UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES LICENCIATURA PLENA EM LETRAS HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA PAPA-CAPIM: A REPRESENTAÇÃO DO INDÍGENA BRASILEIRO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS SIBELLE PRAXEDES PEREIRA JOÃO PESSOA, AGOSTO DE 2014 SIBELLE PRAXEDES PEREIRA PAPA-CAPIM: A REPRESENTAÇÃO DO INDÍGENA BRASILEIRO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua Portuguesa. Profª. Drª. Maria Bernardete da Nóbrega Orientadora JOÃO PESSOA, AGOSTO DE 2014 Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade Federal da Paraíba. Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Pereira, Sibelle Praxedes. Papa-Capim: a representação do indígena brasileiro nas histórias em quadrinhos / Sibelle Praxedes Pereira. – João Pessoa, 2014. 51f.:il. Monografia (Graduação em Letras com habilitação em Língua Portuguesa) – Universidade Federal da Paraíba – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Bernardete da Nóbrega. 1. História em quadrinhos. 2. Indígena. 3. Imaginário. 4. Cultura imaginário. I. Título. BSE-CCHLA CDU 741.5 SIBELLE PRAXEDES PEREIRA PAPA-CAPIM: A REPRESENTAÇÃO DO INDÍGENA BRASILEIRO NAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua Portuguesa. Data de aprovação: ____/____/____ Banca examinadora _________________________________________________________________________ Profª. Drª. Maria Bernardete da Nóbrega, DLCV, UFPB Orientador _________________________________________________________________________ Profª. Drª. Ana Cristina Marinho Lúcio, DLCV, UFPB Examinador _________________________________________________________________________ Profª. Drª. Gláucia Vieira Machado, DLCV, UFPB Examinador Dedico ao meu esposo, Alberto. Ao meu pai e a minha mãe. Meus três corações. Agradecimentos Deus, meu melhor e maior amigo. Como agradecer pelo bem que tens feito a mim? A Ti, minha vida, meu ar, meu tudo. Alberto, esposo querido e companheiro. No dia em que eu disse “sim”, não foi só para desfrutar de uma boa companhia, mas também para me sentir a mais feliz, a mais amada e a mais completa das mulheres. Lia e Paulino, pais não perfeitos, mas os melhores que eu poderia ter. Agora, “fora” de casa, aquele excesso de cuidado e responsabilidade que eu reclamava o tempo inteiro faz todo sentido nesse momento. Shirlei e Paulino Filho, irmã amiga e irmão querido. Sendo parte de mim, sangue do meu sangue não poderia deixá-los de citar. Com todas as brigas e os desentendimentos, temos mais alegrias do que tristezas juntos, são os amados que eu quero carregar para sempre perto de mim. Sheila, irmã do meio. Minha revisora e crítica favorita. Por me ajudar nos momentos de “desesperos” acadêmicos e a encontrar o tema que me deu mais prazer do que trabalho. Maria Bernardete da Nóbrega, orientadora amável. Pessoa calma e tranquila, além de educada ao extremo. Foi muito bom o passeio que fizemos juntas na tribo do curumim Papa-Capim, conhecendo e aprendendo um pouco mais da sua cultura e referência. Também não esquecerei o carinho e o amor com que se dedica às suas aulas, ao ponto de sempre perder a hora, mas principalmente, pela sua inteligência e paciência. E isso me inspira. Ana Marinho, professora especial. Com seu jeito simples e calado, agrada e conquista de uma maneira que eu não saberia explicar, talvez pela criatividade, pela escrita fenomenal, pela experiência e pelo conhecimento na sua área e em outras mais. Não poderia e nem gostaria de deixá-la de fora nesse momento, pois foi através do projeto, das aulas e das leituras na sua companhia que conheci melhor os caminhos da literatura. CNPq, pela bolsa do PIBIC. Possibilitou a minha entrada na pesquisa através do projeto “Guia de obras de literatura infanto-juvenil para uma educação fundamentada nos Direitos Humanos”, orientado pela Professora Doutora Ana Cristina Marinho Lúcio. E me permitiu conhecer com mais clareza a literatura infantil/juvenil, embora tão complexa, tão incrivelmente inesquecível. Gláucia Machado, professora marcante. Simpática, alegre e gentil. São poucos os adjetivos que a descrevam e a definam. As suas aulas dão sempre um gosto de “quero mais”, pois tem a forma mais linda de ensinar que é também a de aprender. E com toda a diversidade de ideias e pensamentos em sala de aula, mantém a serenidade e o jeito cativante de provocar e instigar o aluno à liberdade de visão e posicionamento. Professores da graduação: Daniela Segabinazi, Expedito Ferraz, Fátima Melo, Ferrari Neto, Graça Carvalho, Leonor dos Santos, Pedro Francelino, Rinaldo de Fernandes, Socorro Pacífico, entre tantos outros. Pelo contágio da alegria de ensinar, pelo incentivo do olhar para a profissão com mais sabor e, sobretudo, pelo compartilhar das leituras e dos conhecimentos. Colegas da graduação: Juliana Carolina (minha madrinha), Juliana Dantas (doçura em excesso), Márcia Carlos (alegria contagiante), Nadilma (mais madura e sensível depois de Heitor), Renata (a risada mais divertida que eu conheço), Sayonara (menina esperta e inteligente). Por compartilharmos dos mesmos sonhos e desejos para a profissão. Foi bom conhecer cada uma, suas histórias, manias, alegrias, decepções e loucuras. Pelos passeios, eventos e encontros, por simplesmente, marcarmos para estudar e só conversar. As especiais, Aline, Angélica e Irany. Pela alegria que me dão quando estamos juntas, pela franqueza e sinceridade nas longas e agradáveis conversas. Por serem as pessoas com quem mais gasto crédito do celular. E não menos importante, o sujeito/objeto deste trabalho, o Papa-Capim. Por me apresentar a sua aldeia, sua turma, seus costumes e suas tradições. E por me fazer refletir mais sobre a minha cultura depois de conhecer a sua. “Antes que o homem aqui chegasse Às Terras Brasileiras Eram habitadas e amadas Por mais de 3 milhões de índios Proprietários felizes Da Terra Brasilis Pois todo dia era dia de índio Todo dia era dia de índio Mas agora eles só tem O dia 19 de Abril.” Jorge Ben Jor. Todo dia era dia de índio. Álbum Bem-vinda Amizade, 1981. RESUMO Este trabalho se propõe analisar a construção da representação do indígena nas histórias em quadrinhos (HQ) das revistas da Maurício de Sousa Produções, com ênfase no personagem Papa-Capim e sua turma. Delimita como base os pressupostos teóricos formulados por Bhabha (2007), Brostolin; Cruz (2011), Campos (2013), Jobim (2002; 2008), KochGrünberg (2006), Larrosa (1994), Nelly Novaes Coelho (1991), Stuart Hall (1997; 2003; 2006), dentre outros. Constitui o corpus desta pesquisa a análise das revistas/almanaques do Chico Bento (nº 43, 72, 87, 345, 346 e 409) e de personagens da Turma da Mônica, como os almanaques do Cascão (nº 43 e 44), Cebolinha (nº 44) e Magali (nº 43), entre o período de 2000 e 2014. O gênero quadrinhos, sua linguagem e panorama histórico, bem como o lugar de Maurício de Sousa nessa conjuntura, suscita a retomada das categorias analíticas identidade, cultura, imaginário e representação social, engendradas na própria construção da narrativa da qual Papa-Capim e sua turma são protagonistas. À guisa de inferências finais, esta temática vem provocar um olhar crítico sobre a consolidação de um sistema de representação de identidades no contexto indígena brasileiro, por enfatizar as diversas formas pelas quais o índio no/do Brasil passou a ser representado nas HQ. Palavras-chave: História em Quadrinhos. Papa-Capim. Representação indígena. Imaginário. Cultura. Identidade. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 1 - Maurício de Sousa..........................................................................................19 Imagem 2 - Pássaro Coleirinho/a......................................................................................24 Figura 1 – Desenhos/modelos criados com tipos de balões para HQ ..............................17 Figura 2 - Caricatura de Maurício de Sousa.....................................................................20 Figura 3 - Papa-Capim, personagem de Maurício de Sousa............................................22 Figura 4 - Nascimento do Cafuné e origem do nome.......................................................25 Figura 5 - Caraíba afundando em areia movediça............................................................28 Figura 6 - Papa-Capim e Cafuné, preparando flechas para caçar.....................................34 Figura 7 - Papa-Capim e Cafuné, com arco e flecha.........................................................34 Figura 8 - Papa-Capim e o Pajé da sua tribo.....................................................................34 Figura 9 - Tupã, o deus da tribo de Papa-capim, apartando brigas de tribos rivais..........35 Figura 10 - Encontro entre caraíba, Papa-Capim e Cafuné..............................................36 Figura 11 - O caraíba procura convencer Papa-Capim de não caçar jacarés....................37 Figura 12 - O caraíba procura convencer Papa-Capim de não caçar micos-leões............37 Figura 13 - O caraíba “cuidando” do Papa-Capim............................................................38 Figura 14 - Caraíba na floresta sendo salva pelo cacique da tribo....................................40 Figura 15 – Caraíba compara o índio ao herói da selva africana, Tarzan.........................41 SUMÁRIO PARA COMEÇO DE CONVERSA............................................................................ 10 1 HISTÓRIA EM QUADRINHOS: MAS ESSA HISTÓRIA NÃO É DE AGORA.......................................................................................................................... 14 1.1 O GÊNERO QUADRINHOS: DA INFORMAÇÃO À IMAGINAÇÃO ............ 15 1.2 HISTÓRIA EM QUADRINHOS TAMBÉM TEM HISTÓRIA .......................... 17 1.3 E ENTÃO MAURÍCIO DE SOUSA ENTRA NA HISTÓRIA ........................... 19 2 PAPA-CAPIM: O CURUMIM DA HQ BRASILEIRA ........................................ 22 2.1 BRINCANDO DE TOPONÍMIA: PORQUE PAPA-CAPIM? PORQUE CAFUNÉ? POR QUÊ? ............................................................................................... 23 3 ENTRE CARAÍBAS E CURUMINS, PAPA-CAPIM E A REPRESENTAÇÃO DO INDÍGENA BRASILEIRO NAS HQ .................................................................. 30 3.1 PAPA-CAPIM: O PERSONAGEM TIPICAMENTE BRASILEIRO? ............... 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 44 REFERÊNCIAS............................................................................................................46 REVISTAS EM QUADRINHOS ANALISADAS..................................................48 ANEXOS ....................................................................................................................... 49 10 PARA COMEÇO DE CONVERSA... Desde a chegada dos europeus, por possuir características geográficas e étnicas tão distintas, o território brasileiro sempre provocou um deslumbramento em viajantes do “novo mundo”, principalmente cientistas e aventureiros europeus, que transformaram suas aventuras, observações e experiências em relatos que foram recebidos com extrema curiosidade pelo mundo. Além do estudo da natureza, os viajantes registraram a vida social das épocas em que aqui estiveram influenciando grandemente as interpretações do país desde então. Resquícios dessas ‘interpretações’ são possíveis de serem identificados nas Histórias em Quadrinhos (doravante, apenas HQ1) construídas no Brasil e sobre o Brasil, como é o caso de Tico-Tico (1905), Zé Carioca (1940), Chico Bento (1960) e Turma da Mônica (1963)2 que adquirem caráter um tanto complexo, especialmente quando direcionadas ao público infantil. Isso porque essas histórias podem se configurar como forma de construção imagética do Brasil na medida em que constituem “representações” da realidade observada a partir da tentativa de captação do olhar da criança e relacionando-se, com frequência, ao imaginário e ao simbólico. À guisa de esclarecimento, entende-se aqui Representação como um processo de construção simbólica, segundo Stuart Hall (1997, p. 61, traduzido) para quem a representação envolveria a produção de significados através da ligação de três coisas: “o que podemos geralmente chamar de o mundo das coisas, pessoas, eventos e experiências; o mundo conceptual – os conceitos mentais que levamos em nossa mente; e os signos, arranjados nas línguas que ‘significam’ ou comunicam estes efeitos”. Assim, com o intuito de dar sentido e forma às circunstâncias em que os sujeitos sociais se encontram, as representações são fruto da atividade criadora desses sujeitos, “elaborando” a realidade social em símbolos. Por meio da circulação do discurso, esses símbolos acabam por se tornar quase tangíveis, cristalizando-se ou renovando-se no 1 Ao longo do texto, utilizaremos a sigla HQ para o singular e o plural do termo histórias em quadrinhos, conforme a maneira adotada por diversos autores neste trabalho. 2 A HQ do Tico-Tico foi lançada pelo jornalista Luís Bartolomeu de Souza e Silva, em 1905. Em 1930 entrou em decadência, perdendo espaço para outras publicações norte-americanas. Circulou em almanaques ocasionais até a década de 1970. Zé Carioca foi criado pelos estúdios Walt Disney no início dos anos 40, inspirado pela técnica de J. Carlos, cartunista brasileiro. Foi mais conhecido no Brasil que nos EUA. Continua circulando em revistas mensais publicadas pela Editora Abril, mas com histórias antigas. A última e inédita de suas narrativas apareceu em 2001. Chico Bento foi criado em 1960, por Maurício de Sousa. Em 1963 teve sua publicação como personagem secundário e no ano seguinte, passou a ser o personagem principal das suas narrativas. A revista só foi publicada em 1982. A Turma da Mônica foi criada em 1963, também por Maurício de Sousa (inicialmente em tiras de jornais), mas foi lançada em 1970 para HQ. 11 cotidiano. Nesse sentido, podemos entender as construções das HQ a que nos propomos estudar neste trabalho como repletas de representações pautadas, muitas vezes, sob a perspectiva do olhar estrangeiro já marcado por um horizonte histórico contextual delimitado por estereótipos há muito instituídos. O interesse pelo tema se deu com a participação, na qualidade de bolsista, no projeto de pesquisa referente ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC/UFPB/DLCV) cadastrado no grupo de pesquisa no Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), no período de agosto de 2012 a julho de 2013 e intitulado “Guia de obras de literatura infanto-juvenil para uma educação fundamentada nos Direitos Humanos” e com o plano de trabalho intitulado “Negociações identitárias na literatura infanto-juvenil: personagens, valores e cotidiano das populações afrodescendentes e indígenas no Brasil”. A pesquisa sobre os povos indígenas foi o meu plano de trabalho individual. O projeto, orientado pela Professora Doutora Ana Cristina Marinho Lúcio, objetivava a leitura, a discussão e a análise de livros que contemplassem temáticas no campo de estudos das literaturas africanas, afro-brasileiras e indígenas que tenham um bom material gráficoeditorial e que não possuam um caráter panfletário3, moralista e estereotipado que é característica de inúmeras obras encomendadas e postas em circulação para satisfação do mercado editorial. Com o andamento da pesquisa, da expansão das leituras e das análises das obras infantis sobre as populações indígenas na literatura infantil/juvenil, desenvolvemos o interesse não só por essa literatura como pela temática, ampliado ainda mais quando das discussões encetadas durante as leituras e os trabalhos apresentados. A partir daí, estava aberto o caminho para a confluência de ideias que começaram a surgir com a leitura das HQ que apresentam como personagem o indígena criado por Maurício de Sousa, o PapaCapim. As narrativas do Papa-Capim (um menino indígena que protagoniza aventuras junto com sua turma e, principalmente, com o seu amigo Cafuné) constituem o núcleo a partir do qual o autor narra histórias ligadas ao meio ambiente, já que é perfeitamente integrado à sua tribo e à natureza. Vale ressaltar que as histórias do Papa-Capim são situadas num contexto de vida indígena em que tomam parte de um conjunto de práticas que procuram “ensinar” sobre quem são ou como devem ser “os índios”, em meio às imagens que foram construídas acerca do indígena. E da mesma maneira, buscam informar sobre quem somos 3 Refere-se a folhetos, escritos em prosa ou em verso e cujo conteúdo, frequentemente de caráter sensacionalista e violento, era dirigido a figuras públicas ou eventos importantes. 12 “nós” ou como devemos ser quando mostram, por exemplo, a preocupação com a natureza, a limpeza dos rios, o cuidado com os animais e com as pessoas. Sob esta perspectiva, procurando entender como se processam e se constroem as imagens presentes nessas narrativas, neste trabalho visamos a discutir a representação do “ser” indígena brasileiro nas HQ. E, nesse caminho, intentamos relacionar esse sujeito ao território onde esse conhecimento é fornecido. Salientamos, portanto, que as aventuras do Papa-Capim criadas por Maurício de Sousa são endereçadas especialmente para crianças, como uma gama variada de gêneros e personagens em histórias cheias de diversão, brincadeiras e entretenimento, além das ilustrações com cores chamativas e atraentes. Assim, essa “percepção de que as histórias em quadrinhos podem ser utilizadas de forma eficiente para a transmissão de conhecimentos específicos, ou seja, tendo uma função utilitária e não somente de entretenimento” (VERGUEIRO, 2009, p. 85) levou-nos a tecer reflexões que viam a figura de um índio, o Papa-Capim, construído sob os moldes europeus, constituído de uma imagem de certo modo estereotipada do que supostamente seria a vida indígena. Como afirma Kellner (2001, p. 9), “As narrativas e as imagens veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje”. E isso colabora para a construção de um modelo do que é ser índio nessas histórias. O que nos parece “natural” é a construção cultural e faz sentido porque se articula nesta rede de significações que vamos construindo e que nos vão constituindo cotidianamente. Dessa maneira, para melhor esclarecer nossas reflexões e compor esta análise reunimos dez revistas/almanaques com publicações mensais do Chico Bento (nº 43, 72, 87, 345, 346 e 409) e também de outras personagens da Turma da Mônica, como os almanaques do Cascão (nº 43 e 44), Cebolinha (nº 44) e Magali (nº 43), todas de Maurício de Sousa. Essas histórias ainda podem ser encontradas em edições especiais de revistas da mesma linha. Por ser uma obra extensa, seria inviável levantar um acervo muito grande, deste modo, optamos por um recorte menor, visto que se trata de um trabalho de conclusão de curso. Selecionamos e analisamos edições publicadas nessas revistas entre o período de 2000 e 2014, constituindo ao todo mais de 14 anos de publicações, que trazem histórias do Papa-Capim e sua turma. Conforme dados apresentados nas referências dispostas ao fim deste texto. A escolha por esse recorte temporal se deu pelo fato de que a publicação de episódios com aventuras do Papa-Capim é bastante esporádica, o que nos obrigou a 13 ampliar o repertório de busca e filtrar, nessa procura, as narrativas que respondiam ao nosso problema de pesquisa: que imagens do índio brasileiro são produzidas nas HQ de Maurício de Sousa, cuja construção narrativa para o personagem Papa-Capim e seu universo indígena elabora “representações” que podem ser consideradas oriundas de um imaginário europeu há muito enraizado? Para tanto, este trabalho encontra-se dividido em três capítulos: o primeiro capítulo fará uma contextualização do gênero HQ, desde seus primórdios até os dias atuais, destacando as de Maurício de Sousa. O segundo capítulo irá levantar informações sobre as referências do personagem Papa-Capim, isto é, em qual revista aparece, e fazer, ainda, alusões sobre o significado dos nomes dos personagens, de algumas expressões utilizadas na história, sobre a tribo e a sua localidade, numa espécie de “brincadeira” toponímica. Depois de abordar alguns pontos importantes e relevantes para um melhor conhecimento sobre o gênero indicado, Maurício de Sousa e seu personagem indígena, o terceiro capítulo tratará do estudo das HQ selecionadas, pois a partir da teoria e análise das narrativas apresentadas nas revistas avaliadas, traçaremos elementos teóricos e conceituais ao mesmo tempo em que apresentaremos os dados da pesquisa, através de diálogos e/ou ilustrações. Por fim, o capítulo se encerra com a discussão dessas representações do índio/personagem Papa-Capim no imaginário do público no Brasil. O que se pretende, dadas às limitações de um trabalho de conclusão de curso, é partilhar as provocações que nos foram feitas com a leitura divertida e instrutiva, das aventuras do Papa-Capim e sua tribo. Ainda, é refletir criticamente sobre como, ao intentar formar o universo infantil com histórias sobre os povos primitivos do Brasil, o respeito por eles, seus costumes e tradições, assim como o cuidado com a natureza, o autor traça uma imagem do indígena brasileiro calcada nas descrições feitas pelos viajantes que por aqui passaram, elaborando suas HQ com imagens que de algum modo denotam um olhar estrangeiro (ainda que pretensamente “brasileiro”, ecológico e politicamente correto) sobre a questão indígena. 14 1 HISTÓRIA EM QUADRINHOS: MAS ESSA HISTÓRIA NÃO É DE AGORA... Fonte: Chico Bento, n. 43, 2014, p. 43. Para início de conversa, em se tratando de material direcionado ao público infantil, é preciso ter em mente que, quando bem utilizadas, as HQ podem servir como entretenimento, diversão, exercício à criatividade e à imaginação da criança. Além disso (e principalmente até), ao terem seus enredos construídos e narrados por meio de imagens e textos, de forma sequencial, o caráter informativo dessas histórias, muitas vezes, contribuem para a afirmação ou a negação de estereótipos construídos sobre a nossa cultura, como declara Sonia M. Bibe Luyten (1989, p. 8) para quem, O conteúdo das HQ, muitas vezes é inadequado à nossa realidade. A influência (positiva ou negativa) deste poderoso meio de comunicação, que atinge principalmente o público infanto-juvenil, é um assunto muito sério, tendo em vista os altos índices de consumo. Sob este enfoque, dada a complexidade do material objeto de nossa análise, é que podemos discutir sobre esse meio de comunicação (ou melhor, de difusão de ideias), uma vez que, “a forma quadrinizada foi e está sendo amplamente usada como forma de trazer à memória popular a valorização do ser humano” (LUYTEN, 1989, p. 9), isto é, da consciência crítica popular. Pois, para entender os processos formadores dessa complexidade, do uso da HQ como meio de comunicação e o porquê dos altos índices de consumo, é necessário voltar um pouco no tempo, numa espécie de retrospectiva ou flashback (na HQ, as lembranças de um personagem costumam vir representadas por meio de um balão em forma de nuvem). Esse retorno ao passado torna-se imperativo pela necessidade de estabelecimento de um horizonte histórico que nos permita melhor entender os contextos em que a HQ se desenvolveu e se insere no Brasil. Isso porque, nós, leitores adultos e infantis, realizamos a leitura em contraponto e comparação com nossas reservas culturais, literárias e visuais. E as interpretações 15 realizadas provam que “nossa visão possível sobre o presente e o passado, bem como nossas expectativas sobre o futuro, pagam tributo ao horizonte em que nos inserimos” (JOBIM, 2002, p. 134). E é nessa retrospectiva que já de antemão buscaremos indício de como Maurício de Sousa, através do seu Papa-Capim, embora pareça defender o ideal rousseauniano4 do índio intocado, apresenta um índio não mais puro e já marcado pelos efeitos da civilização, nocivas a ele. 1.1 O GÊNERO QUADRINHOS: DA INFORMAÇÃO À IMAGINAÇÃO Hoje, cada vez mais, encontramos os quadrinhos por toda a parte. Na sua maioria, servem para divertir, distrair, entreter, mas também podem conduzir a uma mensagem instrucional, pois procuram transmitir conhecimentos mais educativos e informativos, podendo, por exemplo, serem usados em campanhas sobre a educação no trânsito, a economia de água, cuidados com o meio ambiente, alertas sobre riscos de doenças e outros perigos ou, até mesmo, dar orientações sobre o respeito aos animais e às pessoas. Para Selma Oliveira (2007, p. 23) “As histórias em quadrinhos convertem-se em possibilidades de naturalização de valores, modelos e paradigmas que são decalcados na memória coletiva sob a forma de representações, que são absorvidas como normas e verdades” e, o que vemos nos quadrinhos é uma gama de diferentes gêneros, o de estilo mais cômico – charge, cartum, caricatura e as populares e conhecidas tiras e o que aproxima parte dos gêneros, em especial as charges e as tiras cômicas, da linguagem jornalística (linha apoiada no fato de serem textos publicados em jornal). Daí ter também um teor informativo, inicialmente. Conforme Scott McCloud (2005), o modelo de ilustração baseado em figuras universais – presente nos personagens de Maurício de Sousa – chama-se cartum e existem motivos bastante lógicos para que ele seja tão utilizado e bem aceito pelos leitores de HQ. Pois para o autor, “simplificar personagens e imagens pode ser uma ferramenta eficaz de narrativa em qualquer meio de comunicação. O cartum não é só um jeito de desenhar, é um modo de ver” (MCCLOUD, 2005, p. 31). Para Maurício de Sousa, o cartum é como uma forma de amplificação através da simplificação. Ele reduz a imagem excluindo detalhes acessórios, concentrando-se apenas 4 Com base na tese do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) sobre o homem do estado de natureza (conhecido como “bom selvagem”), defende-se que o índio é bom por natureza, pois ainda não foi corrompido pela sociedade, que é má. 16 nos elementos específicos da construção do seu significado. Dessa forma, é promovida sua universalização, pois esse estilo de desenho concentra a atenção do observador numa ideia, e não num objeto específico. Ou seja, quanto mais “cartunizado” o desenho for, mais pessoas conseguirão se identificar com ele. Em outras palavras, através do cartum, é possível fazer com que os leitores fiquem mais envolvidos com a trama, pois eles poderão se reconhecer nas personagens e se imaginar em seus papéis (MARTINS, 2011). Quanto às características formais, a HQ é definida através de dois tipos de linguagens: a gráfica (imagem) e a verbal (texto escrito). Para ter maior compreensão da mensagem nas narrativas, o leitor precisa relacionar os elementos da imagem com os do texto. O diálogo na HQ é feito dentro de balões, quadrados ou retângulos, ou seja, o texto é incorporado à imagem de forma direta. Sonia M. Bibe Luyten, em Histórias em quadrinhos: leitura crítica (1989), nos mostra de maneira clara e simples alguns elementos que compõem a HQ, como os balões, as onomatopeias, a representação dos movimentos e a gestualidade. Os Balões são semelhantes a um círculo onde está o texto com as falas das personagens. O contorno dos balões varia conforme o desenhista, no entanto, alguns são comuns, como os que apresentam linha contínua (a fala em tom normal); linhas interrompidas (a fala é sussurrada); ziguezague (quando há um grito ou uma personagem falando alto); em forma de nuvem (pensamento, lembrança, sonho). Há ainda outros casos em que a fala de uma determinada personagem pode aparecer sem contorno de balão, como uma lâmpada acesa = ideia brilhante; corações = amor; estrelas = tombo, atordoamento, etc. As Onomatopeias representam os sons no quadrinho, pois imita os sons do ambiente, como por exemplo, ploft, tóim, para brigas, pancadas; blam, toc-toc para uma batida; buuuum para uma explosão; chuáá para o som da água. E há os sons produzidos por pessoas e animais (ronc, para mostrar quando se está com fome ou até mesmo roncando; zzzzz, para sono; rrrrrr, para o rosnado de um cão; puf para cansaço; gronch para quando se está comendo, etc.). Na Representação do Movimento a imagem é fixa, mas existem recursos para dar movimento, como por exemplo, a velocidade (linhas retas); a trajetória dos objetos (linhas retas, curvas); tremor (imagem duplicada), etc. E, por fim, a Gestualidade, representada através da expressão facial e corporal: rosto verde e bochechas cheias = enjoo, mal-estar; boca aberta e olhos arregalados = 17 espanto, susto; ombros caídos, olhos para baixo = tristeza; corpo trêmulo, cabelos arrepiados, olhos bem abertos, roendo unhas = medo, assombro. Esses elementos encontram-se representados na figura abaixo, extraída do blog Solução Pedagógica (2012), com desenhos criados e apresentados pelo professor Emilson Martiniano para explicar melhor aos seus alunos os tipos e modelos de balões para as HQ, numa espécie de proposta pedagógica para o trabalho com o gênero textual: Figura 1: Desenhos/modelos criados com tipos de balões para HQ. Fonte: <http://solucaopedagogica.blogspot.com.br/2012/01/2-aula-da-discilpina-generos-textuais.html>. Acesso: 02 de abr. 2014. Para produzir HQ, o desenhista precisa conhecer todos esses recursos gráficos, pois além de dar dinamismo às histórias, concede mais realidade dentro do determinado contexto em que a história acontece, tendo em vista que a eficiência e habilidade dessas circunstâncias representadas nas narrativas, através do movimento dos objetos e das expressões gestuais, dão mais vida não só à história, mas aos personagens. 1.2 HISTÓRIA EM QUADRINHOS TAMBÉM TEM HISTÓRIA A primeira HQ foi criada pelo artista americano Richard Outcault em 1895. Os “comics”, como eram chamados, com os seus quadros e balões de texto, tornaram-se a principal atração nos jornais sensacionalistas de Nova York com o “Yellow Kid” (“garoto 18 amarelo”). Com essa nova manifestação artística, o sucesso das tirinhas de Outcault, causou grande concorrência entre os jornais nova-iorquinos, pois queriam ter o “Yellow Kid” em suas páginas. Foi no século XIX que as HQ começaram a ser publicadas no Brasil, tomando esse cunho mais cômico. A edição de revistas próprias de HQ no país começou no início do século XX. Como a primeira publicação de quadrinhos de que se tem notícia do Brasil foi O Tico-Tico, em 1905. Mas, apesar do Brasil contar com grandes artistas durante a história, as narrativas eram transmitidas ao público brasileiro sem qualquer alteração no seu enredo, pois a influência estrangeira ainda permaneceu por muito tempo nessa área, com o mercado editorial dominado pelas publicações de quadrinhos americanos, europeus e japoneses. Em O Tico-Tico, as personagens Chiquinho e Jagunço, são Buster Brown e seu cachorro Tige, criados por Richard Outcault. Eram desenhos copiados com apenas os nomes modificados, ou seja, mais “abrasileirados”, pois no enredo, os personagens tinham hábitos e rotinas bem diferentes das nossas. Na década de 1920, surgiu uma nova tendência, – as publicações passam a adotar desenhos caricaturais mais fiéis às pessoas e objetos – conhecida como “comic books”, nos EUA, e “gibis” no Brasil. A expressão “Gibi” foi utilizada como um título de uma revista em quadrinhos no Brasil em 1939. Na época, o termo também significava moleque, negrinho, porém, com o tempo a palavra passou a ser associada a “revistas em quadrinhos” e, desde então, virou uma espécie de “sinônimo” no Brasil para as HQ. Na década de 1940, surgiram as primeiras revistas de HQ com desenhos e textos nacionais, sem deixar, ainda, a clara e presente influência de modelos estrangeiros, nesse caso, o modelo americano. Só em 1960, apareceria algo legitimamente brasileiro nos quadrinhos: Pererê, de Ziraldo. A história retrata a figura de saci – elemento do nosso folclore –, além de nossos costumes e tradições, através de seus enredos. No início da década de 1970, Maurício de Sousa passou a distribuir tiras de quadrinhos com os seus primeiros personagens e a editar suas próprias revistas com a Turma da Mônica. Sendo que a não aceitação dos jornais, dos grandes diretores e do próprio público, justamente pelo costume em digerir material americano há 30 anos, fez com que ele e sua equipe, buscassem a lógica do consumo: histórias que apresentassem os mesmos tipos de enredos que todos estavam habituados. 19 1.3 E ENTÃO MAURÍCIO DE SOUSA ENTRA NA HISTÓRIA... Imagem 1: Maurício de Sousa. Fonte: <http://entretenimento.r7.com/bate-papo/mauricio-de-sousa.html>. Acesso: 04 de abr. 2014. Nascido em Santa Isabel, São Paulo, no dia 27 de outubro de 1935, Maurício de Sousa, é cartunista brasileiro, criador da Turma da Mônica, e vários outros personagens de HQ. O mais famoso e premiado autor brasileiro em quadrinhos. Membro da Academia Paulista de Letras, ocupando a cadeira 24, tornando-se assim o primeiro quadrinista a ser empossado por esta Academia. Em 1959, quando trabalhava com reportagens policiais no jornal Folha da Manhã (atual Folha de S. Paulo), criou seu primeiro personagem – o cãozinho “Bidu”. A partir de uma série de tiras em quadrinhos com “Bidu e Franjinha”, publicadas semanalmente na Folha da Manhã, Maurício de Sousa iniciou sua carreira como desenhista. Nos anos seguintes criou diversos personagens – “Cebolinha”, “Piteco”, “Chico Bento”, “Penadinho”, “Horácio”, “Raposão”, “Astronauta”, etc. Em 1970, lançou a revista da “Mônica”, sua personagem mais famosa, pela Editora Abril. Em 1986, saiu da Editora Abril e levou seus personagens para a Editora Globo. Só em 2006 saiu da Editora Globo e, atualmente está na Panini Comics, uma multinacional italiana. Em 2007, Mônica foi homenageada “Embaixadora do UNICEF”. Pela primeira vez um personagem de histórias infantis recebe esse título. Na mesma cerimônia, Maurício de Sousa foi homenageado “Escritor para Crianças do UNICEF”. Em 2008, o Ministério do Turismo nomeou Mônica “Embaixadora do Turismo Brasileiro”. Entre quadrinhos e tiras de jornais, suas criações chegam a cerca de 50 países. O autor já chegou a um bilhão de revistas publicadas. Os quadrinhos se juntam a livros ilustrados, revistas de atividades, álbum de figurinhas, CD-ROMs, livros tridimensionais e livros em braile. Além de mais de 100 indústrias nacionais e internacionais são licenciadas para produzir quase 2.500 itens com os personagens de Maurício de Sousa, entre jogos, 20 brinquedos, roupas, calçados, decoração, papelaria, material escolar, alimentação, vídeos e DVDs, revistas e livros. Em 2013, a Turma da Mônica comemorou seus 50 anos. Figura 2: Caricatura de Maurício de Sousa. Fonte: <http://radioativoblog.blogspot.com.br/2009/06/mauricio-de-sousa-parte-1-inspiracao.html>. Acesso: 04 de abr. 2014. Ao conhecer um pouco mais a trajetória do quadrinista mais famoso do Brasil no mundo das HQ, podemos considerar que para o mercado o fator principal e, provavelmente, o mais lógico de todos é a universalização dos quadrinhos, dado que, tornando-se mais valorizados, são, portanto, mais rentáveis. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em dezembro de 19825, Maurício de Sousa fala que a “História em quadrinhos é, antes de tudo, roteiro. Não é desenho: desenho vem na sequência. O que eu busco é roteiro, história, texto”. O que nos deixa com a satisfação em saber que além de destacar em seus gibis, suas ilustrações coloridas e bem humoradas, procura associá-las a histórias com o interesse, principalmente, nos personagens, seus diferentes modos de vida e no ambiente em que vivem. Mas o que extraímos dessa “liberdade” no roteiro das suas narrativas é justamente o que diz Sonia M. Bibe Luyten (1985) em relação ao trabalho do cartunista sobre a falta de retratação da cultura brasileira em suas personagens. A partir disso, esta contextualização faz-se necessária para o corpus deste trabalho, uma vez em que, a análise de um de seus personagens, o Papa-Capim, traz consigo a possibilidade da discussão sobre a representação desse sujeito que faz parte de um cenário já construído, moldado e idealizado pela visão do “outro” (o estrangeiro), não do índio. Essa representação está ancorada a um tipo de contexto e de cultura alocada como um modelo supostamente adequado. O que nos fez, a partir disso, desmistificar esse olhar 5 SOUSA, MAURÍCIO. Uma conversa com Maurício de Sousa: depoimento. [Dezembro de 1982]. São Paulo: Jornal Folha de São Paulo. Atualmente, o Editor do UOL Tablóide repassa a entrevista em seu site. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/tabloide/entrevistas/2004/03/24/entrevista. jhtm>. Acesso em: 05 de abr. 2014. 21 que se tem sobre o indígena, isto é, sem as influências do seu colonizador, que o coloca com essa imagem geralmente já formada e imposta. 22 2 PAPA-CAPIM: O CURUMIM6 DA HQ BRASILEIRA Fonte: Cebolinha, n. 44, 2014, p. 53. Papa-Capim é um personagem indígena brasileiro, ainda criança, criado em 1970, que se apresenta nas revistas de HQ da Turma da Mônica e/ou nas do Chico Bento da Maurício de Sousa Produções. O Papa-Capim é um índio, ligado à sua tribo e à natureza. Seu sonho é se tornar um adulto sábio como o Pajé da sua tribo. É um menino esperto que não só ama a natureza, mas também entende os animais e está frequentemente caçando, pescando e brincando, geralmente, em companhia do seu melhor amigo, Cafuné (criado em 1967, era o personagem principal de uma HQ criada por Maurício de Sousa. Os demais personagens de apoio só surgiriam em 1970, como o atual personagem principal PapaCapim). Figura 3: Papa-Capim, personagem de Maurício de Sousa. Fonte: <http://blogmaniadegibi.com/2013/05/50-anos-turma-da-monica-turma-do-papa-capim/>. Acesso: 10 de mai. 2014. Papa-Capim é protagonista nas suas narrativas e objeto de estudo do nosso trabalho. Para isso, precisamos de subsídio sobre suas origens e os significados de alguns nomes e expressões. Seria uma espécie de estudo dos topônimos, uma vez que se trata dos 6 Nome de origem Tupi que designa menino; criança. De modo geral, assim são chamadas as crianças indígenas. 23 significados dos nomes próprios de lugares, da sua origem e da sua ligação com a história e a geografia. Fizemos, portanto, uma breve pesquisa sobre tais referências, a fim de obter subsídios mais precisos para a análise das histórias do curumim. Como as narrativas são exibidas em uma floresta, dentro de uma tribo, tivemos o interesse em conhecer a procedência dessas pequenas e escassas informações que nos são apresentadas, especialmente, às crianças. Em leituras das HQ e pesquisas realizadas em sites da internet, obtivemos, além de poucos, sempre os mesmos resultados a respeito das referências sobre o Papa-Capim e a sua turma. Em uma primeira leitura, inicialmente imaginamos que a ambientação e o surgimento das histórias do menino indígena eram provavelmente nas florestas da Amazônia. Porém, em entrevista concedida a Hugo Silva em novembro de 20037, Maurício de Sousa cita o projeto para novas e futuras personagens para aquela “banda” (referindo-se ao norte do país) quando declara os planos de “uma turma amazônica baseada em tribos deste local tão específico do Brasil e, por isso, bastante diferente, por exemplo, do PapaCapim”. Isso prova que a selva brasileira da qual o indiozinho faz parte não é a amazônica. Para termos uma comprovação mais atualizada, enviamos um e-mail8 à editora da Maurício de Sousa Produções, para buscar novas e mais “seguras” informações e evitar dúvidas a respeito do assunto. Assim, em retorno às nossas perguntas, originalmente, PapaCapim e a sua tribo, habitava o sul da Bahia. Mas hoje, são utilizados costumes comuns das nações da parte leste do país. E atualmente, estão estudando novas famílias de indígenas para o lado da Amazônia. 2.1 BRINCANDO DE TOPONÍMIA: PORQUE PAPA-CAPIM? PORQUE CAFUNÉ? POR QUÊ? A toponímia é definida como estudo etimológico dos nomes de lugares. A análise dos topônimos, portanto, costuma se restringir aos aspectos linguísticos e históricos da sua origem sem levar em conta que a denominação dos lugares é, de fato, um processo político-cultural que merece uma abordagem além do nome atribuído a uma localidade. 7 SOUSA, MAURÍCIO. O pai dos planos infalíveis e das coelhadas devastadoras: depoimento. [Novembro de 2003]. São Paulo: Site Universo HQ (atualmente a entrevista está indisponível neste site). Entrevista concedida a Hugo Silva. Disponível em: <http://julianita.oliveira.blog.uol.com.br/arch2012-06-10_2012-0616.html>. Acesso em: 07 abr. 2014. 8 Conferir ao final deste trabalho em anexos (p. 49) o e-mail enviado à editora da Maurício de Sousa Produções com perguntas sobre a origem, referência e localidade da floresta e da tribo onde se passam as histórias do personagem Papa-Capim e o e-mail de resposta enviado por uma das funcionárias responsáveis pela comunicação integrada da editora, Daniela Gomes, com as devidas informações. 24 Para Jörn Seemann (2005) em sua pesquisa sobre A toponímia como construção histórico-cultural, a análise e a pesquisa histórica contextualizada dos nomes dos lugares, suas diferentes origens (por exemplo, tupi, português) e sua distribuição espacial, são para revelar a dinâmica da sua denominação e renominação no tempo e no espaço. E sob uma perspectiva histórico-cultural, o autor considera a denominação de lugares como tomada de posse do espaço e como referência e orientação, afirmando que Todos os lugares habitados e um grande número de sítios característicos na superfície da Terra têm nomes – frequentemente há muito tempo. A toponímia é uma herança preciosa das culturas passadas. Batizar as costas e as baías das regiões litorâneas foi a primeira tarefa dos descobridores [...]. O batismo do espaço e de todos os pontos importantes não é feito somente para ajudar uns aos outros a se referenciar. Trata-se de uma verdadeira tomada de posse (simbólica ou real) do espaço (CLAVAL, 2001, p. 189 apud SEEMANN 2005, p. 209). A necessidade em encaixar essa breve discussão sobre a toponímia foi por intuito em fundamentar a nossa intenção de comentar sobre os significados e expressões dos nomes e das palavras usadas nas HQ do Papa-Capim, pois é basicamente o que fazemos neste capítulo: uma discussão/explicação sobre as diferentes proveniências dos nomes, resultantes de aspectos geográficos, da fauna, flora ou outras características. O cartunista Maurício de Sousa escolheu para os personagens das histórias de PapaCapim e de sua turma nomes da fauna brasileira e com significados indígenas. Assim, Papa-Capim é o nome de uma ave brasileira que habita florestas de clima tropical. No Dicionário, o nome faz parte da zoologia brasileira e tem por expressão Coleirinho/a: “Ave emberizídea canora, que ocorre no Brasil da BA (Bahia) ao RS (Rio Grande do Sul); papacapim”9. A localidade onde encontramos esse tipo de ave comprova o lugar onde a aldeia do nosso curumim provavelmente estaria situada. Imagem 2: Pássaro Coleirinho/a. Fonte: <http://bulupapacapim.blogspot.com.br/p/fotos.html>. Acesso: 17 de abr. 2014. 9 Definição do Dicionário Mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa. 8 ed. Curitiba: Positivo, 2010. 25 Além do Papa-Capim, há outros personagens que fazem parte do núcleo principal da história, os chamados personagens coadjuvantes, que são especialmente o Cafuné (que significa carinho na cabeça), um indiozinho muito medroso, narigudo e brincalhão que é o grande e inseparável amigo do Papa-Capim, pois sempre ajuda seu amigo nos deveres e o acompanha nas aventuras pela mata. Na tirinha abaixo, a história que conta a origem do seu nome, determinado por ocasião de seu nascimento: Figura 4: Nascimento do Cafuné e origem do nome. Fonte: <http://duasepocas.blogspot.com.br/2013/10/monica-n-37.html>. Acesso: 19 de abr. 2014. É interessante verificar em algumas narrativas a existência de uma observação (espécie de nota de fim de quadro) que o autor faz a fim de explicar algo que se faz importante para entendimento da história. No caso da história acima, isso acontece no segundo quadro, à esquerda, em que a necessidade dessa explicação se dá em decorrência de justificar para o leitor, em forma de instrução, sobre o costume indígena de, na hora do parto, o pai ficar na rede gemendo, como se tivesse sentindo dores. Quanto à universalidade desse costume indígena, não acreditamos ser, de fato, comum a todas as tribos brasileiras. Na tira, a observação que Maurício de Sousa faz a essa prática, há, provavelmente, uma espécie de construção de um personagem generalizante. Pois, o que podemos destacar, em pesquisa feita sobre esse costume denominado por 26 especialistas de couvade10, que é comum a alguns povos indígenas na África e na América do Sul. No Brasil, era natural dos índios Tupinambás, que fizeram parte da Confederação dos Tamoios11, na luta contra os colonizadores portugueses. Atualmente, existem alguns núcleos dos índios Tupinambás, o maior deles fica na Bahia, na aldeia de Sapucaieira, um dos doze núcleos indígenas estabelecidos na região entre Canavieiras e Ilhéus. Com isto, é possível que se encontre a prática de couvade, especificamente em algumas dessas tribos. Outra personagem é Jurema que, embora se mostre pouco sobre a personagem nas tramas, representa a figura feminina dos curumins. Jurema tem com Papa-Capim uma afinidade especial, uns dizem que eles são namorados, outros, que são apenas amigos. O nome da personagem tem origem em uma planta da família das leguminosas, tipicamente nordestina. Há os personagens secundários e/ou auxiliares, como o Pajé, o curandeiro da tribo do Papa-Capim. É um velho índio e o mais sábio da aldeia, pois está sempre inspirando e orientando os índios com os seus ensinamentos sobre a tradição, os costumes da tribo e os segredos da natureza. O Cacique Ubiraci (cujo nome significa madeira boa) é o chefe da tribo, um índio forte e guerreador, também admirado e invejado pelos indiozinhos pela sua força e valentia. Tupã (o Trovão) é o deus dos índios, aparece algumas vezes nas HQ, de cima das nuvens12, em alguns momentos divertindo-se com os indiozinhos, e em outros momentos, está só para ajudá-los em algumas confusões. Oncinha é uma onça domesticada pelo Papa-Capim quando era filhote. Existem ainda muitos outros personagens, mas estes mencionados são os mais frequentes e, conquanto apareçam poucas vezes nas narrativas, são os mais conhecidos, isto é, são considerados os personagens fixos. Há histórias em que surgem novos personagens que só ilustram algum fragmento na narrativa. 10 Termo oriundo da língua francesa para designar o costume em algumas tribos indígenas do homem em simular o trabalho de parto, repousando após o nascimento do filho, recebendo visitas e presentes. Para a psicologia é chamada de “síndrome de couvade”, o que não chega a ser considerada uma patologia, mas se refere a homens que sentem uma proximidade emocional com a gestação tão intensa a ponto de apresentar alterações comuns à mulher durante a gestação. 11 Revolta iniciada pelos índios Tupinambás entre 1556 e 1567 no litoral brasileiro, mais precisamente, na capitania de São Vicente (nas proximidades do atual estado de São Paulo). O nome “tamoio” vem do tupi “tamuya”, que significa “ancião”. A revolta englobou também as tribos dos Guaianazes, dos Aimorés e dos Temiminós contra os colonizadores portugueses. Os indígenas se revoltaram contra o governador da capitania, Brás Cubas, pois este queria colonizar a região com a implantação das primeiras plantações de cana-de-açúcar mediante a escravização dos índios. 12 Conferir a ilustração com o deus Tupã no capítulo 3 (figura 9, p. 35). 27 Além dos nomes indígenas para os personagens, outras expressões também são usadas, especialmente quando há encontros entre os índios e os caraíbas13. Geralmente, há algum tipo de conflito que ocasiona quase sempre a expulsão dos caraíbas da floresta (ou são mineradores ou caçadores), quando não, acaba em amizade e até na troca de objetos entre ambos, como por exemplo, um arco e flecha ou uma lança por um espelho, um rádio, entre outros utensílios. Fazendo uma relação aqui com os tempos da colonização (século XVI) desde a descoberta do Brasil e dos primeiros contatos entre os portugueses e os índios. Como o trabalho principal dos indígenas era a extração de pau-brasil, madeira usada para a fabricação de tinturas e essa função era tida como obrigatória, para haver um contrapeso das horas trabalhadas, eles realizavam uma espécie de “prática comercial”, isto é, trocavam mercadorias. Realizavam, pois, a antiga prática de escambo14, logo, a troca de objetos aparece como conciliação nas narrativas e é sugerida como uma espécie de amenizadora de conflitos. Em algumas histórias onde Papa-Capim e seus amigos vivem, a tribo indígena está bem próxima da cidade, porém, sem contato algum com o mundo urbano, pois o que notamos é que a cultura e a tradição deles, pelo menos na maioria das vezes, não sofre influência direta dos brancos. Essa aproximação fica clara e evidente que não parte dos índios, mas do homem branco e, se formos discutir essa intrusão nas áreas indígenas, seria entrar na história e falar da série de abusos dos conquistadores europeus, que levaram muitos à extinção ou ao declínio acentuado. Sabemos que existem os direitos dos índios à preservação de suas culturas originais, à posse territorial e ao desfrute exclusivo de seus recursos e que são garantidos constitucionalmente, entretanto, na prática cotidiana a efetivação desses direitos tem se revelado muito difícil e altamente controversa, pois através das notícias em jornais, revistas, a mídia em geral, a questão indígena está sempre cercada de violência, corrupção, assassinatos e, outros crimes, que têm originado inúmeros protestos tanto nacionais quanto internacionais. Claro, que o contato de civilização não precisa ser, necessariamente, predatório. E isso é assunto para outra conversa... 13 Nome dado pelos índios nas HQ analisadas neste trabalho, para denominar o homem branco. Vem do tupi Kara’ib: sábio, inteligente. A origem do nome caraíba estaria no sul das Índias Ocidentais e na costa norte da América do Sul. Os caraíbas eram povos indígenas das Pequenas Antilhas que deram o nome ao mar do Caribe. 14 Prática utilizada durante o início da colonização portuguesa do Brasil (século XVI), os índios por não conhecerem outra forma de moeda, faziam trocas de mercadorias. 28 Quando o homem branco nas narrativas do Papa-Capim aparece, as suas ações são, em regra, contra o meio ambiente, para caçar, poluir ou desmatar, mas, logo são expulsos. Quando o autor quer apresentar uma lição de moral e mostrar uma mensagem ecológica ao final da história, o caraíba “mau” leva um castigo, se arrepende e depois passa a ajudar os índios a reconstruir a mata que ele destruiu. Outras características que chamam a atenção é que os índios representados nessas HQ de Maurício de Sousa estão sempre usando tangas (como o Papa-Capim que usa uma tanga vermelha) e, frequentemente, utilizam arco, flecha e lanças para caçar, uma vez em que tiram o seu sustento da floresta. Ainda, consultam o Pajé em caso de doenças, dúvidas, receios, tristezas, admiram a Jaci15, adoram ao deus Tupã, dentre outras expressões da cultura indígena. Em muitas histórias do Papa-Capim, como defesa natural, aparecem pequenos bancos de areia movediça (figura 5) ou seriam pântanos (provavelmente visto como muito comum na região da floresta onde se passa a história, o Sul da Bahia), em que os caraíbas que entram na selva com ou sem más intenções normalmente ficam atolados e, claro, são salvos por Papa-Capim e/ou sua turma. Na figura a seguir, a caraíba perdida na floresta é salva pelo Cacique Ubiraci, quando cai em um banco de areia movediça. O que corrobora com a questão de Rousseau, “o bom selvagem” que ajuda a mocinha indefesa. Figura 5: Caraíba afundando em areia movediça. Fonte: Chico Bento, n. 43, 2014, p. 43. A razão pela qual tratamos dos demais personagens das tramas de Papa-Capim é essencial para o estudo ficcional, pois eles estão inteiramente vinculados aos fatos, acontecimentos e às ações das histórias, além de possibilitar a leitura e a comunicação com o leitor mirim por meio de sua identificação com o personagem (KHÉDE, 1986). Como bem declara Sonia Salomão Khéde (1986, p. 8), “estudamos os personagens a partir de 15 Em tupi guarani significa “lua”. Nesse caso, Jaci seria o deus Lua. 29 temas nos quais eles aparecem configurados”, acrescenta ainda que, “Porém, a maioria dos temas permite constatar que os personagens da literatura infanto-juvenil brasileira contemporânea nos levam para a discussão de perfis culturais onde aparecem as questões de sempre: identidade, etc.”. O que a autora está fazendo é justamente uma crítica a essa vinculação automática do personagem de ficção a uma discussão de “identidade”. Dessa maneira, mesmo que os nomes e as expressões sejam de origem tupi e próximas à localidade onde acontece o enredo do Papa-Capim e sua turma, não há um conhecimento preciso dessas informações nas histórias. Pois, para um maior esclarecimento da localização da tribo e da floresta, é necessária uma pesquisa mais aprofundada e detalhada dessas referências, uma vez em que a maioria das informações encontradas em alguns sites é incerta. As pesquisas e leituras fundamentadas em vários críticos e estudiosos nessa área (HQ, Maurício de Sousa e Cia.) nos fizeram ver a questão do estereótipo ainda muito forte e influente nos enredos e nos personagens ditos brasileiros, de Maurício de Sousa. Claro que jamais nos esqueceremos da tese de que ele foi de certa forma, atraído pelo mercado cultural e por leitores não só brasileiros, mas também estrangeiros, tendo, portanto, que agradar a todos. Assim sendo, o estudo das representações sociais presentes nas histórias do personagem indígena do desenhista Maurício de Sousa, nos fez identificar papéis e valores construídos sob um olhar do homem branco sobre o índio. Para tanto, nos daremos a oportunidade de uma pesquisa com a finalidade em apresentar análises e teorias dessa visão que se tem sobre a imagem estereotipada do personagem indígena expressa na HQ de Maurício de Sousa, o curumim Papa-Capim e sua turma. 30 3 ENTRE CARAÍBAS E CURUMINS, PAPA-CAPIM E A REPRESENTAÇÃO DO INDÍGENA BRASILEIRO NAS HQ Fonte: <http://blogmaniadegibi.com/2013/05/50-anos-turma-da-monica-turma-do-papa-capim/>. Acesso: 03 de jun. 2014. Refletir sobre este tema visa não só discutir/abordar a identidade indígena em meio a tantas outras expressões nas quais a figura do índio se faz presente na literatura infantil e juvenil, mas, analisar de forma crítica essas edições/revistas de HQ. Principalmente, visa problematizar, na atualidade, as noções que se tem sobre esse tema, isto é, sobre a questão das representações em torno do indígena brasileiro e como está sendo apresentado e, sob que padrão é construído esse conceito para todo o tipo de público, especialmente para as crianças, tendo em vista que, por ser uma literatura ao alcance de todos, muitos entram no mundo da leitura a partir dela. Os estudos das HQ foram realizados procurando como um ponto de partida a construção do sujeito com algum tipo de leitura, seja de uma imagem ou de um discurso, em razão de, quando se entra em uma cena e ao construí-la, esse sujeito é composto e subjetivado pelos discursos que atuam nessa cena, logo, se posiciona como sujeito. Assim, a partir da leitura dessa cena, isto é desse texto, vai se compondo uma leitura das coisas descritas e, sobre isso, podemos pensar como Stuart Hall, que a “produção de significados é através da linguagem” (1997, p.16), pois tendo essa linguagem estabelecida e tida como “verdadeira”, de certa forma, constitui ou pretende constituir o sujeito. Por conseguinte, dando destaque à questão da representação, esse significado por meio da linguagem é resultado não de algo externo, mas das nossas convenções sociais, culturais e linguísticas, pois é a maneira com a qual produzimos ao mesmo tempo os significados e as coisas, que ele é construído/produzido. Neste sentido, Hall (1997) também declara que, o significado não é direto, nem transparente e não permanece intacto na passagem pela representação. Trata-se de um cliente escorregadio que muda e se 31 adapta conforme o contexto, o uso e as circunstâncias históricas. Jamais é definido. Está sempre adiando, seu encontro com a Verdade Absoluta. Está sempre sendo negociado e inflectido, para ressoar em novas situações (HALL, 1997, p. 9). Nesse contexto, a figura do nosso pequeno personagem é produzida/construída através da representação que lhe é fornecida por meio da sua imagem posta nessas HQ. Ou seja, desde as primeiras leituras que obtivemos sobre os índios, através das cartas e relatos dos viajantes, das histórias contadas em livros e nas próprias imagens, por exemplo, a visão que lhe foi colocada é a mesma que temos hoje: estereotipada. É como se esta criação imagética transmitisse um discurso que de um lado assume uma índole rosseauniana e, de outro, adota um viés estrangeiro que gravita entre a admiração e a leitura maniqueísta do modus vivendi das comunidades primeiras do Brasil. É a partir de Sheila Praxedes P. Campos (2013) em sua dissertação de mestrado intitulada “Entre o Real, o Ficcional e o Poético: de como Theodor Koch-Grünberg narrou a Amazônia”, que atentaremos para o fato de que boa parte dos discursos que discutem ou pretendem incorporar a matriz da cultura indígena, a título de tema ou argumento, têm origem nas descrições quase sempre exotizantes16 dos exploradores naturalistas e viajantes que por aqui estiveram entre os séculos XVIII e o XX. Partimos do princípio de que é principalmente por meio de imagens, narrativas e relatos de viagens que o imaginário de um lugar é expresso, constituindo ao longo dos séculos uma vasta literatura de viagem. Essa apropriação torna-se interessante a fim de compreender os elementos que contribuíram para criar e difundir diferentes “versões” das identidades locais, como também para perpetuar estereótipos e imagens definidoras da “autenticidade” dos lugares visitados. O relato de viagem, desse modo, inventa formas de representação com o uso e manipulação de símbolos, objetivando criar, reforçar e afirmar imagens e cenários. Essa informação é reforçada ao pensarmos que, até meados do séc. XIX, os relatos de viagem permanecem como uma das poucas fontes de conhecimentos sobre o Brasil, daí que a influência deles na composição do imaginário sobre o país adquire maior proporção (CAMPOS, 2013, p. 88). Como podemos ver, o discurso presente nas narrativas de Papa-Capim tem antecedentes poderosos e já muito assimilados pela intelectualidade brasileira, sobretudo em sua fixação nas minorias a partir de sua autenticidade simbólica. A gravitação em torno de uma minoria é fundamental, por ínfima que possa parecer, no sentido de caracterização identitária, pois é exatamente este fator diferencial que fornece as pistas para a criação de 16 O sentido do termo no contexto do nosso trabalho seria que o exotismo do lugar é apropriado pelo olhar estereotipado dos viajantes, isto é, esse estranhamento é aceito ou até mesmo desejado no sentido de atribuir um aspecto exótico. 32 uma imagem de identidade nacional calcada nas origens indígenas. É das menores especificidades que nasce a aura exótica. E é nesse sentido que avança a primeira camada da criação de uma imagem identitária para o índio brasileiro, no âmbito da HQ, no afã de construir, a partir do mínimo, do específico, da minoria diferenciada e recognoscível, um símbolo que represente esta identidade imaginada. Mas este símbolo da minoria, embora não possamos compreender isso pela via direta, está prenhe de outros discursos: o discurso do estrangeiro e o discurso rosseauniano. E isso equivale dizer: o discurso dos viajantes, seu deslumbramento e sua construção/perpetuação da imagem da América selvagem e exótica, mas pura, incivilizada, inculta e bela. Sob esta perspectiva, a população indígena descrita nas HQ do Papa-Capim é exibida em um lugar que lhe é conferido como um modelo já convencional, que põe no centro a identidade e na periferia as diferenças, subordinando-as. Stuart Hall (1997), em seu texto A centralidade da cultura, afirma que “a cultura global necessita da ‘diferença’ para prosperar – mesmo que apenas para convertê-la em outro produto cultural para o mercado mundial”. Em outras palavras, o homem se faz com a cultura que o cerca, pois o seu modo de ser, agir e pensar está em constante contato com outras formas de representação, como bem afirma o mesmo autor em outro momento, “a cultura é um modo de vida global” (HALL, 2003, p.136). Por essas relações do homem com a sociedade estarem em frequente mudança na modernidade, a identidade indígena passou a ser concebida como o resultado da relação entre o “eu” e a “sociedade”, numa troca mútua e contínua. Hall (2006) acredita que isso tenha provocado uma “fragmentação do sujeito”, tornando-se passível de ter identidades que surgem de acordo com o momento, com as representações culturais com as quais o sujeito interage. Um mesmo sujeito pode apresentar, inclusive, identidades contraditórias. Na mesma linha de pensamento, quando descrevemos, traduzimos, explicamos as coisas, estamos fornecendo sentidos, gerando sujeitos e produzindo-nos como sujeitos de determinados discursos (LARROSA, 1994). Logo, a ideia que se tem dos índios é essa exposta e reproduzida nas imagens, isto é, “um sujeito histórico, reflexo de suas relações, um sujeito construído na ambivalência” (BROSTOLIN; CRUZ, 2011, p. 158). Essa cultura eurocêntrica se dá, geralmente, pela ressignificação da própria identidade indígena, uma vez que se adapta a novas condições de vida ou é coagido a essas condições. Deste modo, para dar ênfase à discussão da representação na questão indígena nas HQ analisadas, constataremos a recorrência dessa construção da identidade e da cultura do 33 nosso índio sob os moldes estabelecidos e apresentados de maneira inalterável, uma vez em que a “Nossa sociedade é fruto da visão etnocêntrica, na qual uma cultura é tida como superior e as outras culturas como inferiores, sendo julgadas e explicadas como inadequadas” (BROSTOLIN; CRUZ, 2011, p. 159). Apesar dessa visão mecanicista, é sob este prisma que procuramos focalizar a nossa pesquisa, especificamente nessa amostragem das representações do índio nas HQ. Ainda, é possível atrair para a reflexão de uma visão universal e de uma linguagem única, superior e melhor, colocada na literatura infantil e juvenil como sendo verdade absoluta da realidade identitária e cultural dos povos indígenas. 3. 1 PAPA-CAPIM: PERSONAGEM TIPICAMENTE BRASILEIRO? O curumim da nossa pesquisa vive suas aventuras em uma floresta, de onde averiguamos que os costumes e as tradições são preservados e fora do alcance do homem branco, embora este, de vez em quando, apareça. Na aldeia onde encontramos o nosso índio, sua morada é em uma oca e tudo o que ele precisa para o seu sustento retira da mata ao seu redor e, assim, a vida indígena é colocada como inteiramente voltada às questões da natureza. É ainda conveniente pontuar que usualmente os enredos das histórias do PapaCapim estão relacionados a problemas ambientais que ocorrem nas proximidades da tribo e são desencadeados com frequência pelas ações do homem branco. Essa situação de transgressão e maculação do espaço indígena faz com que a maioria das narrativas tenha como o objetivo maior a responsabilidade de passar uma lição de moral, a fim de “adaptar” sujeitos ecológicos. Nas ilustrações apresentadas abaixo, o Papa-Capim e o companheiro Cafuné (figuras 6 e 7) mostram a vida natural que os índios das HQ estudadas costumam levar, sendo também identificados de maneira bem característica: têm pele escura (marrom), vestem-se com tangas, usam cabelos lisos e bem cortados, além de, normalmente, encontrarem-se munidos de arcos e flechas para caçar e/ou pescar. Essa caracterização tem relação direta com a imagem mental que temos do índio, construída há muito tempo, configurando-se como um suposto modus vivendi natural dos índios facilmente aceito pelo leitor em seu horizonte de expectativa. 34 Figura 6: Papa-Capim e Cafuné, preparando flechas para caçar. Fonte: CHICO BENTO, n. 409, 2002, p. 13. Figura 7: Papa-Capim e Cafuné, com arco e flecha. Fonte: CHICO BENTO, n. 409, 2002, p. 15. Há ainda, os índios adultos, como exemplo, o Pajé (figura 8) e o Tupã (figura 9) que aparecem com pinturas, colares, penas na cabeça, entre outros acessórios comuns da cultura indígena. Figura 8: Papa-Capim e o Pajé da sua tribo. Fonte: CHICO BENTO, n. 346, 2000, p. 13. 35 Figura 9: Tupã, o deus da tribo de Papa-capim, apartando brigas de tribos rivais. Fonte: CASCÃO, n. 44, 2014, p. 23. Na figura 9, temos o deus Tupã, que também aparece com acessórios peculiares à cultura, sendo modelo de um índio adulto, ainda é o grande apaziguador das brigas entre as tribos rivais que de vez em quando aparecem nas histórias. Nos dois primeiros quadrinhos da ilustração acima, notamos além do Papa-Capim, o nosso índio-personagem, proveniente de uma tribo baiana, há mais uma confirmação das tribos da mesma procedência: os Botocudos, também chamados aimorés, como de costume usavam botoques labiais e auriculares, eram índios de tribos localizadas em montanhas desde a época da colonização, remanescentes hoje em algumas partes do sul da Bahia. A exposição do costume dos índios na maioria dos enredos nessas HQ, apesar de ser mostrada como comum para eles (como a maneira de se adornarem), em parte, é tida como se fosse anormal, pois é vista de modo preconceituoso. Vemos isso na própria representação do Dia do Índio17, como menciona Petersen, Bergamaschi e Santos (2012, p. 191), quando “na maioria das vezes, crianças têm seus rostos pintados e usam cocares, entoam ridículos ‘uuuus’, sem qualquer reflexão sobre o indígena da vida real”. Posto isto, o entendimento que destacamos nessas histórias é de que o índio mostra ser um sujeito de certa forma idealizado, com um papel sem importância e sem perspectiva de vida na sociedade brasileira. E além de visto com uma imagem marcada por estereótipos, essas festividades e suas expressões culturais, revelam o desconhecimento da diversidade cultural do nosso país. Luciano (2006) fala que a grande diversidade de identidades e etnias que diferenciam os vários povos indígenas do Brasil seria “importante para a superação da 17 No I Congresso Indigenista Internacional, realizado na cidade de Patzcuaro, México, em 1940, foi instituído o Dia do Índio. Mas foi acatado somente em 1943, pelo Decreto-Lei nº 5.540, de 02 de junho de 1943, pelo então presidente, Getúlio Vargas. E o dia 19 de abril passou a ser o “Dia do Índio”. 36 visão conservadora” (p. 49), a qual é concretizada na imagem que a sociedade tem do índio, ora vendo nele uma figura romântica, o bom selvagem, ora um ser preguiçoso, ou perigoso. Além disso, a sociedade costuma tratar os diversos povos indígenas brasileiros como sendo um povo único, não levando em consideração a diversidade étnica e cultural que permeia esses povos. Essa suposta unicidade dos povos indígenas encontram referências em alguns enredos do Papa-Capim, quando do encontro com o homem branco, geralmente provocando profundos conflitos de alteridade. Em algumas situações, o homem branco surge para destruir o habitat dos índios (figura 10), como um caraíba com “ar” de caçador, equipado de uma espingarda, provavelmente procurando animais para caçar18. Figura 10: Encontro entre caraíba, Papa-Capim e Cafuné. Fonte: CHICO BENTO, n. 72, 2002, p. 25. Em outros momentos, o homem branco aparece para cuidar do meio ambiente e preservar espécies (figuras 11 e 12). O caraíba o tempo todo impede o Papa-Capim de caçar algum animal para comer e, com isso, revela certa preocupação com o índio e a sua alimentação, mesmo que haja culturas de preservação ambiental e do costume indígena de pescar e/ou caçar para a sua sobrevivência, ao contrário, as ilustrações não configuram esta preocupação. 18 Esse homem branco também não é brasileiro, é uma figura de filmes americanos, tipo explorador, caçador de aventuras e riquezas. 37 Figura 11: O caraíba procura convencer Papa-Capim de não caçar jacarés. Fonte: MAGALI, n. 43, 2014, p. 58. Figura 12: O caraíba procura convencer Papa-Capim de não caçar micos-leões. Fonte: MAGALI, n. 43, 2014, p. 59. Nessas cenas, no mínimo, contraditórias, podemos ver aí duas questões: a realidade que os índios vivem com o constante avanço do caraíba por meio da imposição de forma bruta ou a imposição por um meio mais “delicado”, pois o “cuidado” e a “preocupação” do homem branco com o indígena é de uma maneira ou de outra, uma forma a impor-lhes a sua civilização. Conforme a afirmação de Bhabha (2007), para reforçar as representações estereotipadas sobre os outros, as representações construídas no contexto da colonização, em que o outro foi inventado como um inferior serve para justificar o domínio, a colonização ou até mesmo o extermínio. 38 Figura 13: O caraíba “cuidando” do Papa-Capim. Fonte: MAGALI, n. 43, 2014, p. 59. Na figura 13, o caraíba ao oferecer alimento para o Papa-Capim, notamos que nada mais é o “famoso” fast food19, muito comum nos EUA. Compreendemos com isso que assim como a construção do indígena foi colocada inicialmente do ponto de vista dos viajantes europeus em suas cartas e relatos, ou seja, a forma como se vestiam, agiam e pensavam os índios, de acordo com o olhar dos europeus, essa concepção é também reafirmada de maneira explícita na cultura americana capitalista, quando é percebido na imagem o alimento tido como o mais “adequado” para o indígena, quer dizer, inferimos a forma “correta” de se alimentar transmitida através dessa ilustração e, sendo este o alimento do tipo mais comum de ser consumido pelos americanos no dia a dia atualmente. Embora, hoje não seja um tipo de alimento necessariamente e totalmente americano, pois se tornou comum em vários lugares e países pela praticidade. A questão mais importante é o tipo de atitude paternalista, que não leva em conta a experiência e os modos de vida dos índios (mesmo que seja de um Papa-Capim). Outra questão a ser pontuada, é o tipo de olhar do Papa-Capim dirigido aos leitores. O que ele representa? Cumplicidade? Indiferença? Dúvida sobre a “boa” intenção do caraíba? É um caso a se pensar e se discutir em outro momento. Quando o caraíba oferece sanduíches e refrigerante ao indiozinho, sugere que sua pseudo preocupação em mantê-lo alimentado seria porque ele estaria também em extinção. Será que o discurso dos viajantes, mais especificamente o sentimento expresso por KochGrünberg (2006, p. 372) em 1913 (“Pensa-se numa pobre alma que se separa do corpo e 19 Significa “comida rápida”, é o nome genérico dado ao consumo de refeições que são preparadas e servidas em um intervalo curto de tempo. Geralmente são alimentos como pizzas, sanduíches, pastéis, etc. 39 desaparece na eternidade. Nessas melodias, reflete-se por assim dizer, todo o inevitável destino da raça morena”), ainda ressoa, 100 anos depois, nas narrativas do Papa-Capim? No final da figura 13, a fala do caraíba está clara a perpetuação do discurso dos viajantes, ainda presente na história do nosso curumim, de que a “raça” indígena estaria em extinção, seja em termos de desaparecimento físico, seja como diluídos no meio da cultura dos brancos e, A intenção é que, diante das imagens oferecidas pelo narrador, o leitor seja impulsionado a também concordar com o viajante que, do alto de seu conhecimento científico, vaticina o desaparecimento dos índios, não o físico, mas o desaparecimento como “raça morena” que perde sua “cultura interior” em contato com a cultura dos brancos (CAMPOS, 2013, p. 84). E talvez seja essa a intenção de alguns narradores: usar linguagens poéticas, humorísticas e até instrucionais para mover o leitor e o levar a crer no discurso por eles proferido, seja o verdadeiro discurso ou o imaginário. Outra questão está no que Ângela Ariadne Hofmann (2012) expõe em seu texto O mundo além da “terra à vista”: o lado de cá do Oceano Atlântico é outra história, que o Brasil não conhece o Brasil e fala da separação da homogeneidade das diferenças que, Partindo da construção de conhecimento e da sua transmissão nas culturas indígenas, podemos identificar um ato de leitura do mundo que se construiu e se constrói por meio dos tempos, constituindo suas cosmovisões, que se distinguem da concepção elaborada pela civilização ocidental (p. 129). A autora ainda esclarece que, Esse modelo de “ser humano ideal” parte de convenções e estilos de viver considerados normais e controlados hegemonicamente sob a perspectiva do pensamento construído na Idade Moderna, de vertente positivista e controladora da sociedade, ditando, a partir de um restrito foco autoritário, o que é e o que não é certo na vida social, buscando, dessa forma, “normalizar e automatizar os corpos” (p. 130). Assim e, sem esquecer que a Maurício de Sousa Produções trata temas como dos indígenas, uma estratégia do mercado editorial, além de adotar uma posição de “politicamente correta”, como uma forma de vender produtos, afinal, é necessário atrair seu público leitor principal – a meninada. As HQ do Papa-Capim são vistas pelo sentido de que servem para ensinar quais ações devem ser tomadas ante o processo de colonização do homem branco sobre o indígena, isto é, para ensinar o que é “certo” e o que é “errado”, 40 buscando regular, principalmente os tipos de culturas como sendo diferentes. Através de seus textos e imagens, estariam sendo produzidos significados que definem o que é de fato melhor para todos e como devemos nos posicionar diante disso. Outro ponto importante a ser destacado nessas figuras das histórias do Papa-Capim, é que comumente, os caraíbas se apresentam vestidos com roupas estilizadas de caçadores, como calças, bermudas e camisas com bolsos, de cores: bege, bordô, cáqui, verde e marrom; botas escuras e chapéu, o popular estilo safari20. Há casos em que são mostrados levando consigo espingardas ou outro tipo de armamento, confirmando mais a ideia de caçador (cf. figura 10, p. 36). Até mesmo as mulheres que vão à floresta, para um passeio ou para acampar, se vestem de tal forma (figura 14): Figura 14: Caraíba na floresta sendo salva pelo cacique da tribo. Fonte: CHICO BENTO, n. 43, 2014, p. 43. Podemos até ver como sendo natural, além de ser a maneira mais apropriada, pois se vamos a uma floresta ou uma selva, queremos nos proteger de insetos ou animais menores e peçonhentos, mas a nossa forma de nos vestir, de fato, não é esta. O que nos instiga e nos leva a pensar sob esta perspectiva, é o que chamamos do processo denominado transculturação21, que expressa o contato entre culturas diferentes para falar que subjugar e impor a cultura do mais forte, essa cultura conviverá com a cultura do dominado. E também discutimos do que José Luís Jobim (2008) trata sobre trocas e transferências culturais, que para ele, podem ser analisadas em função de seus lugares de enunciação, pois sendo um lugar uma construção elaborada por várias gerações 20 Utilizado, geralmente, em expedições de caça na selva ou na savana africana. A tradicional “roupa para safari” é conhecida pelo seu estilo apropriado para aventuras e passeios na selva, pois mantém uma espécie de “camuflagem” com a sua cor neutra, se confundindo a esse cenário. Este tipo de roupa, podemos ver representado nos filmes de Indiana Jones, personagem criado pelo cineasta americano George Lucas. 21 Termo proposto em 1940, pelo etnólogo e antropólogo cubano Fernando Ortiz, o qual destaca esse processo transitivo de uma cultura para outra, um jogo de dominação imposto, sobretudo, pelo empreendimento colonial. Já o crítico literário uruguaio Ángel Rama, acrescenta em seus estudos teóricos (iniciados nos anos 70 e concluídos em 1982) sobre a comunidade cultural, o conceito de transculturação narrativa para aplicar à análise literária a sua reflexão teórica acerca da literatura latino-americana. 41 de homens e mulheres que nele habitaram ou por ele passaram, e que ajudaram a formular o sentido que tem, A comparação com outras memórias, geradas em outros lugares, nas Américas ou em outros continentes, por exemplo, pode permitir verificar analogias e dessemelhanças entre o que se institui como ‘comunidade imaginada’ ou ‘imaginário coletivo’ (JOBIM, 2008, p. 113). Está claro nas ilustrações que destacam elementos da cultura do homem branco e, é visivelmente construída sob os moldes europeus, isso, devido à visão que muitas vezes temos (e vemos) em relação aos povos indígenas, a qual foi trazida/escrita pelos viajantes em suas cartas/relatos de viagens. Em trechos da carta de Pero Vaz de Caminha (CASTRO 1996) o encontro entre esses dois mundos, o nativo e o europeu, constatamos já de muito tempo o olhar deste, sobre aquele: A feição deles é parda, algo avermelhada; de bons rostos e bons narizes. Em geral são bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou mostrar suas vergonhas, e nisso são tão inocentes como quando mostram o rosto. (...) traziam o lábio de baixo furado e metido nele um osso branco e realmente osso, do comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. (...). Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que verdadeiramente de leve, de boa grandeza e, todavia, raspado por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da covinha, de fonte a fonte, na parte por detrás, uma espécie de cabeleira feita de penas de ave, amarela, do comprimento de um coto, muito basta e cerrada, que lhe cobria a nuca e as orelhas. (...) (CASTRO, 1996, p. 79). Além da visão europeia já consolidada, podemos reparar nessas narrativas em que enquadram os tipos de alimentação provenientes da cultura americana, temos a visão do nosso nativo construída também sob os moldes americanos (cf. figura 13, p. 38). Observamos sobre a questão da “americanização” das HQ, por meio da forte influência nos quadrinhos brasileiros, não só com as formas de alimentação, como, principalmente, a expansão dos seus “super-heróis”, oriundos desta cultura. 42 Figura 15: Caraíba compara o índio ao herói da selva africana, Tarzan. Fonte: CHICO BENTO, n. 43, 2014, p. 42. Na figura 15, vemos a comparação clara entre o índio corajoso e o grande herói da selva africana, Tarzan22. Sabemos que o homem das selvas fez (e ainda faz!) muito sucesso entre nós, porém, é bom lembrarmos que apesar de ter surgido nos anos 30/40, “a proliferação desses super-heróis, entre nós, quando nada, em nossa conjuntura política, econômica ou social, se assemelhava à dos Estados Unidos que lhes deu origem” (COELHO, 1991, p. 244) fez com que essas narrativas de HQ se tornassem ainda mais interessantes para os leitores, mesmo que fugissem da realidade atual e da “brasilidade”, sem, no entanto, “esquecer que heróis ou super-heróis, dramáticos ou cômicos, heróicos ou desvalidos... são literatura antes de serem quadrinhos” (COELHO, 1991, p. 244-245). O único intuito do mercado era (é) alcançar a todos, nem que para isso, apenas dê-lhe nomes diferentes, para torná-los mais “nacionais”, como o cacique Ubiraci, o nosso Barzan brasileiro. Essa universalização é de todo influência do mercado editorial, das tendências e das interpretações que surgiram nos heróis-em-quadrinhos e que foi desde a década de 1940 que a literatura quadrinizada se expandiu nessa aldeia global23 como bem explicam os estudiosos da Comunicação. Nelly Novaes Coelho (1991) ainda acrescenta que essa “parafernália cultural importada, que se impõe como alimento diário dos brasileiros” é devido “(...) o poder dos meios-de-comunicação-de-massa em criar necessidades” (p. 244). 22 Personagem de ficção, surgido na literatura em 1914 e criado pelo escritor americano Edgar Rice Burroughs, tornou-se popular e reconhecido de início em série, mais tarde foi divulgado em filmes e na literatura quadrinizada. Em 1918, o seu sucesso eclodiu na versão cinematográfica. 23 Essa expressão foi cunhada pelo filósofo canadense Marshall McLuhan, com a intenção em destacar que o progresso tecnológico tende a reduzir todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia: um mundo em que todos estariam de certa forma, interligados. Portanto, esse termo abordado no texto, explica que foi a partir da invasão dos quadrinhos estrangeiros com os seus heróis que nos submetemos à cultura do “outro”. 43 E, em suma, afirma que se faz bem ou mal, ainda não é possível ter uma definição completa. A partir desses olhares, observamos que há um conceito muito simplificado dos indígenas e isso parte da própria literatura que nos faz ver com os seus olhos as representações produzidas no contexto da colonização, pois “a história tem mostrado que eles são assassinados, explorados e perseguidos. Trata-se de uma violência que esconde o preconceito de um País que não assume sua plurietnicidade” (GUERRA, 2010, p. 45). E para não mostrar total exclusão das preferências eurocêntricas e norte-americanas nos quadrinhos, quer sejam elas quanto ao reconhecimento das personagens com outras “de fora”, quer sejam quanto ao contexto das histórias, apenas confrontamos que todo esse “estrangeirismo” na literatura quadrinizada, aliena ante os verdadeiros problemas que atormentam, de fato, os povos indígenas brasileiros. 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS A construção da imagem do índio nessas HQ procura passar a ideia pretensa de uma imagem de um índio brasileiro, por meio da localidade da sua tribo, de algumas referências locais e significados com nomes nativos e/ou outras expressões. Porquanto, é perceptível a fundamentação da figura do indígena nessas histórias, especificamente, infantis, elaborada sob os moldes europeus e ainda, claramente, sob o modelo norteamericano de produção e veiculação, pois notamos essa similaridade através das suas falas, do modo de agir, de pensar, de comparar personagens/heróis, até mesmo na maneira de vestir e de comer. Enfim, de modo geral, de representar quase todo o contexto. Da mesma forma, nos adverte Bergamaschi (2005, p. 39) que o nosso olhar para o outro se dá desde o lugar que nos diz quando “do que nós somos e temos, do nosso ‘ser ocidental’” é do processo de colonização o qual sofrem os índios, pois acrescenta que, “julgando a partir da forma do viver ocidental. Claro que vivem à margem do mundo dos ‘brancos’, que os empurra e os ‘aperta’”. Assim, se confirmam as nossas hipóteses, não só da forte e constante presença do “civilizado” caraíba na cultura dos povos indígenas, como da inevitável invasão que estes padecem. A intenção da pesquisa é analisar as representações do indígena brasileiro nas HQ e poder refletir criticamente sobre a imagem que é mostrada da cultura ameríndia dentro da literatura quadrinizada e, se está relacionada ao território onde esse conhecimento é produzido. Para tanto, buscamos apresentar por meio de ilustrações a cultura do curumim mais famoso dos quadrinhos, o Papa-Capim. Apesar de todos os meios em torná-lo característico do Brasil, o nosso indiozinho não convence boa parte dos pesquisadores que, conforme Vergueiro (1999) consideram criações como o Papa-Capim, insuficientes para transmitir essa brasilidade e com desenho bastante firmado nos padrões estrangeiros. O pequeno indígena que analisamos, em se tratando, de um incentivo aos cuidados com a natureza, com o respeito ao próximo, sobretudo os adultos e, sendo ele ainda criança, é válido admitir que existam formas boas, necessárias e adequadas de se educar uma criança através de um simples “gibi”, mas será que só isso basta? Cirne (1982, p.18) afirma que “(...) o discurso quadrinizado deve ser entendido com uma prática significante e, mais ainda, como uma prática social que se relaciona com processo histórico e o projeto político de uma dada sociedade”. O que nos faz crer que o ideal nas HQ não é só exibir um índio, com “características” de índio, numa mata caçando e pescando, para dizer ao mundo que está reproduzindo a diversidade do país em suas 45 narrativas, mas ver esse índio como integrante da nossa história forte e rica, da nossa variedade étnica, além de evidenciar como ele representa a cultura do país como um todo. A universalização dos “alimentos culturais” de que fala Nelly Novaes Coelho (1991) e que são advindos de outras civilizações, isto é, os modelos estrangeiros que foram colocados nas HQ brasileiras, podem cooperar (se já não cooperam) para a natural alienação sobre a diversidade cultural do nosso país e sobre as diferenças entre as culturas. Com isso, entendemos que mostrar essa pluralidade cultural do Brasil e o direito dos povos indígenas de existir na sua multiplicidade étnico-cultural a começar na literatura infantil e juvenil, ajuda na aceitação e preservação, como no dizer de Funari e Piñon de que “os índios passem a ser considerados não apenas um ‘outro’, a ser observado a distância e com medo, desprezo ou admiração, mas como parte deste nosso maior tesouro: a diversidade” (2011, p. 116). Diante disso, podemos depreender que as narrativas do Papa-Capim e sua turma, embora permaneçam em sua intencionalidade humorística e também informativa, apresentam indícios que não negam a falsa imagem de um indígena tido como tipicamente brasileiro. Assim, firmamos que é por meio de imagens, narrativas, além de relatos de viagens que o imaginário de um lugar é expresso. A visão do homem branco nessas HQ (no caso, Maurício de Sousa) acaba por conceber formas de representação com o uso da linguagem, partindo do princípio que é através da linguagem que se constitui o sujeito, pois quando cria, reforça e afirma imagens e lugares, conduz e contribui para determinar e difundir diferentes versões e visões das identidades locais, como também para vincular estereótipos. Se não fosse a preocupação em atingir o limite máximo no mercado capitalista em vendas, as HQ seriam além de divertidas, um dos meios de produzir significado e conduzir o leitor, seja ele infantil ou adulto, para uma grande referência da multiplicidade étnico-cultural do Brasil dentro da narrativa. 46 REFERÊNCIAS BERGAMASCHI, M. A. Nhembo’e! Enquanto o encanto permanece: processos e préticas de escolarização nas aldeias guarani. Porto Alegre, 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007. BROSTOLIN, Marta Regina; CRUZ, Simone de Figueiredo. Criança Terena – algumas considerações a respeito de suas representações identitárias e culturais. In: Criança indígena: diversidade cultural, educação e representações sociais. In: Adir Casaro Nascimento (Org)... [et al.]. – Brasília: Liber Livro: 2011, p. 157-179. CAMPOS, Sheila P. P. 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Rio de Janeiro: Globo, n. 346, 2000. ____________. Flecha. Rio de Janeiro: Globo, n. 409, 2002. ____________. Superbichos. Rio de Janeiro: Panini Comics, n. 87, 2014. MAGALI (almanaque). Extinção. Rio de Janeiro: Panini Comics, n. 43, 2014. 49 ANEXOS 50 De: Sibelle Praxedes [mailto:[email protected]] Enviada em: terça-feira, 25 de março de 2014 15:59 Para: [email protected] Assunto: Informações sobre o personagem Papa-Capim Olá! Gostaria de algumas informações sobre o personagem Papa-Capim, para a realização de uma pesquisa acadêmica. Bom, primeiro quero saber se nas revistas em que aparecem as histórias do Papa-Capim, há alguma informação mais clara e concreta sobre a floresta em que vive o personagem, isto é, qual o nome da tribo a que ele pertence? Qual o verdadeiro significado do nome dele? Existe a revista com o personagem adulto (como os da turma da Mônica e do Chico Bento)? Se não, por quê? Outra coisa: percebi q antes as histórias do Papa-Capim apareciam mais frequentemente nas revistas do Chico Bento, agora, de vez em quando, aparecem nas revistas da Magali, Cascão e em outras vezes é bem difícil encontrar... Por favor, se puderem responder as minhas questões, agradeço muito e a minha pesquisa também! Obrigada! Atenciosamente, Sibelle Praxedes P. Risucci 51 RES: Informações sobre o personagem Papa-Capim Daniela Gomes ([email protected]) Adicionar aos contatos 28/03/2014 Fotos Para: [email protected] Sibelle: O Papa-Capim é um menino índio, perfeitamente integrado à sua tribo e à natureza. Originalmente, ele habitava o sul da Bahia. Mas hoje utilizamos costumes comuns das nações da parte leste do país. Estamos estudando novas famílias de indígenas para o lado da Amazônia. Ele é um garoto esperto, que ama a natureza e entende os animais. Seu sonho é se tornar um adulto sábio como o pajé. Mauricio escolheu os nomes dos personagens de sua turma baseando-se em nossa fauna e em nomes indígenas: Assim, Papa-Capim é o nome de uma ave brasileira que habita florestas de clima tropical. Quanto a uma versão jovem, por enquanto ainda não foi desenvolvida. Quem sabe, futuramente? Qualquer outra dúvida, volte a entrar em contato conosco. Um abraço, Daniela Gomes