundo dados do IBGE/PNAD 2007/2009, o curso técnico de nível médio evidenciava uma participação mais ampla dos sujeitos, cujo rendimento mensal domiciliar per capita era de mais de 1 a 2 salários mínimos. TABELA17 Faixa salarial dos sujeitos da pesquisa, segundo frequência e percentual Faixa salarial dos sujeitos da pesquisa Até um salário mínimo De 2 a 3 salários mínimos De 4 a 6 salários mínimos Mais de 7 salários mínimos Total Fonte: elaborada pelo autor. 22 Frequência 8 8 2 1 19 Percentual 42,1% 42,1% 10,5% 5,3% 100,0% cidadania ou outros aspectos que conferem especial singularidade aos “anos de ouro” nas sociedades capitalistas mais ricas do Ocidente. Certamente, as convergências nas tendências verificadas no mundo do trabalho nos países de capitalismo mais desenvolvido não apagam as especificidades nacionais. Por isso mesmo, há historiadores que preferem usar o termo no plural: mundos do trabalho, como Hobsbawn e Thompson. No período de janeiro e fevereiro de 2011, vigorou a Medida Provisória que fixava o salário mínimo em R$ 545,00 mensais. Fonte: MTE. <http://carep.mte.gov.br/sal_min/default.asp>. Acesso em: 20 Jun. 2011. 50 De acordo com os dados IBGE/PNAD 2009b, [...] em relação à frequência aos cursos de educação de jovens e adultos, vis a vis o rendimento mensal domiciliar per capita, observou-se que o maior percentual das pessoas que frequentavam, na ocasião do levantamento, estava entre aquelas situadas na faixa de até ¼ do salário mínimo (3,0%) e as que não tinham rendimento (2,6%) [...]. Adicionando ao contingente das pessoas que frequentavam aquelas que não frequentavam, mas frequentaram anteriormente, o maior percentual passa a ser entre as que recebiam mais de 1 a 2 salários mínimos (8,4%), seguidos por aqueles que recebiam de ½ a 1 salário mínimo (8,2%).(BRASIL. IBGE, 2009b, p.3) A despeito desses dados, Maria Oliveira (2000, p. 43) destaca que, na Educação Profissional,é preciso que [...] sejam valorizadas a importância e a possibilidade da exploração das capacidades, dos produtos e processos tecnológicos para a ruptura das relações de exclusão societárias, posto que [sic] são constituídos no jogo de forças e interesses contraditórios dos diferentes sujeitos sociais. Na percepção do pesquisador, tais argumentos de Maria Oliveira (2000) salientam um desafio a ser alcançado pela Educação Profissional, pois aponta para a existência de projetos individuais que duelam com os projetos coletivos. Ainda nesse sentido, levantaram-se dados sobre a posse de computadores na residência (cf. TAB. 18). TABELA 18 Posse de computadores na residência, segundo frequência e percentual Posse de Computadores na Residência Sim Não Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 31 93,9% 2 6,1% 33 100,0% Tais dados evidenciam que os educandos em tela apresentam acessibilidade aos recursos de tecnologias da informação e comunicação, diferentemente do que se observa na literatura. Paulo Freire (1996, p.46) argumenta que [...] a análise de um ambiente educativo e profissional perpassa pela relação entre tecnologia. Sendo assim, a compreensão crítica da tecnologia, da qual a educação que precisamos deve estar infundida, éa que vê nela uma intervenção crescentemente sofisticada no mundo a ser necessariamente submetida a crivo político e ético. Quanto maior vem sendo a importância da tecnologia hoje tanto mais se afirma a necessidade de rigorosa vigilância ética sobre ela. De uma ética a serviço das gentes, de sua vocação ontológica, a do ser mais e não de uma ética estreita e malvada, como a do lucro, a do mercado. Por isso mesmo a formação técnico-cientifica de que urgentemente precisamos é muito mais do que puro treinamento ou adestramento para uso de procedimentos tecnológicos. No fundo, a educação de adultos hoje como a educação em geral não pode prescindir do 51 exercício de pensar criticamente a própria técnica. O convívio com as técnicas a que não falte a vigilância ética implica uma reflexão radical, jamais cavilosa, sobre o ser humano, sobre sua presença no mundo e com o mundo. Filosofar, assim, se impõe não como puro encanto mas como espanto diante do mundo, diante das coisas, da História que precisa ser compreendida ao ser vivida no jogo em que, ao fazê-la, somos por elas feitos e refeitos. Por meio dos dados TAB. 19,observou-se que 97% dos sujeitos da pesquisa têm acesso à Internet. No contexto de uma instituição tecnológica, deve-se considerar,como sublinha Maria Oliveira (2000), o benefício desse processo de aprendizado que lida com a tecnologia a serviço do ensino e o ensino sobre a tecnologia. Os dados em pauta guardam estreita relação com os posicionamentos de Freire (1996) e Maria Oliveira (2000), pois, durante a observação da sala de aula, esse recurso tecnológico foi utilizado nas duas turmas pesquisadas. TABELA 19 Acesso à Internet, segundo frequência e percentual Acesso à Internet Sim Não Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 32 97,0% 1 3,0% 33 100,0% Além disso, de acordo com os dados do IBGE/PNAD 2009a23, por meio da síntese de indicadores, constata-se que, [...] no Brasil, dos 58,6 milhões de domicílios investigados em 2009, quase 35,0% deles tinham microcomputador (20,3 milhões), sendo 16,0 milhões com acesso à Internet (27,4%). A evolução em relação ao ano anterior não alterou o quadro de diferenças regionais. A Região Sudeste manteve-se com a maior proporção de domicílios com microcomputador (43,7%) e com microcomputador com acesso à Internet (35,4%). As Regiões Norte (13,2%) e Nordeste (14,4%) apresentaram as menores proporções de domicílios com microcomputador com acesso à Internet; a Região Sul possuía 32,8%; e a Centro-Oeste, 28,2%.(BRASIL. IBGE, 2009a,p.78) O contexto dos educandos pesquisados evidencia um maior acesso àInternet em comparação com os dados do IBGE/PNAD 2009a. Arroyo (2006, p. 26) afirma que tais sujeitos [...] jovens-adultos protagonizam trajetórias de humanização. Consequentemente, devemos vê-los não apenas pelas carências sociais, nem sequer pelas carências de um percurso escolar bem-sucedido. Uma característica do olhar da historiografia e 23 Para maisdetalhes,cf.: IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf> . Acesso em: 20 jun. 2011. 52 sociologia é mostrar-nos como os jovens se revelam protagonistas nas sociedades modernas, nos movimentos sociais do campo ou das cidades. Revelam-se protagonistas pela sua presença positiva em áreas como a cultura, pela pressão por outra sociedade e outro projeto de campo, pelas lutas por seus direitos. Trata-se de captar que, nessa negatividade e positividade de suas trajetórias humanas, passam por vivências de jovens-adultos onde [sic] fazem percursos de socialização e sociabilidade, de interrogação e busca de saberes, de tentativas de escolhas formação de valores. Arroyo (2006), ao alertar que é preciso olhar para os jovens e adultos para além das carências, possibilitou ao autor desta dissertação relembrar alguns aspectos da observação em sala de aula, como: jovens envolvidos com o processo de eleição de diretores da unidade escolar onde estudavam e participação em manifestações contra a decisão do MEC (Ministério da Educação) de demitir os professores contratados (sobretudo na turma de Turismo e Lazer). 2.3 Caracterização dos Educandos em Face ao Contexto dos Cursos Técnicos de Mecânica (Modalidade PROEJA) e de Turismo e Lazer Nesta seção, caracterizam-se os educandos em face ao contexto dos cursos técnicos de Mecânica e de Turismo e Lazer. O objetivo é identificar a relação entre as escolhas dos educandos nos respectivos cursos, bem como as suas expectativas enquanto sujeitos críticos de sua formação.Cabe distinguir que, na turma de Turismo e Lazer, por ser uma modalidade mista (concomitante e subsequente24), existiam sujeitos que percorreram novamente um Ensino Médio e outros estavam participando dessa etapa pela primeira vez, ou seja, vivenciaram uma formação de Educação Profissional. A turma de Mecânica, por sua vez, era composta majoritariamente por educandos jovens do sexo masculino, o que já evidencia um estereótipo no curso. Como no edital do processo seletivo para essa turma, não constava a obrigatoriedade de pelo menos 18 anos, houve a entrada de sujeitos mais novos na modalidade. Salienta-se que a legislação educacional 24 Segundo o Decreto no 5.154/2004, concomitante é a modalidade oferecida somente a quem já tenha concluído o Ensino Fundamental ou esteja cursando o Ensino Médio, na qual a complementaridade entre a Educação Profissional Técnica de Nível Médio e o Ensino Médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer: a) “Na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) Em instituições de ensino distintas aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; ouem instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando ao planejamento e ao desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados; e c) Subsequente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio.” 53 [...] obrigou as instituições da rede federal de educação técnica e tecnológica a destinar, em 2006, o correspondente a 10% das vagas oferecidas em 2005 para o Ensino Médio integrado à educação profissional destinado a jovens acima de 18 anos e adultos que tenham cursado apenas o Ensino Fundamental. O porcentual de vagas a ser aplicado nos anos posteriores será definido por ato do MEC. Apresentase como objetivo desse programa a ampliação dos espaços públicos da educação profissional para os adultos e uma estratégia que contribui para a universalização da educação básica.(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p.1097) Em outras palavras, o edital não exigia uma idade mínima para a entrada no curso e, assim sendo, a modalidade de ensino teve uma configuração diferente do que preconiza o Documento Base do PROEJA. Inclusive cabe sublinhar que um dos alunos da modalidade PROEJA manifestou verbalmente que não aceitava que seu diploma viesse descrito PROEJA. Tal manifestação ocorreu no corredor da instituição, quando dois professores conversavam com a pedagoga, entre eles o pesquisador. O educando ainda argumentou que escolheu o período noturno porque gostava de estudar nesse horário e não porque era mais fácil passar no processo.Tal discurso problematiza a educação profissional ofertada, bem como a proposta desse programa. Segundo Brasil (2006b, p. 45) [...] pensar em sujeitos com idade superior ou igual a 18 anos, com trajetória escolar descontínua, que já tenham concluído o ensino [...] é tomar uma referência, certamente, bem próxima da realidade de vida dos sujeitos da EJA. Diante o exposto, verificou-se junto aos educandos do que gostavam de fazer quando não estavam estudando e/ou trabalhando, ou seja, que atividades faziam no tempo livre. O resultado encontra-se na TAB. 20. TABELA 20 Atividades realizadas pelos educandos no tempo livre, segundo frequência e percentual Atividades realizadas no tempo livre Frequência Percentual Ler 15 45,5% Assistir à TV 12 36,4% Sair com os amigos 11 33,3% Acessar àInternet 7 21,2% Dormir 5 15,2% Ficar em casa 3 9,1% Praticar esportes 3 9,1% Diversos (Viajar, dirigir, conversar etc.) 7 18,1 Não respondeu 1 3,0% Total Múltiplo 33 ... Obs.: Tabelas de respostas múltiplas não totalizam necessariamente 100% Fonte: elaborada pelo autor. 54 Os dados proporcionaram inferir que os educandos buscam alternativas para utilizar o tempo livre. Dentre as opções descritas, o percentual de 36,4% assinalado para a TV só perde para 45,5% para a opção de leitura. Possíveis leituras desses dados possibilitam algumas questões, como: falta de outras opções de lazer ou cultura na localidade de residência? A situação socioeconômica não possibilita acessos aos locais de lazer? O tempo disponível é insuficiente para realizar outros tipos de atividades culturais? Coelho (2009) afirma que, diante de tantas obrigações desses sujeitos, o tempo livre disponível está condicionado à programação televisiva. Diante deste contexto, vale salientar que [...] o ser humano, para realizar-se como tal, para sentir-se bem, liberto dos grilhões da necessidade, não precisa apenas de conhecimentos e informações. A cultura, na forma de todo desenvolvimento científico, filosófico, ético, artístico, tecnológico etc., é o próprio substrato da liberdade do homem, para além da necessidade natural. Nesse sentido, cada indivíduo se faz mais livre à medida que se apropria da cultura25. Quando falamos de direito à educação, portanto, isso não pode significar o direito apenas a pequenos “pedaços” da cultura, na forma das chamadas disciplinas escolares (Matemática, Geografia, Língua Portuguesa etc.). Estas são, sem dúvida, partes importantíssimas da herança cultural, mas não são tudo. (PARO, 2011, p. 138) Outro quesito levantado foi sobre aquilo de que mais gostavam na escola. Os dados são apresentados a seguir na TAB. 21. TABELA 21 Do que os educandos mais gostam na escola, segundo frequência e percentual Do que os educandos mais gostam na escola Frequência Percentual Dos colegas 12 36,4% De algumas disciplinas 4 12,1% Do aprendizado 4 12,1% De interagir com várias pessoas 4 12,1% Do restaurante 3 9,1% Das aulas interativas 3 9,1% Diversos (biblioteca, professores,sala de aula etc.) 11 33,20 Total Múltiplo 33 .. Obs.: Tabelas de respostas múltiplas não totalizam necessariamente 100%. Fonte: elaborada pelo autor. A identificação das características dos educandos enseja que a escola exerce uma forte função de socialização no âmbito interno e externo à instituição. Logicamente não se 25 Paro (2011, p.137) expõe que, entendida a cultura como toda criação humana (contraposta, portanto, ao mundo natural, que independe da ação e da vontade do homem), é pela apropriação dessa cultura (pela educação) que o homem se diferencia da mera natureza e se faz humano, ou melhor, humano-histórico. O direito à cultura significa, portanto, o direito à própria humanização do indivíduo. 55 restringindo apenas a esta função, 36,4% dos educandos indicaram nas suas respostas que aquilo de que mais gostam na escola são os seus colegas. Sacristán e Gómez (1998) afirmam que a vida da sala de aula, como a de qualquer grupo ou instituição social, pode ser descrita como um cenário vivo de interações no qual se intercambiam explícita ou tacitamente ideias, valores e interesses diferentes e seguidamente enfrentados. Assim sendo, nas atividades do espaço escolar é que se identificam os conflitos existentes, pois, segundo Enguita (1989, p.147), a escola é um local de permanente de conflitos. Partindo dessa afirmativa, o que acontece em sala de aula na escola como um todo é o resultado de um processo de negociação informal que se situa em algum lugar intermediário entre o que o/a professor/a e/ou a instituição escolar quer que os/as alunos/as façam e o que estes/as estão dispostos a fazer. A TAB. 22 mostra aquilo de que os educandos menos gostam. TABELA 22 Do que os educandos menos gostam na escola, segundo frequência e percentual Do que oseducandos menos gostam na escola Frequência Percentual Do descaso de alguns professores 11 33,30% Da desorganização 5 15,20% Do descaso da instituição com relação ao turno noturno 4 12,10% Do horário noturno, que é cansativo 2 6,10% Das aulas maçantes 2 6,10% Da discriminação dos outros cursos 2 6,10% De Física 2 6,10% Outros (falta de verba para visita técnica, falta de opção de lanchonete, aulas aos sábados, diretoria etc.) Total Múltiplo 11 33,00% 33 .. Obs.: Tabelas de respostas múltiplas não totalizam necessariamente 100%. Fonte: elaborada pelo autor. Os educandos revelaram sua crítica ao ambiente escolar e, entre os pontos que apareceram, está a indicação do ensino noturno, que se destaca logo após o item “desorganização dos professores”. As opiniões dos educandos sobre o ensino noturno eram reveladas na própria sala de aula,quando das ausências de professores, nos desabafos de alguns alunos com os professores de História e até nos corredores com o pesquisador. Coelho (2009, p. 126) alerta que [...] um dos desafios da educação profissional é o diálogo desse processo de formação com os desafios concretos impostos ao cidadão técnico em sua cotidianidade enquanto sujeito sociocultural e trabalhador. 56 Compreender tais desafios é dialogar com as especificidades históricas e culturais de cada educando, é dialogar com os fundamentos do trabalho, da tecnologia, da ciência e da cultura. Ainda nesse sentido, verificou-se junto aos educandos do que mais gostavam no curso escolhido, conforme mostra a TAB.23. Ficou evidenciado que as aulas práticas prevalecem nas opiniões, o que, no contexto da Educação Profissional, remete para uma afirmação de Ramos (2005) de que é a superação do dilema de um currículo voltado para as humanidades ou para a ciência e tecnologia. TABELA 23 Do que os educandos mais gostam no curso escolhido, segundo frequência e percentual Do que os educandos mais gostam no curso escolhido Das aulas práticas Frequência Percentual 10 30,30% Das matérias 7 21,20% De História 4 12,10% Dos amigos 4 12,10% Das Disciplina A e B 3 9,10% Da variedade de métodos de ensino e aprendizagem 3 9,10% Diversos ( visitas técnicas, seminários, área de atuação etc.) 10 30,30% Total Múltiplo 33 .. Obs.: Tabelas de respostas múltiplas não totalizam necessariamente 100%. Fonte: elaborada pelo autor. Os dados evidenciaram que 30,30% dos educandos gostam das aulas práticas, o que exige da Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio uma articulação entre as aulas teóricas e as aulas práticas. Coelho (2009) afirma sobre a importância de se ouvirem esses trabalhadores para compreender seus processos de formação, bem como suas potencialidades e lacunas, e talvez indicar alternativas para os processos educativos que atuam com esse segmento. Ratifica-se tal posicionamento e salienta-se que ouvir esses educandos na pesquisa possibilitou dar “vozes” a esses sujeitos enquanto críticos de sua formação. Evidencia-se que, além dos materiais didáticos analisados e dos documentos educacionais sobre o currículo, considerouse ser pertinente identificar as manifestações discursivas dos educandos e registrar as opiniões desses sujeitos na pesquisa. Observa-se,na TAB. 24, um detalhamento daquilo do que os respondentes menos gostam no curso escolhido. 57 TABELA 24 Do que os educandos menos gostam no curso escolhido, segundo frequência e percentual Do que os educandos menos gostam no curso escolhido Frequência Percentual Da teoria 14 42,4% Da falta de comprometimento de alguns professores 11 33,3% Da organização 6 18,2% Da falta de trabalho de campo 4 12,1% Do descaso com o aluno 2 6,1% Do apoio da coordenação ao curso noturno 1 3,0% Total Múltiplo 33 .. Obs.: Tabelas de respostas múltiplas não totalizam necessariamente 100%. Fonte: elaborada pelo autor. Os dados mostram que 42,4% dos educandos gostam menos da teoria, o que de certa forma corrobora o desafio descrito anteriormente entre aulas teóricas e aulas práticas. Ainda, nesse sentido, Lima Filho (2010, p. 111) argumenta que é mister [...] analisar consistentemente a construção da política pública de Ensino Médio integrado à educação profissional na modalidade de educação de jovens e adultos, e dentro desta o PROEJA, exige[-se] considerar os condicionantes históricos, a realidade presente e as condições materiais, objetivas e subjetivas, sob as quais os sujeitos sociais desta política pública se defrontam com a realidade. Buscou-se compreender quais são os limites e possibilidades construídos no currículo dessa modalidade de Educação Profissional. Nessa direção, Coelho (2009) ressalta que os alunos são submetidos a jornadas bastante intensivas de aulas teóricas e práticas, seguidas de volumosas listas de exercícios, trabalhos e relatórios para casa, além de provas rigorosas. A despeito dessas considerações de Lima Filho (2010) e Coelho (2009),a Educação Profissional se depara com diversos desafios de uma formação plena. Cabe indicar a avaliação dos educandos sobre a escolha de seu curso, o que pode ser visto na TAB. 25. TABELA 25 Avaliação do curso pelos sujeitos da pesquisa, segundo frequência epercentual Avaliação do Curso Regular Bom Excelente Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 13 39,4% 17 51,5% 3 9,1% 33 100,0% 58 Pelos resultados, 51,5% dos alunos classificaram o respectivo curso como bom. Diante das opiniões dos educandos, cabe mencionar uma questão que não é foco desta pesquisa, mas que vale a pena ser ressaltada: Em que momentos são desenvolvidas pesquisas sobre a avaliação que o educando faz da instituição escolar e do seu desempenho no contexto educacional? Na presente pesquisa, são levantadas as relações do desempenho dos educandos com a estrutura da escola, o professor, os currículos e outros. Tais relações pedagógicas estão associadas a questões de ordem sociocultural, de ordem política, epistemológica e psicológica. Segundo Paro (2011), é fundamental considerar a participação discente nas tomadas de decisão da escola de um modo geral, o que inclui fatores subjetivos como costumes, valores, expectativas, origem social, os quais exercem influência direta na percepção de gênero e diversidade sexual. 2.4 Caracterização dos Docentes das Duas Turmas dos Cursos Técnicos A caracterização dos docentes visa situar qual o perfil desses atores e compreender as relações pedagógicas que foram observadas no percurso da pesquisa no ensino de História. Os docentes das turmas pesquisadas, identificados como PHTL (Professor de História da Turma de Turismo e Lazer) e PHM (Professor de História da Turma de Mecânica) foram caracterizados quanto à instrução com base no currículo disponível na Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq). PHTL é graduado em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1994)e em Teologia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista (1986). TemMestrado em Teologia pelaYale Divinity School, Yale University (1987),e em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996). Também tem Doutorado em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP), obtido em 2007. Atua na área de História, com ênfase em História da Imprensa e das Cidades, abordando principalmente os seguintes temas: imprensa mineira, modernidade fin-de-siècle, urbanização, relação entre o discurso do progresso e da técnica, cultura urbana e o lugar do trabalho em uma sociedade pós-escravidão. Atua como docente desde 1996, com diversos vínculos de trabalho, como professor substituto, contratado e efetivo em universidades públicas e particulares. Atualmente, é professor da instituição pesquisada, onde tem vínculo efetivo desde 2006,com carga horária de 20 horas semanais, destinadas a aulas no ensino técnico de nível médio. O docente tem 46 anos, reconhece-se como de etnia branca e vincula-se à religião cristã metodista. 59 PHM, por sua vez, é graduado em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (2003) e tem Mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense (2006). Até o momento da pesquisa, estava com o Doutorado em andamento em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tem experiência na área de História, com ênfase em História Antiga e Medieval. Atua principalmente nos seguintes temas: Plutarco, Osiris, Religiosidade. Atuou na instituição desde 2009 como professor substituto e paralelamente como professor contratado numa instituição universitária particular, desde 2008, apresentando um tempo de três anos de docência. Atua no graduação e ensino técnico de nível médio e, na observação em sala de aula, comentou que trabalha com uma carga horária superior a 40 horas semanais. Contudo, outras dados pessoais não foram possíveis de serem coletados, pois o docente subitamente rescindiu o contrato com a instituição e não se dispôs a participar da entrevista da pesquisa. Ainda entre formação docente e práticas pedagógicas, cabe salientar uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). A pesquisa sob a coordenação de Haddad (2002) traz um estado da arte da Educação de Jovens e Adultos no Brasil (1986-1998). O estudo mencionado insere várias questões relevantes, dentre as quais aqui se citam duas: (i) há pouca formação específica para os docentes atuarem com o público de jovens e adultos; e (ii) há uma crise no ensino noturno, no qual alguns professores e corpo técnico estão distantes das condições concretas dos alunos-trabalhadores. No presente estudo, não foi encontrada qualquer menção a alguma capacitação relacionada à educação de jovens e adultos, o que ratifica um dado da pesquisa INEP. No que se refere ao ensino noturno,serão esboçadas na próxima seção as dimensões envolvidas entre os docentes e o ensino noturno. 2.5 Os Docentes e o Ensino Noturno Buscou-se uma compreensão das relações existentes entre os docentes e o ensino noturno, especialmente no que diz respeito a como se localiza esse turno na Educação Profissional. Historicamente, o ensino noturno é reflexo das lutas da população para ter acesso aos diversos níveis da educação básica. Sendo assim, é válido refletir sobre os discursos produzidos pelos docentes,pelos educandos que são trabalhadores e também pelos educandos que ainda não são trabalhadores, mas desejam conciliar trabalho e educação. Para além disso, cumpre indagar em que condições esse ensino se realiza e como a instituição e sua estrutura respondem aos anseios dos educandos que procuram uma formação profissional técnica de 60 nível médio oferecida no ensino noturno. A discussão desse tópico tem relação com outro fato, que se refere à continuidade das turmas de PROEJA na referida instituição para o ano de 2012. Isso possibilitou inferir que o ensino noturno ainda vive à margem e que as propostas vigentes nas instituições carecem de mais discussões, em especial aquelas que dizem respeito às matrizes curriculares. Diante do exposto, vale indicar uma breve passagem sobre o surgimento do ensino noturno: [...] temos consciência de que esse sistema escolar nasceu e se estruturou marcado por interesses de classe. Não foi montado para servir às classes trabalhadoras, mas aos futuros dirigentes, executivos, profissionais e teóricos da burguesia. (ARROYO, 1986, p. 18) Célia Carvalho (2011) afirma que,na década que de 1980, aconteceu a expansão dos cursos de 2° grau em escolas públicas, quase sempre no período noturno. Essa expansão foi precedida por reivindicações, muitas vezes observadas nos vestibulinhos, e por movimentos organizados. Diante dessas afirmativas, ilustra-se o contexto do ensino noturno com o depoimento do docente do curso técnico de Turismo e Lazer ao ser indagado se havia suporte pedagógico na instituição: Sim. E não. Sim, na medida em que eu tenho colegas para discutir, tem uma ou outra pessoa. Você acompanhou isso parcialmente. Agora vou ter que lidar com isso em numa outra perspectiva, nosso setor de pedagogia. Nossa coordenação pedagógica, como chamamos aqui, viveu um processo de desmanche. E hoje há uma falta muito grande disso na instituição e em vários núcleos. Por outro lado,nós tínhamos até pouco tempo atrás, agora não me lembro o nome, querendo ou não, você tem um grupo de pesquisa ou coordenação em queos colegas discutem. Mas eu acho que isso falta mais em nível institucionalizado, que é o lugar da coordenação pedagógica que a gente perdeu [...]. O que se tem hoje são ações quase que individualizadas; essa pessoa hoje tem interesse ou contato maior com aquele curso, ela consegue atuar naquele campo, mas como política institucional nós estamos carentes disso.No que se refere ao ensino noturno.... À noite isto é muito pior, à noite é inegável; isso é uma avaliação coletiva. Se no turno diurno você tem já essas deficiências,à noite tudo fica mais difícil; você tem menos gentes, menos funcionários, menos professores; a realidade dos alunos já apresenta ainda um outro desafio porque os cursos têm formatos diferentes. A clientela (detesto usar palavra clientela), o público-alvo, tem outro perfil;então, as coisas complica mais. Eu não estranho tanto porque eu trabalhei muitos anos lecionando em graduação, em faculdades menores, no turno noturno. Então, eu conheço um pouco do que é o pessoal trabalhar durante o dia e estudar a noite. Então isso só me faz ter um pouco de noção do tamanho do buraco. (Entrevista PHTL26, em 22 nov. 2011, grifo nosso) Diante do exposto, é preciso considerar a prática social da educação, em especial o ensino noturno, uma vez que tais aspectos mencionados tanto pelos educandos como pelo docente refletem um processo formativo. Tal análise possibilita, segundo Libaneo (2011), 26 Professor de História no Curso Técnico de Turismo e Lazer. 61 assumir a visão de totalidade do processo escolar em sua inserção no contexto socioeconômico, político e cultural. O pesquisador infere que essas lacunas no ensino noturno têm implicações na atuação dos docentes, nos processos formativos dos educandos e no do lugar que ocupa a formação dos jovens e adultos trabalhadores nas políticas públicas deste país. 62 3 O VELADO E O REVELADO SOBRE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL NOS LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA Se o gênero é um produto histórico, então ele está aberto à mudança histórica.(Robert Connel) 3.1 Questões de Gênero e Diversidade Sexual, Pesquisas Historiográficas e a Disciplina História A indagação sobre as questões de gênero e diversidade sexual como objetos de discussão da disciplina História possibilita um redimensionamento das abordagens da História enquanto ciência27. As configurações da sociedade na época atual revelam percursos28 no desenvolvimento dos estudos das questões de gênero, e essa trajetória remete a uma análise dialética dos livros didáticos e da disciplina História. A questão se volta para o currículo da Educação Profissional, tendo em vista a concepção de formação integrada29 que a política para essa modalidade de educação propõe no País (i.e., uma formação que ultrapasse o atendimento aos interesses específicos e imediatos do mercado de trabalho). Os livros didáticos se inserem nessa problemática porque, como afirma Bittencourt (2009), os materiais didáticos (e.g., livros, filmes, mapas e mídias) são instrumentos de trabalho do professor e do aluno e, assim, constituem suportes fundamentais na mediação entre o ensino e aprendizagem. Para empreender tal discussão, faz-se necessário compreender a historicidade do conceito de gênero, que, por sua vez, não se desvincula do termo diversidade sexual. Suely Gomes Costa (2003, p. 187) argumenta que esse conceito de gênero resulta de [...] uma longa germinação de experiências e ideias extraídas das relações entre homens e mulheres em suas muitas vidas em comum. [...] No plano intelectual, o conceito de gênero aparece como um dentre outros elaborados nas recentes aproximações da história com a antropologia30. 27 28 29 30 Marx e Engels (2004, p. 11) descreveram que a História é a ciência singular, basilar para a sociedade. Foucault (1981, p. 244) demarca uma rede que se pode estabelecer entre elementos heterogêneos, ditos e não ditos, como: discursos, instituições, organizações arquitetônicas, regulamentações, medidas administrativas, enunciados científicos e proposições filosóficas, morais e filantrópicas. Ciavatta (2005,p.86) considera que o conceito de formação integrada teve sua origem na educação socialista, que pretendia ser omnilateral, no sentido de formar o ser humano na sua integralidade física, mental, cultural, política e científico-tecnológica. Em outra referênciaa formação integrada, Ciavatta e Rummert (2010,p.473) exigem que se trate o trabalho como principio educativo. Para tanto, precisamos da análise marxista do trabalho como valor de uso e como valor de troca. Alguns das abordagens na antropologia podem ser encontradas em Margaret Mead na obra Sexo e temperamento, em Marcel Mauss no texto “As técnicas do corpo”, em Pierre Clastres no capítulo o “Arco e o cesto” (da obra A sociedade contra o Estado). 63 A autora afirma que o conceito de gênero contém um conjunto de configurações do político, mas também de consentimentos que marcam experiências do dia a dia de homens e mulheres. As questões de gênero compõem-se tanto de matéria intelectual como daquela de senso comum, ambas de difusa circulação no meio social. Nas palavras de Suely Gomes Costa (2003, p. 201), ...as escolas têm produzido aceites de ordens sociais injustas e apartações sociais de muitos tipos, quando reafirmam, por exemplo, normas disciplinadoras de corpos e premissas sobre papéis sociais de homens e mulheres, dentre várias outras questões similares circulantes em vasto material didático. Tal contexto traz à baila as questões da sexualidade tão presentes na noção de gênero. Pinsky (2009) identifica que é muito baixo o número de trabalhos de História que lançam mão do conceito de gênero no Brasil. A autora propõe uma análise que passa pela História Social e se pauta em dois eixos, quais sejam: (i) avaliação da importância do olhar preocupado com gênero para uma cmpreensão mais acurada do contexto social sob uma perspectiva histórica; e (ii) análise das abordagens teórico-metodológicas atentas à construção social das diferenças sexuais que dialogam com trabalhos de História, tanto aquela desenvolvida dentro dos marcos da chamada História Social quanto aquela ligada ao pensamento pós-estruturalista. A referida autora delimita, como primeiro eixo, a argumentação de historiadoras como Louise Tilly, Eleni Varikas e Catherine Hall, inspiradas na corrente historiográfica de vertente marxista (adotada, dentre outros autores, por Edward P. Thompson, Eric Hobsbawm, Natalie Davis e Michelle Perrot). A segunda tem como principal defensora a historiadora Joan Scott31, que, influenciada por obras de Foucault e Derrida, passou a criticar a História Social e sustentar o que chamou de uma nova epistemologia para os estudos históricos. Pinsky (2009) revela preocupações explícitas e comuns a ambas, a saber: (i) destacar as possibilidades de ação humana na história; (ii) enfrentar questões gerais da disciplina História adotando uma perspectiva que leva o gênero em conta; e (iii) expor como o debate em torno dessas temáticas colabora para as atividades de pesquisa e a reflexão teórica. Com essa argumentação, a autora busca instigar historiadores a pesquisar questões de gênero em seus trabalhos de pesquisa. Ao investigar as confluências e divergências entre as linhas teóricas de E.Thompson e J.Scott, Pinsk (2009) esclarece que, apesar da contribuição fundamental para as análises da categoria gênero, essas duas perspectivas (e suas variantes) não avançam no sentido de 31 Segundo Scott (1990, p. 86), o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, [constituindo] um primeiro modo de dar significado às relações de poder. 64 explicar historicamente a diversidade das formas de relações entre os sexos e as representações distintas do masculino e do feminino existentes em vários contextos e culturas. Diante da exposição, a categoria de gênero ajuda a pensar nessas questões, escapar ao reducionismo, levar em conta as transformações históricas e incorporar, na pesquisa e na análise, seus entrecruzamentos com etnia, raça, classe, grupo etário e nação, dentre outras variáveis que dão identidade aos sujeitos da pesquisa. Sob essa perspectiva, a categoria de gênero remete à ideia de que as concepções de masculino e de feminino possuem historicidade. Na discussão desta dissertação, adotou-se a categoria gênero para além do binário homem e mulher, embora ainda sejam poucas as discussões na literatura que avançam nessa delimitação. Foi também necessário delinear o termo diversidade sexual, cujo campo de discussão permeia três eixos: o sexo biológico, a identidade de gênero e a orientação sexual. Segundo a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade(SECAD) do Ministério da Educação (BRASIL, 2007) o sexo biológico é constituído basicamente pelas características fenotípicas (i.e., órgãos genitais externos, órgãos reprodutores internos, mamas, barba) e genotípicas (i.e., genes masculinos e genes femininos). No que se refere a identidade de gênero, Parker (1999) salienta que não existe uma relação direta e única entre anatomia e gênero, tampouco entre gênero, identidade sexual e orientação. Para o autor, a identidade de gênero é a maneira como o sujeito se sente e se apresenta para si e para os demais, sendo masculino ou feminino, ou ainda uma mescla de ambos independentemente do sexo biológico e da orientação sexual. Para ilustração, suponhase que uma pessoa pode ter uma identidade de gênero – masculina, feminina, ambas ou nenhuma –, apresentar características fisiológicas do sexo oposto ao seu e, ainda assim, ser heterossexual, homossexual ou bissexual. Ao contrário do que comumente se tende a crer, pessoas transgêneros (travestis ou transexuais) não são necessariamente homossexuais, assim como homens homossexuais não são forçosamente femininos ou afemininados e tampouco mulheres lésbicas são necessariamente masculinas ou masculinizadas (JESUS et al., 2006, p. 37). Ainda nesse campo de discussão, aborda-se necessariamente a orientação sexual, que se refere à direção ou à inclinação do desejo afetivo e erótico. Basicamente, pode-se afirmar que esse desejo, pode ter como único ou principal objeto pessoas do sexo oposto (i.e., heterossexualidades), pessoas do mesmo sexo (i.e., homossexualidades) ou de ambos os sexos (i.e., bissexualidades) – todas no plural, pois são inúmeras e dinâmicas suas formas de 65 expressão e representação (JESUS et al., 2006,p.46). Orientação sexual é um conceito que, ao englobar e reconhecer como legítimo um extremamente diversificado conjunto de manifestações, sentimentos e práticas sociais, sexuais e afetivas, desestabiliza concepções reificantes, heterocêntricas, naturalizantes e medicalizadas (que insistem em falar de homossexualismo32). Além disso, o termo orientação sexual veio substituir a noção de opção sexual, pois o objeto do desejo sexual não é uma opção ou escolha consciente da pessoa, uma vez que é resultado de um processo profundo, contraditório e extremamente complexo de constituição, no decorrer do qual cada indivíduo é levado a lidar com uma infinidade de fatores sociais, vivenciando-os, interpretando-os, (re)produzindo e alterando significados e representações a partir de sua inserção e trajetória social específica. Para a compreensão desses três conceitos adotou-se o estudo de Butler (2011), no qual insere-se o conceito de diversidade sexual, que pode representar pessoas envolvidas em uma larga disposição de atos sexuais e pessoas que, quaisquer que sejam suas identidades, não são a mesma coisa que os atos que desempenham. Esse conceito também pode significar que diferenças morfológicas nem sempre são binárias na forma e que desejos e prazeres não são para se julgar normativamente, mas sim compreendidos em um contínuo de agenciamento e resposta sexual humana. Tal adoção propõe uma leitura da sociedade com sua diversidade cultural, étnica e sexual, bem como dos sujeitos e dos artefatos culturais que compõem o espaço escolar, entre os quais se destacamos livros didáticos. Mais especificamente, como já apontado, buscou-se tecer tais compreensões no campo da disciplina33 História no âmbito do currículo da Educação Profissional Tecnológica (EPT). Segundo Luciola Santos(2001, p. 61), em relação ao ensino de História na Educação Básica: • 32 33 é preciso considerar que os saberes escolares constituem uma seleção arbitrária dentro de um universo mais amplo de possibilidades; Segundo a Organização Mundial de Saúde o termo homossexualismo foi incluido na classificação internacional de doenças de 1977 (CID) como uma doença mental, mas, na revisão da lista de doenças, em 1990, a opção sexual foi retirada. Disciplinas escolares, para Chervel (1990,p.178), são entidades culturais dotadas de características sui generis, que, longe de serem mero reflexo de disciplinas científicas e acadêmicas, constituem campos de ação fortemente marcados pelas contingências de tempo e espaço escolar, pelas cláusulas explícitas dos contratos pedagógicos e didáticos, pelas estratégias de ensino voltadas aos alunos, pelas exigências dos colegas, pelas necessidades imediatas da vida institucional e pelos sistemas de avaliação e seleção. Nesse sentido, uma disciplina escolar se apresenta como um conjunto de saberes, de competências, de posturas físicas e/ou intelectuais, de atitudes, de valores, de códigos e de práticas que trazem as marcas da forma escolar. 66 • é necessário assegurar que a escola socialize os conhecimentos no campo da história e das diferentes áreas, de forma significativa, em sintonia com as questões da vida contemporânea, superando a organização do currículo por disciplinas [e] considerando as novas perspectivas colocadas pelos estudos sobre organização curricular; • deve ser destacado que a escola não apenas fornece conhecimentos aos estudantes, mas também desperta interesses e sensibilidades, cria desejos e aspirações, modela formas de raciocinar, instala padrões [e] culturas, enfim, forma subjetividades e identidades sociais. Adicionam-se a essas ponderações a importância da História para o poder, haja vista que, como mostra Laville (1999), essa é certamente a única disciplina escolar que recebe intervenções diretas dos altos dirigentes e a consideração ativa dos parlamentos (no caso brasileiro, do Congresso). Sob essa perspectiva, no processo de ensino-aprendizagem de História, os livros didáticos aparecem como instrumentos de escolhas, geralmente trazendo uma leitura hegemônica da sociedade. Assim sendo, após a seleção das duas turmas para a realização desta pesquisa em uma instituição federal, iniciou-se o processo de verificação e análise dos livros didáticos34 adotados pela disciplina História. Tais livros fazem parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), com exceção de um livro paradidático35, adotado especificamente para o curso Técnico de Turismo e Lazer. A escolha, pelos professores, dos dois livros de História objeto de análise desta pesquisa seguiu as orientações do PNLD. Segundo o MEC (BRASIL, 2011), as avaliações de livros didáticos de Matemática e Português para o Ensino Médio iniciaram-se em 2004, por meio do Programa Nacional do Livro do para o Ensino Médio (PNLEM). Por sua vez, a distribuição universal dos livros didáticos de Português, Matemática, Física, Química, História e Geografia iniciaram-se em 2008. Já avaliação e distribuição de materiais didáticos para toda a Educação Básica foram regulamentadas pelo Decreto no7.084, de 27 de janeiro de 2010. Consoante o Ministério da Educação (BRASIL. MEC, 2011, p. 7), “no espaço escolar, o livro impresso ainda é o material que melhor atende às necessidades dos professores e alunos das escolas públicas 34 35 A historiografia do livro didático no Brasil teve suas origens no discurso oficial do governo Getúlio Vargas, em especial através do Ministro da Educação Gustavo Capanema pelo Decreto-Lei nº 1.006/1938, que instituiu a Comissão Nacional do Livro Didático para tratar da produção, do controle e da circulação dessas obras. De acordo com Soares (2011), o livro didático e o livro paradidático são diferentes quanto a seus objetivos e suas funções. O objetivo do livro didático é apresentar uma proposta pedagógica de um conteúdo selecionado no vasto campo de conhecimento em que se insere a disciplina a que se destina e organizado segundo uma progressão claramente definida e apresentada sob forma didática adequada aos processos cognitivos próprios a esse conteúdo e à etapa de desenvolvimento e de aprendizagem em que se encontra o aluno. Já o livro paradidático tem por objetivo aprofundar ou ampliar um determinado tópico ou tema do conteúdo de uma ou mais disciplinas. 67 brasileiras”. Essa concepção é reforçada nessa mesma publicação, o Guia de livros didáticos PNLD (BRASIL. MEC., 2011, p. 18), segundo o qual “o LD [Livro Didático], em qualquer disciplina, é um instrumento fundamental (às vezes praticamente único) do acesso dos alunos à leitura e à cultura letrada”. O MEC avalia como um bom livro didático aquele que atende às seguintes funcionalidades: transmissão de conhecimentos, desenvolvimento de capacidades e competências, bem como consolidação e avaliação de conhecimentos práticos e teóricos adquiridos. Tal posição é similar à do pesquisador francês Alain Chopin (2004), o qual assinala que os manuais didáticos possuem várias funções, entre elas: avaliar a aquisição dos saberes e competências, oferecer uma documentação completa proveniente de suportes diferentes e facilitar aos alunos a apropriação de certos métodos que possam ser usados em outras situações e em outros contextos. Esse artefato cultural é classificado também por Bittencourt (1997, p. 72) como um [...] depositário dos conteúdos escolares, suporte básico e sistematizador privilegiado dos conteúdos elencados pelas propostas curriculares: é por seu intermédio que são passados os conhecimentos e técnicas consideradas fundamentais de uma sociedade em determinada época. O livro didático realiza uma transposição do saber acadêmico para o saber escolar no processo de explicitação curricular. Nesse processo, ele cria padrões linguísticos e formas de comunicação específicas ao elaborar textos com vocabulário próprio, ordenando capítulos e conceitos, selecionando ilustrações, fazendo resumos etc. Diante do exposto, por meio dos materiais didáticos foi possível uma identificação com outros campos que pesquisam o tema gênero e diversidade sexual nos materiais didáticos. Vianna e Ramires (2008), pesquisadores do campo da Psicologia Social, verificaram diferentes ângulos sobre a diversidade sexual e as relações de gênero em 67 dos 98 livros didáticos distribuídos pelo governo por meio do PNLD para uso em 2007 e 2008. Entre os materiais analisados, foram citados quatro livros de História do Ensino Fundamental, nos quais os autores constataram a inexistência de alusões à diversidade sexual, reforçando um silêncio sobre essa questão. Os referidos autores afirmam que a naturalização da heterossexualidade se sustenta por meio da afirmação do modelo hegemônico de família. Outra contribuição da Psicologia, por meio de Imperatori et al. (2008, p. 6), está no fato de evidenciar, em outra pesquisa sobre os livros didáticos, que “o debate da diversidade sexual não entra em pauta, ficando restrito somente mesmo à sexualidade heterossexual”. Os autores asseveram que as análises das obras deram origem a três categorias discursivas. O silêncio sobre a diversidade sexual, a naturalização da heterossexualidade e a homofobia, demarcada 68 como a expressão injuriosa ou depreciativa sobre formas de vivenciar a sexualidade e de manifestar a feminilidade/masculinidade de modo diverso à heterossexualidade. A análise de Imperatori et al. (2008) identificou que os materiais didáticos não refletem a diversidade que compõe a realidade social em relação à sexualidade, reforçando os padrões heteronormativos e, consequentemente, a manutenção da homofobia. 3.2 Panorama Histórico do Livro Didático Após o delineamento acima, esta seção analisa os livros didáticos, em especial o da disciplina História. O alcance desse objetivo exigiu, inicialmente, o resgate da história desse instrumento de ensino-aprendizagem e a sua relação com o atual Programa Nacional do Livro Didático. Segundo o Brasil (2011), o PNLD teve sua origem em 1929, com outra nomenclatura (cf. o QUADRO 1), legislando sobre as políticas de obras didáticas . QUADRO 1 Síntese histórica do LD no Brasil Ano 1929 Ação Criação de um órgão específico pelo Estado para legislar sobre políticas do livro didático, o Instituto Nacional do Livro (INL). 1938 Decreto-Lei n. 1.006, de 3 de dezembro de 1938, institui a Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD), estabelecendo a primeira política de legislação e controle de produção e circulação do LD. 1945 Decreto-Lei n. 8.460, de 26 de dezembro de 1945, consolida a legislação sobre as condições de produção, importação e utilização do livro didático, restringindo ao professor a escolha do livro. 1966 Acordo entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) permite a criação da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático (Colted), com a função de coordenar as ações referentes a produção do LD. 1971 O Instituto Nacional do Livro (INL) passa a desenvolver o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (Plidef). As Unidades da Federação (UF) oferecem uma contrapartida financeira e se dá o término do convênio MEC-USAID., 1976 Extinção do INL, com a Fundação Nacional do Material Escolar (Fename) tornando-se responsável pela execução do programa do livro didático. 1983 Substituição da Fename pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que reúne o Plidef. É sugerida a participação dos professores na escolha dos LD e a ampliação do programa. 1985 Por meio do Decreto n 91.542, de 19 de agosto de 1995, o Plidef dá lugar ao Programa do Livro Didático (PNLD) bem , como indicação do LD pelos professores e proscrição do livro descartável. 69 Ano Ação 1993/1 994 Publicação de um manual sobre a Definição de critérios para avaliação dos livros didáticos (MEC/FAE/UNESCO). 1996 Publicação do Guia de Livros Didáticos de 1a a 4a série. Ressalta-se neste caso que os livros contendo erros conceituais, desatualização, preconceito ou discriminação de qualquer tipo são excluídos do Guia do Livro Didático. 1997 O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) torna-se responsável pela política de execução do PNLD. 2000 Neste ano os livros didáticos passam a ser entregues no ano anterior ao ano letivo de sua utilização. 2007 O FNDE insere os livros de História e de Química para distribuição nas escolas. 2009 Resolução CD FNDE nº. 51, de 16/09/2009, regulamenta o Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA). A segunda, resolução CD FNDE nº. 60, de 20/11/2009, estabelece novas regras para participação no PNLD: a partir de 2010, as redes públicas de ensino e as escolas federais (grifo nosso) aderiram ao programa para receber os livros didáticos. 2010 Publicação do Decreto nº. 7.084, de 27/01/2010, que dispõe sobre os procedimentos para execução dos programas de material didático: o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). 2011 Em 2011, o FNDE tinha a meta de atender integralmente livros para o ensino médio, que serão utilizados a partir de 2012. Pela primeira vez, os alunos desse segmento receberão livros de língua estrangeira (inglês e espanhol) e livros de filosofia e sociologia (volumes únicos e consumíveis) QUADRO 1- Síntese histórica do LD no Brasil Fonte: http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=86&id=12220&option=com_content&view=article. Essa síntese histórica demonstra a dimensão com que o livro didático tem se tornado um meio influente nas práticas pedagógicas, isto é, nas relações de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, segundo Munakata ([s.d.], p.3), “não há, de um lado, a disciplina escolar e, de outro, a sua didática, pois a noção de disciplina escolar já contém as atividades e os exercícios que ela requer”. Nesse contexto, investigar como são abordadas as questões de gênero e diversidade sexual nos livros didáticos de História implica outra relação, para a qual Louro (1995, p. 124) alerta nos seguintes termos: “uma história da educação na perspectiva de gênero é mais do que uma opção teórica ou pedagógica; é uma opção política”. Em outras palavras, analisar as questões de gênero e diversidade sexual na disciplina História no âmbito do currículo da Educação Profissional é pensar em uma “educação comprometida com a inclusão e a não discriminação societária” (OLIVEIRA, Maria. 2005, p. 16). 70 3.3 Análise de Conteúdo dos Livros de História Os livros selecionados e adotados para análise foram: História do Brasil, de Boris Fausto (EDUSP, 2007); História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais, organizado por Rubim Santos Leão de Aquino et al. (Ao Livro Técnico, 2007); e História de Minas Gerais, de Ricardo Moura Faria e Helena Guimarães Campos (Lê / Casa de Livros, 2005). Os livros utilizados foram adotados para os alunos dos seguintes cursos pesquisados: Técnico em Mecânica (modalidade PROEJA) e Técnico em Turismo e Lazer (subsequente) focalizados nessa pesquisa. O QUADRO2, a seguir, descreve a análise de conteúdo dos livros didáticos. Apresentam-se os nomes das obras analisadas, seguidos dos seguintes elementos:(i) unidade registro;(ii) unidade contexto;(iii) presença/ ausência. 71 QUADRO 2 Análise metodológica Nome da obra a) Unidade Registro b) Unidade Contexto c) Presença/ Ausência História do Brasil Gênero e diversidade sexual Frase 1: “A guerra e a captura de inimigos – mortos em meio à celebração de um ritual canibalístico – eram elementos integrantes da sociedade tupi. Dessas atividades, reservadas aos homens, dependiam a obtenção de prestígio e a renovação de mulheres.” (p. 40) Frase 2: “Por último, lembremos a divisão entre homens e mulheres, o que nos leva a análise da família.” (p.72)– Trecho descrito no subtítulo: Discriminação sexual36 Presença de gênero binário Ausência de diversidade sexual História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais Gênero e diversidade sexual Frase 1: “Para as atividades produtivas adotaram a divisão do trabalho por sexo: aos homens cabia [sic] a caça e a preparação do solo, enquanto às mulheres, o cultivo da terra e trabalhos domésticos.” (p. 93) Frase 2: “O homem aprende todos os dias, avança, parece-lhe que as trevas recuam: é o ‘Século das Luzes’.” (p. 170)37 Presença de gênero binário Ausência de diversidade sexual História de Minas Gerais (paradidático) Gênero e diversidade sexual Frase 1: “... os meninos eram educados para ser pessoas responsáveis, que exercessem uma função econômica; as meninas, para ser futuras mães, o que implica ficarem afastadas do convívio com os homens. Como já se referiu, quando um viajante chegava a uma casa, a primeira providência era esconder de sua vista as filhas, e até mesmo a dona da casa se limitava a aparições raras.” (p. 77)38 Presença de gênero binário Ausência de diversidade sexual Fonte: elaborado pelo autor. 36 Trechos referentes ao período do Brasil Colonial (1500-1822). Frase 1: trecho referente à colonização europeia; Frase 2; trecho referente ao Iluminismo. 38 Trecho referente à Minas Colonial. 37 72 Por meio desse percurso metodológico, é possível identificar, na realidade pesquisada, a ocorrência ou não da produção e reprodução da heterossexualidade como o único padrão de comportamento e orientação sexual existente na sociedade. Louro (1995, p. 103) já afirmava que “gênero é mais do que uma identidade aprendida, é uma categoria imersa nas instituições sociais”. Neste caso, tratou-se a questão em dois cursos de nível médio da Educação Profissional no ano de 2011. Os livros didáticos da disciplina História analisados fazem parte do PNLEM, exceto um que é paradidático, conforme apontado anteriormente. Tal seleção expressa inicialmente uma ligação com a formação do professor e, para além disso, indica que a produção desse objeto cultural traz as marcas da interferência do Estado em outras instâncias da vida social39. Bittencourt (2009, p. 304) relata possibilidades nas abordagens de análises e pesquisas realizadas em torno do livro didático de História. A autora menciona que pesquisas acadêmicas buscam identificar as “defasagens ou clivagens entre a produção acadêmica e a escolar ou ausências ou estereótipos de grupos étnicos ou minoritários da sociedade brasileira”,ou seja,o que está presente, silenciado e ausente sobre questões étnicas,necessidades especiais, indígenas, bem como de gênero e diversidade sexual. A análise dos dois livros didáticos implicou identificar como se usam tais recursos pedagógicos, focalizando-se as questões de gênero e diversidade sexual e seus efeitos na sala de aula. Nesse sentido, entender a concepção do termo livro didático é condição necessária para uma relação dialógica, ou seja, [...] o livro didático precisa ser entendido como parte da história cultural da nossa civilização e como objeto que deve ser usado numa situação de ensino e aprendizagem e, nessa relação, há vários sujeitos: o(s) autor(es), editor, trabalhadores e, sobretudo, professores e alunos. (OLIVEIRA, Margarida, 2011, p. 40). Segundo Munakata (2010, p. 230) o escrito, em particular o livro didático, estabelece, no seu uso, uma relação hierárquica de poder, fundada na autoridade que dele emana. Nessa relação, importa identificar o movimento real da escola, da sala de aula, uma vez que o livro didático é um instrumento que possibilita a produção de novos saberes. Além disso, o contato com o livro didático é, além de uma relação com o saber, relação com linguagens e discursos 39 Veiga (2002), em “A escolarização como projeto de civilização”, desenvolve, a partir das contribuições de Foucault e Norbert Elias, uma análise sobre o significado da monopolização do ensino elementar pelo Estado, no séc. XIX, realizada nas sociedades ocidentais como estratégia fundamental para completar o projeto de civilização. 73 produzidos segundo a dimensão pedagógica, econômica, política e cultural. Lajolo (1996) afirma que didático é “o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que provavelmente foi escrito, editado, vendido40 e comprado, tendo em vista essa utilização escolar e sistemática”. Bittencourt (2009) expõe que pesquisas têm sido realizadas sobre os discursos nos textos didáticos, destacando-se a identificação e sustentação de estereótipos, em relação, por exemplo, às populações indígenas e à população negra. Esta pesquisa visa ampliar essas discussões, inserindo-se as questões de gênero e de diversidade sexual. Cabe salientar que a instituição pesquisada possui uma seção destinada aos livros didáticos, denominada Banco do Livro, o qual realiza empréstimos anuais de livros didáticos adotados para os seus alunos da Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio (EPTNM) Essa seção teve suas atividades iniciadas no final de 2009 e sua regulamentação está em fase de elaboração. O Banco do Livro está sob orientação dos gestores da Instituição pesquisada. A proposta para análise dos livros didáticos baseia-se no aporte teórico de Bittencourt (2009, p. 312), a qual alerta que, “na apreciação dos livros, deve-se ir além da identificação dos valores e da ideologia [...]”. Para a autora, deve-se atentar a todos os elementos: “a forma, o conteúdo histórico escolar e seu conteúdo pedagógico” (p. 312, grifo nosso).A autora apresenta subsídios para a análise teórica e metodológica dos seguintes elementos: a capa, a qualidade do papel, a disposição das ilustrações e a forma como a página apresenta informações. Ela assim afirma: [...] a análise da forma inclui uma visão da apresentação gráfica do conjunto da obra e de como estão divididos seus diferentes tópicos característicos, os quais podem facilitar ou dificultar o trabalho dos alunos: introdução ou apresentação da obra, índice, glossários, bibliografia. (BITTENCOURT, 2009, p. 312) Quanto à forma como o livro didático apresenta os conteúdos históricos, Bittencourt (2009) salienta que o conhecimento produzido por esse artefato é categórico, característica perceptível pelo discurso unitário e simplificado que reproduz, sem possibilidade de ser contestado. Um segundo aspecto decorre do fato de os conteúdos históricos escolares serem provenientes das propostas curriculares e da produção historiográfica, uma vez que o livro didático possui a função de concretizar os conteúdos históricos escolares. Bittencourt (2009) ressalta que, ao se realizar a análise desse material, deve-se atentar para a identificação do 40 Segundo a Revista Época, edição nº 492, de 20 de outubro 2007, o maior segmento do mercado editorial é o de livros didáticos. 74 viés teórico do autor, para a indicação bibliográfica, bem como para a forma como os conteúdos históricos são apresentados. De acordo com Bittencourt (2009), o livro didático, ao apresentar os conteúdos pedagógicos, articula informação e aprendizagem, de modo que a análise do discurso difundido pelo livro didático é inseparável da análise dos conteúdos e das tendências historiográficas. Nesse sentido, chama-se a atenção para a necessidade de verificação das atividades nos livros didáticos, pois é onde se percebe a concepção de aprendizagem veiculada pela obra. Bittencourt (2009) sugere identificar se o autor da obra é o autor do conteúdo pedagógico, pois pode ocorrer uma divisão de trabalho na elaboração dos livros didáticos. Os elementos destacados por Bittencourt (2009) possibilitam41 um caminho para as análises didáticas, bem como para a análise de tal material didático, que é parte da cultura escolar. Nesta pesquisa, buscaram-se as presenças, silêncios e ausências sobre questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História. A análise dos livros didáticos de História implicou a compreensão do contexto histórico educacional da produção dos livros, bem como as concepções de ensino-aprendizagem de História que são veiculadas por eles. Santos, B.,(2002, p. 15) salienta que o conceito de sociologia das ausências [...] visa identificar o âmbito dessa subtração e dessa contracção [sic] de modo que as experiências produzidas como ausentes sejam libertadas dessas relações de produção e, por essa via, se tornem presentes. Tornar-se presentes significa serem consideradas alternativas às experiências hegemônicas, a sua credibilidade poder ser discutida e argumentada e as suas relações com as experiências hegemônicas poderem ser objeto de disputa política. A sociologia das ausências visa, assim, criar uma carência e transformar a falta da experiência social em desperdício da experiência social. No que diz respeito ao livro História do Brasil, analisa-se a 12ª edição, segunda reimpressão, do ano de 2007. Sua primeira edição data de 1994 e cabe salientar que o autor recebeu o Prêmio Jabuti 1995, na categoria “livro didático”. A obra abrange um período de mais de 500 anos, ou seja, desde as raízes da colonização portuguesa até nossos dias. Seguindo proposta de Bittencourt (2009) de analisar a capa e o prefácio dos livros didáticos como instâncias que também veiculam concepções de História, iniciou-se a análise pela apresentação da capa da primeira obra (cf. FIG.1). 41 Juntamente com essas dimensões técnicas e pedagógicas, o livro didático precisa ainda ser entendido como veículo de um sistema de valores, de ideologias, de uma cultura de determinada época e de determinada sociedade (BITTENCOURT, 2009, p. 301-302). 75 FIGURA 1– Capa do livro analisado Fonte: BORIS, 2007. A abordagem da escrita e metodológica do autor, Fausto (2007, p. 14), sobre a construção do livro é revelada na introdução: [...] procurei associar os aspectos econômicos, políticos,sociais e, em certa medida, ideológicos da formação social brasileira, deixando de lado as manifestações da cultura42, tomada a expressão em sentido estrito. O ano de publicação da primeira edição refere-se a um contexto marcado pelo governo de Itamar Franco, bem como pela criação de uma nova moeda e apresentação do Plano Real pelo Ministro da Fazenda, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Diante de outras ações desse governo, o presidente eleito para o mandato de 1995/1998 foi FHC. O autor possui graduação pela Universidade de São Paulo (1966) e doutorado também pela Universidade de São Paulo (1969). Atualmente, é pesquisador sênior da referida universidade e professor visitante da Brown University (EUA). O livro, publicado pela Editora da Universidade de São Paulo, possui ilustrações (figuras, imagens, mapas, quadros), porém não dispõe de atividades para resolução. Apresenta uma cronologia histórica, um glossário biográfico e referências bibliográficas. 42 O autor descreve que em outro volume abordará as manifestações da cultura. 76 O autor, Boris Fausto, faz ressalva sobre as referências não abrangerem todas as fontes consultadas e não conterem necessariamente a bibliografia essencialmente utilizada. Ele ressalta o seguinte: Considerando-se os fins deste livro, não pude incluir notas contendo observações marginais e referências às obras utilizadas. [...] Muito do texto se deve a trabalhos de outros autores que incorporei e selecionei para meus fins. Como não citá-los, sem fazer injustiças e correr o risco de ser acusado de plágio? Procurei resolver o problema através das referências bibliográficas finais. (FAUSTO, 2007, p. 16) Outro aspecto identificado na obra foi a representação da República brasileira associada à figura feminina. Segundo Mello (2007), tal representação inserida na Revista Illustrada43 e incluída na obra em tela, representava ideias abstratas e ideais como liberdade e civilização – aspectos esses que podem ser observados na FIG.2.Salienta-se que a referência à figura feminina possuía uma simbologia de progresso, mas, no que se referia ao momento histórico, a mulher era cerceada dos seus direitos em diversos aspectos, inclusive na identidade de gênero. 43 A Revista Illustrada foi uma publicação satírica, política, abolicionista e republicana brasileira, fundada no Rio de Janeiro pelo ítalo-brasileio Angelo Agostini, circulando durante os anos de 1876 a 1898. De acordo com Sodré (1966), a Revista Ilustrada era só comparável ao que, de outra época, deixaram Rugendas e Debret na fase anterior ao aparecimento da imprensa ilustrada em nosso país, mas com a superioridade de uma arte participante. 77 FIGURA 2– Proclamação da Republica no Brazil[sic] Fonte: BORIS, 2007. A obra História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais, organizada por Rubim Santos Leão de Aquino et al.,foi publicada em 2007. Os organizadores, ao darem esse título abrangente, partem do suposto de que a obra abarca a história de um período extenso da vida social, ou seja, do século XV aos dias atuais. A seguir é apresentada a capa do livro (cf. FIG. 3), que segundo Bittencourt (2009) contém aspectos importantes da produção de um livro didático: 78 FIGURA 3– Capa do livro Fonte: AQUINO, 2007. Os organizadores trazem uma indagação na introdução: “Quem é você?”. A partir dessa pergunta, discutem os vínculos sociais na sociedade, ou seja, quais as relações que os sujeitos estabelecem entre si. Os capítulos do livro são estruturados da seguinte maneira: “Terras ou Dinheiro” (século XV ao XVIII); “Capital e Trabalho” (1760 a 1880); “Crises e Revolução” (1870 a 1945); e “Neocapitalismo e Socialismo” (após 1945). O livro tem uma seção denominada “Para Saber Mais”, na qual apresenta uma ampla bibliografia complementar, e outra seção chamada “Filme Também É História”, na qual relaciona filmes referentes aos temas estudados. As ilustrações desse livro contêm imagens, mapas e gravuras em preto e branco. Além disso, no livro, há um quadro dos fatos históricos referentes ao período de 1945 a 2005. O contexto socioeconômico e histórico-cultural é caracterizado pelo segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com a proposição de um slogan para seu mandato. O plano de governo44, tendo Marco Aurélio Garcia como coordenador da equipe responsável por sua elaboração, almejava desenvolvimento com distribuição de renda e educação de qualidade. 44 Para maiores detalhes, ver em GARCIA, M. A. Lula Presidente: programa de governo 2007/2010. Disponível em: <http://www.blogdoalon.com/ftp/plan_gov_lula2006.pdf>. Acesso em: 01 out. 2011. 79 Entre as diversas propostas do plano elaborado em 2006 para o mandato de 2007-2010, extraíram-se alguns aspectos específicos em relação a esta pesquisa, como: elaboração de políticas específicas para públicos e regiões diversas, incluindo as políticas de gênero e geracional; fortalecimento do caráter inclusivo e não discriminatório da educação, aumentando investimentos na educação especial e indígena e na valorização da diversidade étnico-racial e de gênero; desenvolvimento das ações de combate à discriminação e promoção da cidadania GLBT45 (gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais), com baseno programa Brasil sem Homofobia; e elaboração de políticas afirmativas e de promoção de uma cultura de respeito à diversidade sexual, favorecendo a visibilidade e o reconhecimento social (GARCIA, 2006). O terceiro livro analisado, História de Minas Gerais, de autoria de Ricardo Moura Faria e Helena Guimarães Campos, teve sua primeira edição em 200546. A FIG.4, a seguir, reproduz a capa do livro: FIGURA 4– Capa do livro Fonte: FARIA; CAMPOS, 2005. Faria e Campos (2005, p. 258) propõem uma [..] .síntese da trajetória de Minas do período em que seu território foi inicialmente ocupado até a atualidade. A obra trata de aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e do cotidiano, tanto aqueles restritos à vida interna de sobre a História de Minas Gerais, como os que a projetaram no cenário nacional. 45 46 No contexto dessas ações, a nomenclatura utilizada era GLBT. Naquele ano, houve distribuição parcial de livros didáticos do Ensino Médio para as disciplinas de Matemática e Português para todos as séries e regiões do país. 80 Os autores expõem temáticas ligadas à vida contemporânea, à participação na vida social, às questões de gênero e aos direitos de cidadania. No que tange à especificidade da pesquisa sobre as questões de gênero, percebe-se presença do tema no segundo capítulo, “O cotidiano familiar, feminino e infantil”, com ênfase nas atividades comerciais que as mulheres ocupavam, bem como nas relações de violência doméstica e prostituição, tanto de mulheres negras quanto de mulheres brancas. O livro apresenta imagens que expressam o padrão de sociedade vigente, em especial na década de 1920. Segundo os autores, a foto que consta à página 201 do livro (cf. FIG. 5) possibilita notar que os trajes, as expressões e as hierarquias47 são da típica família mineira de classe média, da década de 1920. FIGURA 5 – Típica família mineira de classe média na década de 1920 Fonte: FARIA; CAMPOS, 2005, p. 201. Na FIG.6, selecionada tem-se a representação de lavadeiras no Município de Januária, reflexo das condições sociais de determinado período, que, por falta de data não é possível precisar. A argumentação de Casagrande e Carvalho (2006, p.114),critica as recorrentes imagens de que “a mulher aparece em profissões que indicam o cuidado e a educação das crianças”. Ou nas palavras de Perrot48(2010, p.202),“[d]etenhamo-nos por um momento nesse ponto alto da sociabilidade feminina, que desempenha um papel tão grande na vida do bairro” 47 48 Na concepção de Delphy (2009, p. 173) o “patriarcado” é uma palavra muito antiga, que mudou de sentido por volta do fim do século XIX, com as primeiras teorias dos “estágios” da evolução das sociedades humanas, depois novamente no fim do século XX, com a “segunda onda” do feminismo surgida nos anos 1970 no Ocidente. Nessa nova acepção feminista, o patriarcado designa uma formação social em que homens detêm o poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens. Ele é assim, quase sinônimo de “dominação masculina” ou de opressão às mulheres. Essas expressões, contemporâneas dos anos 1970, referem-se ao mesmo objeto, designado na época precedente pelas expressões “subordinação” ou “sujeição” das mulheres, ou ainda “condição feminina”. Extraído do tópico “Mulheres no lavadouro”, do livro Os excluídos da História. 81 FIGURA 6 – Lavadeiras em Januária, ao fundo um vapor49./Fonte: FARIA; CAMPOS, 2005, p. 189. Casagrande e Carvalho (2006 ), salientam o comportamento destinado aos meninos e meninas na época da escravidão, por meio de um discurso que revela o padrão heteronormativo de sociedade. Esse discurso baseia-se em uma análise binária sobre as questões de gênero e uma ausência das questões ligadas à diversidade sexual, ou seja, continua-se enxergando a sociedade com um único padrão normativo. O contexto socioeconômico da produção do livro em tela é marcado pelo primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O país entrava em uma estabilidade econômica e viabilizava a atração de investimento estrangeiro em setores específicos, unificação de programas sociais (Bolsa-Família) e políticas de inclusão de grupos sociais. Possuía, contudo, um crescimento econômico ainda lento, excesso de burocratização nas estatais e aumento da informalidade no trabalho. A pesquisa aqui desenvolvida ratificou que a caracterização dos materiais didáticos e paradidáticos guarda relação direta com a produção e reprodução desse objeto no meio escolar e também com o processo histórico. Os livros didáticos analisados são compreendidos como documentos –seguindo a perspectiva de Horn e Germinari (2010) – que propõem uma abordagem sobre a produção do conhecimento histórico a partir da sala de aula. Para esses autores, é fundamental identificar e analisar o documento histórico em confronto com a realidade social que lhe dá origem e em conexão com outros documentos, haja vista que a análise do documento permite ampliar o seu sentido e possibilita analisar seu conteúdo. Nesse 49 Burke (2004) afirma que imagens oferecem evidências particularmente valiosas dos tipos de trabalho que se esperava que as mulheres realizassem, muitos deles na economia informal que escapa frequentemente à documentação oficial. 82 sentido, o não isolamento do documento é garantia de sua legitimidade e da existência enquanto material empírico. O documento é objeto e sujeito ao mesmo tempo; é objeto enquanto material empírico e, portanto, representação de um dado real; é sujeito porque é fruto do trabalho humano, fruto da relação do sujeito cognoscente com o objeto a ser analisado. No entendimento de Horn e Germinari (2010, p. 102), de modo geral, os professores ainda utilizam o livro como único documento de transmissão de saber histórico. Segundo os autores, essa postura pode estar associada a dois aspectos: o fato de o livro didático ser um instrumento de fácil manuseio e a concepção de História do professor que se propõe à sustentação de mitos e estereótipos. Soares (2011) argumenta que o professor, ao deixar dirigir-se exclusivamente pelo Livro Didático,renuncia a autonomia e a liberdade que tem ou que pode ter e deve ter. Na perspectiva da referida autora, contudo, os livros didáticos não tiram a autonomia do professor e essa ideia precisa ser ampliada, levando-se em conta as condições de trabalho docente. A concepção de História no que se refere especialmente ao ensino de História tem sido, consoante Laville (1992 apud SIMAN, 2006, p. 41), ainda considerado de [...] grande importância para constituir as representações políticas e sociais dos cidadãos, sua memória histórica, sua identidade, o que faz com que este papel formador das consciências e das identidades seja um papel disputado vigorosamente nas sociedades sem que se tenha claro, no entanto, a natureza destas disputas, os paradoxos e as contradições aí presentes. Nesse contexto, Junqueira (2009a, p. 369) descreve a necessidade de se refletir sobre gênero e diversidade sexual com uma relação mais ampla: [A]s relações de gênero, como amplo processo de socialização, conformam identidades de gênero e sexuais. Assim, a noção de diversidade sexual é aqui empregada em referência a um conjunto dinâmico, plural e multíplice de práticas, formas e experiências multifariamente relacionadas a vivências, prazeres e desejos sexuais, vinculados a processos de (re)configurações, representações, manifestações e assunções identitárias, geralmente objetivadas em termos de identidades, preferências, orientações e expressões sexuais e de gênero. Assim sendo, nessa ampla relação curricular é necessário identificar o contexto da sala de aula e da instituição pesquisada como perspectivas de compreender o ensino e os métodos utilizados. Iranilson Oliveira (2007) afirma que os livros didáticos de História precisam capturar os personagens, os sujeitos esquecidos pela historiografia. Enfaticamente, a autora afirma que é preciso construir uma historiografia que dê visibilidade aos “sujeitos esquecidos, 83 mofados pela escrita do historiador, riscados do rol de importantes para o debate da historiografia contemporânea”. 3.3.1 As questões de gênero e diversidade sexual na sala de aula da Educação Profissional O fenômeno educativo escolarizado é um processo formativo que envolve várias dimensões, como: ensino e aprendizagem, seleção e organização do corpus do conhecimento a ser desenvolvido e seus desdobramentos na prática, a partir das relações que se estabelecem na sala de aula. Neste sentido, Tomaz T. Silva (1996, 2000,) afirma que a sala de aula é um lugar privilegiado para se promover a cultura de reconhecimento da pluralidade das identidades e dos comportamentos no que tange à diversidade. Segundo Tomaz T. Silva (1996, 2000,) o que ocorre na sala de aula possibilita discutir a educação escolar a partir de uma perspectiva crítica e problematizadora. O presente trabalho indica também um questionamento das relações de poder, e de classe, as hierarquias sociais opressivas e os processos de subalternização ou de exclusão que as concepções curriculares e as rotinas escolares tendem a preservar. É com essa perspectiva que se apresentam nesta subseção as situações em sala de aula apreendidas a partir da observação e registro em caderno de campo. No decorrer da observação de campo, as questões de gênero e diversidade sexual surgiram na sala de aula de aula. Adotaram-se aqui os termos PHTL para o professor de História no curso de Turismo e Lazer e PHM para o professor de História no curso de Mecânica. QUADRO 3 Diálogo professor e aluna - Aulas 1 e 2 Aulas Aula 1 e 2 Turma de Turismo e Lazer Data: 26/04/2011 Composição da turma: 3 alunos e 17 alunas Conteúdo: Importância do Patrimônio Histórico Desenvolvimento das aulas O professor chega àsala de aula e cumprimenta a todos; em seguida, solicita a todos que formem um círculo para discutir o texto de um livro. Uma aluna chega minutos atrasados na sala de aula e PHTL comenta:– Flávia, você estava muito concentrada no pátio da escola conversando com os meninos e nem me viu passando pelo corredor. Flávia responde: – Eles têm simpatia por mim. PHTL pergunta:– Você que tem simpatia por eles ou eles que tem simpatia por você? Flávia responde:–Eu sou simpatizante1 por eles e começa a rir. Outra aluna X na sala comenta com sua colega B:– Simpatizante...(risos) – e comenta o seguinte:– Simpatizante foi ótima. PHTL prossegue com a aula Fonte: Caderno de Campo, p.20, 26 abr. 2011. 84 O cotidiano da sala de aula constantemente apresenta situações que requerem contatos e conhecimentos das mais diversas áreas. É nesse cotidiano que se cria a possibilidade de ampliar a discussão sobre as questões de gênero e diversidade sexual. Na situação apresentada no QUADRO 4, estão presentes, subliminarmente, conceitos, noções e construções sobre o tema gênero e diversidade sexual na sala de aula, no ensino de História, no âmbito do currículo da Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Segundo Vygotsky (1989, p.8), o conceito, como o significado das palavras, constitui uma unidade que não se decompõe e traz em si a totalidade complexa significativa, que não pode ser compreendida como a palavra que se memoriza de forma simples e mecânica, pois é algo mais profundo, é sociocultural, é a interpenetração do pensamento e da linguagem. QUADRO 4 Diálogo professor e aluna - Aulas 3 e 4 Aulas Aula 3 e 4 Turma de Turismo e Lazer Data: 03/05/2011 Composição da turma: 3 alunos e 15 alunas Conteúdo: Barroco e Sociedade Colonial Desenvolvimento das aulas O PHTL inicia a aula saudando os educandos; em seguida, faz uma abordagem sobre os objetivos da aula e pergunta aos alunos sobre os eventos na Semana Santa. Alguns relatam que assistiram na TV a algumas reportagens e outros disseram que não assistiram. No decorrer da aula, PHTL explicita as relações do homem com o Barroco. Exemplifica com as experiências da época do Barroco na sociedade, informando haver naquele período histórico um campo de confluências entre mundo natural e sobrenatural. O Barroco expressa a situação do homem e de suas relações com o seu entorno. O professor anuncia: –A aula será dividida em 3 etapas. Entre elas o que é o Barroco? Qual o sentido que o Barroco tem para as pessoas do século XIX? E os reflexos do barroco na contemporaneidade. O professor levanta problematizações sobre o Renascimento e qual a relação do homem com o homem? Qual era a relação do homem com a mulher? Qual era a relação do homem com Deus? Nesse contexto, uma aluna Rita faz uma pergunta a PHTL: –Professor, a mulher era considerada gente naquela época? PHTL: – Naquela época, as questões de gênero, masculino e feminino, eram diferentes do que vemos hoje, não tinha nenhuma associação com o movimento feminista. Ainda na sala de aula, dois alunos dos três que estavam na sala mexiam nos cabelos de duas alunas (um fazia tranças e outro fazia mechas). Fonte: Caderno de Campo, p.20-21, 2 maio 2011. O questionamento da aluna no contexto da sala de aula (exposto no quadro acima) evidencia aquilo que Corcuff (2001, p. 153) denominou de indivíduos plurais: [...] os indivíduos são levados a se moverem no interior de múltiplas cenas da vida cotidiana, através das lógicas de ação diversas, confrontados a experiências plurais, e mobilizam então aspectos diferentes, às vezes contraditórios, de sua pessoa. 85 Na perspectiva do pesquisador, tal realidade é reafirmada enquanto relação teoria e prática nas observações de campo. Ainda sobre essa observação da sala de aula registrada, considera-se oportuno trazer os dados de pesquisa sobre Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, da Fundação Perseu Abramo em parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo50. A pesquisa possibilitou a publicação de uma obra organizada por Venturi e Bokany (2011), denominada Diversidade sexual e homofobia no Brasil. Conforme sublinham os autores, a pesquisa teve um levantamento quantitativo (survey) com amostragem probabilística nos primeiros estágios (sorteio de municípios, setores censitários e domicílios) e controle de cotas de sexo e idade (IBGE) para a seleção dos indivíduos (estágio final). Foram realizadas, no total, 2.014 entrevistas com população acima dos 15 anos de idade (de todas as classes sociais), dispersa nas áreas urbanas de 150 Municípios (pequenos, médios e grandes), em 25 Unidades Federativas, nas cinco macrorregiões do país (i.e., Sudeste, Nordeste, Sul, Norte e Centro-Oeste). Foi feita uma abordagem domiciliar, com aplicação de questionários estruturados (versões A e B, aplicadas a duas subamostras espelhadas), somando 92 perguntas distintas (cerca de 250 variáveis), com duração média das entrevistas em torno de uma hora. Com dados coletados entre 7 e 22 de junho de 2008, a pesquisa teve margem de erro de até ± 3 pontos percentuais, com intervalo de confiança de 95%. De acordo com Venturi e Bokany (2011), a referida pesquisa constatou que 30% dos entrevistados acreditam que a educação é a área mais eficiente no combate ao preconceito e que o governo deve priorizá-la. Os entrevistados também assinalaram qual deveria ser a ação do governo para combater a homofobia na educação. O que se destacou foi a qualificação de professores para gerenciar conflitos entre alunos no que diz respeito à diversidade sexual, homofobia e transfobia, com 54%; em segundo, foram apontadas a análise e fiscalização do material didático quanto ao conteúdo homofóbico e transfóbico, com 19%. No próximo quadro, descreve-se as aulas 5 e 6 do curso de Turismo e Lazer. 50 Venturi (2011) relata que, no final de janeiro de 2009, foi apresentada no Fórum Social Mundial, em Belém, a primeira parte da pesquisa intitulada diversidade sexual e homofobia no brasil, intolerância e respeito às diferenças sexuais – uma realização da Fundação Perseu Abramo (FPA), em parceria com a alemã Rosa Luxemburg Stiftung.Com dados coletados em junho de 2008, a pesquisa teve como convidados a FPA para definir quais seriam as prioridades a investigar, entidades e pesquisadores dedicados ao combate e ao estudo da estigmatização e da discriminação dos indivíduos e grupos com identidades ou comportamentos sexuais que não correspondem aos preceitos da heteronormatividade dominante – lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT).Venturi (2011) afirma que ointuitoerasubsidiar ações para que as políticas públicas avancem em direção à eliminação da discriminação e do preconceito contra as populações LGBT, de forma a diminuir as violações aosseus direitos e a promover o respeito à diversidade sexual. Buscou-se investigar as percepções (indicadores subjetivos) sobre o fenômeno de práticas sociais discriminatórias em razão da orientação sexual e da identidade de gênero das pessoas, bem como manifestações diretas e indiretas de atitudes preconceituosas. 86 QUADRO 551 Aulas 5 e 6 – Conteúdo: Religiosidade Barroca Mineira Aulas Desenvolvimento das aulas Aula 5 e 6 Turma de Turismo e Lazer Data: 10/05/2011 Composição da turma: 4 alunos e 15 alunas Conteúdo:Religiosidade Barroca Mineira PHTL inicia a aula saudando os alunos; em seguida,retoma a aula passada sobre a relação entre Barroco e devoção e lança uma problematização para os alunos sobre o que é a cultura barroca. Os alunos, meio que tímidos, tentam dar algumas respostas. PHTL: –O Barroco turístico tem um peso enorme para aqueles que não o reconhecem, além de que o Barroco possibilita pensar a sociabilidade naquela época. PHTL discute questões da época colonial com relação aos valores, tradições e o contexto atual. O professor identifica vários aspectos que estão diferentes na sociedade atual, que são permeados pelos valores, questões de gênero e outras que ele descreve como “opção sexual” ou não.Traz a posição do Supremo Tribunal Federal, considerando ser um avanço na legislação brasileira. PHTL expõe sobre a sociedade mineira e sua organização naquele período. Fonte: Caderno de Campo, p.23,10 maio 2011. Este excerto do caderno de campo está em consonância com Cunha e Laudares (2009, p. 53) ao considerarem que a educação é questionada enquanto prática social a partir dos problemas e crises que vivencia. Esses autores ressaltam que a educação é prática social no sentido de que é ação exercida por grupos sociais e/ou indivíduos no quadro de sua formação, de seu desenvolvimento e de seu aperfeiçoamento. Assim sendo, o ato educativo é baseado no diálogo e na integração das diversas dimensões existenciais presentes na realidade dos sujeitos jovens e adultos. Nesse contexto, o pesquisador corrobora as reflexões de Cunha e Laudares (2009) e associa as afirmativas com a FIG. 7, na qual é apresentada uma situação de interação (por email) entre o professor e uma educanda. A aluna expressou seu interesse pelo conteúdo e o professor media a relação ensino e aprendizado com o suporte, via e-mail, cujo formato interativo possibilita o diálogo que permeia o gênero e a diversidade sexual no ensino de História. 51 Em um julgamento histórico, o STF (Supremo Tribunal Federal), por unanimidade, decidiu, no dia 5 de maio de 2011,reconhecer as uniões estáveis de homossexuais no país. Os dez ministros presentes entenderam que casais gays devem desfrutar de direitos semelhantes aos de pares heterossexuais, como pensões, aposentadorias e inclusão em planos de saúde. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/05/05/por-unanimidade-supremo-reconhece-uniao-estavel-dehomossexuais.htm>. Acesso em: 10 mai 2011. 87 FIGURA 7 – Cópia da mensagem de e-mail (adaptada) Fonte:e-mail da turma do curso Técnico de Turismo e Lazer. Acesso em: 30 jun.2011. Ao analisar o conteúdo do diálogo via um e-mail anterior, pode-se sublinhar, valendose de Junqueira (2009a, p. 28), que [...] trabalhar em favor da cultura de reconhecimento da diversidade sexual, [...] ao mesmo tempo, traduz um empenho por uma escola melhor para todos os indivíduos. Uma escola atenta à pluralidade de visões de mundo, corpos, gêneros e sexualidades. A relação de ensino e aprendizagem identificada no e-mail e a afirmativa de Junqueira (2009) revelaram uma presença, mesmo que parcial, sobre as questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História. Essa presença se mostra em caráter embrionário na turma de Turismo e Lazer, que é composta na maioria por alunas. No próximo exemplo da observação de campo, obteve-se um registro na turma de Mecânica (modalidade PROEJA), conforme se pode observar no QUADRO 6 a seguir. 88 QUADRO 6 Aulas 7 e 8 – Turma de Mecânica (Modalidade PROEJA) Aulas Aula 7 e 8 Turma de Mecânica (PROEJA) Data: 01/06/2011 Composição da turma: 8 alunos e 1 aluna Conteúdo: Os Incas e a Conquista de Pizarro/Os Astecas e a Conquista de Cortez/ Conquista e colonização da América Inglesa Desenvolvimento das aulas PHM inicia a aula saudando os alunos e a aluna e passa as orientações sobre uma atividade, em grupos, sobre o conteúdo. Os alunos comentam. Bruno:– Professor não tenho tempo pra fazer isto. Fábio:–Nem e,u professor. Já temos aula até no sábado á tarde. Gustavo: Vou fazer isso quando? O professor continua a aula normalmente e os alunos começam a discutir o que fazer no encontro em grupo. Roberto: –Vamos fazer uma feijoada? Há um silêncio na sala. Os demais alunos ficam calados com o comentário. Em seguida José diz:–Eu dou o feijão. Os demais alunos que estavam calados começam a rir a partir da frase, imaginando que ele iria falar outra coisa. Outro colega comenta: –É gay. Eu sabia. Os demais continuam a rir. No decorrer da aula, o professor apresenta um documentário A conquista dos espanhóis contra os astecas, de direção de Michael Wood. Enquanto o professor apresenta o documentário, os alunos continuam brincando. No decorrer da projeção do documentário, o narrador do vídeo faz um gesto mais delicado. O aluno Júlio comenta:– Sabia que ele jogava no time das mulheres. Durante o documentário, o aluno César se move com sua cadeira para se sentar próximoa uma aluna – Mariana – enquanto a sala estava escura. Ele tenta se aproximar dela, e ela resiste, evitando o contato físico com ele. Ele sai e senta próximo de outro aluno, Augusto, e começa a passar a mão nos braços deste. Ele ri e tenta evitar os “afetos”, mas o aluno insiste nos afetos de forma velada. Fonte: Caderno de Campo, p.41, 01 jun. 2011. Cabe salientar inicialmente que o professor faz breves comentários sobre os discursos produzidos pelos alunos citados no quadro, mas sem entrar em detalhes sobre o conteúdo registrado. Cabe também refletir sobre a sala de aula e uma análise sobre a escolarização do corpo, no qual chama-se atenção para o fato da busca de contato corporal de um aluno, primeiramente com a menina e, em face à rejeição, com o menino, que também rejeita, mas não rechaça a ponto de o outro continuar tentando. Diante do fato das investidas de contato serem realizadas enquanto a sala estava sem luz e durante a projeção de um documentário. Indaga-se se essa busca de contato aconteceria caso a sala estivesse iluminada. Indaga-se também como seria a reação do grupo ao visualizar esse fato ?. Segundo Louro (1995) desde os primeiros tempos, a instituição escolar disciplina corpos e mentes de estudantes e mestres, ajustando-os aos novos ritmos, a outra lógica, a outro espaço; construindo maneiras de ser apropriadas, falas convenientes, olhares e gestos adequados e decentes. Assim, a construção de um corpo escolarizado, controlado, protegido e dominado parece ter sido e ainda ser imperiosa para qualquer empresa educativa. 89 A autora exemplifica que basta refletir sobre os sinais dados na sala de aula,os deslocamentos e alinhamentos físicos, a postura exigida para a escrita e leitura, a quantidade, qualidade e intensidade permitida para a fala, a exigência de silêncio, entre outros aspectos. De acordo com a autora, essa escolarização dos corpos é diferenciada segundo o gênero (LOURO, 1995, p. 176). Ainda nesse sentido, Vaitsman (1994, p.70) alega que a relação entre os sujeitos revela “a emergência da problemática do outro, o que, no âmbito das relações de gênero, [...ainda] desafia discursos e práticas patriarcais”. O pesquisador endossa as argumentações trazendo à luz vestígios das observações das salas de aula, em especial das aulas de História. As aulas de História, exemplificadas pelos excertos, evidenciam a problemática do “outro”. A caracterização da rotina escolar possibilita identificar os discursos produzidos – discursos esses que produzem e reproduzem valores e representações52 sobre gênero e diversidade sexual. Posteriormente, observou-se outra ocorrência das questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História (cf. QUADRO 7, referente às aulas 13 e 14 do curso técnico de Turismo e Lazer). QUADRO 7 Aulas13 e 14 – Conteúdo: Mapear Terras e Gentes Aulas Aula 13 e 14 Turma Turismo e Lazer Data: 07/06/2011 Composição da turma: 3 alunos e 15 alunas Conteúdo: Mapear Terras e Gentes 52 Desenvolvimento das aulas PHTL cumprimenta os alunos e, em seguida, apresenta a proposta da aula: Introdução ao Período Joanino e Império no Brasil. Quanto ao ambiente físico da sala, nota-se que está dividida: do meio da sala para o fundo, há um semicírculo com mapas distribuídos sobre as carteiras escolares. Na primeira parte da aula, o professor descreve as rotas, territórios e a população do século XIX. Na segunda parte, os alunos passam a observar os mapas, buscando identificar os símbolos que os mapas trazem para as definições e as demarcações regionais. Durante a observação, os alunos seguiam intencionalmente um trajeto na observação. Durante esse percurso, comentavam sobre a qualidade da imagem; tentavam localizar a sua cidade natal; buscavam pronunciar o nome dos autores das gravuras, em sua maioria estrangeiros e ou não constava autoria. Em determinado mapa, havia uma mulher indígena e um homem (possivelmente colonizador) frente a frente; o homem oferecia uma fruta à mulher. Leticia comenta:– O homem do mapa é meio estranho1. Suzie concorda:–É mesmo parece um.... Leonardo entra na conversa e diz: – Não vejo nada de estranho aí. Rita diz: – Hum...Você gosta da fruta. Para Lefebvre (1983), as representações provêm dos sujeitos porque também “vêm de dentro”, contemporâneas à constituição do sujeito, tanto na história de cada indivíduo como na gênese do indivíduo a nível social[...] Em outras palavras, Lefebvre (1983, apud SANTOS, 2004, p.28) descreve que as representações se situariam entre o “vivido” (vivência do corpo e da subjetividade em nível coletivo, social, nas relações sociais) e o “concebido” (saber, ciências, conhecimento, emprego legítimo dos conceitos etc.); as representações fazem um papel mediador, deslocando-se entre os dois extremos, interpretando a vivência e a prática. 90 Leonardo replica: –E aí se eu gostar, qual o problema? Rita contesta: –Você tem que gostar pelo menos do seu. Neste momento, o professor já chama a atenção dos alunos e alunas para os mapas, e a aula se encerra. Fonte: Caderno de Campo, p. 41, 07 jun. 2011. A palavra “fruta”, proferida pela aluna, remete à busca do sentido dessa palavra no âmbito de gênero e diversidade sexual. O uso do vocábulo “fruta” no sentido dado remete a passagens citadas por autores em que se usam palavras também no sentido figurado referindose a sexualização de vocábulos. Louro (2004, p. 38) esclarece que a palavra inglesa queer pode ser traduzida por “estranho, talvez ridículo, excêntrico, raro,extraordinário”, utilizada como pejorativa contra os homossexuais. Posteriormente, transformou-se segundo Tomaz SILVA (2000, p. 107), na teoria queer, naqual efetua uma verdadeira reviravolta epistemológica. A teoria queer quer nos fazer pensar queer (homossexual, mas também “diferente”) e não straight (heterossexual, mas também “quadrado”): ela nos obriga a considerar o impensável, o que é proibido pensar, em vez de simplesmente considerar o pensável, o que é permitido pensar[...].O “queer se torna, assim, uma atitude epistemológica que não se restringe à identidade e ao conhecimento sexuais, mas que se estende para o conhecimento e a identidade de modo geral. Pensar queer significa questionar, problematizar, contestar todas as formas bem comportadas de conhecimento e de identidade. A epistemologia queer é, nesse sentido, perversa, subversiva, impertinente, irreverente, profana, desrespeitosa.” A situação observada em sala de aula demonstrou novamente um dos momentos em que o gênero e a diversidade sexual se manifestaram por meio de condutas, discursos, valores e posições dos corpos no tempo e no espaço.Segundo Burke (2004, p.13), em alguns casos, “as imagens oferecem virtualmente a única evidência de práticas sociais”. De fato, a FIG. 8, objeto de comentário dos alunos e das alunas, expressa uma prática social. Na figura, há uma relação entre um homem e uma mulher, há gestos, há postura, há costumes, ou seja, é uma prática social que provocou reação no imaginário dos alunos e das alunas, até o ponto de não se conterem e fazerem comentários, trazendo à superfície a questão de gênero e diversidade sexual. 91 FIGURA 8– Recorte da carta geografhica da Capitania de Minas Geraes(1804) Fonte: aula expositiva (carta geografhica da Capitania de Minas Geraes(1804), Diário de Campo,07 jun. 2011. Na FIG. 9, tem-se a Carta Geografhica da Capitania de Minas Geraes (1804) como um todo. Figura 9 –Foto da Carta Geografhica da Capitania de Minas Geraes (1804) Fonte: Carta Geografhica da Capitania de Minas Geraes (1804) -Diário de Campo em 07/06/2011. 92 Saviani (1990), ao tratar sobre a prática pedagógica, argumenta que, quando se tem em vista uma educação para a transformação social, há que se considerar a relação entre o conteúdo na sala de aula, a realidade social53e a realidade concreta dos alunos. Tal prática, segundo Saviani (1990), precisa ter como foco os conteúdos como produção histórico-social a partir do movimento metodológico de “ação – compreensão – ação”. Em outras palavras, cumpre reconhecer a historicidade dos sujeitos enquanto processo formativo e, neste estudo de caso, as presenças, silêncios e ausências sobre gênero e diversidade sexual no ensino de História. A seguir, examina-se outro momento da sala de aula – neste caso, na turma de Mecânica. QUADRO 8 Aulas 11 e 12 –Turma Mecânica Aulas Aula 11 e 12 Turma:Mecânica (PROEJA) Data: 15/06/2011 Composição da turma: 5 alunos e 2 alunas Conteúdo: Séculos XVI e XVII Desenvolvimento das aulas PHTM inicia a aula apresentando o tema em slides: período açucareiro.PHM discorre sobre os séculos XVI e XVII, sobre os senhores, escravos, patriarcalismo, ruralismo. Um aluno questiona sobre as relações do senhor com escravos. O professor responde a questão e, em seguida, relata sobre o tráfico de escravos, destacando como se realizava o transporte. No relato sobre o transporte de escravos, um aluno participa, indagando: Roberto: – É verdade que por causa da fiscalização contra o tráfico, os escravos eram lançados ao mar com uma pedra? PHTM:– Sim. Após o professor confirmar, outro aluno, participa perguntando: Bruno: – Por que a pedra era presa aos escravos? William comenta: – Porque “bosta” não boia. O professor fica inquieto com o comentário e diz: – Nossa... não, nem vou comentar. Marcelo não ouve o comentário e pergunta: – O que o William disse, professor? O Professor responde: –Não vale a pena nem repetir. Marcelo insiste: –Foi preconceito? O professor responde: –Foi. Marcelo responde: –Vou mandar um negão “bombar” nele que ele vai ver. A sala começa a rir quase que por completo. O docente continua a aula. Fonte: Caderno de Campo, p.44-45,15 jun. 2011. No diálogo apresentado anteriormente, é possível identificar uma relação de racismo, seguida de um comentário jocoso a respeito da homossexualidade, que, na perspectiva do pesquisador, denota homofobia. Há, em seguida, silêncio do docente, na medida em que não discute sobreessasquestões com a turma. A expressão “não vou nem comentar” invisibiliza a discussão sobre as questões de gênero e de diversidade sexual, bem como as questões étnico53 Sacristán e Gómez (2000, p.102) entendem realidade social como o pressuposto ontológico-chave para compreenderas posições cerceadorassobrea natureza do conhecimento e suas formas de produção. 93 raciais. Nas palavras de Casagrande e Carvalho (2009, p.109) “o silêncio fala, e precisamos saber ouvi-lo”. Além disso, nessa reflexão, é como se estivessem [...] definidos não só o destino natural de corpos e seus respectivos lugares na sociedade: o engessamento identitário impõe severos limites a quaisquer outras alternativas de expressão, identidade ou inclusão e comporta altos custos aos que ousam transgredir o que é dinâmica e multifariamente demarcado pelo racismo, pela xenofobia, pelo sexismo, pela misoginia e pela heteronormatividade. (JUNQUEIRA, 2003, p. 188) Na percepção do pesquisador e com base na literatura,o fato ocorrido em sala de aula mostra que o docente não se sentiu confortável em discutir as questões de gênero, diversidade sexual e etnia. Ressaltam-se duas possíveis inferências: a primeira se refere à falta de formação sobre o tema, e a segunda está relacionada ao fato de a turma ser majoritariamente composta por alunos do sexo masculino o que no sentido amplo caberia mais aprofundamento. É oportuno inserir, aqui, as reflexões de Vianna e C. R. Silva (2008, p.14) [...] as ações que fomentam o trabalho com a questão da diversidade sexual e das discriminações de gênero também dependem da leitura que os membros da escola – professores, alunos e funcionários – possuem sobre as relações de gênero. A urgência de se trabalhar as representações culturais que circulam na escola tem a ver com o reconhecimento de sua responsabilidade pela produção e reprodução de referências e conhecimentos que reiteram discursos que justificam as desigualdades, seja por meio de preconceito ou silêncio. Nota-se, nas reflexões dos autores,que as questões de gênero e diversidade sexual necessitam de uma discussão séria e cautelosa no ambiente escolar. Na percepção do pesquisador, tensionar os discursos possibilita modificar os estereótipos de gênero e diversidade sexual. O QUADRO 9 apresenta excertos de outras duas aulas. QUADRO 9 Aulas 19 e 20 – Turma de Mecânica Aulas Aula 19 e 20 Turma Turismo e Lazer. Data: 02/08/2011 Composição da turma: 3 alunos e 9 alunas Conteúdo: Civilização e Barbárie Desenvolvimento das aulas PHTL entra na sala de aula e cumprimenta os educandos. Em seguida, apresenta o tema da aula: O Barroco e seus reflexos na questão da civilizaçãoe dabarbárie; como subtópico, “os cemitérios”. A aula aborda o século XVIII (Iluminismo) e o século XIX (Cientificismo). O professor relata sobre os viajantes, os conflitos sobre ciência e tradição, as elites, a assimilação gradual de novos valores e as resistências. Ressalta que os homens que ocupavam os cargos burocratas, naquele momento, são predominantemente masculinos. O professor ainda diz: –Nada na sociedade é natural ou normal, tudo tem uma razão de ser”. Fonte: Caderno de Campo, p.49,02 ago. 2011. 94 Como se depreende do enunciado do professor, a dominação masculina vem de longa data. Connel (1995) sublinha que a aceitação da diferença só poderá ocorrer se houver contestação da dominação masculina. E esse é um processo histórico, como bem diz PHTL:“na sociedade nada é natural ou normal; tudo tem uma razão de ser”. Ludke e André (1986, p.31) afirmam que o conteúdo das observações deve contemplar a descrição dos sujeitos, a reconstrução dos diálogos, a descrição de locais, de eventos especiais e de atividades.No que se refere à parte das anotações pelo pesquisador, o caminhar da pesquisa exigia capacidade de perceber as regras do jogo e de questioná-las. Nas palavras de Quivy e Campenhoudt (1998), tal percurso reflexivo segue considerações analíticas, metodológicas, dilemas éticos e conflitos, mudanças na perspectiva do observador e outros. O QUADRO 10 demonstra outro registro de campo. QUADRO 1054 Aulas 13 e 14 –Turma Mecânica Aulas Aula 13 e 14 Turma Mecânica (PROEJA) Data: 03/08/2011 Composição da turma: 8 alunos e 1 aluna Conteúdo: Correção de atividades e provas dos alunos Desenvolvimento das aulas A aula já começa com uma reclamação dos alunos sobre as aulas e sobre o professor de Física. Ricardo– Sabia, professor, que,[dos alunos] da sala, todo mundo tá “ferrado” em Física e apenas o Diego conseguiu nota? PHM: – O que houve? Douglas, Bruno e Diego: –O professor não explica direito. Chega aqui com tom autoritário. A gente não consegue entender nada. Flavio: –Eu não consigo fazer nada nesta matéria, mas também ele anda e fala igual “viado”. PHM pergunta em qual conteúdo eles têm dificuldade. Rafael: – Professor, porque você não assume as aulas? Diego:– Você estálouco? PHM continua a aula sobre alguns conceitos de Física, descrevendo sobre: massa, gravidade, prótons entre outros aspectos. Os alunos permanecem na sala, porém não fazem nenhuma anotação. Fazem um questionamento ou outro, ocasionalmente. O professor descreve personagens/pensadores/cientistas que estavam envolvidos com a radioatividade. Após dizer alguns nomes masculinos, cita o de Madame Curie. Os alunos questionam sobre como existiam pessoas com essa inteligência. O professor estabelece um paralelo com a educação atual, citando que seria interessante a adoção de uma educação integral na educação básica. .Fonte: Caderno de Campo, p.49,03 ago. 2011. 54 A física polonesa Maria Skodowska Curie (1867-1934) é uma famosa personagem da História da ciência. Foi a primeira mulher a ganhar um prêmio Nobel, conseguindo se destacar como pesquisadora em uma época em que as universidades eram um domínio masculino.Fonte: IFI. Disponível em:<http://www.ifi.unicamp.br/~ghtc/Biografias/Curie/Curie3.htm>. Acesso em: 01 jan.2012. 95 Diante do exposto, destacam-se as afirmações dos educandos associadas imediatamente à sexualidade do profissional, como se buscassem aspectos e/ou argumentos para questionar a conduta por meio desses elementos. Ainda nesse sentido, cabe indagar o papel dos profissionais da educação no questionamento dessas situações, sendo preciso capacitar os docentes e demais sujeitos que compõem a escola para que possam perceber, problematizar e debater as temáticas tidas como polêmicas e que ainda são vistas como “tabus” (CASAGRANDE; CARVALHO, 2009). O posicionamento do pesquisador ratifica essa argumentação e ainda salienta que ações não governamentais necessitam também estar relacionadas à formação docente, além dos demais profissionais do ambiente escolar. A partir dessas considerações, traz-se à baila a contribuição de Vianna e C. R. Silva (2008, p.13) no que tange ao conceito de cultura escolar: [...] enquanto um conjunto de teorias, princípios, normas e práticas docentes sedimentadas ao longo do tempo, está longe de ser neutra e reflete o modo como as relações sociais de gênero são produzidas e configuradas socialmente. Convivemos com isso todos os dias e muitas vezes sem perceber. O relato das observações mostra a impossibilidade de ser neutro e, ao mesmo tempo, a necessidade de distanciamento do observador em face ao que ocorre na sala de aula. Além disso, identificar as opiniões dos educandos exigiu um olhar cauteloso na elaboração dos instrumentos de pesquisa, os quais são expostos na subseção a seguir. . 3.3.2 As indagações de gênero e diversidade sexual em face às posições discursivas dos educandos da Educação Profissional A observação em sala de aula possibilitou ao pesquisador ter contato com as diferentes práticas pedagógicas dos docentes da disciplina História. Tal contato permitiu apreender dinâmicas institucionais ecomportamentos de docentes e discentes frente às diversas situações, em especial, a de gênero e de diversidade sexual. Tais apreensões se deram tanto por meio dos livros de História como pelo contato em sala de aula. Nesse processo, vale registrar que o pesquisador deste trabalho teve que se colocar de forma contínua como aprendiz, especialmente no que tange aos sentidos: olhar e ouvir. As orientações metodológicas descritas por Ludke e André (1986) foram guias para a postura adotada na observação que envolvia o olhar e o ouvir. 96 Explica-se a seguir sobre a aplicação do roteiro de pesquisa sobre o grau de concordância ou desacordo no tocante as questões de gênero e diversidade sexual (cf. Apêndice C). Além desse roteiro, foi aplicado um questionário socioeconômico para se identificar o perfil dos sujeitos pesquisados (cf. Apêndice D). Na turma de Turismo e Lazer, a aplicação do questionário ocorreu pouco antes do fim da aula de História, no fim da observação, por volta das 20h30min (a aula terminava às 20h40min). Antes disso, já havia sido comunicado aos alunos que não haveria as aulas seguintes devido à ausência da professora e que seria aplicado um questionário pelo mestrando. A notícia da ausência, recebida com tranquilidade,possibilitou a apresentação do roteiro e do questionário. Esclareceu-se que a identificação dos educandos seria mantida em sigilo. A aplicação do questionário ocorreu de forma tranquila. Cabe descrever dois fatos que marcaram esse dia. Primeiramente três alunas (duas casadas e adultas,e uma solteira e jovem) permaneceram na sala para debater o assunto da pesquisa. Concomitante a esse fato, um grupo de alunas e um aluno discutiam sobre o roteiro fora da sala de aula, em torno de uns seis metros de distância da sala. Dava para ouvir que elas e ele perguntam uma para a outra ou para o outro sobre o que haviam respondido em tal ou qual questão. Como ainda se aplicava o questionário/roteiro na sala, não foi possível ao pesquisador identificar os discursos produzidos ou os diálogos realizados. Percebeu-se, contudo, uma agitação que os instigava a querer saber a opinião dos seus semelhantes e compartilhar as respostas que deram. Na turma de Mecânica (modalidade PROEJA), a aplicação do questionário/roteiro ocorreu em dia diferente da turma anteriormente citada. A turma estava recebendo outro professor naquele ano para a disciplina História, pois o professor anterior havia pedido demissão. Ao perceber a mudança antes do início da aula, o pesquisador direcionou-se até a professora atual para apresentar-se e relatou o contato realizado com o professor anterior que havia permitido a realização da pesquisa. A professora foi muito gentil e se dispôs a ceder uma parte do horário da aula para aplicação do questionário, uma vez que já estava autorizado pela instituição. A aplicação do questionário ocorreu bem próxima ao fim da aula, mas todos os alunos e alunas se dispuseram a responder. Alguns alunos se manifestaram durante a aplicação do roteiro. O primeiro perguntou sobre a discrição dos dados e se era necessário escrever o nome. Foi-lhe esclarecido pelo pesquisador que a participação era voluntária, mas muito importante para a pesquisa. Com um olhar de desconfiança continuou a responder o roteiro. Em outro momento, um aluno, que estava fora da sala de aula, surgiu na porta 97 perguntando se podia entrar. O pesquisador respondeu-lhe que sim e passou-lhe as orientações sobre o roteiro de pesquisa e o questionário socioeconômico. Passados em torno de 5 minutos da aplicação do questionário, o aluno Paulo comenta em voz alta: Paulo: – Tudo que se refere a gay, eu fico em dúvida. Ah, não sei o que responder, eu não tenho opinião formada sobre isto. Bruno comenta rindo: – Ah é! Você fica no meio?(risos) Ricardo continuou a responder o questionário e o roteiro de pesquisa. No entanto, os comentários dos alunos indicaram certo receio sobre o assunto e manifestações sobre a “piadinha” lançada na sala de aula com o riso de três alunos. Não foi possível inferir apenas com esses comentários a presença da homofobia, porém as representações discursivas desses educandos passam na sala de aula como expressões banalizadas, sem a devida abordagem pelo docente. A TAB. 26, a seguir, apresenta os resultados referentes à concordância ou não dos educandos com as afirmativas das questões 12 e 13 do roteiro de pesquisa. TABELA 26 Grau de concordância ou não com afirmativasentre os educandos, segundo percentual Concorda totalmente Concorda Indeciso Discorda Discorda totalmente Total .. 6,1% 9,1% 45,5% 39,4% 100,0% 2) As mulheres têm o direito de realizar as mesmas tarefas que os homens, como: trabalhar, estudar. 63,6% 21,2% 3,0% 12,1% 100,0% 3) Falar em direitos de homossexuais na escola pode incentivar as pessoas a se tornarem gays ou lésbicas. 3,0% 18,2% 21,2% 21,2% 36,4% 100,0% 4) A mídia abre pouco espaço para tratar de assuntos sobre a relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo. 9,1% 18,2% 27,3% 33,3% 12,1% 100,0% 5) O Superior Tribunal Federal reconheceu a união civil para pessoas do mesmo sexo. 24,2% 18,2% 27,3% 18,2% 12,1% 100,0% 6) O currículo da escola deve abordar questões sobre sexualidade, gênero, diversidade sexual, raçae etnia. 15,2% 21,2% 21,2% 21,2% 21,2% 100,0% Grau de concordância ou não com afirmativas 1) As mulheres são discriminadas na escola. 98 Concorda totalmente Concorda Indeciso Discorda Discorda totalmente Total 7) As religiões não devem aceitar a participação de gays e lésbicas no seu templo. 12,1% 12,1% 12,1% 12,1% 51,5% 100,0% 8) A escola e os seus sujeitos produzem preconceitos, discriminam segundo a raça, etnia, gênero ediversidade sexual. 6,1% 18,2% 30,3% 24,2% 21,2% 100,0% 9) Os materiais didáticos, livros eapostilas devem tratar sobre gênero, orientação sexual e diversidade sexual. 9,1% 18,2% 42,4% 12,1% 18,2% 100,0% 10) A disciplina História deve falar sobre os grupos minoritários de gênero, diversidade sexual, raça e etnia na sala de aula. 18,2% 42,4% 18,2% 12,1% 9,1% 100,0% 11) Consideram-se como famílias conviventes as constituídas de, no mínimo, duas pessoas cada uma, que residam na mesma unidade domiciliar independentemente da sua orientação sexual. 30,3% 15,2% 27,3% 21,2% 6,1% 100,0% Grau de concordância ou não com afirmativas Fonte: elaborada pelo autor. Salienta-se que as respostas a algumas dessas afirmativas caminharam na perspectiva do que se denomina de respostas politicamente corretas. Nas frases 1 e 2 evidenciaram posições instigantes. Se para a primeira frase afirmativa,“as mulheres são discriminadas na escola”, identifica-se um percentual de discordância de 45,5% e discordância total em 39,4%, cuja somatória equivale a 84,9%; para a segunda frase, “as mulheres têm o direito de realizar as mesmas coisas que os homens”, 12,1% discordam totalmente desta opção para as mulheres. Em outras palavras, no universo dos educandos pesquisados na Educação Profissional, encontram-se discursos contrários à igualdade de gênero. Os posicionamentos indicados corroboram com a afirmativa de Harvey (2004, p.137) de que “as práticas representacionais que operam na sociedade moldam o corpo (e, mediante as formas de trajar e de se postar, propõem todo tipo de sentidos simbólicos adicionais)”.Ainda nessa relação, o autor esclarece que contestar sistemas dominantes, na sociedade, é contestar diretamente práticas corporais. No caso desta pesquisa, trata-se das práticas heteronormativas ou patriarcais. No que tange à terceira afirmativa, “falar em direitos de homossexuais na escola pode incentivar as pessoas a se tornarem gays ou lésbicas”, as respostas revelam que 18,2% concordam e 3% concordam totalmente. Se somados os dois percentuais, tem-se 21,2% de 99 concordância. Esse dado revela o quanto ainda ocorre a ausência de informações adequadas sobre gênero e diversidade sexual. Junqueira (2009a p.20) defende que [...] é importante reter que a homossexualidade (assim como a heterossexualidade) não é uma “opção” consciente de alguém, mas é uma “orientação sexual”. Ninguém [...] opta ou é simplesmente convencido a se tornar homossexual ou heterossexual. Provocativamente podemos perguntar: alguém se lembra do dia em que teria optado por ser heterossexual ou homossexual? Se alguém pudesse optar, por que escolheria justamente algo que muita gente ainda não aceita e despreza? E mais: o modelo heterossexual é socialmente oferecido como uma das possíveis alternativas ou é uma “opção obrigatória”? O pesquisador,diante do exposto, endossa a argumentação de Junqueira (2009a) e indaga: até que ponto problematizamos nossos atos sexualizados, generificados, racializados e de classe? Em que proporção nos revestimos de papéis demandados pela sociedade ou, nas palavras de Sedgwick (2003 apud MISKOLCI, 2007), quais armários55 forjamos nos diversos locais que percorremos? Contudo, no cenário brasileiro, diariamente ocorre [...] a inscrição, sobre os corpos e os gêneros, da história, da cultura e, sobretudo, dos valores morais e sexistas baseados na repressão exercida pela tradição cristã e na valorização da masculinidade e feminilidade sensuais filiadas aos mitos da sexualidade [, o que] latina ainda se constitui em um empecilho a mais para a ampliação do debate acerca da liberdade sexual dos indivíduos que se relacionam com pessoas do mesmo sexo. (FONTES, 2009, p.106) Outra afirmação proposta foi a de que“a mídia56 pouco abre espaço para tratar de assuntos sobre a relação afetiva entre pessoas do mesmo sexo”. Do total de posicionamentos dos educandos, 45,4% (valor esse que incluiu a somatória dos percentuais que discordam 55 56 Miskolci (2007), baseado em Butler (2003), ressalta que o armário é uma forma de regulação da vida social de pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo, mas temem as consequências nas esferas familiar e pública. Ele se baseia no segredo, na “mentira”e na vida dupla. Essa tríade constitui mecanismos de proteção que também aprisionam e legam consequências psíquicas e sociais àqueles que se escondem. Dividir-se em dois, manter uma fachada ilusória entre si mesmo e aqueles com quem convive, exige muito esforço e capacidade para suportar o medo de ser descoberto. O temor cria a necessidade de estar sempre alerta para sinais que denunciem sua intimidade e desejos, evitar lugares e pessoas que o associem a uma identidade temida, ter força para agir contra seus próprios sentimentos e manter o compromisso com a ordem social que o rejeita, controla e poda das mais variadas formas. Viver no armário é a experiência mais marcante na constituição das subjetividades desses sujeitos de desejos secretos, amores ocultos e relações aprisionadas na intimidade. Esses homens e essas mulheres, evitando a rejeição familiar e social, contribuem para manter suas instituições e valores. É difícil precisar, mas impossível ignorar, como as famílias se mantêm unidas e como o espaço público parece tão esmagadoramente heterossexual graças a esse dispositivo, no qual a vontade individual se mescla à contribuição para o próprio assujeitamento e subordinação. Fontes (2009), baseada em Morán (1993), descreve que a criança chega à adolescência depois de ter assistido a 15 mil horas de televisão e mais de 350 mil comerciais, contra menos de 11 mil horas na escola. A televisão é agradável, não requer esforço e seu ritmo é alucinante. É sua primeira escola. Quando chega aos bancos escolares já está acostumada a essa linguagem ágil e sedutora, e a escola não consegue chegar perto dessa forma de contar. A criança julga-a a partir do aprendizado na televisão. 100 totalmente e discordam) revelaram que a mídia abre espaços suficientes para tratar de assuntos sobre as relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Cabe, todavia, uma indagação sobre essa questão: Que formatos ou que tipos de abordagens sobre as relações afetivas ocorrem na mídia televisa em específico? Na perspectiva de Fontes (2009, p. 102-103), existe um [...] antagonismo entre os conteúdos do livro didático, que ignoram a diversidade sexual, e a pauta da televisão brasileira, sobretudo aquela agendada pelas telenovelas, um dos produtos culturais de maior índice de consumo popular do país. Nas duas últimas décadas, as telenovelas têm reiteradamente abordado a temática gay em suas tramas. Nesse sentido, vale chamar a atenção para os elementos que levam às seguintes pressuposições: de que, no caso do repertório dos livros didáticos, tem-se um exemplo de contribuição para a invisibilidade da sexualidade destoante do padrão heteronormativo e, consequentemente, para a manutenção de comportamentos sociais homofóbicos; e de que, no caso das telenovelas, há um exemplo de inclusão da temática gay na agenda sociocultural brasileira e, portanto, de ampliação do debate em favor da diversidade sexual. Fontes (2009) ainda alerta que as representações de casais homossexuais nas tramas televisivas estão distantes da promoção da igualdade na diversidade sexual, ou seja, ainda é recorrente a imagem estereotipada. Kenji Yoshino apud Fontes (2009) salienta que tais representações podem ser relacionadas a dois conceitos designados pcomo passing e covering. O passing é concebido como uma espécie de acobertamento. A pessoa é homossexual e tenta agir como se fosse heterossexual.Já o covering é um estágio além. Tratase de termo para designar a revelação para os meus pais e para os meus amigos que era gay. O depoimento de Yoshino apud Fontes (2009) relata o seguinte: [...] achei que tudo estaria resolvido a partir do momento em que revelasse minha identidade sexual, mas notei que, mesmo depois de assumir que era gay, era forçado a não fazer certas coisas, como segurar a mão do meu namorado em público, participar de atividades abertamente gays, etc. Estava procurando uma palavra que pudesse traduzir o que estava acontecendo: as pessoas, mesmo dizendo que aceitavam o fato de eu ser gay, ainda faziam muita pressão com relação ao meu comportamento. Cabe retomar brevemente a epistemologia do armário, que ressurge tanto na percepção do depoimento de Yoshino como nas pessoas a quem ele se remete no depoimento. Para além disso,a mídia reforça os estereótipos com o objetivo de alcançar maioresíndices de audiência. Em relação à quinta afirmativa, “o Superior Tribunal Federal reconheceu a união civil para pessoas do mesmo sexo”, 42,4% de educandos escolheram que concordam com a decisão do STF (somatória dos que concordam totalmente e concordam) com a decisão. Tal postura pode ser associada à seguinte reflexão: 101 [...] a repercussão da decisão do STF sobre uniões estáveis entre pessoas do mesmo pode ser considerada em vários aspectos e dimensões. Destacarei somente três. Há uma inegável repercussão jurídica. É a palavra final do principal tribunal do país, que tem função de corte constitucional, sobre uma questão jurídica que ainda enfrentava resistência em mais de uma dezena de tribunais estaduais. Representa também um passo avante na concretização do direito de igualdade entre nós, especialmente numa área onde muito preconceito ainda persiste e, pior ainda, é disseminado de forma ativa por setores conservadores. Do ponto de vista social, um pronunciamento de um órgão judiciário de cúpula significa, do ponto de vista simbólico, uma manifestação de respeito e consideração dirigida a todos, tanto aos perpetradores da discriminação, quanto, e principalmente, a todos que experimentam a realidade deste preconceito, tornando a vida em sociedade menos difícil para estes. Do ponto de vista político, dentre tantos significados, destaco a inversão da questão homossexual: antes dessa decisão, na arena política, eram os discriminados que tinham que lutar para afirmar sua “normalidade”; após a decisão, são os homofóbicos que se veem desafiados na manutenção de seu discurso. (FUNDAÇÃO ESCOLAR SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2011) Na análise da quinta afirmativa o pesquisador inferiu alguns posicionamentos, como: embora a união estável seja uma reivindicação de longa data do público LGBT, alguns teóricos afirmam que é uma reprodução de uma prática heteronormativa na medida em que é um rito de passagem da sociedade patriarcal. Para além dessa afirmativa, o grau de concordância dos educandos se refere a público mais jovem. Para a sexta afirmativa, “o currículo da escola deve abordar questões sobre sexualidade, gênero, diversidade sexual, raça e etnia”, as respostas permitem identificar um percentual de 42,4% de discordância (incluindo a total) dos sujeitos. Tais respostas possibilitam fazer algumas indagações: (i) A escola ainda não discute adequadamente estas questões?; (ii) Os educandos discordam em grande parte por falta de informação, por valores e crenças adquiridos na escola ou fora dela? (iii) Que mecanismos sociais e pedagógicos podem contribuir para uma educação plena? Outra consideração possível seria: como houve um grau amplo de discordância em relação à terceira afirmativa(i.e.,que falar em direitos de homossexuais na escola pode incentivar as pessoas a se tornarem gays ou lésbicas), masos educandos se opõem à inclusão do assunto no currículo da escola, o pesquisador infere que há uma diversidade nas opiniões acerca do tema.Gomes (2007) afirma que “mapear o trato que já é dado à diversidade pode ser um ponto de partida para novos equacionamentos da relação entre diversidade e currículo”. Ainda nesse contexto, Freire (2006) apud Cortella e Venceslau (2011), ,chamam a atenção para o fato de que [...] o educador não pode passar por cima dos desejos, não pode escondê-los, não pode traí-los, não pode punir o desejos, nem punir os que desejam. O que a pedagogia tem que fazer é compreendê-los, tentar ver os caminhos de solução 102 legítima para eles. Ao abafá-los, negá-los ou discriminá-los, estamos interditando o corpo. Eu continuo sendo um homem para quem a sexualidade não apenas existe, mas é importante, fundamental. Freire (1979) indica o quão é complexo trabalhar com essas temáticas que permeiam a nossa vida e que também se configuram como base para todo o ser humano. Em relação à sétima afirmativa, “as religiões não devem aceitar a participação de gays e lésbicas no seu templo”, houve a discordância de 63,6% dos educandos. No entanto, cabe salientar dois pontos sobre essa afirmativa. Em primeiro lugar, identificou-se que 87% dos educandos tinham algum pertencimento religioso. Segundo Borrilo (2009, p. 41-42), [...] o nível de religiosidade da população é diretamente proporcional à homofobia: as pessoas que se declaram praticantes de uma religião monoteísta se revelam menos favoráveis ao reconhecimento de direitos dos homossexuais. Já os indivíduos oriundos dos meios rurais estão mais inclinados aatitudes homofóbicas que os habitantes das grandes cidades. A possibilidade de conviver com gays e lésbicas e a abertura para o outro são fatores importantes para impedir o desenvolvimento de sentimentos homofóbicos. Finalmente, a crença numa suposta base genética da homossexualidade facilita a emergência de uma maior tolerância. Vale destacar que as ações e programas educativos que orientam sobre gênero e diversidade sexual ainda são submetidos a vieses religiosos que refutam as ações formativas e educativas e contribuem para a incipiência de um estado laico. No que toca à oitava afirmativa, “a escola e os seus sujeitos produzem preconceitos e discriminam segundo a raça, etnia, gênero, diversidade sexual”, 45,4% dos educandos discordam e 24,3% concordam. Cabe salientar a contradição nessa discordância, pois uma porcentagem considerável já havia se manifestado contra a abordagem desse tema no currículo da escola. No que diz respeito à nona afirmativa, os materiais didáticos livros e apostilas devem tratar sobre gênero, orientação sexual e diversidade sexual,42,4% dos educandos ficaram indecisos e apenas 30,3% discordam da inserção das questões citadas. Lionço e Diniz (2009, p. 10) altercam que [...] a dimensão social e política da sexualidade permanece às margens. Embora haja, nos livros, afirmações sobre a necessidade da desconstrução da cultura machista e de opressão contra as mulheres na sociedade, bem como dos estereótipos de gênero, essa desconstrução requer mais do que questionar a desigualdade social entre homens e mulheres. É preciso reconhecer que as expressões do feminino têm sido historicamente inferiorizadas, alargando o campo de subordinação a vários atores sociais que se associam à marca do feminino, tais como gays, travestis e transexuais, além de lésbicas. 103 Cristiani Silva (2006) afirma que, mesmo os livros didáticos de História recentes, que incorporaram algumas renovações historiográficas, ainda não trazem, em geral, questionamentos e problematizações acerca dos contextos históricos, em especial no que se refere às condições desiguais entre os sexos. Observa-se que a presente pesquisa ratifica essas argumentações, apontado que o ensino de História ainda atende especificamente a determinados grupos da sociedade. Em relação à décima afirmativa, “a disciplina História deve falar sobre os grupos minoritários57 de gênero, diversidade sexual, raça e etnia na sala de aula”, identificou-se a concordância de 60,6% dos educandos e discordância de 21,2% (soma dos percentuais). Esses percentuais necessitam ser pensados à luz do papel da disciplina História na educação básica, em especial a Educação Profissional. Cristiani Silva (2006) declara que o ensino de História e as práticas que o envolvem carregam escolhas dos conhecimentos válidos e que, por sua vez, esses conhecimentos selecionados desconsideram o questionamento de posições normativas de gênero, de classe, sexuais, de raça, entre outros. Na análise dos dados, uma constatação inicial é que, no ensino de História, não se pode evitar a abordagem dessas temáticas de gênero e diversidade sexual, sendo uma disciplina que estuda a humanidade no tempo e no espaço. Outra afirmativa analisada foi: “consideram-se como famílias conviventes as constituídas de, no mínimo, duas pessoas cada uma, que residam na mesma unidade domiciliar independente da sua orientação sexual”. Obteve-se concordância de 45,5%. Esse dado possibilita uma inferência parcial no que diz respeito a uma nova percepção dos jovens e adultos no que diz respeito ao conceito de família. Todavia, identificou-se a discordância variável de 27,3% das respostas dos educandos. A análise de Louro (2008, p. 74) demonstra que [...] a ideia de família tem uma constância na escola, pois ambas são vistas como lugares importantes no embasamento do processo de socialização. E essa socialização não é neutra; ela transmite, produz e reproduz modelos de comportamento, sensibilidade e racionalidade próprios da cultura. Corpos, masculinos e femininos, são construções sócio-históricas, e as instituições sociais – família, escola, etc. – atuam no processo educativo. 57 Louro (2008) descreve que a expressão minoria não pretende se referir a quantidade numérica, mas sim a uma atribuição valorativa que é imputada a um determinado grupo a partir da óptica dominante. Conforme a revista La Gandhi Argentina (1998) sustenta, as minorias nunca poderiam se traduzir como uma inferioridade numérica, mas sim como maiorias silenciosas que, ao se politizarem, convertem o gueto em território e o estigma em orgulho gay, étnico, de gênero. 104 Nesse sentido, perguntas, atos, valores, práticas culturais e pedagógicas surgem na sala de aula, tensionados na relação entre sujeitos e suas famílias, ambiente intraescolar e extraescolar. Não há como desconsiderar a questão sexual no processo formativo dos educandos. Freitas (2012) enfatiza que os papéis atribuídos a um e outro sexo fazem emergir a questão de gênero, substituindo machos e fêmeas por masculinos e femininos, com características, papéis e valores que variam de acordo com o contexto e com a época. Os dados da TAB. 27, a seguir, indicam as opiniões (cf. Apêndice C) dos sujeitos da pesquisa a respeito das afirmativas e o grau de concordância ou não. Tais opiniões foram registradas para se diagnosticar a percepção desses sujeitos sobre o tema. TABELA 27 Opiniões dos educandos a respeito das frases, segundo frequência e percentual Opiniões Frequência Percentual Todos têm direito de fazer suas escolhas. 9 27,3% A escola fala muito pouco no quesito sexualidade. 3 9,1% Ainda existe o preconceito, mas essa barreira está sendo vencida. 3 9,1% Todas as pessoas são iguais dependendo (sic) das suas escolhas. 2 6,1% Considero os assuntos abordados, orientação sexual e diversidade sexual, perfeitamente aceitáveis. 1 3,0% Devemos permitir gays e lésbicas em templo religioso desde que sigam as suas regras. 1 3,0% Não aceito o homossexualismo por questões religiosas. 1 3,0% A sexualidade é genética e não influenciável. 1 3,0% Não concordo em ter grupo minoritário. 1 3,0% Sou a favor do casamento dos homossexuais. 1 3,0% O espaço que a mídia abre para falar de homossexualidade é adequado. 1 3,0% Não gosto de falar sobre o assunto. 1 3,0% Discordo da união de pessoas do mesmo sexo. 1 3,0% A questão profissional deve ser totalmente isolada da opção sexual. 1 3,0% Não tenho opinião formada. 1 3,0% Sou contra kits de sexualidade seremestudados na escola. 1 3,0% Não responderam 4 12,1% Total 33 100,0% Fonte: elaboradapelo autor. 105 Notou-se que as percepções dos educandos são as mais diversas: de um lado, há um discurso democrático e, do outro,a associação das questões de gênero e diversidade sexual a doença (e.g., homossexualismo). As opiniões levantadas trazem concepções e preconcepções que denotam a emergência de diferentes linguagens. Reflexões sobre as questões de gênero e diversidade sexual no conjunto das disciplinas escolares e demais práticas escolares expõem [...] os desafios de examinar os aspectos de gênero dessas problemáticas, sabendo que eles não as esgotam, [...] são indispensáveis, ao lado de outras categorias de análise como relações raciais e hierarquias socioeconômicas. Acredito que apenas esse movimento teórico-metodológico nos permitirá perceber a centralidade do conceito de gênero na análise do cotidiano escolar. (CARVALHO, M. P., 2010, p. 524) Louro (2004),afirma que há desafios de discutir o tema gênero e diversidade sexual junto aos educadores, na escola nos currículos, pois a visibilidade dessas questões têm diversos efeitos, alguns contraditórios. Para a autora, se, por um lado, alguns setores sociais passam a demonstrar crescente aceitação da pluralidade sexual e, até mesmo, passam a consumir alguns de seus produtos culturais; por outro lado, setores tradicionais renovam (e recrudescem) seus ataques, realizando desde campanhas de retomada dos valores tradicionais da família até manifestações de extrema agressão e violência física. Segundo a autora, a escola, os currículos, os educadores e as educadoras não conseguem se situar fora dessa história. Na TAB. 28,observa-se como as questões de gênero, sexualidade e diversidade sexual são abordadas na escola. O percentual de 54,5% de educandos responderam que não essas questões não são abordadas, o que denota um silêncio dessas questões no espaço escolar, ou uma negação do corpo. No tocante ao pesquisador,essa questão instigou indagações: Se na escola não são abordadas, onde são abordadas? E com quem são abordadas? TABELA 28 Abordagem ou não das questões de gênero, sexualidade e diversidade sexual na escola, segundo frequência epercentual Respostas Não são abordadas Muito raramente são abordadas A turma lida de forma bem tranquila Sempre abordadas com piadas Não responderam Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 18 54,5% 10 30,3% 1 3,0% 1 3,0% 3 9,2% 33 100,0% 106 Salienta-se neste momento três reflexões complementares, segundo Louro (2004) e Junqueira (2009a). Na primeira, descrita por Louro (2004, p.72), sem a sexualidade não haveria curiosidade e, sem curiosidade, não seríamos capazes de aprender. A segunda, apresentada em Louro (2000, p.30), é a de que o lugar do conhecimento mantém-se, com relação à sexualidade, como lugar do desconhecimento e da ignorância. Ainda neste sentido, Junqueira (2009a, p.28) ressalta que a diversidade ensina e contribui para desmistificar lugares comuns, estereótipos e preconceitos: à medida que a sexualidade constitui fator para o aprofundamento do conhecimento recíproco e o autoconhecimento, ela leva os humanos a avançarem criticamente inclusive em relação a si próprios. Segundo Louro(2004), Junqueira (2009a, 2009b, 2009c) e Marília Carvalho(2010), uma educação promotora do reconhecimento da diversidade (sexual e não apenas esta) transforma a relação pedagógica de algo tradicionalmente autoritário e conformista em um processo vivo, criativo e desafiador, dotado de alta dimensão transformadora e emancipadora. Diante dessas argumentações, corrobora-se com os autores e buscamos situá-las no contexto pedagógico em que aparecem e se manifestam as expressões, dúvidas e comentários desses sujeitos sobre gênero e diversidade sexual. Junqueira (2009a, p. 30) afirma que [...] o processo de invisibilização de homossexuais, bissexuais e transgêneros no espaço escolar precisa ser desestabilizado. Uma invisibilidade que é tanto maior se se fala de uma economia de visibilidade que extrapole os balizamentos das disposições estereotipadas e estereotipantes. Além disso, as temáticas relativas às homossexualidades, bissexualidades e transgeneridades são invisíveis no currículo, no livro didático e até mesmo nas discussões sobre direitos humanos na escola. Ainda no tocante às questões levantadas anteriormente, outro dado relevante para o contexto é se os educandos conversavam com seus pais ou responsáveis sobre sua sexualidade. A TAB.29, a seguir, apresenta os resultados: TABELA 29 Existência ou não de conversa dos educandos com os pais ou responsáveis sobre sua sexualidade, segundo frequência e percentual Respostas Sim Não Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 16 48,5% 17 51,5% 33 100,0% 107 A tabela revela um percentual significativo de educandos que não conversam com os pais a respeito do tema sexualidade. Sendo assim, infere-se a presença de “tabus” sobre a sexualidade na relação dos pais/responsáveis com seus filhos. Avaliar as percepções sobre essa temática com os educandos é trazer para a discussão a indagação: [...] que instâncias e espaços sociais têm o poder de decidir e inscrever em nossos corpos as marcas e as normas que devem ser seguidas? Qualquer resposta cabal e definitiva a tais questões será ingênua e inadequada. A construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúmeras aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situações, é empreendida de modo explícito ou dissimulado por um conjunto inesgotável de instâncias sociais e culturais. É um processo minucioso, sutil, sempre inacabado. Família, escola, igreja, instituições legais e médicas mantêm-se, por certo, como instâncias importantes nesse processo constitutivo. (LOURO, 2008, p.18) O fundamento de Louro (2008) caracteriza claramente como as práticas sobre os corpos são reconfiguradas e inscritas por meio das diversas instituições que atravessamos, a familiar, a escolar, a igreja e outras. Tais instituições direcionam os discursos, comportamentos e valores para apenas uma conduta heteronormativa, silenciando ou tornando invisíveis outras práticas. No que tange aos argumentos descritos, ressalta-se queos dados da TAB. 30 identificaram como se situa o diálogo ou não dos educandos com seus pais ou responsáveis sobre sexualidade. TABELA 30 Nível de diálogo dos educandos sobre sexualidade com seus responsáveis, segundo frequência e percentual Respostas Frequência Percentual Esclareço minhas dúvidas com meus pais 8 24,2% Prefiro conversar com amigos 3 9,1% Esse assunto não é abordado 2 6,1% Não é frequente e não temos preconceito 1 3,0% Falta de respeito um com o outro 1 3,0% Com meus pais nunca, mas sempre com meus filhos 1 3,0% Houve necessidade no início da adolescência 1 3,0% Eles têm uma opinião fechada, o que torna o assunto desagradável 1 3,0% Não, pois é meio sem jeito 1 3,0% Não responderam 14 42,4% Total 33 100,0% Fonte: elaborada pelo autor 108 O levantamento revelou que mais da metade dos educandos não conversa com seus pais sobre sexualidade, o que deve ser associado ao levantamento anterior de que a escola, na perspectiva dos próprios educandos, tampouco aborda tais questões. Tal contexto denota um silêncio da sociedade no trato dessas questões, estandos os jovens sujeitos a uma vida sexual sem informação e prevenção.Tais fatos podem ampliar a falta de compreensão de situações de naturalização das diversas violências, tais como racismo, o sexismo e a homofobia, que podem não ser identificados como negativos e intencionais. Os educandos também foram indagados se já presenciaram preconceito contra mulheres ou homens relativo à sua sexualidade (e.g., machista, homofóbico). As respostas estão sintetizadas na TAB. 31. TABELA 31 Resposta à pergunta: “Você já presenciou alguma cena de preconceito contra mulheres ou homens envolvendo questão de sexualidade (e.g., machista, homofóbico)? Resposta Sim. De 1 a2 vezes Sim. De 3 vezes acima Não Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 8 24,2% 9 27,3% 16 48,5% 33 100,0% Observa-se que a maioria dos respondentes já presenciou situações de preconceitos ligados a machismo e homofobia, sendo que a maioria presenciou assinala episódios do tipo no mínimo três vezes. Esse resultado sinaliza que os jovens sabem identificar situações de preconceito, porém cabe salientar dois aspectos: (i) no caso do gênero feminino, há a possibilidade de denúncia para apurar a existência de crimes; e (ii) no caso de homofobia, o país ainda não dispõe de uma lei que forneça base para apuração da denúncia. Uma vez contemplada a relação entreeducandos e docentes e entre questões de gênero e diversidade sexual no ensino de História, enfoca-se, na seção a seguir, o contexto da sala de aula. 109 3.4 O Contexto da Sala de Aula: Livros Didáticos, Alunos/as e Professores As análises das relações de gênero e diversidade sexual (em especial no que diz respeito ao LD) acionam inúmeras indagações: (i) Como ocorre a escolha do livro?; (ii) Quem são os sujeitos envolvidos na produção do livro didático (editora, autoria, mercado)?;(iii) Quais são as instituições e quais são os sujeitos que os utilizam?Ainda neste sentido, Margarida Oliveira(2007), salienta que, por mais professoral que pareça, é importante pensar e desconstruir mitos sobre os livros didáticos (e.g., ele não precisa preencher todo o tempo escolar). Outra ação importante nesse contexto é que os professores necessitam ter acesso aos debates sobre o PNLD e o LD, pois este é uma conquista brasileira, significa a colocação de dinheiro público na escola e faz parte da política de inclusão. Diante do exposto, é necessário identificar a relação dos livros didáticos, dos professores e dos educandos da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, pois também é nessa relação que se estabelece a relação com o saber, que, por sua vez, aparece sistematizado no livro didático. Nesse sentido, [...] a questão da relação com o saber pode ser colocada quando se constata que certos indivíduos, jovens ou adultos, têm desejo de aprender, enquanto outros não manifestam esse mesmo desejo. Uns parecem estar dispostos a aprender algo novo, são apaixonados por este ou por aquele tipo de saber, ou, pelo menos, mostram uma certa disponibilidade para aprender. Outros parecem pouco motivados para aprender, ou para aprender isso ou aquilo, e, às vezes, recusam-se explicitamente a fazê-lo. (CHARLOT, 2001, p. 15) Na seção anterior, analisaram-se as indagações de gênero e diversidade sexual face as opiniões dos educandos da Educação Profissional com o processo de ensino e aprendizagem da disciplina História no âmbito do currículo. Agora, busca-se analisar o contexto da sala de aula: livros didáticos, alunos/as e professores nas duas turmas pesquisadas. Ficou evidenciado, por meio da pesquisa de campo, que a aula expositiva prevalece no cotidiano da sala de aula. Lopes (2009, p.38-39) descreve que a aula expositiva, na literatura, é como uma comunicação verbal estruturada, utilizada pelos professores com o objetivo de transmitir determinados conteúdos aos alunos. Saviani (1983), ao analisar concepções teóricas que se manifestam na prática pedagógica, destaca que as várias tendências continuam ainda presentes por meio da ação docente, embora possa uma ou outra predominar, dependendo de 110 variáveis diversas ligadas ao contexto escolar e social, mas isso não significa que as demais tendências desapareceram. Nas turmas pesquisadas, as aulas eram planejadas com auxilio de outros artefatos além do LD, como apresentações em PowerPoint®. Cabe ressaltar que, na turma do curso Técnico de Mecânica (modalidade PROEJA), o livro didático em momento algum apareceu fisicamente nas mãos dos alunos na sala de aula durante a realização da pesquisa. Já no curso Técnico de Turismo e Lazer, a frequência do livro paradidático em sala de aula era um hábito. Na TAB. 32, a seguir, apresentam-se as respostas dos alunos e alunas de ambas as turmas ao serem indagados sobre os recursos pedagógicos que o professor utiliza em sala de aula. TABELA 32 Recursos pedagógicos que o professor de História utiliza com mais assiduidade na sala de aula, segundo frequência e percentual Recursos Frequência Percentual Slides 32 97,0% Mapas 21 63,6% Livro didático 17 51,5% Vídeos 16 48,5% Quadro 2 6,1% Textos 1 3,0% Aula expositiva 1 3,0% Explicação frequente 1 3,0% Total Múltiplo 33 .. Obs.: Tabelas de respostas múltiplas não totalizam necessariamente 100% Fonte: elaborada pelo autor. O estudo de campo possibilitou identificar que as relações pedagógicas nas turmas pesquisadas possuíam práticas distintas no que diz respeito àutilização do livro didático. Na turma de Turismo e Lazer, embora os educandos identificaram a predominância de aulas por slides dissociadadas aulas expositivas, a realidade era um conjunto de meios pedagógicos, ou seja, aulas expositivas com slides ou com utilização do quadro e/ou livro paradidático, além da possibilidade do diálogo fora da sala de aula, inclusive por meio de um e-mail da turma. Lopes (2009) afirma que a esse modo de conduzir a aula o diálogo prevalece com intuito da busca recíproca do saber. Outro dado levantado referiu-se ao grau de dificuldade de aprendizagem na disciplina História, conforme mostra a TAB. 33. 111 TABELA 33 Grau de dificuldade de aprendizagem na disciplina História, segundo freqüência e percentual Grau de dificuldade de aprendizagem na disciplina História Não tenho grau de dificuldade Razoável grau de dificuldade Elevado grau de dificuldade Total Fonte: elaborada pelo autor. Frequência Percentual 8 24,2% 23 69,7% 2 6,1% 33 100,0% Os resultados ensejam um aspecto preocupante: se 69,7% dos educandos declararam razoável grau de dificuldade na aprendizagem,isso traz questões para se repensar as práticas pedagógicas no processo de ensino e aprendizagem de História entre jovens e adultos. Tal levantamento de questões relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem estava associado ao principal motivo da dificuldade na aprendizagem de História. A TAB. 34 mostra a dimensão dos principais motivos atribuídos pelos alunos às dificuldades de aprendizagem da disciplina História: TABELA 34 Principal motivo da dificuldade na aprendizagem de História, segundo frequência e percentual Principal motivo da dificuldade na aprendizagem de História Falta de tempo para estudar devido ao trabalho Falta de dedicação à matéria Fiquei muito tempo sem estudar Não consigo lembrar datas e nomes Estudei História de forma enrijecida e decorada Total Frequência Percentual 15 45,5% 10 30,3% 5 15,2% 2 6,1% 1 3,0% 33 100,0% Fonte: elaborada pelo autor. Nesse quesito sobre o principal motivo da dificuldade na aprendizagem de História, evidenciaram-se as demandas pedagógicas desses alunos-trabalhadores do ensino noturno na Educação Profissional Técnica de Nível Médio. Tais educandos demonstraram clareza na identificação de suas dificuldades no processo formativo e, na percepção do pesquisador, os fatores mencionados estão diretamente relacionados comum a formação específica dos docentes que atendem a esse público. 112 Em contrapartida, indagados sobre a explicação da matéria pelo professor de História, 78,8% dos educandos consideram que entendem com facilidade (TAB. 35) TABELA 35 Grau de entendimento da explicação do professor de História, segundo frequência e percentual Explicação do professor de História Frequência Percentual Entende com facilidade 26 78,8% Entende mais ou menos e precisa de explicações complementares 6 18,2% Não entende as explicações e procura estudar sozinho 1 3,0% Total 33 100,0% Fonte: elaborada pelo autor. Tal identificação junto aos educandos possibilitou inferir que o ensino de História na Educação Profissional pode modificar o fazer histórico na sala de aula ou, nas palavras de Schmidt (2004, p. 57), [...] o professor é o responsável por ensinar o aluno a captar e a valorizar a diversidade [...]. Ao professor cabe ensinar o aluno a levantar problemas e a reintegrá-los num conjunto mais vasto de outros problemas, procurando transformar, em cada aula de História, temas em problemáticas. Vale lembrar outro aspecto observado e registrado no caderno de campo, no que tange à frequência de utilização do livro didático na turma de Turismo e Lazer, seguida de debates, estudos dirigidos e outros exercícios complementares em sala de aula. Tais dinâmicas requeriam a leitura dos textos e, de acordo com Sacristan e Gómez (1998, p. 85), [...] na sala de aula como grupo social se produzem trocas permanentes que enriquecem e transformam as características do grupo e seus processos de aprendizagem. A aula evolui, cria novas condições e novos espaços de intercâmbio [...]. No que se refere à turma de Mecânica (modalidade PROEJA), o livro didático não era visualizado e tampouco mencionado em sala de aula durante a pesquisa. As aulas eram expositivas, com predominância do uso de slides. Os educandos, em sua maioria, não anotavam nada na sala de aula, com frequência semanal. A interação entre educandos e professor durante a aula ocorria por meio de perguntas diversas,em sala, sobre vários assuntos que fugiam ao tema da aula. Isso traduzia certo descompasso no processo de ensino e aprendizagem dos educandos, pois, para o pesquisador, parecia que o planejamento da aula, 113 além de ser reduzido, tinha sinônimo de aulas reproduzidas de outras turmas devido ao formato da aula e à intensa carga horária do docente. A despeito do contexto citado, é necessário argumentar que [...] ao mesmo tempo [em] que são construídos significados sobre os conteúdos do ensino, os alunos constroem representações sobre a própria situação didática, que pode ser percebida como estimulante e desafiadora, ou pelo contrário, como intratável e tediosa, desprovida de interesse ou inatingível para suas possibilidades. Naturalmente, também constroem representações sobre eles mesmos, nas quais podem aparecer como pessoas competentes, interlocutores interessantes para seus professores e colegas, capacitados para resolver os problemas colocados ou, no polooposto, como pessoas pouco capazes, incompetentes ou com poucos recursos. (SOLÉ, 1997, p.39) Durante os meses da observação na sala de aula, ocorreram apenas três atividades escritas e avaliativas na turma de Mecânica. Indaga-se, então, quais seriam as outras formas de verificação da aprendizagem e que relações educativas esses educandos estabelecem entre a pratica pedagógica e as experiências do mundo do trabalho. Pode-se ainda questionar como ouvir as diversas demandas desses educandos que anseiam por um trabalho e, as vezes, possuem o tempo em grande parte ocupado com o trabalho e ainda necessitam estudar à noite. Sacristan e Gómez (1998, p. 81), ao dialogarem sobre a compreensão do ensino, afirmam [...] que o ensino é uma atividade prática que se propõe a dirigir as trocas educativas para orientar num sentido determinado as influências que se exercem sobre as novas gerações. Compreender a vida da sala de aula é um requisito necessário para evitar a arbitrariedade na intervenção. Mas nesta atividade, como noutras práticas sociais, como a medicina, a justiça, a política, a economia, etc., não se pode evitar o compromisso com a ação, a dimensão projetiva e normativa deste âmbito do conhecimento e atuação. No que se refere às questões de gênero e diversidade sexual, foi solicitada ao professor58 de História do curso Técnico de Turismo e Lazer sua avaliação quanto à produção de materiais didáticos (e.g., livros, diretrizes, vídeos) que abordam a igualdade de gênero e diversidade sexual. O docente respondeu: Eu conheço um pouco das questões de gênero. Por força de ofício, tivemos uma legislação que aborda as questões étnico-raciais, por uma obrigação legal. [...]59Tivemos uma semana recentemente sobre diversidade, há o NEAB60 e há uma 58 59 60 O professor de História do curso Técnico em Mecânica optou por não participar da entrevista sobre as questões de gênero e diversidade sexual. Durante as observações em sala de aula, o professor havia comentado que estava em processo de defesa de doutorado e com pouco tempo para tantas atividades profissionais. Supressão de trecho da transcrição original. Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros. 114 preocupação institucional com isto. Há criticas que “dá” para a gente fazer e há criticas que “dá” para fazer como um todo. Ainda há muito pouca pesquisa; eu acho que as pesquisas ainda se confundem muito com a militância. Quer dizer: a pessoa transforma o objeto de pesquisa numa plataforma política. Não usa a pesquisa como subsídios para militância, ela transforma A61 pesquisa em militância. O próprio objeto de estudo já é um fazer político. O que eu acho, pode ate ser/62, não sei se gera boa política, mas gera uma pesquisa enviesada. Em alguns momentos, a gente ainda percebe um discurso muito de autoafirmação exacerbada, que é tão importante afirmar a diferença, né... Acaba se entendendo se é para a gente discutir a aproximação ou se é para exacerbar a diferença. Agora..., inegavelmente merece um tratamento maior.[...] A questão de gênero, como eu falei, é surpreendentemente presente aqui;háuma quantidade grande de alunos que se assumem publicamente como homossexuais aqui na instituição, e isto tem gerado sim alguns incômodos. Mas... para minha grande alegria, até o presente momento, ele tem sido abordado naturalmente de forma sadia. O discurso de repressão, pura e simplesmente não encontra muita guarida aqui. O que não significa que não haja preconceito, tenho que deixar isto muito claro. Que aqui não é uma comunidade em que não há preconceito; há um espaço mais refrescado para este tema. (Entrevista PHTL63, em 22 nov. 2011). O docente evidenciou seu pouco contato com os materiais didáticos que abordam o tema gênero e diversidade sexual. Justificou que ainda há poucas pesquisas sobre o tema e que existe uma complexidade entre o que é pesquisa e militância. Além disso, criticou algumas orientações/diretrizes legais que tentam definir algumas práticas pedagógicas. Tais aspectos do discurso do docente foram manifestadospor algumas figuras de linguagem, como é o caso do eufemismo64. Por exemplo, tem-se:“Mas... para a minha grande alegria, até o presente momento, ele tem sido abordado naturalmente de forma sadia”. Nessa sentença, questiona-se a conexão com o tema gênero e diversidade sexual, o processo de produção e as contradições que estruturam o discurso, pois, nos livros didáticos, não se abordou o tema e o docente tem pouco contato com a produção de materiais didáticos. Não obstante, ele enuncia que o tema sem sido tratado “naturalmente” e de forma “sadia”. Indagase: O que é tratar a sexualidade naturalmente e de forma sadia? O que é tratamento não natural e de forma não sadia? Será que, se fosse outro tema, o professor diria: para a minha grande alegria? Que aspectos desse posicionamento precisam ser repensados? Outra questão verificada junto ao docente foi se ele identificava algum tipo de preconceito entre os alunos e alunas e, se sim, quais eram os tipos. Ah, sim.Eu percebo preconceitos entre eles. Na turma que acompanhou, você deve ter percebido isto. Há uma fissura;há um fosso físico no meio da sala. Há uma turma que senta à direita e outra à esquerda. Os comentários que saem de um certo grupo 61 62 63 64 Letra maiúscula: Alteração de voz, com efeito, de ênfase. / Corte na fala. Professor de História no curso Técnico de Turismo. Uma figura de linguagem que emprega termos mais agradáveis para suavizar uma expressão. 115 são vistos com desdém pelo outro. É interessante que [ocorre em] ambos os grupos. Já que estamos falando de gênero, a liderança é feminina. Aliás, tem um grupo que é só de mulheres e no outro, embora haja [só] homens, a liderança é feminina. Em outras salas, também percebo às vezes. Eu acho que esta turma é menos preconceituosa do que outras de ambientes [em que] já trabalhei. Eu não me lembro. Isto que dizer que não existiu. Eu não me lembro de, [em] sala de aula, [presenciar], pelo menos uma, demonstração flagrante de racismo. Há uma tolerância até muito maior com os homossexuais do que em outros lugares, embora eu não possa dizer que isso é uma regra; eu não posso dizer nem que é aceitação. Em relação a gênero, eu posso dizer que é muito interessante. Eu já dei aulas em cursos que são tradicionalmente associados a homem – na turma de Mecânica, quando muito,tinha 3 alunas, numa sala de 42, ou seja 3 mulheres e 39 marmanjos que faziam questão de mostrar que eles eram da turma de Mecânica.Mas é interessante a gente pensar como o preconceito funciona no Brasil; você percebe, por exemplo, as frases que eram ditas, as posturas que são tomadas, às vezes o menino faz um comentário machista. Mas na hora de lidar com as colegas dele, na hora de falar das mulheres é como se ele dissociasse; ele está falando mal das mulheres, mas a colega dele é mulher; e mais outra:então ela não cai na mesma categoria que ele fala das mulheres. Não sei se a mesma coisa funciona [em relação à]etnia e à opção sexual. Talvez o cara não seja tolerante com os homossexuais, mas é com o colega dele que é homossexual, não sei. É uma questão a se pensar.(Entrevista PHTL65, em 22 nov. 2011) Teixeira (2009) afirma que é necessário que os docentes tenham acesso a textos e estratégias de ensino, ou seja, formação inicial e continuada sobre as questões de gênero e, assim sendo, a escola deve falar sobre questões de gênero no processo de ensino. Caso contrário, não haverá mudanças quanto à violência de gênero.Nesse sentido, foi indagado ao docente se ele participava de alguma formação continuada oferecida pela instituição. Não. Atualmente não. Por exemplo, eu sempre quis fazer o curso de Libras; nunca consegui; e é um sonho que eu tenho, mas não consegui. Nunca consegui organizar meu horário. Agora parece que vai ter um reforço. São oferecidos cursos de línguas, Libras nesta questão de linguagens. Já foi oferecido curso de informática, no sentido de aprender a usar o PowerPoint, Excel para usar em sala de aula, eh... o Mestrado em Educação existe. Eu tenho contato com eles via acadêmica, eu não sei avaliar até que ponto [...] há um diálogo[entre] o Mestrado em Educação e os professores. (Entrevista PHTL, em 22 nov. 2011) Prado e Junqueira (2011, p. 60) asseveram que [...] é inegável o aporte da instituição escolar ao longo dos processos de normalização heterorreguladora dos corpos e de marginalização de sujeitos, saberes e práticas dissidentes em relação à matriz heterossexual. O sentido dado pelo docente e fundamentado nas argumentações de Prado e Junqueira (2011), o pesquisador apresenta a seguir as razões para a discussão curricular, do qual não pode se esquivardiante das relações pedagógicas que são construídas na Educação Profissional Tecnológica de Nivel Médio. 65 Professor de História no curso Técnico de Turismo e Lazer. 116 4 O CURRÍCULO, AS QUESTÕES DE GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL E OS DOCUMENTOS E PUBLICAÇÕES LEGAIS O currículo real de nossas escolas vai se apresentando, então, como um ambiente de culturas, onde se constroem e às vezes se destroem identidades de gênero e etnias trazidas das famílias ou das relações estabelecidas em outros espaços. (Marlucy Alves Paraíso) Partindo da ideia expressa na epígrafe, o intuito deste capítulo é apresentar um diálogo das questões de gênero,diversidade sexual e currículo com documentos oficiais e não oficiais que têm implicações no campo educacional. Segundo Tomaz Silva (1999), colocar essas questões de gênero em foco significa pensar como cultura, escolas e sujeitos se articulam por meio das construções de gêneros e sexualidades, entendendo-os como campo de lutas, negociações, contestações e enfrentamentos, em que se produzem tanto os sentidos quanto os sujeitos que vão constituir diversos grupos sociais e suas singularidades. O autor indaga: Como se configuraria uma pedagogia e um currículo que estivessem centrados não na diversidade, mas na diferença, concebida como processo, uma pedagogia e um currículo que não se limitassem a celebrar a identidade e a diferença, mas que buscassem problematizá-las? (SILVA, T., 1999, p.1) Sacristán (2000, p. 45) afirma que: O currículo aparece, assim, como o conjunto de objetivos de aprendizagem selecionados que devem dar lugar à criação de experiências apropriadas que tenham efeitos cumulativos avaliáveis, de modo que se possa manter o sistema numa revisão constante, para que nele se operem as oportunas reacomodações. Sacristán66e Goméz (1998) defendem um “modelo de interpretação que concebe o currículo como algo construído no cruzamento de influências e campos de atividades diferenciadas e inter-relacionadas”. No tangente às questões de gênero e diversidade sexual no âmbito do currículo (neste caso, o da Educação Profissional), faz-se nesta dissertação referência ao currículo em ação, definido por Sacristan (2000) como aquele que atua dentro 66 Sacristán (1998, p.13-15), após uma longa análise na literatura sobre currículo, evidencia vários significados, como: (i) um grande grupo deles relacionado com a concepção currículo-experiência, ou seja, um currículo como guia da experiência que o aluno obtém na escola, como conjunto de responsabilidades da escola para promover uma série de experiências, sejam essas as que proporcionam consciente e intencionalmente ou experiências de aprendizagem planejadas, dirigidas ou sob supervisão da escola, ideadas e executadas ou oferecidas por esta para obter determinadas mudanças nos alunos; (ii) o currículo como definição de conteúdos da educação, como: planos ou propostas, especificação de objetivos, reflexo da herança cultural, mudança de conduta,programa da escola que contém conteúdos e atividades, soma de aprendizagens ou resultados ou todas as experiências que o aluno possa obter no seu processo de escolaridade. 117 do contexto em que se concretiza, como conexão entre teoria e ação, intenções ou propostas e realidade social.”O currículo em ação é uma prática concomitante com a ação de outras que atuam nos sistemas escolares sobre o próprio currículo, sobre seu desenvolvimento, sobre os professores ou sobre o contexto (SACRISTÁN, 2000, p.92).” A importância da discussão sobre o currículo e suas dinâmicas com ênfase nas questões de gênero e diversidade sexual deve-se às lacunas de produção teórica na área e do lócus que o currículo ocupa como produtor das identidades sociais e individuais.Cristiani Silva (2006) estabelece uma análise sobre as diversas correntes existentes sobre currículo, ressaltando a influência do capitalismo sobre as teorias educacionais. A autora sublinha: O currículo é uma práxis, não um objeto estático. Enquanto práxis é a expressão da função socializadora e cultural da educação. Por isso, as funções que o currículo cumpre, como expressão do projeto cultural e da socialização, são realizadas por meio de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que gera em torno de si. Desse modo, analisar os currículos concretos significa estudá-los no contexto em que se configuram e no qual se expressam em práticas educativas. A história das concepções de currículo é marcada por decisões básicas tomadas com o intuito de (1) racionalizar, de forma administrativa, a gestão do currículo para adequá-lo às exigências econômicas, sociais e culturais da época; (2) elaborar uma crítica à escola capitalista; (3) compreender como o currículo atua; e (4) propor uma escola diferente seja na perspectiva socialista, seja na perspectiva libertária. (SILVA,C., 2006, p. 1) Nesse contexto, o currículo da Educação Profissional também é um campo de disputas socioeconômicas. Retomando outros argumentos de Harvey (2010, p. 157) além dos que foram citados na Introdução [...] o capital se empenha continuamente em moldar os corpos de acordo com seus próprios requisitos, ao mesmo tempo que internaliza em seu modus operandi em mudança efeitos de desejos corporais, vontades, necessidades e relações sociais em mudança e interminavelmente inacabados (por vezes expressos abertamente como lutas coletivas fundadas na classe, na comunidade ou na identidade) da parte do trabalhador. Ainda nesse contexto, Harvey (2010, p.157) remete para as relações de produção descritas na Introdução desta pesquisa e para um embasamento das discussões do materialismo histórico que busca compreender a interação contraditória entre sujeito e objeto. Outra relação necessária se estabelece entre o currículo e a cultura. Nesse sentido, Santomé (2006, p. 160) afirma que as culturas “ou vozes dos grupos sociais minoritários e/ou marginalizados que não dispõem de estruturas importantes de poder costumam ser silenciadas, quando não estereotipadas e deformadas, para anular suas possibilidades de 118 reação”. O autor67 critica especialmente a escola, quando diz que o problema está situado exatamente no distanciamento dessa instituição em relação à realidade de um grupo social discriminado, principalmente por não trabalhar os conteúdos escolares com base nas diferenças. Com base na revisão da literatura e na lacuna em que se insere esta pesquisa, ressaltase a fundamentação de Peter McLaren (2001). O autor considera o florescimento das políticas de identidade problemática, mas isso não quer dizer que ele não seja compreensível. Para McLaren (2001)o problema é que as identidades são frequentemente enquadradas em um discurso de particularismo militante e há maneiras pelas quais uma ênfase nas políticas de identidade pode sabotar a luta de classes, especialmente quando está desligada da totalidade social mais ampla do capitalismo avançado. De acordo com o autor, numa aula, os estudantes não queriam discutir classe e pensavam que questões de raça e gênero eram mais importantes. McLaren (2001) descreve que mesmo que todas as identidades sejam racializadas, sexualizadas, ligadas ao gênero e situadas em relações de classes tem-se esquecido de como as classes sociais funcionam nas vidas cotidianas dos sujeitos. McLaren (2001) descreve que recuperar a luta de classes é essencial para se criar solidariedades políticas cada vez mais amplas no atual movimento contra o capitalismo global. A exploração de classes não deve ser “privilegiada” em detrimento do racismo, sexismo ou homofobia – McLaren (2001) ressalta que as formações sociais capitalistas, não raras vezes, coordenam, organizam e reificam estas, igualmente importantes, outras formas de opressão. A exploração de classe é uma forma de opressão mais central, mas isso não quer dizer que seja a única (McLaren, 2001,p.177-178). No texto, McLaren (1998) esclarece que a diversidade é reveladora da necessidade de diálogos interculturais, que, poderosamente, desconstroem as imposições de culturas unificadoras. Essas ações transculturais são políticas favorecedoras de convivência cultural, de trocas, contestadora da educação oculta, estabelecedora de crítica política e não folclorizadora (MCLAREN, 1998). Vale salientar a historicidade do termo gênero, incorporado no campo acadêmico por várias disciplinas, tomando perspectivas diferentes em cada uma. De acordo com Simião (2000, p. 1), “os antropólogos, sociólogos, psicólogos, cientistas políticos foram dando cores diferentes ao conceito, conforme a bagagem conceitual específica que suas disciplinas traziam”. 67 Para Santomé (1995), “os currículos planejados e desenvolvidos nas salas de aula vêm pecando por uma grande parcialidade no momento de definir a cultura legítima, os conteúdos culturais que valem a pena. Isso acarreta, entre outras coisas, que determinados recursos sejam empregados ou não, mereçam nossa atenção ou nossa displicência”. 119 Marília Pinto de Carvalho (2010, p. 513-514) afirma que o conceito gênero pode ser percebido como [...] toda construção social relacionada à distinção e hierarquia masculino/ feminino, incluindo também aquelas construções que separam os corpos em machos e fêmeas, mas indo muito além. As diferenças ou semelhanças entre os sexos e as interações e relações de poder entre homens e mulheres são apenas parte do que é abrangido pelo conceito de gênero assim definido. E por outro lado, elas mesmas não podem ser inteiramente explicadas apenas nesse âmbito, pois estão sempre articuladas a outras hierarquias e desigualdades de classe, raça /etnia, idade etc. O conceito de gênero é polissêmico. Na presente proposta de pesquisa, adota-se a perspectiva de gênero relacional, assim concebido em Claudia de Lima Costa (1994, p. 161): [...] ponto de partida o sistema social de relacionamento em que os indivíduos estão inseridos, abandonando a visão binária e a divisão de papéis e permitindo uma concepção dinâmica de masculinidade e feminilidade de acordo com a situação social em questão. Também permite ver a pluralidade de homens e mulheres dentro de seu contexto social, levando em consideração os vários fatores que influenciam na formação da personalidade dos sujeitos.(COSTA, C. L., 1994, p.161) Ao privilegiar a pluralidade, esse conceito abarca como categorias de gênero, além de homens e mulheres, também homossexuais, bissexuais e transexuais. Segundo Claudia de Lima Costa (1994, p. 161), “os gêneros passam a ser entendidos como processos também moldados por escolhas individuais e por pressões situacionais compreensíveis somente no contexto da interação social”68. As discussões sobre o gênero e diversidade sexual no ensino de História no âmbito curricular de dois cursos de uma instituição de Educação Profissional são possíveis diante da necessidade de problematizar o currículo oficial. Em se tratando do eixo Trabalho e Educação, Hirata (2010) subsidia as discussões refletindo que diferentes categorias de análise são utilizadas para compreender a repartição assimétrica do trabalho entre os sexos: a divisão sexual do trabalho e as relações sociais do sexo; o gênero e as relações de gênero; as diferenças de sexo; a discriminação e as desigualdades. Kergoat (2005, p. 94) apud Hirata (2010) afirma que “estes termos não são permutáveis mesmo se eles se referem todos ao tratamento diferenciado que a sociedade dá aos grupos sociais de sexo”.Outro aspecto 68 Vygotsky (1989), ao descrever o conceito de interação social, enfatiza a dialética entre o indivíduo e a sociedade, bem como o intenso efeito da interação social, da linguagem e da cultura sobre o processo de aprendizagem. Esse processo é fundamental para a interiorização do conhecimento – ou transformação dos conceitos espontâneos em científicos – através do processo de tornar intrapsíquico o que antes era interpsíquico. 120 fundamental nas discussões de Hirata (2010)69 é a divisão sexual do trabalho, que tem como campo de referência o trabalho enquanto as relações sociais de sexo70 transversalizam todos os campos do social. Louro (2000) afirma a importância do estudo sobre as questões de gênero e suas demais relações citando Richard Johnson (1996, p. 31), na perspectiva de que [...] o lugar do conhecimento mantém-se, com relação à sexualidade, como o lugar do desconhecimento e da ignorância.As memórias e as práticas atuais podem nos contar da produção dos corpos e da construção de uma linguagem da sexualidade; elas nos apontam as estratégias e as táticas constituidoras das identidades sexuais e de gênero. Na escola, pela afirmação ou pelo silênciamente, nos espaços reconhecidos e públicos ou nos cantos escondidos e privados, é exercida uma pedagogia da sexualidade, legitimando determinadas identidades e práticas sexuais, reprimindo e marginalizando outras. Muitas outras instâncias sociais, como a mídia, a igreja, a justiça etc. também praticam tal pedagogia, seja coincidindo na legitimação e denegação de sujeitos, seja produzindo discursos dissonantes e contraditórios. Britzman (2001) apresenta modos de superar as tradicionais maneiras de se ensinar educação sexual. De um lado, a autora recorre a Eve Sedwick, que propõe axiomas para se refletir a sexualidade, dentre os quais se destaca um segundo o qual as diferenças existentes entre os indivíduos produzem diferentes significados sobre seus corpos e sua sexualidade. De outro lado, a autora se apoia em Sigmund Freud, que sugeria que os seres humanos produzem sexualidade sobre qualquer coisa e, com base nessa fundamentação, trabalha com uma versão da educação que, em suas palavras, ainda não é tolerada no currículo. Britzman (2001) acentua que essa versão da sexualidade, mesmo não sendo aceita pela pedagogia tradicional, é posta em ação na vida cotidiana dos indivíduos, nos produtos culturais, esportivos, narrativas, entre outros. A revisão na história da inclusão da sexualidade nos currículos escolares permite compreender como seu ensino se converteu em ansiedade educacional e, além disso, entender como a educação sexual contribuiu para a manutenção das desigualdades raciais e de gênero. No seção a seguir,sistematizam-se alguns documentos e publicações oficiais e suas relações sobre as questões de gênero e diversidade sexual que têm implicações no contexto escolar. 69 70 Segundo Hirata (2005), atualmente na França, utilizam-se de maneira relativamente indiferenciada gênero e relações sociais de sexo, mas a história conflituosa dessas duas categorias mostra bem que esses termos nem sempre são permutáveis. Para o termo “relações sociais de sexo”, de origem na escola francesa, Kergoat (2005) lembra que a diferença entre “rapport” e “relation” só existe na língua francesa, sendo impossível traduzir ambos os termos sob uma denominação distinta que não seja relation ou relação em inglês e português, respectivamente. 121 4.1 Panorama dos Documentos e Publicações Oficiais e as Relações sobre as Questões de Gênero e Diversidade Sexual A educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas que visam à participação de todos (grifo nosso) nos espaços sociais e políticos e, mesmo, para reinserção no mundo profissional. (Carlos Roberto Jamil Cury) Nesta seção, identifica-se inserção ou não do tema gênero e diversidade sexual nas políticas públicas de educação e demais publicações oficiais relacionadas à mesma no período de 1988 a 2007, recorte adotada para esta pesquisa. Antes de adentrar na análise dos documentos e publicações oficiais, indaga-se:Que interlocuções ou implicações pareceres, resoluções, programas e outros acarretam no campo educacional? Como a Educação Profissional Técnica de Nível Médio está inserida nessa temática de gênero e diversidade sexual? A identificação das políticas educacionais possibilitou analisar historicamente a formulação desses instrumentos legais, ou seja, em que contextos foram gerados e os impactos de tais documentos e publicações oficiais. Para atender a esse objetivo, foram realizadas consultas em diversos meios de pesquisas (incluindo sítios eletrônicos nacionais e internacionais). Barros (2010) expõe que os historiadores, ao analisarem documentos, podem adotar um“modo peculiar de ler aqueles indícios a partir dos quais buscar-se-á construir uma realidade historiográfica e interpretá-la. (BARROS, 2010, p.7).” Cury (2002) salienta a necessidade de examinar a legislação brasileira e outros documentos que se referem à inserção dos sujeitos como um todo, como: mulheres, crianças, negros. No caso da presente dissertação,inclui-se a diversidade sexual, pois o gênero está associado a tais questões. Na perspectiva Cury (2002) considera-se que as leituras dos documentos produzidos pelo governo permitem uma identificação do lugar em que as questões de gênero e diversidade sexual se situam no Brasil enquanto prescrições. Vianna e Unbehaum (2004) afirmam que adotar a óptica de gênero para a análise dessas políticas significa avaliar como elas podem facilitar ou dificultar a aquisição de padrões democráticos, uma vez que a política educacional não tem um papel neutro, dissociado de preconceito. A argumentação das autoras serviu de orientação para a construção de um panorama dessas políticas, bem como para a investigação do stipos de representações sociais sobre as questões de gênero e diversidade sexual estão presentes na política educacional por meio da legislação vigente no País. 122 Subirats (1999), ao tratar das políticas educacionais na Espanha,traz contribuições importantes para a análise da questão de gênero nas políticas educativas. A autora ressalta que, mesmo que a legislação represente um avanço na discussão das questões de gênero, é necessário que a sociedade e o professorado estejam preparados para tais mudanças. Tal afirmação sugere ações nos diversos setores públicos e privados, em especial no campo da educação. Ainda a respeito de políticas educativas, cabe destacar [...] qualquer política pública, independentemente de ser referenciada a partir de interpretações sistêmicas e estratégicas a partir de interpretações dialógicas e compreensivas, é entendida em função de valores, normas e símbolos correspondentes, respectivamente, às dimensões cognitiva, normativa e simbólica que servem de fundamentação argumentativa às tomadas de decisão educativa, em geral e curricular, em particular.(PACHECO, 2003, p.9) Diante do exposto a relação com as fontes (neste caso, com os documentos e publicações oficiais) vêm se ampliando, pois, como afirma Barros (2010, p. 1-2) [...] as fontes históricas, além de permitirem que o historiador concretize o seu acesso a determinadas realidades ou representações[...]também contribui para que o historiador aprenda novas maneiras de enxergar a história e formas de expressão que poderá empregar em seu texto historiográfico. Apartir da afirmativa acima, Barros propõe um roteiro que possibilita uma orientação nas análises das fontes. Apresentado na FIG. 10, a seguir, o roteiro aponta percursos que dialogam entre si, mas independentes. FIGURA 10 –Sugestão de um roteiro para análise de fontes dialógicas Fonte: adaptado de BARROS, 2010. 123 A figura exemplificou os percursos que podem ser adotados, entre eles: história da apropriação historiográfica da fonte, descrição das fontes, contexto, contexto e recontextualização, recuperação da rede de poderes e micropoderes, identificação dos instrumentos e procedimentos de mediação, crítica da veracidade dos mediadores, busca de dialogismos explícitos e implícitos, polifonia das fontes (identificação das vozes). As opções de leituras dos documentos são diversas para delinear as trajetórias dos indivíduos e da sociedade os elabora. Nesse sentido, Cury (2002, p. 254) argumenta: ...a magnitude da educação é assim reconhecida por envolver todas as dimensões do ser humano: o singulus, o civis, e o socius. O singulus, por pertencer ao indivíduo como tal, o civis, por envolver a participação nos destinos de sua comunidade, e o socius, por significar a igualdade básica entre todos os homens. Essa conjunção dos três direitos na educação escolar será uma das características do século XX. A partir deste momento, apresenta-se um panorama dos documentos e publicações oficiais, resultantes dos movimentos de grupos para a prática social que emergem dessa coletividade. Esses documentos geram desdobramentos no campo educacional no que diz respeito às relações que são estabelecidas ou não sobre as questões de gênero e diversidade sexual. 124 Quadro 11– Panorama de alguns documentos e publicações oficiais e a relação sobre gênero e diversidade sexual Denominação (Esfera) Constituição Federal 1988 (Federal) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº9394/96) (Federal) Parecer CNE-CEBnº 16/1999 e Resolução CNE/CEB nº 4/1999 (Federal) 71 Excerto 71 O documento traz como principio do Estado Democrático de Direito, definida como a organização política em que o poder emana do povo. No Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; A superação de discriminações e privilégios no âmbito do trabalho é sobremaneira importante numa sociedade como a brasileira, que ainda apresenta traços pré-industriais no que se refere aos valores que orientam as relações de trabalho e a relação das pessoas com o trabalho: clientelismo, corporativismo, nepotismo, coronelismo, machismo, marcam muitos dos processos pelos quais os profissionais – competentes ou não – acedem a postos, cargos, atividades, posições e progridem – ou não – nas distintas carreiras e atividades. Parâmetros curriculares nacionais para o Ensino Médio (1999) (Federal) O documento afirma que por meio da estética da sensibilidade facilitará o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a realidade própria dos gêneros, das etnias e das muitas regiões e grupos sociais do País. Tal perspectiva não garante o respeito à equidade de gênero e a aceitação da diversidade sexual. Programa Nacional de Direitos Humanos II (2002) (Federal) Proposta de Ações Governamentais nº34. Apoiar a realização de estudos e pesquisas de vitimização, com referência específica a indicadores de gênero e raça, visando a subsidiar a formulação, implementação e avaliação de programas de proteção dos direitos humanos. 162. Instituir uma política nacional de estímulo à adoção de crianças e adolescentes privados da convivência familiar, assegurando tratamento não discriminatório aos postulantes no que se refere a gênero, raça e orientação sexual.Proposta de Ações Governametais nº172. Incentivar a capacitação dos professores do ensino fundamental e médio para a aplicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs no que se refere às questões de promoção da igualdade de gênero e de combate à discriminação contra a mulher.Proposta de Ações Governamentais nº34. Apoiar programas voltados para a sensibilização em questões de gênero e violência doméstica e sexual praticada contra mulheres na formação dos futuros profissionais da área de saúde, dos operadores do direito e dos policiais civis e militares, com ênfase na proteção dos direitos de mulheres afrodescendentes e indígenas. Segundo Mendes et al. (2009, p.171): “A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de Direito e do respeito dos direitos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre mulheres e homens”. 125 Denominação (Esfera) Excerto Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006) (Federal) São princípios norteadores da educação em direitos humanos na educação básica (2006, p.32): a) a educação deve ter a função de desenvolver uma cultura de direitos humanos em todos os espaços sociais; b) a escola, como espaço privilegiado para a construção e consolidação da cultura de direitos humanos, deve assegurar que os objetivos e as práticas a serem adotados sejam coerentes com os valores e princípios da educação em direitos humanos; c) a educação em direitos humanos, por seu caráter coletivo, democrático e participativo, deve ocorrer em espaços marcados pelo entendimento mútuo, respeito e responsabilidade; d) a educação em direitos humanos deve estruturar-se na diversidade cultural e ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e conclusão, a equidade (étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de nacionalidade, dentre outras) e a qualidade da educação; e) a educação em Direitos Humanos deve ser um dos eixos fundamentais da educação básica e permear o currículo, a formação inicial e continuada dos profissionais da educação, o projeto político pedagógico da escola, os materiais didático-pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação; f) a prática escolar deve ser orientada para a educação em direitos humanos, assegurando o seu caráter transversal e a relação dialógica entre os diversos atores sociais. Alguns objetivos da educação inclusiva e não sexista (2004,p.15) 1. incorporar a perspectiva de gênero, raça, etnia e orientação sexual no processo educacional formal e informal; 2.garantir um sistema educacional não discriminatório, que não reproduza estereótipos de gênero, raça e etnia; 3.promover ações no processo educacional para a equidade de gênero, raça, etnia e orientação sexual; Ações do programa :a) apoio a projetos de fortalecimento de instituições públicas e nãogovernamentais que atuam na promoção da cidadania homossexual e/ou no combate à homofobia; b) capacitação de profissionais e representantes do movimento homossexual que atuam na defesa de direitos humanos; c) disseminação de informações sobre direitos, de promoção da auto-estima homossexual; e d) incentivo à denúncia de violações dos direitos humanos do segmento GLTB. (p.11). Possui como princípios: Laicidade do Estado; Participação social no processo de formulação, implementação e monitoramento das políticas públicas para GLBT; Promover e Defender os Direitos Humanos; Gerar e sistematizar evidências sobre a situação de vida da comunidade GLBT a fim de subsidiar a implementação de políticas públicas; Primar pela intersetorialidade e transversalidade na proposição e implementação das políticas públicas (p.11-12) Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (2004) (Federal) Programa “Brasil Homofobia” (2004) (Federal) Texto-Base da Nacional de GLBT(2008) (Federal) Sem Conferência Fonte: elaborado pelo autor. 126 Pode-se aqui fazer algumas inferências a respeito desses instrumentos e a sua relação com o contexto escolar. Após um longo período histórico sem subsídios legais para abordar o tema gênero e diversidade sexual, o País encontra-se em fase inicial e em aprimoramento na construção desses documentos, bem como na formação de docentes e adoção de outras ações. No contexto escolar da instituição profissional pesquisada,os docentes ainda desconhecem tais instrumentos, o que corrobora o silêncio ou as ausências sobre as questões de gênero e diversidade sexual. No caso do estudo em questão, que teve como um dos objetivos analisar o conteúdo dos livros didáticos e as aulas de História no que se refere às questões de gênero e diversidade sexual, confirmou-se a hipótese de pesquisa que supôs-se que, se estivesse presente a questão de gênero e diversidade na Educação Profissional Técnica de Nível Médio, porém a mesma é tratada de forma superficial, descontextualizada, sem sintonia com a realidade dos sujeitos históricos e, por conseguinte, a-histórica. Supôs-se, também, que algumas questões de gênero são silenciadas ou estão ausentes dos conteúdos dos livros didáticos da disciplina História no âmbito do currículo dos cursos de EPTNM de uma Instituição da Rede Federal de Educação Profissional Tecnológica de Minas Gerais (IRFEPTMG).No Capítulo 3, o docente entrevistado revelou que ouviu falar sobre a discussão do tema e a sua inserção nos materiais didáticos, porém seu discurso se ateve à legislação que trata da questão étnico-racial. Cabe salientar ações pontuais da instituição sobre gênero e diversidade sexual que possibilitam a visibilidade dessas questões exemplificada pelo Primeiro Seminário sobre Diversidades, conforme Anexo A. 4.2 Os Documentos e Publicações Oficiais em Face do Contexto de Sua Produção Histórica Os documentos e publicações oficiais– (i) Constituição Federal (BRASIL, 1988); (ii) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº9394/1996; (iii) Parecer CNECEB nº 16/1999 e Resolução CNE/CEB nº 4/1999; (iv) Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 1999) –situam-se historicamente no fim da década de 1980 e início da década de 1990. Esse foi um período marcado pela redemocratização brasileira e, posteriormente,pela implantação das diretrizes de uma proposta neoliberal.72. O país 72 Alves (2011) afirma que, na era neoliberal, o Brasil apresentou taxas medíocres de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Se na década de 1980, denominada de década perdida, tivemos uma taxa média anual de crescimento do PIB em 3%, na década de 1990 o crescimento anual médio do país atingiu apenas 1,7%. Já no período de 2000 a 2006, manteve-se abaixo de 3,1%. A autorasalienta que o termo “era 127 vivenciou a renúncia do Presidente Fernando Collor em 1992, assumindo Itamar Franco (1992-1995), cujos marcos no âmbito educacional foram o Plano Nacional de Educação e a nova LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 . Um aspecto que merece destaque nas análises de políticas públicas é a identificação das disparidades, com vistas a denunciar como primeiro passo para superar as contradições. Nesse sentido, Arroyo (2011) ressalta dois pontos. Primeiro, a importância de não perder o foco das análises do sistema escolar e de suas desigualdades, desde as condições físicas, de recursos didáticos, pedagógicos e outros. O segundo aspecto descrito por Arroyo é que devemos ter políticas de intervenção no sistema e sua estrutura, pois [...] avaliamos mais os alunos, seus coletivos do que o sistema, suas estruturas, seus ordenamentos, suas lógicas, seus rituais e seus valores reprodutores e legitimadores das desigualdades sociais, raciais, de gênero, campo, periferia. (ARROYO, 2011, p. 85) Os instrumentos citados são dotados de concepções de mundo, com destaque especial para os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Médio, os quais trazem o tema gênero de forma transversal, vinculado à vida e à saúde. O documento não aborda as categorias identidade de gênero, orientação sexual e outras com profundidade, inclusive com relação às práticas administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino. O documento traz uma concepção que norteia a organização curricular no Brasil, denominada de estética da sensibilidade. Esse conceito é descrito como um [...] esforço permanente para devolver ao âmbito do trabalho e da produção a criação e a beleza, daí banidas pela moralidade industrial taylorista. Por esta razão, procura não limitar o lúdico a espaços e tempos exclusivos, mas integrar diversão, alegria e senso de humor a dimensões de vida muitas vezes consideradas afetivamente austeras, como a escola, o trabalho, os deveres, a rotina cotidiana. Mas a estética da sensibilidade quer também educar pessoas que saibam transformar o uso do tempo livre num exercício produtivo porque criador. E que aprendam a fazer do prazer, do entretenimento, da sexualidade, um exercício de liberdade responsável. Como expressão de identidade nacional, a estética da sensibilidade facilitará o reconhecimento e a valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a realidade própria dos gêneros, das etnias e das muitas regiões e grupos sociais do país. (BRASIL. MEC, 2000, p. 63). O PCN traz elementos que permitem constatar a intencionalidade de alinhar de modo submisso o sistema educativo aos dispositivos do capitalismo. Cabe destacar que o documento, ao ser redigido com essa concepção, ao mesmo tempo em que desconsidera o neoliberal” correspondeao período histórico de inserção subalterna do Brasil na mundialização do capital através de políticas macroeconômicas neoliberais que acentuaram a lógica destrutiva do capital do País. 128 desenvolvimento do raciocínio histórico do aluno e a formação de sua cidadania, direciona a educação de jovens e adultos trabalhadores para a inserção no mercado de trabalho com o desenvolvimento de um mínimo de competências. Na discussão sobre as questões de gênero e diversidade sexual, os PCNs73 do Ensino Médio não explicitam orientações sobre o tratamento de temas sobre a diversidade sexual, muito embora mencione a questão da diversidade cultural e a de forma ampla, na seguinte perspectiva Diversidade, no entanto, não se confunde com fragmentação, muito ao contrário. Inspirada nos ideais da justiça, a diversidade reconhece que para alcançar a igualdade, não bastam oportunidades iguais. É necessário também tratamento diferenciado. Dessa forma, a diversidade da escola média é necessária para contemplar as desigualdades nos pontos de partida de seu alunado, que requerem diferenças de tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos um patamar comum nos pontos de chegada. (BRASIL. MEC, 2000, p.68). Já os instrumentos oficiais, tais como: Programa Nacional de Direitos Humanos II (2002), Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2003), Planos Nacionais de Políticas para as Mulheres (2004/2007), Programa “Brasil Sem Homofobia” (2004) eTextoBase da Conferência Nacional para Políticas para LGBT (2007) estão inseridos na primeira década do século XXI. Essa década é marcada pela ocupação da esquerda política brasileira por meio de processo eleitoral, tendo como arauto a ocupação da presidência por um exoperário. Ainda no sentido do exercício democrático, os movimentos sociais tentam mobilizar ações que possibilitem a construção de um Estado democrático. Segundo Gohn (2007, p.1920), a concepção de movimentos sociais remonta a fenômenos históricos, decorrentes de lutas sociais. Colocam sujeitos históricos específicos sob as luzes da ribalta em períodos determinados. Com as mudanças estruturais e conjunturais da sociedade civil e política, eles se organizam para lutar por transformações. 73 Diferente do documento acima, um texto ainda em discussão denominado Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio evidencia claramente as questões de gênero e diversidade sexual. Esse documento ressalta que aproximações com as políticas de direitos humanos para crianças e adolescentes; dos direitos das pessoas com necessidades educacionais especiais; de gênero e diversidade sexual e das relações étnico-raciais são alguns exemplos de territórios educacionais a serem apropriados em uma educação orientada para o reconhecimento do outro e para a diminuição das distâncias entre as categorias sociais, no combate à discriminação e segregação. [...] Ao pautar a necessidade de aproximar a educação profissional das especificidades de formação dos sujeitos das diferentes modalidades da educação básica, este texto tem o mérito de propor o diálogo que tem sido postergado entre as modalidades e a educação profissional e tecnológica, bem como das modalidades entre si, sinalizando assim para os desafios políticos, mas também para as possibilidades da formação integral dos sujeitos e de produção de conhecimento entre os diferentes campos. Destaca também o movimento necessário de interlocução interministerial e entre as diferentes secretarias do MEC, no sentido de formulação conjunta de ações de indução de políticas de inclusão, no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica. (BRASIL. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, 2010, p. 18-19). 129 A participação dos diversos movimentos sociais74 – aqui dando-se ênfase ao movimento de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBT)75– influenciou a elaboração de mecanismos para a construção de uma sociedade mais justa. Gohn (2007, p. 20) argumenta que,“enquanto a sociedade não resolver seus problemas básicos de desigualdades sociais, opressão e exclusão, haverá lutas, haverá movimentos. E deverá haver teorias para explicálos”. Assim sendo, os avanços das reformas administrativas, políticas e educacionais precisam ainda, como sublinha Junqueira (2009b, p.161), [...] considerar que não é qualquer modelo educacional que se presta ao desenvolvimento social, e que nem toda elevação da escolaridade se faz acompanhar do aprimoramento ético dos indivíduos. Estudiosos/as e movimentos sociais de mulheres, negros/as, indígenas, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), entre outros, têm sinalizado a necessidade de Estado e sociedade refletirem mais radicalmente sobre as políticas de educação – os modelos educacionais, seus pressupostos, seus conteúdos, os valores que ajudam a (re)produzir –e confrontaremnas com a diversidade que, não raro, ignoram ou desvalorizam. Para o autor desta dissertação,os documentos citados são identificados não apenas por detectar unidades de significado sobre as questões de gênero e diversidade sexual, mas também como forma de situá-los enquanto documentos que implicam reformas administrativas, educacionais e curriculares. De acordo com Maria A. da Silva (1995), tais documentos podem expressar respostas atrasadas dos órgãos governamentais às demandas colocadas pela prática social (SILVA,M.,2006). Para Cunha e Cunha (2002), [...] se as políticas [...] veem como respostas construídas pelo Estado às demandas da sociedade, o direito coletivo que as fundamenta elege prioridades de um grupo social em relação a outros. Esse processo apresenta conflitos que devem ser 74 75 Na década de 1970, os movimentos sociais impactaram o capitalismo vigente. Segundo Silva(2006), a escalada de movimentos sociais sem precedentes e conjugados desencadeou um profunda crise na economia capitalista mundial iniciada em 1974, cuja manifestação mais visível foi a crise do taylorismo e fordismo. Silva (2006, p.2) define taylorismo como um modo de organização racional do trabalho, fruto do trabalho de engenheiros, tendo como expoente F.W. Taylor. É uma construção teórica por meio da qual os técnicos tentam regular a produção e as relações sociais, aplicando seus princípios na organização das empresas. O que se pretende é substituir a administração das coisas pelo controle dos homens. Para atingir seu intento – rendimento ótimodo trabalho operário –, o taylorismo utiliza dos referenciais das ciências humanas, como psicologia, sociologia, medicina do trabalho, ergonomia, entre outras. Salienta ao extremo o valor da divisão do trabalho em duas direções: (i) separação rigorosa do trabalho manual e do trabalho intelectual, da concepção e da execução do trabalho; (ii) decomposição rigorosa, nos seus elementos gestuais, das operações do trabalho produtivo.Já o fordismo, como padrão produtivo, estruturou-se com a divisão do trabalho fragmentada; com a decomposição das tarefas alocadas aos trabalhadores em postos fixos. Separou o trabalho manual do trabalho intelectual, destinando a execução aos trabalhadores e a concepção e o controle aos administradores; a produção e a montagem são realizadas em lugares diferentes. A sigla LGBT possui variantes, com ordens diferentes das letras e com o acréscimo de outras. Para alguns teóricos,pode-se acrescentarum T (para distinguir travestis e transexuais) ou mais dois T (para destacar transgêneros em geral, travestis e transexuais). 130 orientados para os interesses públicos, o que requer intersetorialidade das ações, territorialidade dos serviços, descentralização da política, acessibilidade e participação da sociedade civil na gestão local. Barros (2010, p.14) indica que o historiador pode explorar os vestígios da humanidade com várias fontes e, de modo específico, com as denominadas fontes dialógicas, as quais “dão voz a indivíduos ou grupos sociais pelas suas margens, pelos seus contracantos, ou mesmo através dos seus silêncios e exclusões”. Os documentos citados anteriormente possibilitaram identificar alguns princípios da igualdade entre homens e mulheres, com suas nuances entre progressos e lacunas no que tange a conceitos de identidade de gênero, diversidade sexual e outras questões. Contudo, na perspectiva de Rossi (2010, p.103-104), no que se refere às questões de gênero e diversidade sexual, houve avanços nos seguintes aspectos: • • • • • • • • • Formação de Profissionais da Educação para a Cidadania e Diversidade Sexual (2005/2006); Formação de Profissionais da Educação para Promoção da Cultura de Reconhecimento da Diversidade Sexual e a Igualdade de Gênero (2006/2007); Formação de profissionais da educação da rede pública de Educação Básica voltados para a promoção, no contexto escolar, da igualdade de gênero, da diversidade sexual, o enfrentamento ao sexismo e à homofobia e à defesa dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de jovens e adolescentes (2008);[...] Projeto Saúde e Prevenção nas Escolas em parceria com o Ministério da Saúde e a UNESCO (desde 2005); Reelaboração do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos de modo a garantir a inclusão das temáticas de gênero, identidade de gênero e orientação sexual (2006) em parceria com a SEDH; Financiamento à produção de materiais sobre educação, diversidade sexual e de gênero (desde 2005, com ênfase em 2008); Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, uma iniciativa da SPM, em parceria com o MEC, o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), com três edições: 2005, 2006, 2007/2008; Elaboração de estudo sobre a abordagem de gênero e orientação sexual no Plano Nacional de Educação, visando à revisão de suas metas em atendimento ao convite do Conselho Nacional de Educação (2005);[...] produção do “Caderno Diversidades” em fase de edição;[...] Inclusão da abordagem de gênero e do enfretamento à homofobia no Edital de Avaliação e Seleção de Obras Didáticas para a Construção do Guia de Livros Didáticos de 1º ao 5º Ano do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2010; Construção de indicadores sobre diversidade, visando a acompanhar e avaliar os efeitos e os impactos das políticas públicas educacionais no que diz respeito a gênero e orientação sexual (em curso); Inclusão no Questionário Socioeconômico do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de questões relacionadas a gênero e orientação sexual (2005). Os argumentos de Rossi (2010) fornecem subsídios para confirmar os avanços sobre as questões de gênero e diversidade sexual. No entanto,os itens acima elencados ainda não se 131 configuram como política pública, e sim como planos de governos, que, por sua vez, podem deixar de existir após as eleições subsequentes.Vale lembrar que, ao trazer à tona esses artefatos compreendidos como documentos e publicações oficiais, foi possível fazer uma sistematização das ações voltadas para a ampliação de direitos de gênero, diversidade sexual, etnia, entre outros, no campo institucional brasileiro. Para Junqueira76 (2009a, p. 26) No plano internacional, os “Princípios de Yogyakarta” são um dos mais importantes documentos com orientações para ações de enfrentamento a toda espécie de discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Neles, há um capítulo específico sobre educação, com recomendações. Outro documento são as “Metas do Milênio”, da Organização das Nações Unidas (de 2000).Sabemos que diretrizes sozinhas não tendem a produzir efeitos amplos, profundos e duradouros. Mas é certo que docentes dificilmente poderão saber ou se sentirem seguros/as a “trabalhar a diversidade sexual” de maneira mais acolhedora sem o amparo de um arsenal mais amplo, consistente e articulado fornecido por políticas de educação para a diversidade. Ante o exposto, merece destaque a ação dos docentes. De fato, é desafiante fazer acontecer um movimento de articulação entre docentes, discentes, gestores, pessoal de apoio técnico-pedagógico para se dialogar sobre tais questões no espaço escolar. A escola, ao mesmo tempo em que é espaço de reprodução de diversas práticas, é também onde pode ocorrer um movimento instituinte em direção à construção da cultura do reconhecimento da diversidade sexual e de gênero. Sob essa perspectiva, somente por meio da formação continuada (em especial,dos docentes) é possível desenvolver-se, na escola, uma “posição de defesa de uma educação escolar que se materialize como fator ligado ao fortalecimento do pluralismo político e cultural, e fator de superação das relações de exclusão societárias (OLIVEIRA,Maria 2000, p.41). Cury (2002, p. 255) expõe que 76 Segundo Junqueira (2009c, p. 26-27), na Internet podem ser encontrados numerosos sítios eletrônicoscom textos e informações úteis para essas discussões. Por exemplo: www.clam.org.br, www.abiaids.org.br, www.ecos.org.br, www.papai.org.br, www.dhnet.org.br, www.abglt.org.br, www.paradasp.org.br, www.ilga.org, www.ilga-europe.org/Europe/Publications, www.felgt.org; www.aids.gov.br, http://libdigi.unicamp.br. O portal do Ministério da Educação (www.mec.gov.br) fornece documentos, diretrizes e links para outros sítios eletrônicos, como a biblioteca virtual do “Domínio Público” (www.dominiopublico.gov.br) e o portal da Capes/MEC (www.periodicos.capes.gov.br). Lembram-se aqui alguns projetos de promoção da diversidade sexual nas escolas no exterior: The Global Alliance for LGBT Education (www.lgbt-education.info); Gay, Lesbian, and Straight Education Network (www.glsen.org/cgibin/iowa/all/home/index.html) e Harvey Milk School (www.hmi.org), nos EUA; Gay and Lesbian Educators of British Columbia (bctf.ca/SocialJustice.aspx?id=6106), no Canadá; Transfer of Information to Combat Discrimination Against Gays and Lesbians in Europe (www.diversity-ineurope.org/alt/html/index_eng.html), na Alemanha, Áustria, Holanda e Itália; Schoolmates Project (www.arcigay.it/schoolmates) na Itália, Espanha, Áustria e Polônia; Respectme (www.respectme.org.uk), no Reino Unido; Triangle Program (schools.tdsb.on.ca/triangle) e Camp fYrefly (www.fyrefly.ualberta.ca), no Canadá. 132 ... a dialética entre o direito à igualdade e o direito à diferença na educação escolar como dever do Estado e direito do cidadão não é uma relação simples. De um lado, é preciso fazer a defesa da igualdade como princípio de cidadania, da modernidade e do republicanismo. A igualdade é o princípio tanto da nãodiscriminação quanto ela é o foco pelo qual homens lutaram para eliminar os privilégios de sangue, de etnia, de religião ou de crença. Ela ainda é o norte pelo qual as pessoas lutam para ir reduzindo as desigualdades e eliminando as diferenças discriminatórias. Mas isto não é fácil, já que a heterogeneidade é visível, é sensível e imediatamente perceptível, o que não ocorre com a igualdade. Logo, a relação entre a diferença e a heterogeneidade é mais direta e imediata do que a que se estabelece entre a igualdade e a diferença. Cury (2002) evidencia a complexidade da relação entre o Estado e o cidadão. Ratificase tal posicionamento e acrescenta-se que o próprio contexto de construção de um Estado democrático é efetivar um Estado laico. Para efeito desta pesquisa, o autor desta dissertação teve também a intenção de sistematizar alguns documentos e publicações oficiais, no qual buscou-se delinear em que aspectos esses instrumentos dialogam ou não sobre as questões de gênero e diversidade sexual na EPTNM. Tal sistematização possibilita subsidiar futuras discussões na Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio. A escola pública, no seu sentido pleno, supõe a inclusão da pluralidade de ideias, da diversidade de gênero, da difusão do conhecimento e do seu desenvolvimento. Salienta-se que o currículo preescrito e o currículo em ação não são neutros. Caetano (2010, p.51) descreve que os currículos não acontecem em vazios culturais, políticos, ideológicos e econômicos. Por isso, são arranjos que se inter-relacionam com as questões de gênero, raça/etnia eclasse. Nas palavras de Louro (2001, p. 64), ...currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processo de avaliação são, seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe – são constituídos por essas distinções e, ao mesmo tempo, seus produtores. Todas essas dimensões precisam, pois, ser colocadas em questão. É indispensável questionar não apenas o que ensinamos, mas o modo como ensinamos e que sentidos nossos/as alunos/as dão ao que aprendem. Sendo assim, Louro (2001) evidencia que o ato educativo enquanto processo formativo requer uma reflexão contínua. Ratifica-se a afirmativa e destaca-se que é preciso compreender o processo formativo no contexto micro e macro. Em outras palavras, é necessário visualizar e problematizar as linguagens hegemônicas, as práticas institucionalizadas, os materiais adotados e ouvir as vozes presentes, silenciadas e ausentes. 133 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho buscou identificar as presenças, silêncios e ausências sobre as questões de gênero e diversidade sexual na disciplina História no âmbito curricular de dois cursos da Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio. Partiu-se do pressuposto de que as questões de gênero e diversidade sexual estariam presentes, ausentes ou silenciadas na disciplina História na referida instituição. Em termos de objetivos específicos, buscou-se(i) verificar, a partir da perspectiva do professor, como os livros didáticos são escolhidos e trabalhados em sala de aula da disciplina História do currículo de EPTNM; (ii) analisar o conteúdo dos livros didáticos eas aulas de História no que se refere às questões de gênero; (iii) identificar as questões de gênero e diversidade sexual nos documentos e publicações oficiais; e (iv) verificar a natureza, a extensão e a profundidade dos conteúdos sobre questão de gênero nos livros didáticos e nos planos de curso.Para aprofundar os conceitos e o debate, foram tomados os seguintes aportes teóricos: questões de gênero (COSTA, C. L.; 1994; CASAGRANDE; CARVALHO, 2006) sobre gênero e diversidade sexual, (JUNQUEIRA,2009a, 2009b, 2009c; LOURO, 2004), sobre currículo (SACRISTÁN, 2000; SILVA, 2010)e sobre ensino de História (BITTENCOURT, 2009; LUCIOLA SANTOS 2001) Os procedimentos metodológicos adotados foram o estudo de caso (ANDRÉ, 2005) e a análise de conteúdo (BARDIN, 2002). Em relação ao objetivo de verificarem-se a natureza, a extensão e a profundidade dos conteúdos sobre questão de gênero por meio de levantamentos da produção bibliográfica, constatou-se que, no grupo de trabalho Psicologia da Educação (GT 20) da ANPEd, não foi encontrado qualquer trabalho que abordasse as temáticas de gênero e diversidade sexual no período de 2000 a 2010. Já no campo da Psicologia Social, foi encontrada uma pesquisa de Vianna e Ramires (2008). As autoras verificaram diferentes ângulos sobre a diversidade sexual e as relações de gênero em 67 dos 98 livros didáticos distribuídos pelo governo por meio do PNLD eem uso nos anos 2007 e 2008. O objetivo dessas autoras era examinar, sob diferentes ângulos, a qualidade discursiva sobre a diversidade. Elas constataram indícios homofóbicos, de modo sutil, nas entrelinhas. Neste caso, a tarefa primordial foi buscar o nãodito, por ser tão ou mais devastador do que as palavras explícitas. 134 Inicialmente, buscou-se a contextualização do problema de pesquisa na literatura, no referencial teórico, bem como na legislação, incluindo fontes primárias e secundárias. Em seguida, procedeu-se ao contato com a instituição, para identificar os docentes que lecionavam a disciplina História e as obras adotadas. No que se refere às questões de gênero e diversidade sexual, acrescentou-se a análise dos livros de História utilizados pelas turmas observadas na referida instituição. A análise dos três livros de História confirmou a presença de gênero binário. Vale lembrar que, enquanto há a persistência da presença da matriz heterossexual nesses materiais didático, há, nesses materiais, silêncio sobre as questões ligadas à diversidade sexual. Os livros didáticos, ainda que se configurem como instrumento que sofre intervenção de diversos campos da sociedade, também é caracterizado como um objeto de conhecimento na escola, ao ser submetido à prática docente e à utilização dos educandos. Os conteúdos históricos ministrados durante as aulas indicam posicionamentos e visões de mundo. A pesquisa de campo possibilitou a identificação de algumas ações da instituição no sentido de abordar o tema gênero e diversidade sexual, complementado pelas questões étnico-raciais. Tais ações, ainda que pontuais, representam um movimento embrionário que pode possibilitar outras práticas pedagógicas no Ensino de História no âmbito curricular da Educação Profissional Tecnológica de Nivel Médio, de forma que as questões de gênero e diversidade sexual sejam realmente discutidas na realidade escolar. A esse respeito, cabe sublinhar que os alunos e alunas são sujeitos históricos e sua relação com o ensino e aprendizagem pode ser ampliada no momento em que forem reconhecidos como parte da história, considerando-se a gama de diversidade cultural e sexual existente. O silêncio nos livros de História não foram evitados mesmo em face à indutiva política de avaliação dos LDs pelo MEC, via discussões em universidades. Essa omissão no trato das questões de gênero e diversidade sexual possibilita deduzir que ainda há outros interesses presentes no ensino de História. Segundo a argumentação de Laville (1999), a História é a única disciplina escolar que recebe intervenções diretas dos altos dirigentes. No contexto histórico de tais ações do governo federal, ainda se constata o ato de ignorar as questões de gênero e diversidade sexual e seus sujeitos históricos em razão de posições religiosas, patriarcais e políticas. Nas palavras de Louro (1995, p. 124), isso é ratificado nos seguintes termos: “uma história da educação na perspectiva de gênero é mais do que uma opção teórica ou pedagógica; é uma opção política”. 135 Os materiais didáticos também demonstraram uma contradição com o debate contemporâneo no que se refere às políticas afirmativas. Discussões recentes sobre a distribuição de materiais abordam a necessidade do tratamento do tema diversidade sexual. Os discursos analisados, tanto dos professores quanto o presente no material didático, indicam que, se houver alguma iniciativa, esta terá que partir do docente e da instituição, propiciando espaços para diálogos, planejamento e formação. De fato, o ambiente escolar é um espaço de diálogo para superar todas as práticas discriminatórias, que envolve a academia, os movimentos sociais, os docentes e, em especial, os alunos. Os livros didáticos, enquanto portadores legitimados de conteúdos escolares e presentes na prática educativa de modo geral, não podem ignorar essa realidade. Foi com isso em mente que foram conduzidas as análises deste trabalho, o que pode ser ligado às palavras de Casagrande e Carvalho (2009, p.109): “o silêncio fala, e precisamos saber ouvi-lo” A pesquisa possibilitou a constatação de que as questões de gênero e diversidade sexual estiveram presentes durante as aulas de História em ambas as turmas e foram abordadas de formas diferentes. Na turma de Turismo e Lazer, o docente, ao abordar o conteúdo sobre a sociedade barroca mineira e os valores da sociedade, realizou um paralelo com os valores vigentes na sociedade brasileira atual. Em outro momento o docente, ao ser indagado por uma aluna sobre a Guerra Civil Espanhola, mediou a situação de aprendizagem conforme e-mail adaptado,mencionando a questão histórica e inserindo os homossexuais. Na entrevista realizada com o docente da turma de Turismo e Lazer, houve a manifestação de que ouviu falar sobre os materiais que abordam as questões de gênero, mas se ateve a detalhar sobre as questões étnico-racial. O professor revelou que, na sua formação, não houve discussão sobre o tema e relatou a complexidade da sua abordagem na instituição, tendo em vista as posições políticas da condução do tema. Nas aulas da turma de Mecânica (modalidade PROEJA), ocorreram situações que possibilitaram a discussão sobre gênero e diversidade sexual. No entanto, houve silêncio, fato confirmado por meio dos registros de campo, quanto ao relato de preconceito na sala de aula e às relações dos educandos com o docente de Física. Não foi possível um melhor detalhamento sobre essas questões devido à opção do docente em não participar da entrevista. Identificouse, com relação à composição dessa turma, que freqüentavam as aulas de História em torno de sete a dez educandos. Entre esses, duas educandas permanenciam na sala de aula com pouca participação nas discussões, o que nos leva a indagar também qual a participação do gênero feminino nesta instituição.Tal fato não pode ser aprofundado, devido ao recolhimento das 136 alunas em tratar do assunto. Assim não foi possível saber as razões por que esses dois sujeitos históricos permaneceram arredios às discussões da turma em geral. Realizou-se análise dos documentos e publicações oficiais relacionados ao livro didático (resoluções, PNLD e outros), a fim de identificar as questões de gênero e diversidade sexual. A partir desses documentos,identificaram-se-se relações no que tange à disciplina História no âmbito do currículo de dois cursos da Educação Profissional Técnica de Nível Médio e às questões de gênero. Considerou-se nesse momento que“qualquer política pública [...] é entendida em função de valores, normas e símbolos [...] que servem de fundamentação argumentativa às tomadas de decisão educativa, em geral e curricular[...]”(PACHECO, 2003,p.12). Na busca de caracterização dos sujeitos envolvidos na pesquisa, como os docentes e os discentes da turma de Turismo e Lazer e da turma de Mecânica, ficou evidenciado que as turmas compõem-se, majoritariamente, de jovens com idade entre 17 e 20 anos, na maioria solteiros, negros e pardos. A religião predominante é a católica. Esses alunos se dizem desempregados ou estagiando. Pelos dados obtidos, em sua maioria, os alunos têm acesso à Internet. Há diferenças na composição das turmas quanto ao sexo, sendo que, do universo dos sujeitos pesquisados, a maioria é do sexo feminino. No tocante aos documentos e publicações oficiais que regularizam a educação básica, de modo especial a Educação Profissional, há ações exemplificadas por Rossi (2010), que evidenciam uma preocupação do governo federal em ampliar as discussões. Todavia, as ações sobre gênero e diversidade sexual ainda são pontuais e dependem da efetividade de um Estado laico. No que tange ao cenário educacional, o currículo prescrito tem suas origens nos órgãos governamentais e que por sua vez estão diretamente associadas ao âmbito curricular, pois, segundo Sacristan (2000), o currículo é uma somatória de processos e dinâmicas institucionais. A instituição pesquisada demonstrou atenção ao tema quando propôs e realizou o I Seminário sobre as Diversidades. Entretanto, as questões de gênero e diversidade não se esgotam em um seminário. Ao contrário, foram, no cotidiano da sala de aula, durante o processo ensino-aprendizagem que as representações dos sujeitos sobre gênero e diversidade sexual é que foram demonstradas e vivenciadas. Ainda nesse sentido,tais ações necessitam da adesão das profissionais da educação diretamente envolvidos com o processo formativo do educando. Pois, se de um lado, na turma de Turismo e Lazer, houve pontuações breves sobre 137 gênero e diversidade, na turma de Mecânica, houve a manifestação do silêncio e para além disto outras questões pedagógicas necessitam ser reavaliadas no que se refere ao ensino noturno e em especial aos docentes desse turno. A disciplina História não é a única com a possibilidade de abordar essas questões, mas tem como objeto de estudo a humanidade no tempo e no espaço. De fato, a historiografia, ao ser crítica e ao buscar novas formas de analisar as fontes, possibilita aos educandos o espaço para perguntas sobre as questões de gênero e diversidade, a partir de suas experiências. Espera-se que a realização desta pesquisa abra perspectivas para que outros pesquisadores/asque se interessem pelo tema focalizem outras disciplinas e até a disciplina História, novamente, de modo a verificar se os achados circunstanciados e datados desta pesquisa se confirmam ou não. Além disso, parece oportuno que este tema seja objeto de novas pesquisas sobre o discurso coletivo dos docentes e o discurso dos discentes sobre esta temática. Salienta-se, por fim, que esta pesquisa não teve e não tem a pretensão de fazer generalizações, mas tão somente apreender, no contexto da disciplina História, mediante análise do LD e observações de um número determinado de aulas, o discurso que emerge sobre essas questões e o tratamento que lhe foi dado. Finalizando este estudo, constatou-se a complexidade de se abordar o tema gênero e diversidade sexual na disciplina História no âmbito do curricular de dois cursos da Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio. Cabe salientar que foram apenas dois cursos pesquisados num universo de mais de trinta cursos técnicos, o que por sua vez deixa de fora os demais cursos, delimitação necessária para a pesquisa que foi classificada como Estudo de Caso. Outra limitação foi a opção do docente de História do curso de Mecânica em não participar da entrevista após as observações da sala de aula.Cabe salientar também que o tema gênero e diversidade sexual é ainda um tema complexo e encontrou resistências para se levantar alguns dados.Contudo, ainda que se confronte o interesse de grupos hegemônicos e ainda que revelem as contradições existentes na sociedade, carece-se de uma política pública e formativa que atenda aos alunos-trabalhadores na garantia de uma educação democrática, cuja temática de gênero e diversidade estejam presentes nas discussões curriculares da Educação Profissional Tecnológica de Nível Médio. 138 REFERÊNCIAS ALTMANN, H. Orientação sexual em uma escola. Cadernos Pagu, Campinas, n. 21,p. 281315, 2003. ALVES, Giovanni. As intermitências das contingências: A experiência da nova precariedade salarial no Brasil. Projeto de pesquisa.2011. Disponível em: <http://www.giovannialves.org/pesquisa.htm>. Acesso em: 12 nov. 2011. 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Tur. 1.266,7 2 80 T & P de Turismo e Meio Ambiente 2 80 T & P de Empreendedorismo 2 80 T & P de Promoção de Eventos 2 80 Língua Portuguesa Aplicada 2 80 História de Minas Gerais 2 80 T & P de Alimentos e Bebidas 2 80 Inglês Aplicado – II 2 80 Espanhol Aplicado – II 2 80 Atividades em Meio Natural (*) 2 80 (*) C. horária semanal total (h/a) 06 14 18 1520 1266,7 C. horária semanal (h/a) 38 36 36 C. horária anual (horas) 3700 HORAS (*) Disciplinas optativas: oferecidas de acordo com interesses e disponibilidade dos alunos e coordenações envolvidas. Formação Geral: 2400 horas Formação Técnica: 1300 horas Exercício Orientado da Profissão: 480 horas TOTAL GERAL: 4180 horas TURISMO ÁREA A grade curricular dos Cursos da Educação Profissional e Tecnológica de nível médio na forma integrada tem como aportes legais: Lei no 9.394/1996; Resolução no04/1999 e Parecer noCNE/CEB 16/1999. A duração da hora-aula é de 50 minutos. 168 Anexo D –Grade Curricular para o Curso da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Concomitância Externa em Turismo DISCIPLINAS Educação Patrimonial Teoria e Prática de Lazer, Recr. e Animação Cultural Cultura Brasileira II Matemática Aplicada Teoria do Turismo Teoria e Prática do Turismo Geografia e Turismo História de Minas Gerais Teoria e Prática de Turismo e Meio Ambiente Inglês Aplicado – I Espanhol Aplicado – I Teoria e Prática de Agência de Viag. e Transp. Turísticos Adm. e Marketing em Turismo Teoria e Prática de Empreendedorismo Teoria e Prática de Promoção de Eventos Língua Portuguesa Aplicada Teoria e Prática de Hotelaria Teoria e Prática de Alimentos e Bebidas 1º ANO 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 - 2 2 2 2 2 2 2 2 CH/A 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 80 Inglês Aplicado – II - 2 80 Espanhol Aplicado – II - 2 80 20 20 C. Horária semanal total (h/a) C. Horária Total do curso 2º ANO 1600 Formação Técnica: 1333,4 horas Exercício Orientado da Profissão: 480,0 horas TOTAL GERAL: 1.813,4 Horas Fonte: Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (BH) HORAS 66,7 1.266,7 1333,4 169 Anexo E –Portaria do Brasil Sem Homofobia (BSH) 170 Fonte: Ministério da Saúde