FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO
III SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP
A
QUEM
PERTENCE
A
GOVERNANÇA
DOS
OBJETIVOS
DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL?
Luciana Sonck
Orientação: Marijane Lisboa
Resumo
Este artigo tem por objetivo refletir acerca da elaboração dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável, divulgados em julho de 2014 como desdobramentos da
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, também
chamada Rio+20, que ainda necessitam uma avaliação mais profunda e crítica,
especialmente no que tange sua governança. Para tanto, foi necessário compreender
o histórico do movimento ambientalista e das conferências internacionais sobre meio
ambiente e sustentabilidade, para depois conceituarmos a ideia de Governança Global
trazida como eixo temático da Rio+20.
A discussão sobre o papel dos diferentes atores ao longo do processo e a forma
como
são
apresentadas
as
relações
entre
países
desenvolvidos
e
em
desenvolvimento estão presentes na discussão, bem como o questionamento sobre
evolução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, a serem perseguidos nos próximos 15 anos em todo o
mundo.
Palavras-chave
Desenvolvimento Sustentável. Governança Global. Rio+20. Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável.
I – Introdução
Em julho deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou a lista de
Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Como desdobramentos da
Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, também
chamada Rio+20, os ODS foram elaborados visando substituir o marco regulatório que
norteava os países desde a virada do século, os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM), cujo cenário de 15 anos para o atingimento de metas expirará em
2015.
Os ODM foram extremamente bem avaliados pela ONU e pelo governo brasileiro
em relatórios deste ano 1, pois algumas das metas, como redução da mortalidade
infantil ou o acesso à uma fonte de água melhorada, foram atingidas acima do
esperado e antes do prazo. Tais objetivos davam foco a oito temáticas com
indicadores de fácil medição e acompanhamento, visando o comprometimento dos
países em apoiar a elaboração de metas nacionais. Diferentemente, os ODS são
muitos,
em
temáticas
dispersas
e
ainda
não
possuem
indicadores
de
acompanhamento precisos, ainda em construção.
Como desdobramento de uma grande conferência das Nações Unidas, podemos
compará-los também com a Agenda 21, plano de trabalho elaborado na Eco-92, cujo
comprometimento em metas trouxe pela primeira vez aos países um norteador de
como colocar em ação aquilo que na teoria já estava sendo apontado desde os anos
1960. Nesse sentido, os ODS sairiam em desvantagem, pois a própria conferência que
os referendou não recebera a mesma importância histórica, seja em números de
participantes seja na avaliação após o evento, como detalharemos na parte III.
Para entender o momento histórico deste lançamento, é importante lançarmos
mão do materialismo histórico e analisarmos o movimento ambientalista e a sucessão
de conferências internacionais que legitimaram o conceito de Desenvolvimento
Sustentável como modelo de desenvolvimento a ser perseguido pelas nações.
Também se faz importante compreendermos os diferentes atores e papeis na
1 É o caso do Relatório sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – 2014 da Organização das
Nações Unidas e do Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio do Governo Federal.
construção de tais objetivos, visando analisarmos do ponto de vista político a questão
da governança global, amplamente estudada no campo das Relações Internacionais.
II- Movimento Ambientalista e o conceito de Desenvolvimento Sustentável
Foi a partir da percepção de que a exploração da natureza pelo homem havia
alcançado níveis jamais vistos, e talvez gerado processos irreversíveis para o planeta,
que se entendeu necessário preservar o meio ambiente. A socióloga Marijane Lisboa
ainda aponta que “o amor pelo verde cresceu à medida que esse mesmo verde
desaparecia sob a poluição atmosférica e de envenenamento dos rios, causados pelo
crescimento das cidades e das indústrias” (LISBOA, 2009, p.78).
O movimento ambientalista, antes de constituir-se politicamente, já estava
expresso nas tentativas de preservação de espécies animais e vegetais, tanto por seu
caráter utilitário quanto por seu caráter estético, bem como pela “mudança de
sensibilidade do homem em relação à natureza” (LISBOA, 2009, p.76) do final do séc.
XIX.
Porém, na virada do séc. XIX para o século XX, o ambientalismo sofre sua
primeira divisão conceitual. Há então a construção de dois discursos que
evidenciariam dois tipos de relação entre Homem e Natureza: para uns, o homem,
como parte integrante da natureza, não deveria destruir aquilo que lhe foi dado para a
sua sobrevivência, bem como para a de todas as espécies vivas, dentro de uma visão
integradora, que incorporaria o conceito de equilíbrio e de ecossistema, enfatizando o
vínculo entre o homem e a Natureza e renovando a noção de bem estar humano
graças ao conceito de qualidade ambiental. Ao mesmo tempo, o modelo de
desenvolvimento em vigor conteria em si um potencial autodestrutivo, pois estaria
acabando com os próprios “recursos naturais” que tornam possível a expansão dos
mercados, na medida em que há sempre uma relação de ganha-perde com a
Natureza. Assim, para outros, preservarem-se os últimos recursos seria a chave para
mais um sopro de vida ao modelo de desenvolvimento vigente.
Essas duas linhas de pensamento emergiram das idéias de “preservação”
ambiental, entendendo a Natureza com um direito a existir em sua forma intocada, e
de “conservação”, em um entendimento da Natureza como produto, como fonte de
“recursos”, os quais a Modernidade necessitava que não fossem destruídos. Muir e
Pinchot são as principais expressões na academia americana dessas duas correntes,
respectivamente preservacionistas e conservacionistas. Os primeiros entendiam que
era necessário se preservar o meio ambiente natural, enquanto os conservacionistas,
preocupados com o uso dos recursos naturais, buscavam o seu “bom uso”. (LEIS,
1999, pg.65). Segundo Leis,
Pinchot foi, em certa forma, precursor do que hoje se conhece
como
desenvolvimento
sustentável.
(...)
Defendeu
três
princípios para garantir ao mesmo tempo o uso e a
conservação da natureza: o uso dos recursos naturais pela
geração
presente,
a
preservação
do
desperdício
e
o
desenvolvimento dos recursos naturais para a maioria e não
para uma minoria de cidadãos (LEIS, 1999, pg.66).
Com o curso do processo de industrialização, na segunda metade do séc. XX,
novos problemas surgiram, decorrentes da sociedade industrial (poluição química,
mudanças climáticas, tecnologias de alto risco, aumento do desmatamento etc.).
O movimento ambientalista dos anos 1970, portanto, enfrenta
riscos
invisíveis,
generalizados,
múltiplos
e
todos
eles
resultantes do próprio desenvolvimento tecnológico. É a
natureza desse risco, fruto de tecnologias avançadas, que
caracteriza e diferencia o movimento ambientalista dos anos
1970 dos seus antecessores (LISBOA, 2009, p.84);
As consequências globais do desenvolvimento tecnológico acarretaram também
uma internacionalização do movimento ambientalista, que, segundo Lisboa, expandiuse do âmbito local, regional, para uma esfera compatível com o tamanho dos
problemas que enfrentava (“aquecimento global, destruição da camada de ozônio,
contaminação dos oceanos com substâncias químicas persistentes e bioacumulativas,
extinção acelerada de espécies animais e vegetais”, etc.) (p.85). Assim, entre tantos
movimentos emergentes na segunda metade do século passado, o ambientalismo
ganha uma dimensão global, que também fica evidente em sua penetração em todas
as classes sociais, governos e partidos, e diferentes culturas. Como comentam alguns
autores, como Lisboa e Leis, outro aspecto que diferencia este movimento dos demais
é sua característica conservadora. Embora uma análise mais sofisticada possa
mostrar o quanto há de inovador por trás da utopia ambientalista, ao modificar
radicalmente a relação do homem com a natureza e do seu conhecimento com a sua
existência, não se pode negar o fato de que o movimento ambientalista surge como
um movimento de reação à modernidade e não como um movimento de
desdobramento da modernidade.
Ricardo Leis coloca-o ainda como um movimento histórico e vital, pois aponta
para mudanças em todos os níveis, além de interagir com todos os agentes sociais.
Dentro da sociedade contemporânea, portanto, produziria a “clivagem principal e
decisiva (civilizatória)” que abre portas para possibilidades novas e estratégicas, “tanto
para o conflito como para a cooperação” (LEIS, 1999, p.55).
Quando
pontuamos
os
principais
encontros
internacionais
de
agenda
ambientalista, temos Estocolmo (1972), Rio de Janeiro (1992) e Rio de Janeiro (2012)
como três marcos na história dessa discussão política. Esses momentos tão
importantes para o questionamento sobre o modelo de desenvolvimento do final do
século XX sinalizam uma evolução das discussões ambientais, dando um salto de
uma fase em que tais discussões se caracterizavam como “técnica e científica” para
outra onde elas se inserem em um contexto política, econômica e social (LAGO, 2007,
p.17).
Antes disso, porém, é importante ressaltar as contribuições do intitulado
Relatório Meadows, ou Limites do Crescimento, cujas conclusões apontaram para a
necessidade de “congelamento do crescimento da população global e do capital
industrial”, além de mostrar “a realidade dos recursos limitados” do planeta 2. Esta
publicação, lançada meses antes da conferência de Estocolmo, em 1972, e fruto dos
encontros do Clube de Roma 3, destacou-se entre tantas por seu impacto na política
2 BRÜSEKE, Franz. “O problema do Desenvolvimento Sustentável” in Desenvolvimento e Natureza:
estudos para uma sociedade sustentável. Clóvis Cavalcanti, organizador – 3. Ed – São Paulo: Cortez;
Recife, PE: Fundação Joaquim Nabuco, 2001, pg. 30;
3 Segundo Lago: “Os encontros foram concebidos, em 1968, pelo industrial italiano Aurélio Peccei, e
patrocinados por grandes empresas como a FIAT e a Volkswagen. No início dos anos setenta, os
encontros reuniam cerca de setenta cientistas, acadêmicos, economistas, industriais e membros de
instituições públicas de países desenvolvidos. O foro de discussão mostrou que a preocupação com o
meio ambiente não se limitava a uma parcela ‘alternativa’ das sociedades mais desenvolvidas, mas
internacional, na medida em que apontava a sociedade moderna caminhando para
uma autodestruição a partir de seu modelo de desenvolvimento (LAGO, 2007, p.29).
Neste mesmo ano, a conferência de Estocolmo ao introduzir na agenda política
internacional a problemática do meio ambiente constituiu-se em um importante
momento de afirmação do movimento ambientalista em âmbito internacional, que ali
exibiu a sua força.
A principal crítica dos anos 1970, pelas correntes ambientalistas, era a
incapacidade dos governos lidarem com a crescente crise ambiental e isso serviu para
provocar nos anos 1980, o surgimento de vários partidos verdes e órgãos
governamentais para tratar do tema e políticas públicas ambientais. As “forças
políticas verdes” apresentavam-se como alternativa ao maniqueísmo marcado pela
Guerra Fria, mostrando uma vocação política e uma “íntima relação do ambientalismo
com a esfera pública” (LEIS, 1999, p. 128).
Embora
as
forças
políticas
verdes
tenham
alcançado
maturidade nos anos 1980, quase uma década após a
conferência de Estocolmo-72, sua ideologia foi o que propiciou
o rápido e profundo impacto dessa conferência sobre a opinião
pública e o sistema político internacional. Uma força que não
estava ‘nem à direita, nem à esquerda, mas à frente’ tinha a
desvantagem de criticar a todos, mas também tinha a
vantagem de não ser inimigo declarado de ninguém (LEIS,
1999, p.128).
Em 1987, então, é publicado pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente
Desenvolvimento (UNCED) o Relatório Brundtland (cujo nome remete à presidente da
comissão, Gro. Harlem Brundtland), ou Nosso Futuro Comum, fruto de um trabalho de
quatro anos de estudo da comissão. Mais de dez anos após a Conferência de
Estocolmo, o relatório foi um marco ao apresentar o conceito de Desenvolvimento
Sustentável e sugeri-lo como princípio a ser adotado mundialmente.
atingia, também, alguns decision makers, conscientes das implicações políticas e econômicas de uma
mudança paradigmática” (2007, p.28);
Segundo esse Relatório, o Desenvolvimento Sustentável é aquele que “satisfaz
as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as futuras gerações
satisfazerem as suas próprias necessidades”
4
e nesse sentido, Leis afirma que ele
expressa uma questão ética que modifica o antropocentrismo colocado até então. Ao
substituir o homem como “medida das coisas”, o conceito recolocaria sua relação
frente à natureza e suas responsabilidades perante ela (LEIS, 1999, p.150/151). “A
natureza, portanto, deixaria de ser o bem sobre o qual exercemos plenamente nosso
direito de propriedade, mas patrimônio, Treugut, que deveríamos ser capazes de
conservar e deixar aos nossos herdeiros, de forma íntegra” (LISBOA, 2009, p.40).
O relatório Nosso Futuro Comum, além de “seu bem sucedido esforço para obter
um consenso mundial que ultrapassasse as diferenças existentes na política
internacional entre países ricos e pobres” (LEIS, 1999, p.149), trouxe sugestões de
medidas a serem adotadas pelos governos, a fim de enfrentar os problemas
ambientais levantados pelo Clube de Roma. Entre elas podemos citar a limitação do
crescimento populacional, a preservação dos ecossistemas e da biodiversidade, a
diminuição do consumo de energia e o desenvolvimento tecnológico de energias
renováveis, o controle da urbanização e a integração do campo, e a satisfação das
necessidades básicas humanas. Mas ainda não no formato de metas pelo
Desenvolvimento Sustentável.
A Eco-92, como ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, foi o cenário da consagração do
Desenvolvimento Sustentável como marco lógico a ser seguido pelos governantes,
pois a publicação do Relatório Brundtland atraiu novamente os governos nacionais
para a questão do meio ambiente ao incorporar um novo conceito capaz de abraçar o
interesse de todos. Esse súbito interesse ficou explícito nos números: delegações de
172 países, 108 chefes de Estado, 10.000 jornalistas credenciados e 1.400 ONG’s
(LAGO, 2007, p.52).
Pela primeira vez, a preocupação na construção de um plano de trabalho mais
concreto se fez presente e a Agenda 21 consolidou-se como o principal documento
elaborado na conferência. Como apontou, em 1995, a Comissão de Defesa do
Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados:
4 Idem, p. 33;
“Através da Agenda 21 a comunidade das nações procurou
identificar os problemas prioritários, os recursos e meios para
enfrenta-los e as metas para as próximas décadas. Como todo
programa de trabalho, ela visa disciplinar e concentrar os
esforços nas áreas chave, evitando a dispersão, o desperdício
e as ações contraproducentes”. (BRASIL, 1995)
Interessante a ponderação do governo brasileiro em querer evitar a dispersão e
o desperdício em torno de ações contraproducentes. Nesse sentido caberia um estudo
sobre a real eficiência e concentração de esforços dos diferentes fóruns e acordos de
cooperação estabelecidos a partir de 1992, como nas diferentes Conferências das
Partes (COPs) e encontros temáticos do clima como Toronto e Quioto, que
culminaram em protocolos com metas específicas.
O documento segue defendendo a importância da participação social e do
acesso à informação, porém coloca uma grande preocupação em relação à falta de
comprometimento dos países em colocar em prática as ações, algo que também diz
sobre a dificuldade de se estabelecer uma governança global para o Desenvolvimento
Sustentável.
III – A Rio+20 e seus desdobramentos
A convocação da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável, também chamada Rio+20, foi recebida com grande expectativa. Vinte
anos após a Eco-92, o mundo se reuniria novamente no Rio de Janeiro para celebrar o
conceito de Desenvolvimento Sustentável e a tomada de consciência ambiental que,
nos anos 2000, passa de alguns grupos de interesse para cair nas graças da
sociedade civil. Entre os objetivos da conferência, inicialmente estava a retomada dos
acontecimentos em torno da questão ambiental dos últimos 20 anos, com intuito de
celebração. Porém, ao final, dois eixos principais foram relacionados como os
principais temas a serem debatidos: a Governança Global para o Desenvolvimento
Sustentável e a Economia Verde.
Este último ganhou grande destaque no Rascunho Zero, nome dado ao
documento amplamente divulgado pelas Nações Unidas como esboço preliminar para
os acordos finais da conferência. Isso acarretou em um grande interesse por parte da
mídia, da academia e dos movimentos sociais em conhecer esse novo “conceito” que
se apresentava e como ele se apresenta no contexto do Desenvolvimento Sustentável.
A importância dada ao eixo da Economia Verde colocou o eixo da governança
como coadjuvante. Para a preparação da Rio+20, foi encomendado a uma comissão
de especialistas um relatório preliminar para embasar a discussão sobre a Economia
Verde. De acordo com este relatório, produzido a pedido do Departamento de
Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA), do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Conferência das Nações Unidas
sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), e intitulado “The Transition to a Green
Economy: Benefits, Challenges and Risks from a Sustainable Development
Perspective”
5
, a definição de Economia Verde está associada ao crescimento
econômico das nações enquanto “resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e
equidade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais
e escassez ecológica” 6.
Porém, como foi possível analisar na pesquisa “Economia Verde: uma proposta de
mundo ou um mundo de propostas” (SONCK, 2012) 7, a nova proposta econômica não
apresentava fundamento ou inovação que a distinguisse do próprio conceito de
Desenvolvimento Sustentável, tornando-se um nome dado a um conjunto de ideias
amplamente discutidas como “práticas sustentáveis” (GONÇALVES, 2012). De fato, a
desaparição do termo Economia Verde na versão final do documento apresentado
pela conferência, refletiria a falta de interesse político em sua implementação. Apesar
de todo o esforço das Nações Unidas em validar e apresentar este “conceito”, na
redação final do documento ele não mereceu a mesma consideração, passando talvez
a representar apenas um cesto de tecnologias a serem vendidas dos países
desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Isso apontaria a reprodução do
viés hegemônico da conferência, tão enfatizado pela Cúpula dos Povos.
5 Relatório produzido por especialistas a pedido da Organização das Nações Unidas na ocasião da
segunda reunião preparatória para a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Sustentável (Rio+20). Autores: José Antonio Ocampo, Aaron Cosbey e Martin Khor;
6 Tradução presente no documento “Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da
Pobreza – Síntese para tomadores de decisão” (UNEP 2011);
7 Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial à PUC-SP para obtenção de título
de Bacharel em Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Marijane Lisboa.
Mas e quanto à governança para o Desenvolvimento Sustentável? Este segundo
eixo temático desapareceu da pauta, porém não das agendas das nações, na medida
em que se tornou um problema global. A construção de metas pela erradicação da
pobreza, redução das emissões de gases de efeito estufa, entre outras prioridades,
parece não atingir um patamar de maturidade na medida em que é elaborada por
diferentes fóruns, assinada por poucos países e deixa a desejar no que tange a
elaboração de indicadores e no acompanhamento dos mesmos.
O caso de maior sucesso foram os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio,
elaborados pelas lideranças mundiais na Organização das Nações Unidas em
decorrência da Declaração do Milênio, com indicadores mensuráveis e prazo de 15
anos para o atingimento das metas, e que em 2015 serão substituídos pelos Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável. Estes últimos ficaram como “lição de casa” pósconferência em 2012, cujo saldo insuficiente nada acrescentou às discussões
desenvolvidas em fóruns anteriores.
Para justificar tal insuficiência, dos 283 parágrafos do documento final da
conferência, ficaram estabelecidas apenas 6 metas concretas. Das seis metas, três
delas tratam de pesquisa de informações, uma refere-se ao financiamento do
processo de desenvolvimento dos países “subdesenvolvidos”, uma fomenta o
compartilhamento de informações e apenas uma poderia ser considerada uma meta
mensurável, ao sugerir que, até 2020, 10 por cento das áreas litorâneas e marinhas
estejam recuperadas e conservadas. Em se tratando do principal documento publicado
na conferência, são metas insuficientes e pouco relevantes. Poderíamos listar aqui
algumas propostas que tampouco foram referendadas e permaneceram em aberto: a
construção de um Fundo Verde internacional para acumular recursos de investimento
em novas tecnologias, a criação de mecanismos de crédito internacional para que os
países em desenvolvimento sejam capazes de comprar tecnologia de ponta, ampliar
subsídios para as pesquisas em novas tecnologias energéticas e de processos
industriais poluentes etc.
Apesar das afirmações do governo brasileiro de que a Rio+20 teria sido um real
avanço para o Desenvolvimento Sustentável, os comentários em torno dos resultados
da conferência, especialmente das organizações sociais e da Academia, apontam um
fracasso. Izabella Teixeira, atual ministra do Meio Ambiente, defendeu a versão final
do documento, apontando como pontos positivos o fato de a elaboração dos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável ser aprovada, de que o PIB fora revisto como
indicador de desenvolvimento (mesmo que a nova medida ainda esteja em aberto) e
das empresas deverão publicar relatórios periódicos sobre suas ações relacionadas à
sustentabilidade. Já a presidente Dilma Rousseff fez questão de apontar que a Rio+20
foi o começo de um diálogo que precisa ser mais bem construído. Segundo ela, o
documento final seria apenas o “ponto de partida” para que os países construam suas
próprias estratégias rumo ao Desenvolvimento Sustentável.
Mas se há uma governança global em torno do Desenvolvimento Sustentável,
quais os limites e possibilidades que os países têm de possuírem suas “próprias
estratégias”?
IV – Governança Global e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável
Apesar de o tema da Governança Global ser tratado mais amplamente no campo
das Relações Internacionais, procuraremos abordar brevemente alguns conceitos que
permitirão ampliar a reflexão sobre o tema e enriquecer a análise. Torna-se importante
diferenciar a ideia de Governança Global para o Desenvolvimento Sustentável e os
regimes internacionais de regulamentação.
Na abordagem tradicional, as relações internacionais seriam delineadas em termos
de equilíbrio de poder, no sentido político entre os Estados, não dando margem a
análise de atores não estatais que influenciam as tomadas de decisão, mesmo que
sem reconhecimento jurídico internacional. Estamos aqui falando das organizações da
sociedade civil, que são entendidas no âmbito nacional, mas que hoje, com o
fenômeno da globalização, tomam proporções globais, interferindo nas tomadas de
decisões sobre grandes temas, como é o caso dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (PLATIAU, 2001).
O termo Governança Global permite a relação com diferentes esferas não estatais,
sendo um melhor instrumento de definição do contexto das conferências internacionais
para o meio ambiente e desenvolvimento sustentável.
“Thomas
Weiss
explica
que,
no
início
dos
anos
80,
‘governança’ e especialmente ‘boa governança’ permeou o
discurso do desenvolvimento, principalmente para o nível
nacional.
Esse
conceito
está
ligado
à
transparência,
participação, promoção dos direitos humanos e baixo índice de
corrupção. Nesse sentido, ‘governança’ e ‘boa governança’ são
ligadas a valores e um modo específico de comportamento.”
(LIMA, 2013).
Como aponta Gabriela Garcia Batista Lima, em sua tese de doutorado, o conceito
de governança global extrapolaria a noção de normas ou regulação para vincular-se a
valores e um certo modo de tomada de decisão, ou ainda à “forma do governo exercer
o seu poder” (GONÇALVES, 2006). Nesse sentido, a construção de objetivos e metas
que direcionem os países para o Desenvolvimento Sustentável, pode ser vista como
uma prática de difusão ou internacionalização de valores que norteiem as tomadas de
decisões dos Estados, ou até mesmo como uma maneira de ponderarem e
institucionalizarem os riscos de questões com dimensão global, como a crise
ambiental.
Rosenau caracteriza governança global como uma composição “que inclui sistemas
de regras em diferentes níveis da atividade humana” (LIMA, 2013) com vistas à
cooperação por objetivos comuns. E ao tratarmos de regras, importa saber como e a
quem são endereçadas, o que nos possibilita uma análise sociológica sobre as
relações entre os atores.
No Rascunho Zero do documento final da Rio+20, intitulado O futuro que
queremos, encontramos com grande frequência a ideia de auxílio aos países em
desenvolvimento, que fica evidente quando analisamos a frequência com que são
mencionados os sujeitos presentes no documento:
Quadro 1 – Sujeitos citados no rascunho zero
Sujeitos
Número de citações
Países em desenvolvimento/ menos desenvolvidos
35
Governos/Estados
10
Setor Privado
9
Stakeholders
7
Planeta Terra
6
Pessoas Pobres/Vulneraveis
5
Humanidade
4
Major Groups
4
Países Desenvolvidos
4
Sociedade Civil
3
Crianças e Jovens
3
Gerações Vindouras
2
Cidadãos
2
Natureza
1
Público
1
Povo
1
Parlamentos nacionais
1
Agentes não estatais
1
Diferentes culturas
1
Civilizações
1
Trabalhadores
1
Universidades
1
Figura 1- Elaborado para esta pesquisa a partir de análise sobre o
Rascunho Zero da Rio+20
Essa avaliação pode ser um ponto de partida para a análise das relações entre os
sujeitos que participam ou serão afetados pela construção das regras ou dos objetivos
de cooperação global para o Desenvolvimento Sustentável.
Em primeiro lugar, é notável a presença preponderante da expressão “países em
desenvolvimento” ou “países menos desenvolvidos”. Mas para além da simples
citação de tais sujeitos, é necessário contextualizar sua aparição. Neste primeiro caso,
encontramos majoritariamente a expressão associada a questões de auxílio de países
desenvolvidos, ou da comunidade internacional, para os países em desenvolvimento,
no sentido de que, sem essa ajuda presente, eles não conseguiriam efetuar a
transição para uma Economia Verde.
Nós
reconhecemos,
entretanto,
que
países
em
desenvolvimento estão enfrentando grandes desafios para
erradicar a pobreza e sustentar o crescimento, e a transição
para a economia verde irá requerer ajustes estruturais que
podem envolver custos adicionais para suas economias. Nesse
sentido, é necessário o suporte da comunidade internacional.
(ONU, 2012, p.6).
Quando pensamos nessa distribuição de papéis, torna-se relevante entender
também como está se dando a participação dos atores mencionados na construção
das metas e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. A ONU manteve, nestes dois
anos após a conferência, um fórum virtual para recebimento de propostas,
especialmente com os participantes do Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável,
uma iniciativa lançada na Rio+20 para comentários da sociedade civil sobre o
documento final da conferência. As trocas de e-mail visavam a construção de uma lista
de temas e objetivos relevantes, propondo a continuidade e substituição aos Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio. Porém, sabemos que grande parte dessa agenda vem
sendo elaborada com participação de agentes não-estatais, mas com cooperação
direta com os governos, como é o caso do ICLEI – Governos Locais pela
Sustentabilidade, e da Frente Nacional de Prefeitos, sendo a primeira uma
organização global e a segunda, nacional.
Nesse sentido, a participação de “organizações internacionais e regimes
diversos são vislumbrados como instituições de governança, uma vez que consistem
nos instrumentos de definições de sistema de regras”, como bem apontou Gabriela
Lima. Ao mesmo tempo, as organizações não-estatais estão desprovidas de
reconhecimento jurídico internacional, podendo influenciar, mas não definir ou assinar
tais regras e objetivos, o que nos levanta a problemática de sua função na questão da
governança. As ONGs, como organizações que representam a sociedade civil,
ganharam espaço no cenário internacional desde a Eco-92:
“Na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, em 1992, a questão da participação das
ONG’s trouxe uma nova vida ao debate e revelou a lacuna da
falta de um verdadeiro reconhecimento jurídico da participação
de atores não-estatais”. (PLATIAU, 2001).
Mas sendo as organizações de naturezas diferentes, umas visando a
cooperação com os Estados outras visando a criação de um espaço público autônomo
aos Estados, é possível nos perguntarmos da real necessidade de atribuição de um
estatuto jurídico internacional a estas organizações. Ao mesmo tempo, tornando-se
cada vez mais influentes nas tomadas de decisão, caberia ao direito internacional
pensar seu papel e suas formas de institucionalização no cenário da governança
global.
Esse tipo de reflexão é compatível com a complexidade que evidenciamos no
estabelecimento de objetivos comuns, bem como da efetividade das normas
estabelecidas. Nesse caso, o que garantiria a efetividade, segundo Oran Youg (2000),
é a transparência e o monitoramento do processo, papel que pode ser exercido pela
Academia.
Nesse ponto, voltamos ao receio dos deputados brasileiros em 1995, ao se
questionarem sobre a efetividade da agenda de trabalho que estava sendo
estabelecida naquele contexto. Varella nos coloca um ponto de vista otimista ao dizer
que por vezes a norma inicialmente não busca solucionar o problema, mas dar “um
primeiro passo para o convencimento dos principais atores se comprometerem a
tratarem daquele tema” (VARELLA, 2009). Essa medida seria, portanto, mais política
do que jurídica ou técnica.
A abordagem sociológica aqui proposta vem no sentido de questionar de que
valem os valores protegidos pela governança se não adquirem efetividade e se tornam
ações
concretas
em
benefício
para
a
sociedade?
sustentabilidade de algo vale se as práticas corroborarem?
Manter
os
valores
de
V – Considerações finais
Vemos que a crescente complexidade das relações entre os atores
determinantes para a Governança Global do Desenvolvimento Sustentável é um
fenômeno histórico inicialmente encabeçado pelo movimento ambientalista, mas que
hoje ganha espaço entre as organizações não-governamentais, Estados e sociedade
civil.
O estabelecimento de objetivos que nortearão as tomadas de decisão dos
governos no que tange o desenvolvimento, a erradicação da pobreza, o fortalecimento
dos direitos humanos e da qualidade de vida, os aspectos de habitação, saneamento e
alimentação, como satisfação das necessidades básicas humanas, deixou de ser uma
ação unificada na medida em que compete entre diversos fóruns e frentes de trabalho
que estabelecem metas e acordos para os países, em matéria de Desenvolvimento
Sustentável.
Em que medida essa ação descentralizada desestimula ou fortalece a adesão
dos países e garante a participação da sociedade, por meio das organizações nãoestatais? O fortalecimento da governança global significaria ampliar a efetividade e
reduzir os riscos de as ações não saírem do papel? A participação de novos atores na
construção dos objetivos e metas estimula a entrada de outros pontos de vista e
interesses de grupos específicos aos documentos ou tornou-se momento de escuta e
consulta prévia para posterior argumento de que tais grupos foram considerados na
construção das metas?
Essas perguntas merecem ser melhor analisadas, bem como a avaliação precisa
dos ODS sugeridos em sua primeira versão pela ONU para a análise comparativa com
os ODM, entendendo as mudanças ou evoluções do ponto de vista do beneficiado.
Também é objeto de análise a forma como se deu a participação dos atores
envolvidos na construção de tais objetivos, que nortearão os próximos 15 anos de
políticas públicas de desenvolvimento em todo o mundo.
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a quem pertence a governança sobre os objetivos de