Desenvolvimento e História1 Esteve em consulta pública durante o mês de Julho a avaliação internacional dos laboratórios de Estado. Num deles, por sinal o único onde investigam cientistas sociais, a consulta pública deu lugar a um blogue onde já se publicaram duas dúzias de artigos, a grande maioria sobre história, o resto sobre biologia e agricultura tropical. Embora até agora o blogue se não tenha pronunciado sobre desenvolvimento, o título pretende sugerir que, na medida em que melhora as políticas e a política dos países da CPLP, a investigação do passado ajuda a melhorar as perspectivas futuras nesses países. Há duzentos anos tratava-se de um território que durante mais de três séculos se havia alargado a partir do extremo ocidental do continente europeu que o regia, tendo quase sempre conseguido permanecer independente das hegemonias vizinhas – graças ao Atlântico. Então sujeito à pressão imperial da França napoleónica, estava a preparar uma saída política original, que preservou a soberania no Brasil mas destruiu o exército. Esta saída é relatada em História Diplomática Portuguesa Constantes e Linhas de Força, volume reeditado no décimo aniversário da morte do seu autor graças a patrocínios privados ao IICT. Tendo sido politicamente indiferenciada até à independência do Brasil, a memória lusófona comum comportou assim lutas políticas e militares pela independência de cada um dos seus oito Estados membros. Identificada em cinco países africanos com a guerra colonial e a descolonização chamada exemplar, a luta pela independência política comporta ainda várias guerras civis e, no caso de Timor, mais três décadas de anexação à Indonésia. Não admira, pois, que as memórias comuns pareçam tão longe de uma história em português - ainda por fazer – como do desenvolvimento sustentado da maioria dos países lusófonos. Mas o décimo aniversário da CPLP pode prenunciar mudança na organização, em direcção ao conhecimento mútuo do passado e do presente rumo a uma visão comum para o futuro, no quadro da parceria global para o desenvolvimento. Realizou-se há cerca de um mês em Bissau a VI cimeira da CPLP. Entre outras decisões, nomeadamente relativas a associar estados como a Guiné Equatorial e as Maurícias (descobertas ambas por navegadores portugueses), a cimeira aprovou uma declaração sobre o acompanhamento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) no âmbito da CPLP. Foi ainda entregue um álbum editado pelo IICT com gravuras sobre as cidades do oito Estados comentadas por um diplomata caboverdiano. O álbum foi apresentado no programa Expresso da meia noite, onde David Borges lamentou o silêncio mediático da lusofonia. Já em Agosto, o álbum foi exposto no Ministério da Educação brasileiro. Podemos assim chamar Desenvolvimento e História ao espírito de Bissau, renascido quase vinte anos depois do encontro entre os presidentes Ramalho Eanes e Agostinho Neto! Desenvolvimento e História em português reforçam o “conhecimento mútuo” referido na declaração de Bissau sobre ODM. Para marcar as consequências positivas de tal conhecimento ao nível da qualidade das políticas nos países desenvolvidos, Fernando Oliveira Neves (na véspera de trocar a Embaixada de Luanda pela de Dublin), realizou um seminário intitulado Desenvolvimento em português visando comparar as perspectivas das organizações de Bretton-Woods (FMI e Banco Mundial), da OCDE ou da União Europeia acerca do desenvolvimento lusófono – com especial atenção para Angola. Aí representei a OCDE apresentando um trabalho sobre Lusofonia como Bem Comum, depois desenvolvido numa conferencia do IICT com a revista África Hoje do malogrado Albérico Cardoso realizada na Universidade Católica de Angola. Daí saiu um livro intitulado Parcerias público-privadas e integração económica na África austral, já com duas edições e no qual se dá conta do arranque do Conselho Empresarial da CPLP. Passados dois anos, a CPLP quer finalmente aumentar o conhecimento mútuo dos seus países membros. Para o conseguir, precisa da História, de memórias comuns que a escorem - de política e de desenvolvimento económico. Dizer que as relações entre história e memória passam pela política e pelo desenvolvimento económico é outro modo de perspectivar o futuro, porventura menos concreto do que o apelo ao conhecimento mútuo, mas igualmente legítimo, em especial numa comunidade baseada na mesma língua e na amizade mútua dos povos que a falam e escrevem, como é a CPLP. Mas a intromissão da política perturba os historiadores que receiam tornar-se escravos da actualidade. Receio bem actual: basta pensar nas “leis memorialistas” francesas, (acerca do holocausto, do genocídio arménio, do tráfego de escravos, etc.), nos exemplos doméstico e espanhol ou ainda nas visitas do primeiroministro japonês ao santuário de Yasukuni. Para conseguir repor o equilíbrio entre diferentes visões do passado “é preciso saber ter memória!”, como se recorda numa publicação recente do Instituto Diplomático (com o mesmo patrocínio privado ao IICT do que a História Diplomática), intitulada Jorge Borges de Macedo Saber Continuar. O renascido espírito de Bissau irá dissipar-se depressa se não formos capazes de aumentar o conhecimento mútuo dos países da CPLP. São precisos indicadores económicos como os apresentados no citado Parcerias público-privadas, baseados em indicadores compilados pela OCDE e o Banco Africano de Desenvolvimento, de modo a perspectivar o desenvolvimento em português. 1 Uma versão abreviada deste texto será publicada no Diário de Notícias de 21 de Agosto próximo. Mas também é preciso conhecer a história em português, sob pena do conhecimento não conseguir repor o equilíbrio entre diferentes visões do passado, deixando-as à mercê de memórias emotivas e parciais. Estou a parafrasear a última coluna Presença Lusófona na Nova Cidadania com tanto mais à vontade quanto é certo que foi o seu autor quem mais contribuiu para o blogue. Seguem-se alguns trechos cuja origem vem indicada apenas pelo número de ordem no blogue (João Pedro Marques #1, 6, 7, 16, 23; Miguel Jasmins Rodrigues #4 e 12; Ângela Domingues #15; Ana Cannas # 22). Estes trechos lacónicos não conseguem mostrar a vivacidade do debate mas ajudam a motivar a vertente história no enquadramento da actividade do IICT para 2007, que incluí esta e os ODM, ou seja Desenvolvimento e História em português. BLOGUE # 1 Ancorar a História ao Património confere uma “utilidade” imediatamente perceptível aos historiadores do IICT mas pode também vir a limitá-los, tornando-os unidimensionais. BLOGUE # 4 Não será impossível encontrar uma solução de equilíbrio entre o “interesse público” e a “liberdade de investigação”, tendo sempre em linha de conta que um “Laboratório Público” não pode abdicar da “ciência pura” nem da utilização social da ciência. BLOGUE # 6 Os historiadores devem ser avaliados não pelo número de redes ou de “equipas” em que estão inseridos mas pela qualidade do que produzem e pela constância com que produzem. BLOGUE # 7 Não deve perder-se de vista que a divulgação da documentação não é a principal missão de um historiador. Cabe-lhe descobrir novas perguntas a fazer à documentação, isto é, cabe-lhe reelaborar o inquérito. BLOGUE # 10 Tornar vivo o que foi, garantir, usar e disponibilizar o património histórico, fazer ciência em áreas diversas são vertentes específicas mas frequentemente interligadas nas actividades do IICT. BLOGUE # 12 Um Laboratório de Estado, como é o caso do IICT, tem, entre outras, a obrigação de assumir frontalmente o seu papel de colectivo científico e ficará obrigatoriamente diminuído se a apreciação dos seus resultados se resumir ao somatório dos trabalhos individuais dos seus investigadores, por maior que seja o mérito científico de cada um deles. BLOGUE #15 O património do IICT pode ser também estudado numa perspectiva de História da Ciência, do que era a ciência em Portugal no século XX e de como se fazia a “ciência dos trópicos” durante o período do Estado Novo e em contextos de colonização/descolonização e cooperação. BLOGUE # 16 Se quisermos ficar a meio caminho, digamos, como Braudel, que a História é uma “investigação cientificamente conduzida” uma soma “de curiosidades, de pontos de vista, de possibilidades”. BLOGUE #22 O facto do acervo do AHU resultar da dimensão “mais internacional de Portugal” para o período de meados do séc. XVII a 1974 – 1975, i.e. da administração portuguesa de espaços da América do Sul à Ásia, qualifica a CPLP como destinatário preferencial. BLOGUE #23 O que poderá razoavelmente esperar-se dos historiadores que, no âmbito da “iniciativa portuguesa”, vierem a participar em projectos com o AHU é que, no decorrer das suas investigações nesse arquivo “corrijam” a classificação ou a arrumação de um determinado documento, elaborem uma nota a propósito daquele outro, sugiram o cruzamento com mais alguns, etc. Jorge Braga de Macedo