MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL ESTUDOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO SEMIÁRIDO Org. Paulo Eduardo Cajazeira Coleção Novos Mestres ESTUDOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO SEMIÁRIDO Coleção Novos Mestres Organização: Paulo Eduardo Cajazeira Composição Gráfica: Hanna França Menezes ISBN (e-book): 978-85-63958-04-4 CAJAZEIRA, Paulo Eduardo (org.) Organizadores: Independente Apoio: Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (PRODER/UFCA) Universidade Federal do Cariri (UFCA) CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Copyright © 2013 PREFÁCIO Suely Salgueiro Chacon1 O Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (PRODER), da Universidade Federal do Cariri (UFCA), tem como proposta central produzir conhecimentos para contribuir com o processo de desenvolvimento, com foco especial para o Sertão Semiárido do Nordeste brasileiro. De forma ampla esta proposta traz implícita a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para fomentar e consolidar pesquisas sobre temas relativos aos processos de desenvolvimento de uma região. O tema exige uma análise que perceba sua complexidade, e isto só pode ser alcançado a partir da abordagem baseada nas dimensões da sustentabilidade (social, ambiental, econômica e institucional). O pressuposto inicial é que uma região é resultante de um processo de construção social e político, marcado por limites e potencialidades que a particularizam. Em novembro de 2010, o PRODER teve seu Mestrado Acadêmico aprovado pela CAPES, e iniciou sua primeira turma em março de 2011. Por se localizar territorialmente em um espaço historicamente excluído dos processos de desenvolvimento, o interior do estado do Ceará, em pleno Sertão Semiárido, o PRODER assume uma responsabilidade redobrada. O programa nasceu com o mestrado e, trazendo consigo o compromisso de interferir positivamente na formação social e econômica da região que o abriga. A expectativa que emana da sociedade em relação aos seus resultados vai além da simples formação de novos profissionais. O poder público, a sociedade civil e o terceiro setor demandam constantemente dos professores e alunos respostas sobre como deve caminhar o desenvolvimento da região. O cotidiano do PRODER mescla as atividades acadêmicas com as participações cada vez mais rotineiras em debates e discussões acerca do desenvolvimento do país e do Cariri cearense. Hoje o Mestrado já selecionou a quarta turma, que inicia seus trabalhos em fevereiro de 2014. Todos os alunos da primeira turma defenderam suas dissertações. A segunda turma se qualificou em 2013 e se prepara para defender seus trabalhos no início de 2014. Também no início de 2014 a terceira turma irá se qualificar. Tudo indica que as duas turmas seguirão o exemplo da primeira e seus trabalhos se juntarão às 20 primeiras dissertações já defendidas. O fato e todos os alunos da primeira Tuma terem defendido não é banal. Na verdade é uma grande vitória para os novos mestes e para o PRODER. Nada mais justo do que apresentar essas dissertações neste primeiro E-book do PRODER. São dissertações que traduzem o compromisso do PRODER com a região e com a sustentabilidade. É uma satisfação para todos que fazem este programa e uma inspiração para os futuros mestres. Esperamos que estes trabalhos sejam disseminados e alcancem seu maior propósito: contribuir com o desenvolvimento regional sustentável. 1 Reitora da Universidade Federal do Cariri (UFCA) e Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (PRODER/UFCA), Ex-coordenadora do PRODER e uma das fundadoras do programa. SUMÁRIO AÇAO CULTURAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: TRAJETÓRIAS E PERCURSOS NA REGIAO DO CARIRI .....................................6 GOVERNANÇA TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO REGIONAL SSUSTENTÁVEL DO CARIRI CEARENSE ..................................................... 23 ANÁLISE SOBRE AS NOTÍCIAS RURAIS NA TV E O PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL ........................................... 36 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL A PARTIR DO PROGRAMA FEDERAL TERRITÓRIOS DA CIDADANIA: O CASO DO TERRITÓRIO DO CARIRI/CE. .......... 46 ANTROPISMO NA CHAPADA DO ARARIPE: ESTUDO DE CASO NA COMUNIDADE CATOLÉ EM NOVA OLINDA-CE .............................................. 63 É PARA LÁ QUE EU VOU: O PROCESSO DE INTERIORIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL NO BRASIL E O DESAFIO DO DIÁLOGO ENTRE VISÕES DE MUNDO. ........................................................................................ 79 DOENÇAS DE VEICULAÇÃO HÍDRICA - PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DAS FAMÍLIAS ATENDIDAS PELAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA .88 DIAGNÓSTICO DA SUSTENTABILIDADE NAS CONSTRUÇÕES RESIDENCIAIS NO MUNICÍPIO DE JUAZEIRO DO NORTE/CE COM BASE NO PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO ..................................... 100 TÉCNICAS DE USO SUSTENTÁVEL DA ÁGUA: SISTEMAS ALTERNATIVOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA EM COMUNIDADES RURAIS NA CHAPADA DO ARARIPE-CE .......................................................................... 120 CIDADES SUSTENTÁVEIS E DESENVOLVIMENTO REGIONAL: ATUALIDADES E PERSPECTIVAS NA REGIÃO METROPOLITANA DO CARIRI .135 Coleção Novos Mestres AÇAO CULTURAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: TRAJETÓRIAS E PERCURSOS NA REGIAO DO CARIRI Francisco Grangeiro Tavares Neves (Mano Grangeiro) Valeria Giannella Alves Resumo A presente dissertação se propõe a discutir o papel da cultura no campo temático do desenvolvimento sustentável, ressaltando a importância do diálogo com as artes, suas expressões e processos criativos, para alcançarmos este paradigma contemporâneo. A nossa abordagem se fundamenta na hipótese de existência de fortes correlaçãos entre a realização do desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento humano, o qual, de sua vez, depende da cultura como elemento que joga um papel-chave, especialmente na acepção da “ação cultural”, entre os muitos significados que este conceito pode assumir. No sentido de corroborar essa hipótese, buscamos reconstruir biografias que retratam o poder da vivência com a arte na construção do sujeito e de projetos exitosos por ele protagonizados. Assim, elegemos como sujeitos de voz pessoas cuja trajetória de vida se caracterizou pela inserção no campo das artes e valorização do fazer criativo, e que estão, ou estiveram, à frente de ações culturais de reconhecida importância na região do Cariri: Dane de Jade – Mostra SESC Cariri de Culturas; Alemberg Quindins e Samuel Macedo – Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Cariri; e Maria Gomide – Cia Carroça de Mamulengos. As informações e impressões colhidas na pesquisa nos ajudaram a inferir que a participação dessas pessoas no cenário artístico-cultural consubstancia uma serie de ações em rede, mobilizando pessoas, esforços, recursos e instituições para o desenvolvimento sustentável no Cariri cearense. Palavras Chave: Desenvolvimento Sustentável; Cultura; Ação Cultural. Introdução O conceito de desenvolvimento sustentável, desde o seu nascedouro, está relacionado às questões ambientais, haja vista que foi a partir da preocupação com essas questões, as quais chamaram a atenção para o futuro do planeta, que ele foi gestado e institucionalizado. Nesse sentido, constituiu-se como um ideal de desenvolvimento cujos efeitos a natureza fosse capaz de suportar, ou seja, um desenvolvimento sem grandes impactos ambientais que, alem de poupar os sistemas naturais ainda existentes, pudesse também reverter os prejuízos causados ao longo das ultimas décadas. Entretanto, ao nos debruçarmos sobre esse tema, percebemos que ele demanda contornos bem mais amplos. Foi a problemática ecológica, gestada pelos impactos danosos do crescimento econômico sobre o meio ambiente, que fez com que esse termo sustentável migrasse do seu contexto de origem – a biologia populacional – para se justapor à expressão desenvolvimento. Originou-se então o conceito desenvolvimento sustentável, como proposta às sociedades modernas de um repensar sobre os prejuízos causados à natureza e os perigos que isto poderia acarretar para a qualidade de vida e a sobrevivência das espécies (inclusive da própria espécie humana) na terra. Não obstante o mérito da proposta, a questão é que, em se tratando de sistemas sociais humanos, se queremos 7 Coleção Novos Mestres jogar uma luz sobre as suas formas de desenvolvimento no sentido de que possam acontecer sem comprometer a qualidade de vida, precisamos levar em conta que não são apenas os fatores ambientais que estão em jogo. Outros aspectos também são determinantes. Em função das suas formas de organização e desenvolvimento, por exemplo, esses sistemas sociais também ameaçam entrar em processo de degradação e colapso. Na proposta deste trabalho, o desenvolvimento sustentável configura-se como um conceito amplo que extrapola as questões relativas aos problemas ecológicos e à preservação ambiental. Ele é fruto de uma nova racionalidade que pressupõe, antes de tudo, a ascensão do saber e da consciência das pessoas, a constituição dos valores capazes de transformar os seus costumes, hábitos e praticas insustentáveis, contribuindo para que venham a tornar-se sujeitos de uma sociedade humana, orientada pelo agir ético nas suas relações sociais, políticas, econômicas e ambientais. O solo fértil do qual pode brotar essa racionalidade é o domínio da cultura, onde subjazem os vários elementos que constituem e integram as visões de mundo e os valores de uma sociedade e, portanto, onde são gestados os seus modelos de organização social e política. De acordo com Dan Baron (2004), a cultura “é como entendemos a nós mesmos no mundo e como vivemos esse entendimento”. A nossa história cultural é que orienta a formação da nossa subjetividade, e é a partir dessa subjetividade, de acordo com ela, que atuamos nos diversos palcos da vida1. Enquanto dimensão simbólica, a cultura está presente em toda a trama social da vida humana. Ela pode ser compreendida como um conjunto de ações intencionadas – objetos e expressões de vários tipos – produzidas, transmitidas e recebidas em contextos socialmente específicos, historicamente estruturados, utilizando processos igualmente específicos para tais contextos. Alem de “alimento da alma individual”, a cultura é um “elemento gregário e político que liga e significa as relações humanas, um plasma invisível entrelaçado entre as dinâmicas sociais, uma matéria intangível altamente energizada, reativa e que permeia todo o espaço da sociedade”. Ela abarca, além das artes e das letras, os modos de vida, os sistemas de valores, as tradições e as crenças de um grupo social2. De acordo com Celso Furtado (1984), a cultura de uma sociedade é o que define a sua visão de desenvolvimento e o que condiciona a sua consecução. Em outras palavras, isto equivale a dizer que uma sociedade desenvolve-se na medida da sua compreensão sobre o sentido e o significado do desenvolvimento, e esse significado é, em grande parte, construído no domínio da cultura. Assim compreendida, a cultura não é apenas uma dimensão importante do desenvolvimento, ela é “a base sobre a qual as sociedades podem se desenvolver através de auto renovação e crescimento”3. Os modelos de desenvolvimento das sociedades humanas são, portanto, essencialmente culturais, pois nesse âmbito se constroem as noções sobre o desenvolvimento, e é a partir dessas noções, de acordo com elas, que as sociedades se desenvolvem. Cultura e desenvolvimento sustentável Para alcançar modelos de desenvolvimento que se pretendam sustentáveis é necessário lutar pela construção de uma sociedade igualmente sustentável, constituída por seres humanos capazes de pensar e agir de maneira sustentável. Neste sentido, mais do que nunca precisamos rever esse conceito de sustentabilidade. Do ponto de vista ecológico, a concepção clássica do desenvolvimento sustentável é aquela que conjuga crescimento econômico com preservação ambiental e equidade social, o que, para alguns autores, é uma tarefa praticamente impossível, pois o capitalismo, no seu modelo ortodoxo, 1 2 3 Baron (2004:56-57). Brant (2009). Eade (2002, s/n). 8 Coleção Novos Mestres não prescinde dos lucros em função desses fatores. Segundo Edgar Morin (2013), o desenvolvimento, tal qual praticado nas ultimas décadas, é um dos grandes vilões das sociedades modernas, ao lado da globalização e da ocidentalização, motores que se retroalimentam entre si e constituem as locomotivas da megacrise mundial constituída de uma múltipla pluralidade de crises interdependentes, interferentes e justapostas, dentre as quais podemos citar a crise cognitiva, as crises políticas, econômicas, sociais, ambientais, etc. De acordo com Morin (2013), estamos vivenciando a crise do desenvolvimento, engendrada e acentuada pelo “desenvolvimento do desenvolvimento”, que conduz a humanidade a prováveis catástrofes em cadeia. Ainda não tomamos consciência dessa crise a não ser do ponto de vista da problemática ecológica, ainda assim, de uma maneira “parcial, insuficiente e limitada”, que justapôs à expressão desenvolvimento o epíteto sustentável, numa tentativa de atenuar-lhe a noção historicamente relacionada à concepção “tecnoeconômica”4. Vista a partir desse angulo, a idéia de sustentabilidade, ou “suportabilidade”, nas palavras de Morin (2013), é uma noção que contem um importante componente ético, tendo em vista que procura acrescentar ao desenvolvimento um cuidado com a salvaguarda da biosfera e, correlativamente, das gerações futuras. Entretanto, ela não pode aperfeiçoar a idéia de desenvolvimento que, por si, já está desgastada. “Ela não faz senão suavizá-la, recobri-la com uma pomada calmante”5. Diante da pluralidade dos problemas que estão gestando a possível grande catástrofe, precisamos buscar propostas que venham a contemplar a natureza múltipla da crise mundial. É nesse sentido que dizemos que o desenvolvimento sustentável, se pretende ser uma via de solução para o futuro, precisa incluir na sua agenda outras pautas, alem das questões ambientais. Inclusive uma reflexão sobre as noções de desenvolvimento culturalmente construídas e compartilhadas. Precisamos, portanto, extrapolar essa noções. De acordo com Fonseca (2005), ao longo da sua historia, a expressão desenvolvimento sustentável abarcou largamente questões relacionadas às tensões entre crescimento econômico, preservação ambiental e desigualdade social. Entretanto, “permanecem sem discussão os valores éticos, culturais e ambientais que poderíamos associar ao conceito desenvolvimento sustentável e que seriam norteadores de uma nova racionalidade, verdadeiramente transformadora dos nossos ethos (costumes) e das nossas práxis (ações). [...] Embora a historia do conceito desenvolvimento sustentável até agora tenha deixado de fora essa concepção, estamos convencidos de que esta é potencialmente uma equação de congruência, particularmente no plano local e especialmente se resgatarmos a identidade natural que existe entre cultura e desenvolvimento (FONSECA, 2005, s/n). Fonseca (2005), destaca uma relação de unidade semântica entre cultura e desenvolvimento, segundo a qual, “cultura pode ser entendida como o próprio desenvolvimento social de uma comunidade – e vice-versa – independentemente da sua escala ou dos seus conteúdos”6. Segundo a autora, há entre esses dois termos uma identidade natural, rompida a partir do momento em que, nas nossas construções de sentido, associamos a cada um deles conteúdos de valores incompatíveis. Cultura e desenvolvimento poderiam ter sido facilmente considerados termos de uma equação de congruência desde sempre, porem, se sistematicamente não o foram, somos levados a crer que esta identidade em algum momento se perdeu porque o valor de pelo menos um destes domínios se modificou política e epistemologicamente (FONSECA, 2005, s/n). 4 5 6 Morin (2013: 32-33). Morin (2013:32). Fonseca (2005, s/n). 9 Coleção Novos Mestres Uma equação de congruência é expressa por uma relação de coerência, uma identidade estabelecida entre termos, satisfeita apenas para alguns valores dos seus respectivos domínios. Para que a equação entre cultura e desenvolvimento seja de congruência, faz-se necessário que ambos os termos assumam valores que satisfaçam à identidade sugerida por essa equação. É nisso que consiste o eixo central da abordagem de Fonseca (2005): redefinirmos valores para os termos cultura e desenvolvimento, de forma que a equação entre eles seja de congruência. Em outras palavras, que possamos reaproximar desenvolvimento da sua identidade natural com w. Nesse sentido, a proposta é que os valores de ambos os termos sejam definidos a partir de uma racionalidade axiológica, de base mais holística. Uma nova racionalidade interdisciplinar, que priorize “a formação de valores” capazes de “contribuir para o agir ético da pessoa humana na sociedade”7. É a partir dessa concepção que devemos pensar o desenvolvimento sustentável, associado aos valores éticos, culturais e ambientais, norteadores dessa nova racionalidade, verdadeiramente transformadora das nossas práticas, costumes (ethos) e hábitos (héxis) insustentáveis8. De que forma, e em que espaço, poderemos inserir esse agir ético – fundamento da nova racionalidade – na agenda do desenvolvimento sustentável? Segundo Fonseca (2005), é o patrimônio ético e cultural das comunidades – o seu patrimônio imaterial – que poderá constituir o pilar sobre o qual se apóie o chamado desenvolvimento sustentável. Porem, para que a equação que conjuga cultura, desenvolvimento e sustentabilidade venha a ser de congruência, é preciso que se definam valores para estes termos, que levem a uma harmonização entre meios e finalidades (FONSECA, 2005, s/n). Essas categorias teóricas somente poderão ser reconstruídas a partir de uma nova postura filosófica, de um repensar sobre as nossas relações com o mundo material e simbólico, sobre as nossas praticas e ações. Precisamos ser diariamente estimulados a isso; nas palavras de Dan Baron (2004), precisamos ser sensibilizados. Cristovam Buarque (2007), aponta para necessidade de “uma ascensão coletiva do saber e da consciência”9, da qual poderá resultar uma consciência de sustentabilidade. Na opinião de Buarque, a educação é o caminho. Para nós, por tudo o que já foi anteriormente enunciado, a cultura é o útero que pode fecundar e gestar essa racionalidade. Com isso não intencionamos excluir a significativa relevância da educação nesse processo. Em absoluto. A nossa concepção de cultura pressupõe amplas interfaces com a educação. Nas palavras de Teixeira Coelho (2011), propomos uma educação culturalizada. A ação cultural para o desenvolvimento sustentável De acordo com Teixeira Coelho (2008:20), há entre as expressões desenvolvimento sustentável e desenvolvimento humano uma relação de sinonímia, sendo o segundo mais adequado de ser usado, tendo em vista que o primeiro pressupõe um processo do qual há um sujeito claro, ou um objeto, conforme o ponto de vista, e que não é o desenvolvimento em si. Neste trabalho, nós assumimos a hipótese da existência de fortes correlações entre a realização do desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento humano, que, por sua vez, tem na cultura um elemento que exerce papel-chave. Por meio da cultura, no que ela tem de mais fértil e produtivo, podemos sensibilizar as pessoas para outros modelos de relações sociais, a partir das quais possam se tecer redes afetivas de cooperação e solidariedade. Entretanto, devemos estar atentos à observação de Coelho (2008:20): quando o que se procura, como nos dias de hoje, é fazer da cultura um instrumento daquilo que se tornou meta central de todas as sociedades, o chamado desenvolvimento sustentável ou, de forma mais adequada, o desenvolvimento humano, devemos fugir das concepções segundo as quais tudo em cultura tem um mesmo valor, “tudo é igualmente cultural” ou “tudo serve do mesmo modo para os fins culturais”. No capitulo introdutório do seu livro O Poder da Cultura, Leonardo Brant (2009), estrutu7 8 9 Siqueira (2002:5) apud Fonseca (2005, s/n). Fonseca (2005, s/n). Buarque (2007:51). 10 Coleção Novos Mestres ra uma serie de indagações alinhadas, ao nosso ver, com o eixo temático10 desta dissertação: “O que é cultura? Qual a sua função pública? Existe uma relação direta entre cultura e desenvolvimento? Podemos pensar em sustentabilidade sem considerar a questão cultural? Para que serve uma política cultural?”11 Parafraseando Araújo (2011:28), dizemos que a reposta à questão de partida – o que é cultura – nos leva a proceder o primeiro recorte dentro do quadro conceitual que propomos: a idéia antropológica segundo a qual cultura é tudo e tudo é cultura, não satisfaz plenamente aos objetivos deste estudo, pois, de acordo com a argumentação de Teixeira Coelho (2008), em A Cultura e o Seu Contrário, “essa não é uma idéia operacional quando se deriva de uma disciplina que busca apenas entender o mundo [...] para outra que quer atuar sobre ele e transformá-lo”12. A nossa postura epistemológica não intenciona, nem ousa, negar ou subestimar a validade das concepções antropológicas sobre cultura, muito menos as significativas contribuições da antropologia no campo dos estudos culturais. Ao afirmarmos serem os modelos de desenvolvimento das sociedades humanas expressões das suas culturas, estamos recorrendo a uma noção de viés antropológico. Entretanto, conforme afirma Brant (2009), devemos reconhecer que “a idéia de cultura detém em si as chaves dos sistemas de poder”. Essas chaves, tanto podem “abrir portas para a liberdade, para a equidade e para o dialogo”, quanto podem “fechá-las, cedendo ao controle, à discriminação e à intolerância”13. Dessa forma, admitimos e negociamos com a idéia segundo a qual a cultura, em seu conceito, abarca, “além das artes e das letras, os modos de vida, os sistemas de valores, as tradições e as crenças”14 de uma sociedade ou grupo social. No entanto, assumimos que para os propósitos da nossa abordagem central – a cultura como instrumento para o desenvolvimento humano e para o desenvolvimento sustentável – essa noção é demasiadamente ampla. Precisamos recortar “uma idéia de cultura de fato instrumental, efetivamente motriz”15, operacional para os nossos propósitos. O recorte consiste em destacarmos nesse todo compreendido como cultura, aqueles componentes que, pela sua natureza sensibilizante e transformadora, sejam capazes de contribuir para o desenvolvimento do ser humano, ampliando “a esfera de presença do seu ser”16. Assim, operamos com duas acepções do conceito de cultura: uma mais ampla, de viés antropológico, dentro da qual são gestadas as noções que orientam as praticas individuais e coletivas, e que contempla os modelos de organização e desenvolvimento das sociedades humanas, as concepções de mundo, os valores compartilhados, as crenças, etc.; outra mais restrita, cujas formas, de acordo com Coelho (2008), devem ser privilegiadas em se tratando de política e ação cultural para o desenvolvimento humano. Pensemos o desenvolvimento humano como um processo que move o individuo, ou o grupo social, para longe da indiferença, da indistinção, devolvendo-lhe a capacidade de exercitar o juízo critico e, assim, atuar no mundo e com o mundo de maneira mais consciente e reflexiva17. Coelho (2008), refere-se a esse processo como uma transição da barbárie para a cultura. Enquanto linguagens expressivas, as artes podem exercer papel fundamental no sentido de acordar o ser humano para uma postura mais analítica e questionadora. Portanto, a nossa proposta, seguindo os passos de Coelho (2006) e Baron (2004), é o recurso a essas linguagens, e seus princípios18, como antídoto para o veneno da barbárie, por meio da arte-ação ou ação cultural, ou ainda, da alfabetização cultural. Nessa perspectiva, pretendemos ressaltar dentre os componentes ditos culturais nas sociedades, aqueles que são capazes de transformar um estado de coisas, de maneira a contribuir para o desenvolvimento humano. Cultura e “habitus” 10 Em torno do nosso eixo temático circula a questão da cultura como caminho para o desenvolvimento humano, e o desenvolvimento humano como elemento chave para o desenvolvimento sustentável. 11 Brant (2009:7). 12 Coelho (2008:17) apud Araújo (2011:28). 13 Brant (2009:13). 14 Brant (2009:13-14). 15 Coelho (2008:17). 16 Ibidem. 17 Coelho (2006:27). 18 Ibidem, p. 33. 11 Coleção Novos Mestres Coelho (2008), aborda essa questão a partir da diferenciação entre cultura e “hábitus”. Segundo este autor, a cultura é aquilo que é capaz de promover “a ampliação da esfera de presença do ser”, enquanto o hábitus, porque é “disposição do corpo”, aquilo que está impregnado no corpo, é “modo de perseverar no ser”. O hábitus, ou hábito cultural, é um dos principais entraves para o recurso à cultura como instrumento de desenvolvimento humano. O habitus não muda, não transforma as pessoas – tende a massificar e engessar os pensamentos, as concepções de mundo, a maneira de ver as coisas, os gostos; o habitus não tem o componente critico. À cultura, para ser considerada como tal, é indispensável o componente critico. De acordo Bourdieu19, são as obras culturais, as obras de cultura, e não o habitus, que nos interessam como motivador e objeto das políticas culturais, das ações culturais voltadas para o desenvolvimento sustentável. A obra de cultura de que falava Bourdieu em contraposição ao habitus […] não é então apenas aquela que contém as vagas características da produção elevada, do espírito refinado mas a que se define também pela sua capacidade de cortar o terreno comum das ideias assentadas e de revolver o solo repisado, feito de camadas de detritos ali acumuladas passivamente ao longo do tempo, em busca daquilo que possa assegurar o melhor desenvolvimento do ser humano e a ampliação de sua esfera de presença, não seu estreitamento (COELHO, 2008:41). O caminho das artes Segundo Coelho (2008), numa lista hierarquicamente organizada, a arte é o primeiro “recurso contra a mesmice e a inconsciência”. Ela assegura, potencialmente, a “ampliação da esfera de presença do ser”, estimulando os sentidos, o pensamento, e a capacidade criativa20. Enquanto linguagens expressivas, as artes revelam sagacidade e geram identificações que representam forte ameaça aos interesses institucionais dominantes21. Exatamente por isso, elas “têm sido mistificadas há séculos como artes, marginalizadas nos cantos dos currículos escolares e presas nas fortalezas culturais de uma minoria privilegiada22”. O eixo de fundamentação da nossa abordagem sustenta-se na hipótese de que o desenvolvimento sustentável, enquanto paradigma contemporâneo, está essencialmente relacionado ao desenvolvimento do ser humano, à sua sensibilização23. Neste sentido, apontamos a ação cultural como caminho privilegiado, por meio do qual o indivíduo pode ser estimulado a pensar sempre a partir de novos pontos de vista, de outras formas, sob diversos ângulos, exercitando o seu pensamento criativo, critico e reflexivo. As experiências artísticas revelam-se como formas privilegiadas, capazes de aguçar os sentidos, preparando o indivíduo para a leitura e expressão por meio de outros códigos, diferentes daqueles apreendidos no processo de educação formal. A ação cultural (ou arte-ação) A ação cultural que estamos propondo é aquela capaz de envolver o individuo na experiência estética, no dialogo intenso e interativo com as artes, com as suas linguagens, suas formas de expressão e seus processos criativos, aguçando assim os sentidos e promovendo a transformação, o êxtase (ex-stase), “o sair fora de si, sair do contexto em que se está para ver outra coisa, para ver melhor, para ver além, para enxergar sobre, acima, por cima, para ver por dentro”24. Giannella e Baron (2013), trazem uma importante reflexão sobre o poder transformador de vivências focadas no resgate e valorização do potencial criativo de sujeitos comunitários. Por meio da “pedagogia da criatividade” como estratégia para o empoderamento de sujeitos, de forma 19 20 21 22 23 24 apud Coelho (2008). Coelho (2008:31-32). Baron (2004:37). Ibidem. Baron(2004:423). Coelho (2006:29). 12 Coleção Novos Mestres que venham a inserir-se na esfera publica enquanto sujeitos de voz, esses autores aludem às formas pedagógicas capazes de estimular as inteligências múltiplas dos sujeitos – suas capacidades criativas, expressivas e reflexivas, envolvendo-os em processos que possam recorrer às linguagens “sistematicamente censuradas e menosprezadas” pelo ensino formal tradicional, tais como a musica, o ritmo, a dança, o teatro, etc25. Por meio do dialogo interativo com os processos artísticos, o sujeito poderá resgatar as suas capacidades perdidas na racionalidade de um cotidiano burocrático e tecnicista, resignificando assim o seu ser, e percebendo novas formas de estar e atuar no mundo. Essa hipótese aproxima-se daquilo que buscamos afirmar ao longo deste trabalho, quando dizemos que a ação cultural, aquela que procura envolver as pessoas nos processos criativos das artes, constitui-se em poderosa ferramenta para o desenvolvimento sustentável, à medida em que é capaz de promover o desenvolvimento humano, aqui compreendido como o processo de constituição, ou resgate, da autoestima, das capacidades e inteligências múltiplas dos sujeitos, de forma a empoderá-los26 para assumir responsabilidades individuais e coletivas. Assim, parafraseando Giannella e Baron (2013), dizemos que a ação cultural, enquanto fazer criativo que busca valorizar e estimular as capacidades expressivas e criativas dos sujeitos, promovendo a constituição e/ou resgate das suas identidades culturais, e ampliando a sua percepção e possibilidades de leitura do mundo, é uma “estratégia crucial em processos que visam o empoderamento” desses sujeitos para o desenvolvimento sustentável27. A proposta libertária de Teixeira Coelho Segundo Coelho (2006), a ação cultural, consiste no processo de “criação ou organização das condições necessárias para que as pessoas inventem seus próprios fins e se tornem assim sujeitos – sujeitos da cultura, não seus objetos28”. De acordo com este modelo, sem dirigismos, autoritarismos, ou paternalismos, as pessoas são relativamente orientadas por um facilitador, que também está inserido no processo, mas que na verdade não o direciona para um fim que é seu, anteriormente definido ou escolhido. As escolhas são coletivas e livres, assim como deve ser livre e espontânea também a participação das pessoas. Ele, o facilitador, apenas abre os caminhos para a criação, para a participação criativa e a criatividade participativa. Os fins resultam dos diversos caminhos que os processos possam vir a tomar, e que cada participante, individualmente ou em conjunto, tenha a liberdade de escolher enquanto sujeito, também criador desses caminhos. Assim, o facilitador, dá inicio a um “processo cujo fim ele não prevê e não controla, numa pratica cujas etapas não lhe são muito claras no momento da partida29”. Uma vez estruturado, esse processo nos parece ser capaz de preparar o indivíduo no sentido de facultar-lhe o exercício da liberdade e da autonomia, condições essenciais para o desenvolvimento humano. A partir destes princípios, ele poderá ser capaz de criar os seus próprios caminhos, constituindo-se enquanto sujeito autônomo, porque livre. Ao invés de ser visto como beneficiário passivo de “engenhosos programas de desenvolvimento”, ele ou ela – o sujeito – estará mais próximo da “condição de agente livre e sustentável”30, ético e socialmente comprometido, pronto para atuar, de maneira propositiva, nos contextos socioculturais em que se insere. Na nossa concepção, essa ação que cria as condições para que as pessoas possam inventar os seus próprios fins culturais, constitui-se como um exercício de democracia, conforme afirma o autor Fernando Sabino: “Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um”31. Por ter em seu bojo esses componentes de natureza democrática, é que percebemos na ação cultural libertaria um caminho privilegiado para a transformação sustentável das pessoas e das sociedades. 3.5 Alfabetização Cultural De acordo com Dan Baron (2004), o processo de alfabetização cultural é o caminho para a 25 Giannella; Baron (2013:2). 26 O conceito de empoderamento é por nós entendido como aquilo que capacita pessoas e comunidades a se tornarem ‘protagonistas de sua propria historia’ (GOHN, 2004 apud GIANNELLA;BARON, 2013:5). 27 Giannella; Baron, op. cit., p. 3. 28 Coelho (2006:14). 29 Coelho (2006:14). 30 Sen (2010:26). 31 Fonte: http://frases.globo.com/fernando-sabino/6965 Acesso em 13/03/2013. 13 Coleção Novos Mestres transformação sustentável dos indivíduos32. O autor define esse processo como sendo uma pedagogia que propõe a descolonização da memória e do imaginário do ser humano através de dialogo cultural com outros, por meio de processos de sensibilização, autoleitura, autoconscientizacão e transformação coletiva. Utilizando teatro, dança, musica, escultura e poesia – linguagens de expressão, reflexão e performance – essa pedagogia busca uma leitura alerta do mundo através de uma autoleitura intima e questionadora de nossa subjetividade (BARON, 2004:419). A alfabetização cultural, enquanto ação transformadora, deverá proporcionar ao indivíduo a possibilidade de sair do cotidiano, buscar o inconsciente, experimentar múltiplas linguagens, perceber lógicas diferenciadas, possibilidades diversas do fazer. Nas palavras de Baron (2004), isto seria “descolonizar” o corpo e a mente de séculos e séculos de repressão, de uma cultura racionalista, européia e colonizadora de conscientização33. Talvez por isso este autor dê preferência ao uso da expressão sensibilização, ao invés de conscientização. O desenvolvimento sustentável, em toda a amplitude do seu sentido, configura-se como o resultado de um processo de sensibilização do ser humano, a partir do momento em que lhe sejam dadas condições de (re)humanizar-se. Nesse sentido, ele (o ser humano) precisa ser estimulado a outras formas de pensar, agir, fazer, de maneira que possa construir novas subjetividades, transformando a sua atuação, nos contextos sociais em que se insere, numa prática responsável, solidária e libertadora. É acreditando nisso que propomos o desenvolvimento humano como chave para o desenvolvimento sustentável, e a ação cultural ou alfabetização cultural, como caminhos privilegiados no sentido de sensibilizar, formar e transformar o ser humano, construindo-o como sujeito deste desenvolvimento. Para que possam cumprir tal função, essas ações devem estar alinhadas a uma concepção que percebe na cultura um papel fundamental: a permanente e contínua jornada da construção humana do humano. Trajetórias e percursos da ação cultural na região do Cariri cearense Iniciamos aqui a parte empírica deste trabalho, na qual buscamos reconstruir biografias que retratam o poder da vivencia com as artes, e seus processos criativos, na construção do sujeito e dos projetos exitosos por ele protagonizados. Nesse sentido, elegemos como sujeitos de voz pessoas cuja trajetória de vida se caracterizou pela inserção no campo das artes e valorização do fazer criativo, e que estão (ou estiveram) à frente de ações culturais de reconhecida importância para a região do Cariri cearense: Dane de Jade – Mostra SESC Cariri de Culturas; Alemberg Quindins e Samuel Macedo – Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Cariri; e Maria Gomide – Companhia Carroça de Mamulengos. Pessoas que nas suas trajetórias de vida tiveram a oportunidade de acessar a experiência estética, por meio do contato com as artes e seus processos, desenvolvendo assim a sua capacidade criativa e expressiva, parecem estar mais predispostas a participar da construção de uma cultura favorável ao desenvolvimento humano e ao desenvolvimento sustentável. Foi essa a noção que orientou o nosso caminho investigativo e a escolha dos nossos sujeitos de voz. Interessa-nos indagar sobre a ação cultural na construção do sujeito e o sujeito na construção da ação cultural. Quem são essas pessoas e como elas se constituíram enquanto sujeitos de cultura, pensadores e fazedores de políticas e ações culturais? De quais formas elas estão contribuindo para o desenvolvimento da região? Mapa da região metropolitana do Cariri cearense / Fonte: http://redeblogsdoceara.blogspot.com.br 32 33 Baron (2011,s/n). Baron (2004:41). 14 Coleção Novos Mestres A rede de ações culturais no Cariri: sua formação e seus atores Temos testemunhado nos últimos anos, na região do Cariri, um processo sistematizado de políticas culturais que vem mobilizando atores sociais – pessoas, grupos e instituições – no sentido de implementar ações voltadas à comunidade local, por meio de programações que envolvem teatro, dança, artes visuais, audiovisual, literatura, oficinas, vivencias e cursos de capacitação em artes, palestras, debates, etc. Iniciado a partir do fortalecimento de parcerias, esse movimento começou a definir os primeiros contornos daquilo que, numa perspectiva contemporânea, podemos conceber como uma rede colaborativa de ações culturais com vistas ao desenvolvimento da região. A seguir, apresentaremos os relatos de historias de vida que retratam o poder da vivência com as artes e seus processos criativos na construção dos sujeitos entrevistados, os quais são integrantes dessa rede. Por meio das suas ações no campo das políticas culturais, eles e elas estão contribuindo para o desenvolvimento humano na região, favorecendo assim o empoderamento das pessoas para o desenvolvimento sustentável. Dane de Jade: o coração e o cérebro da Mostra SESC Cariri de Culturas Na entrevista-diálogo34 que tivemos com Dane, no dia 10/02/2013, alem de outras questões, procuramos buscar, sobretudo, as influencias da relação com as artes na sua formação enquanto ser humano, sujeito e ator social, e, de maneira mais especifica, enquanto gestora de cultura e idealizadora de uma ação do porte da Mostra SESC Cariri de Culturas. Roseane Bezerra de Oliveira – Dane de Jade – é atriz, pesquisadora, produtora e gestora cultural. Nasceu na cidade de Crato (CE), lugar onde cresceu participando de movimentos artísticos e culturais considerados de vanguarda. Ainda na escola começou a participar de apresentações teatrais, musicais, grupos de lapinha e quadrilhas juninas. Aos 16 anos de idade fez sua primeira atuação no cinema: um curta chamado “João Remexe Bucho no Reino do Príncipe Ribamar”. Em 1985 ingressou numa oficina de teatro ministrada por Fernando Piancó, ator, diretor e roteirista. A partir desse encontro nasce o “Grupo Armazém de Teatro”, do qual Dane fez parte por mais de dois anos e participou da construção de diversos espetáculos teatrais. Segundo Dane, o fato de ter tido contato desde cedo com a experiência estética foi determinante para a sua imersão e trajetória no campo das artes e da cultura. Na adolescência ela começou a perceber sua afinidade com esse campo. Participou de diversos movimentos culturais locais, junto com artistas e pessoas ligadas às artes, e cada vez era maior o seu encantamento e envolvimento nesse universo. Desde cedo percebeu na cultura um caminho para o seu próprio desenvolvimento. No final da década de 90, Dane ingressou no SESC – Serviço Social do Comercio, como Coordenadora de Cultura da Unidade Operacional do Crato (CE). Em 2001, a convite da Diretoria Regional daquela instituição, assumiu a Gerencia de Cultura do SESC Ceará e passou a residir em Fortaleza (CE), onde veio a coordenar projetos e ações culturais direcionadas a todas as unidades SESC, na capital e no interior do Estado. Dentre os projetos criados e implementados por Dane de Jade no âmbito daquela instituição, podemos destacar, sem receios, a Mostra SESC Cariri de Culturas. 34 Ornellas (2011:26). 15 Coleção Novos Mestres Fonte: http://joaseiro.wordpress.com Criada em 1999, ainda na gestão de Dane no SESC Crato, a Mostra constituiu-se, ao longo da ultima década, como um grande guarda-chuvas que acolhe ações e atividades diversas, em múltiplas linguagens, envolvendo e conectando pessoas, mobilizando recursos e atores sociais provenientes das esferas publica, privada e da sociedade civil. Em seus núcleos – artes cênicas, artes visuais, audiovisual, musica, literatura, tradição e meio ambiente – ela acolhe uma programação que contempla parte significativa da produção artística do Cariri, e de outras regiões do Brasil e do mundo, estimulando o intercâmbio de estéticas, experiências e informações em perspectiva multivetorial. Com essas características, a Mostra é realizada nos mais diferentes espaços e equipamentos das cidades da região: galerias, praças, cinemas, teatros e galpões, envolvendo a comunidade e os artistas em ações de livre apreciação das artes, formação e capacitação por meio de oficinas, debates, workshops, seminários e palestras. Assim, a Mostra parece cumprir um papel fundamental: enquanto ação cultural, ela promove e estimula o acesso das pessoas, ainda que momentaneamente, à experiência estética, ao dialogo intercultural, ao contato com linguagens e formas artísticas potencialmente capazes de “ampliar a esfera de presença do ser”35. Sem duvida alguma, a formação de Dane enquanto gestora cultural, aconteceu por meio da vivencia no campo das artes, do convívio com os artistas, da pessoa sensível que ela se tornou. Ser gestora cultural é conseqüência de toda essa trajetória. Na sua opinião, não poderia ser diferente. Ela defende a cultura como sua bandeira e seu campo de militância. A Mostra SESC Cariri de Culturas, ao que nos parece, é um pouco dessa militância. Tudo que Dane foi construindo em seu caminho pela cultura e pelas artes, tudo que foi apreendendo, ela sonhou um dia compartilhar com as pessoas. Portanto, nada mais coerente que construir essa Mostra no território Cariri, o lu35 Coelho (2008). 16 Coleção Novos Mestres gar que muito lhe ensinou. Atualmente desempenha as funções de Secretaria de Cultura do Município do Crato (CE), é doutoranda em Lazer, Turismo e Cultura, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal. Em 2008, Dane de Jade criou a ONG Beatos – Base Educultural de Ação e Trabalho de Organização Social, localizada na cidade de Crato (CE). Em outubro de 2012, foi contemplada com o Prêmio Claudia, da Editora Abril, na categoria Cultura. Ha dezesseis anos essa premiação vem destacando “mulheres competentes, talentosas, inovadoras e empenhadas em construir um Brasil melhor”36. Alemberg Quindins: um menino que sempre gostou de “fazer arte” O nome Alemberg Quindins, de imediato, já nos remete ao universo lúdico de um menino que, desde muito cedo, descobriu na arte uma forma de viver, de ser feliz e envolver as pessoas. Francisco Alemberg de Souza Lima nasceu no Crato, Ceará, e viveu parte da sua infância e adolescência entre Nova Olinda, também no Ceará, e Miranorte, uma pequena cidade localizada no antigo Estado de Goiás, hoje Tocantins. Ainda em Nova Olinda, onde o pai era dono da única amplificadora (rádiodifusora) local, o menino Alemberg, que em tudo mexia, já ficava impactado com as imagens das capas dos discos de Beatles, Bob Dylan, Chantecler, e tantos outros. O seu contato mais arrebatador com a arte foi a primeira vez em que viu um filme em tela grande, num cinema de Miranópolis. O filme era Sansão e Dalila, uma produção americana de 1949. Alemberg nos relatou uma imersão tão profunda no filme, em suas imagens que, naquele momento, era como se ele tivesse vendo algo hoje equivalente a cinema em 3D, de acordo com o seu relato. Alemberg sempre procurou fazer da arte uma “ferramenta de relações”, como ele proprio descreve, para produzir o diálogo e o envolvimento das pessoas. Junto com outros meninos, montou uma “bandinha de lata” em Miranopolis, com a qual compunha musicas que animavam as festas de miss que as meninas faziam nos quintais. Na escola, sempre encabeçou os movimentos e acontecimentos artisticos. Foi lá que subiu ao palco pela primeira vez, pra cantar. Apesar de toda essa incursão pelo universo das artes, Alemberg não se considera artista, muito menos talentoso em uma linguagem artistica especifica. Seu maior talento, segundo ele, consiste na capacidade de fazer um pouco de cada coisa e, por meio desse pouco, envolver as pessoas, criar caminhos pra que elas possam seguir. Em 1983, já casado, Alemberg inicia com sua esposa, Rosiane Limaverde, uma pesquisa de campo pela chapada do Araripe, com o objetivo de conhecer as lendas dos povos da região do Cariri, e regatá-las por meio da música. Segundo Alemberg, o Cariri é uma “grande panela que quebrou-se em vários cacos”. Cada caco, guarda uma parte de sua historia. E foi exatamente em busca de rejuntar esses cacos, de conhecer a mitologia local, que os dois se embrenharam pela chapada adentro, onde desvendaram um importante acervo antropológico e arqueológico. Dessa pesquisa resultou, em 1992, a montagem de um show musical chamado A Lenda, com composições de Alemberg e Rosiane, que buscavam resgatar a historia do homem Kariri. Para abrigar o patrimonio historico e arqueológico coletado nas expedições, eles restauraram a velha casa grande da Fazenda Tapera, e nela construíram o Memorial do Homem Cariri. A partir daí, a casa foi tombada como patrimônio historico municipal e, nesse mesmo periodo, foi criada a Fundação Casa Grande37, na cidade de Nova Olinda (CE). É da força das lendas Kariris que surge a Fundação Casa Grande com a sua proposta cultural e artística, do dever de resgatar a historia daquele povo, proporcionando às novas gerações, sobretudo às crianças, o conhecimento sobre as suas ancestralidades, no sentido de fortalecer as suas identidades culturais e a sua própria cultura. É sobre essa proposta que a Casa Grande está assentada. Sua fundação ocorre a partir do compromisso ancestral de Alemberg e Rosiane com os seres mitológicos que os guiaram na caminhada pelos sitios e cidades do vale do Cariri, ao redor da grande chapada que integra e conecta a cultura local. É esse um dos eixos de trabalho da Fundação Casa Grande: o resgate da memória e da historia local para o fortalecimento das identidades culturais. Por meio de uma rede de ações, que se conecta com diversos pontos, Alemberg, Rosiane e os meninos e meninas da Casa Grande, como são afetivamente chamados, difundem essa memória para o Cariri, para o Brasil e para outros pa36 Fonte: http://premioclaudia.abril.com.br/sobre-o-premio-claudia/ Acesso em 15/04/2013 37 Sobre a Fundação Casa Grande, sua historia e suas ações, ver http://www.fundacaocasagrande.org.br 17 Coleção Novos Mestres íses. Pelos caminhos do local eles chegam ao global. O principio básico das ações da Casa Grande é a formação da consciência humana e social, com o objetivo de contribuir para a construção de pessoas de caráter, atores sociais comprometidos com o passado, no que concerne à valorização da sua memória e da sua historia cultural, com o presente, buscando transformar-se e transformar o outro, e com o futuro, com o compromisso de multiplicar o aprendizado e o conhecimento adquiridos, no sentido de contribuir, de maneira efetiva, para a construção de um mundo melhor. Samuel Macedo: um índio “impávido que nem Muhammad Ali38” Para melhor corroborarmos o potencial transformador de uma ação cultural de grande relevância para a transformação humana e social na região do Cariri, procuramos ouvir um dos primeiros a embarcar nessa viagem lúdica: Samuel Macedo, integrante da primeira turma dos “meninos” e “meninas” da Fundação Casa Grande. Hoje, aos 28(vinte e oito) anos de idade, Samuel é músico, fotógrafo, gestor cultural. Um ser humano sensível, conectado com as suas raízes, mas atento ao mundo. Atualmente morando no Rio de Janeiro, onde participa de produções culturais apoiadas por empresas e instituições como Petrobras, Natura, SESC, dentre outras, Samuel esteve em Nova Olinda, visitando os familiares e amigos, e no dia 15/12/2012 nos recebeu na casa de seus pais para uma agradável conversa. A vivencia de Samuel na Casa Grande foi o caminho da sua construção enquanto sujeito. Ele nos relatou parte dessa experiência que se inicia em 1992, quando tinha apenas oito anos de idade. Assim como os outros meninos e meninas da cidade, Samuel recebeu a Casa Grande como “a novidade”. Segundo seu relato, ela tinha cheiro e cor de novidade. “Ainda lembro do cheiro de tinta fresca”, diz Samuel. Pela fama de “mal assombrada” que adquiriu ao longo do tempo, a velha casa abandonada era uma espécie de território proibido, habitado por seres fantásticos e lendários que habitavam o imaginário local. As crianças tinham medo de se aproximar da casa. Samuel nos conta casos, segundo ele, de natureza sobrenatural, ocorridos com pessoas do lugar, e nos afirma que a chegada das crianças exorcizou esses fantasmas, trazendo para a casa uma nova energia, uma nova memória que começava a se construir a partir daquele momento. “A casa hoje ta tão cheia de vida, lá dentro, que eu imagino assim, se a casa destampar e soltar isso pra o universo, o que é que vai acontecer. Porque a casa ela já tem uma energia no entorno que, silenciosamente, ela diz ao meninos que vão chegando como as coisas devem ser. Uma energia transformadora” (MACEDO, 2012). Logo apos a sua inauguração e abertura, a Fundação Casa Grande já era o território da meninada de Nova Olinda. La dentro, eles aprendiam brincando, nos conta Samuel, uma brincadeira que era levada a serio. Aconteciam concursos e campeonatos de brincadeiras locais como “jogo de bila”, “macaca” (amarelinha), lançamento de “pião” , contação de historias, e até um festival de bandas de latas, o “FESTLATA”. “Haviam muitas bandinhas de lata espalhadas pela cidade, em cada rua tinha uma”, conta-nos Samuel. “Alemberg e Rosiane promoveram o festival e dele tiraram três meninos pra acompanha-los no show ‘A Lenda’. Eu fui um deles” (MACEDO, 2012). Assim, por meio de um processo fundamentado nos princípios de liberdade, autonomia e espontaneidade, os meninos e meninas da Casa Grande foram dialogando com informações que lhes chegavam de diversos lugares: das artes (cinema, musica, literatura), do contato com pessoas 38 Trecho da musica “Um Índio”, de Caetano Veloso. 18 Coleção Novos Mestres de outros lugares que ali chegavam e compartilhavam conhecimentos, por meio de debates e rodas de conversas. Samuel diz ser uma pessoa que procura fazer tudo para dar seguimento ao que aprendeu na Casa Grande, para passar o seu conhecimento adiante, levar para o mundo “a boa nova” que chegou até ele. Procura viver de acordo com os princípios de tudo o que aprendeu, e uma das coisas que aprendeu, e que estará sempre colocando em pratica, é a busca constante pelo conhecimento. Pela sua experiência em gestão cultural na Fundação Casa Grande, Samuel assumiu, com apenas vinte e três anos de idade, a coordenação das ações culturais do SESC – Unidade Operacional Crato, CE, função que exerceu por mais de três anos – de 2007 a 2011, enquanto esteve naquela instituição. Fora do Cariri, trabalhou como fotografo estagiário para o Jornal Folha de São Paulo, dentre outras atividades. Atualmente está envolvido com o Projeto Infâncias, patrocinado pelo SESC São Paulo, por meio do qual viaja por todo o Brasil registrando imagens de brinquedos e brincadeiras tradicionais de diversas regiões. É por meio de pessoas como Alemberg Quindins e Samuel Macedo que as ações da Fundação Casa Grande reverberam em diversas partes do Brasil e do mundo, inserindo o Cariri cearense numa teia de conexões e contatos que resultam em encontros, interações, diálogos, intercâmbios e conhecimentos para crianças, jovens e famílias do sertão nordestino. A Casa Grande é hoje referencia como espaço de vivencia em gestão cultural, e conta com a parceria de diversas instituições e órgãos nacionais e internacionais, dentre os quais o Instituto Itaú Cultural, com quem, de acordo com Alemberg, vem desenvolvendo tecnologias para a analise qualitativa das suas ações, por meio da medição dos conteúdos ofertados e capacitações realizadas com a comunidade local. Alemberg, Rosiane, Lula, Pelé e Gilberto Gil na cerimônia de entrega do prêmio “Ordem do Mérito Cultural”, em Brasília, Novembro de 2004. Fonte: http://www.fundacaocasagrande.org.br/fotos.php Maria Gomide e a poesia do “Carroça de Mamulengos”39 Na entrevista que nos concedeu no dia 27 de Dezembro de 2012, via skype, Maria nos relata, com a segurança e a firmeza que lhes são peculiares, trechos da sua vida, da sua relação com a família, com os amigos, com as artes, com o mundo. A exemplo dos irmãos – Antonio, Francisco, João, Pedro, Mateus, Luzia e Isabel – o processo de educação de Maria aconteceu a partir da vivencia com as artes e com as pessoas. A historia de Maria confunde-se com a historia da Cia. Carroça de Mamulengos, que começa antes mesmo do seu nascimento, quando Carlos Gomide, um jovem do interior de Goiás, percebeu na arte o caminho pelo qual traçaria a sua vida. Desde muito cedo foi estimulada a ler. Seu pai, um leitor assíduo, autodidata, compartilhou o habito da leitura com os filhos. Hoje aos, vinte e oito anos de idade, Maria nos diz que sempre, desde pequena, teve a certeza de que o seu futuro seria nas artes, dando seguimento à missão dos seus pais. Em seu relato, ela nos disse ter tido uma vida que lhe proporcionou uma experiência de muita intensidade. Nasceu num festival de teatro, com menos de cinco dias de vida já estava viajando, com menos de dois meses de idade já tinha passado por três Estados do Brasil, e pegou o inicio da formação e da afirmação de uma companhia de teatro que, hoje com trinta e 39 Sobre a Cia. Carroça de Mamulengos, consultar < http://www.carrocademamulengos.com.br/ > 19 Coleção Novos Mestres cinco anos de trabalho, tem um reconhecimento nacional. Seu pai, fundador da companhia, norteou toda a sua formação e o seu olhar, o que faz com que Maria lhe seja bastante grata pela forma que ele escolheu para criar os filhos. Ela nos diz que cresceu ouvindo o pai dizer que a sua escola seria o mundo: “O Brasil seria a minha escola, o povo brasileiro seria os meus professores, e alem de aprender a ler e escrever, eu deveria, desde muito cedo, ter consciência e percepção de uma realidade que está ao meu redor”40. Ainda pequena Maria foi estimulada a questionar as coisas; a pensar sobre a complexidade do real, sobre a razão de ser das desigualdades sociais, sobre o ideal que norteia o fazer artístico. Sem duvida, isso contribuiu para a construção de uma pessoa consciente do seu papel no mundo, das suas responsabilidades com ela mesma e com o seu coletivo. Com seu trabalho e sua arte, Maria ajudou a criar e educar os irmãos que nasceram depois dela, e com eles compartilhou o aprendizado herdado dos pais. No Cariri, a família Gomide estimulou, junto com os artistas locais, a criação da “União dos Artistas da Terra da Mãe de Deus”, na comunidade do bairro João Cabral. De acordo com Maria, a União surgiu como um movimento, cujo objetivo principal era “proporcionar a convivência entre os grupos, criando espaço para o diálogo entre gerações que, através da oralidade, se reconhecia nas memórias dos mais velhos, para assim se fortalecer como individuo que se posiciona perante o mundo de forma critica e consciente”41. Segundo Maria, “na sede da União, diariamente aconteciam ensaios de convivência, onde a pratica do estudo do canto, das danças, do tocar um instrumento, a construção dos entre-meios e outras atividades eram realizadas, buscando integrar do mais velho à criança de colo”42. Outra contribuição significativa da “União” e do “Carroça” na região do Cariri, foi o envolvimento de jovens e adolescentes em suas atividades, com o objetivo de afastá-los da situação de vulnerabilidade social inerente às grandes cidades, sobretudo em comunidades excluídas como a do bairro João Cabral, onde são altos os índices de adolescentes grávidas, comercio e consumo de drogas e outras formas de criminalidade. Durante todo o período em que esteve sediada em Juazeiro do Norte, a família Gomide dedicou-se aos trabalhos junto à “União” e seus associados, em sua maioria, brincantes residentes na comunidade do bairro João Cabral. Segundo Maria, um trabalho como esses, de convivência, “requer posturas de continuidade e dedicação quase absoluta: conversar, ouvir, entender, intuir caminhos”43. As demandas do “Carroça” também envolveram a família, e alguns membros da comunidade, em atividades pesquisa, criação de repertórios, confecção de material cênico e produção de espetáculos. O carroça existe, e sempre existiu, em função de fazer uma arte livre dos grilhões da industria cultural e do mercado, daí a sua proposta libertaria de fazer e existir. Perguntamos a Maria sobre as dificuldades de sobreviver, por tanto tempo, com essa filosofia, numa região tão desprovida de políticas de apoio às ações culturais. A casa da família Gomide, no João Cabral, sede da Companhia Carroça de Mamulengos, construiu-se como um espaço de convivência, onde artistas e pesquisadores, provenientes de diversas regiões do Brasil e do mundo, pousaram na ânsia de beber um pouco dessa fonte inspiradora da cultura popular e suas formas. Alem dos integrantes habituais, a casa contava sempre com aqueles que chegavam e permaneciam o tempo necessário para vivenciar os afetos e as trocas, combustíveis para o aprendizado. Segundo Maria, o processo de ensinar e aprender do “Carroça” consiste, antes de tudo, em “desenvolver o olhar, o sentir, o conhecer. Acreditamos que, assim, ensinamentos mais profundos podem ser adquiridos; estou falando das trocas de alguns princípios éticos e morais, que são as bases para o equilíbrio de todos nós”44. 40 41 42 43 44 Gomide (2012). Gomide (2012) Ibidem. Gomide (2013). Gomide (2013). 20 Coleção Novos Mestres Fonte: http://www.caririrevista.com.br Foto: Cariri Revista / Rafael Villarouca Nessa sua nova fase, o “Carroça” tem como um dos seus objetivos abrir caminhos para a sua ação cultural em lugares pouco ou nunca antes visitados. A proposta é contribuir para o desenvolvimento cultural na região do Cariri, estimulando a construção de outras formas de pensar e fazer, fomentando o dialogo entre a memória ancestral e o contemporâneo, tão necessário para o fortalecimento das identidades culturais. “Eu acredito que precisamos construir uma outra forma de viver, em harmonia com os seres humanos e a divina natureza. Uma utopia? Pode ser que seja... Coisa boa é saber que se caminha em direção ao horizonte, mesmo sabendo que ele sempre estará na sua frente”45. Durante o mês de Novembro de 2013, o “Carroça” estará realizando a sua terceira turnê pelo Cariri, com a qual visitará mais de vinte cidades, entre os Estados do Ceará, Pernambuco e Paraíba. Considerações finais Neste trabalho, trouxemos o relato de pessoas cujas experiências no campo das artes, e dos seus processos criativos, nos parecem ter sido fundamentais na constituição das características subjetivas que as diferenciam das demais. Essas pessoas, por meio das suas praticas e ações, constituem uma rede colaborativa que vem envolvendo recursos diversos no sentido de fortalecer as já fecundas identidades culturais do Cariri, transformando-a numa região de considerável vitalidade artística, e inserindo-a num circuito de visibilidade nacional e internacional. Com isso, queremos apontar para o potencial formador e transformador do fazer criativo na construção de sujeitos social e culturalmente responsáveis, comprometidos com os valores éticos, capazes de contribuir para o desenvolvimento humano e a formação de uma sociedade efetivamente sustentável. Diante da complexidade das sociedades contemporâneas, não podemos nos restringir à visão ingênua de que as raízes dos nossos maiores problemas são de ordem ambiental, e que o modelo ideal de desenvolvimento, o dito sustentável, é aquele que conjuga, de maneira harmônica, o crescimento econômico com preservação ambiental e equidade social. Precisamos considerar, em primeiro lugar, que os problemas ambientais que ameaçam a qualidade de vida e a sobrevivência das espécies no planeta estão inseridos nessa complexa noção contemporânea de sustentabilidade, entretanto, não de maneira exclusiva. A ponta desse novelo, como tentamos argumentar, são as questões de natureza cultural, entendendo-se aqui o conceito 45 Ibidem. 21 Coleção Novos Mestres de cultura a partir de uma concepção que contempla as praticas sociais, as formas de organização e desenvolvimento, as concepções de mundo, os valores compartilhados, as crenças, etc. Vistos a partir desse aspecto, os modelos de desenvolvimento das sociedades humanas são essencialmente culturais, pois é no âmbito da cultura que se constroem as noções sobre o sentido e o significado de desenvolvimento, e é a partir dessas noções, de acordo com elas, que as sociedades se desenvolvem. No sentido de alcançarmos a sustentabilidade global, o primeiro passo é reconhecermos o caráter ideologicamente marcado dos conceitos correntes de desenvolvimento, compreendendo que a cada povo deve ser concedido o direito de desenvolver-se conforme os seus padrões culturais, sem intervencionismos. O desenvolvimento deve dar condições às pessoas para que elas possam viver na sua própria forma de ser, de acordo com a sua cultura. Não estamos com isto defendendo posturas xenofóbicas, em absoluto. Sabemos o quanto os diálogos e intercâmbios culturais são importantes e necessário à formação dos indivíduos e das sociedades. O que queremos ressaltar é que o desenvolvimento não pode prescindir da diversidade cultural, pois ela é tão necessária para o gênero humano quanto o é a diversidade biológica para a natureza, conforme descrito no Artigo 1 da Declaração Universal da UNESCO. O desenvolvimento sustentável não pode envolver a mesma lógica fria e racional do mundo dos negócios que, historicamente, orientou a formação das noções tecnoeconômicas e cientificas sobre desenvolvimento. Ele é outra coisa, ou não é. Seu objetivo não deve estar focado apenar em buscar soluções para fortalecer um crescimento econômico de baixo impacto ambiental. Precisamos extrapolar essa abordagem restrita à eficácia no gerenciamento dos recursos naturais, ou ainda, à preservação dos recursos ambientais para usufruto das gerações futuras. Sem duvida ela é importante, mas não esgota as noções de desenvolvimento sustentável e sustentabilidade. No sentido de avançarmos nessa questão, propomos uma revisão nos conceitos de desenvolvimento e sustentabilidade, a partir de uma racionalidade axiológica, de base mais holística, inter e transdisciplinar, capaz de priorizar a formação de valores que venham a contribuir para as atitudes das pessoas nos contextos sociais em que se inserem. Nesse sentido, propomos ampliar a noção de desenvolvimento sustentável, associando-a aos valores éticos, culturais e ambientais, norteadores dessa nova racionalidade, efetivamente transformadora das nossas praticas, costumes e hábitos insustentáveis. Visto a partir desses termos, o desenvolvimento sustentável pressupõe uma nova postura filosófica, um repensar sobre as nossas relações com o mundo natural, material e simbólico, sobre as nossas praticas e ações. Para isto, precisamos ser estimulados, sensibilizados. É nesse sentido que defendemos o desenvolvimento humano como caminho para o empoderamento de sujeitos comprometidos com um ideal de desenvolvimento sustentável. Compreendemos aqui desenvolvimento humano como uma elevação do saber e da consciência, não apenas por meio dos processos de letramento dos métodos formais de educação, mas também, e sobretudo, dos saberes populares, dos conhecimentos empíricos, não acadêmicos, e das metodologias que envolvem as pessoas em processos criativos, visando, por meio das linguagens artísticas, estimular o fortalecimento das suas capacidades expressivas. Acreditamos ser este um dos caminhos para a formação de uma consciência de sustentabilidade, uma consciência critica, política. Sugerimos a arte, e seus processos criativos, como instrumento da ação cultural, contribuindo para a formação do ser humano, a construção das suas concepções de mundo, a transformação do seu pensamento. Assim, para aprofundar o sentido das nossas argumentações teóricas, dialogamos com pessoas cuja trajetória de vida caracterizou-se pela experiência da relação com o fazer criativo das artes e da cultura, buscando, nas suas falas, a sustentação daquilo que estamos vislumbrando e defendendo: a ação cultural, por meio dos processos criativos, pode ser um caminho para a construção de sujeitos livres, autônomos, capazes de escrever o roteiro de suas próprias vidas e atuar no mundo de maneira consciente, em busca do melhor, do justo, do belo. Sujeitos sustentáveis, comprometidos com uma utopia possível. Parafraseando Giannella e Baron (2013), diríamos que essas histórias de vida nos revelam o poder transformador do fazer criativo na alquimia do espírito humano, e nos permitem avançar na hipótese segundo a qual a vivencia com as linguagens artísticas, a experiência estética, e a valorização das capacidades criativas e expressivas, podem atuar como poderosas ferramentas em processos que visam estimular o empoderamento das pessoas, para que assim possam assumir suas responsabilidades consigo mesmas e com o seu coletivo. É nisso que acreditamos como caminho para o desenvolvimento sustentável: na construção de sujeitos capazes de lutar contra todas as formas de opressão, escravidão ou servilismo, de com- 22 Coleção Novos Mestres preender que é a partir da construção humana do ser humano que podemos alcançar o ideal de uma sociedade comprometida com as questões ecológicas, humanas e sociais. Nos dias atuais, em função da natureza múltipla e complexa da grande crise mundial, talvez seja mais operacional fortalecermos, como meta central das sociedades todas, o conceito amplo de desenvolvimento humano, do qual possam emanar todas as formas de desenvolvimento que se pretendam sustentáveis. Referencias ARAUJO, Sérgio Sobreira. Produção cultural no contexto das políticas publicas: uma analise da trajetória do teatro baiano profissional no período de 1988 a 2010. Tese (doutorado). Salvador: UFBA, 2011. BARON, Dan. Alfabetização cultural: a luta intima por uma nova humanidade. São Paulo: Alfarrábio, 2004. BRANT, Leonardo. O Poder da Cultura. São Paulo: Peirópolis, 2009. COELHO, Teixeira. A cultura e seu contrario: cultura, arte e política pós-2001. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2008. _____, Teixeira. O que é ação cultural. São Paulo: Brasiliense, 2006. _____, Teixeira. Cultura e educação. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2011. EADE, Deborah. et. al. 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São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 23 Coleção Novos Mestres GOVERNANÇA TERRITORIAL E DESENVOLVIMENTO REGIONAL SSUSTENTÁVEL DO CARIRI CEARENSE Antonio Édio Pinheiro Callou46 Suely Salgueiro Chacon47 Resumo A governança territorial enfrenta grandes desafios para integrar o poder público, iniciativa privada e sociedade civil organizada na gestão das políticas públicas direcionadas a promover o desenvolvimento regional sustentável. Os esforços para alcançar um desenvolvimento justo e sustentável apontam para a superação do paradigma materialista e economicista predominante. O surgimento de novos conceitos de sustentabilidade, baseados em princípios éticos e na interação das dimensões econômicas, ambientais, sociais, culturais e político-institucionais, influenciam os rumos das relações entre o local e o global exigindo constante aperfeiçoamento dos sistemas de governo. No aspecto político-institucional as democracias contemporâneas continuam alimentando expectativas de uma melhor qualidade de vida para as populações, por meio da conquista da dignidade humana, liberdades individuais e coletivas, tidas como alicerces desses regimes. Buscando o aprimoramento democrático e a superação das limitações do Estado em atender as necessidades das gerações atuais e futuras, governos experimentam estratégias de redistribuição de responsabilidades e benefícios inerentes aos processos de desenvolvimento. Dentre as estratégias emergentes se destaca a adoção da governança na gestão das políticas públicas voltadas para os territórios, um modelo de gestão pública compartilhada com outros atores, condizente com a democracia participativa e a gestão social, de complexa efetivação. Partindo do reconhecimento da contribuição da democracia participativa para a consolidação dos emergentes desígnios do desenvolvimento, surge uma questão fundamental: O que é necessário para a governança territorial contribuir efetivamente com a promoção do desenvolvimento regional sustentável? Adotando como resposta hipotética a participação integrada entre poder público, sociedade civil organizada e iniciativa privada na gestão das políticas públicas, verificamos a dificuldade no cumprimento da dimensão sócio-política da governança voltada para a integração dos atores e esforços, e a tendência para a evidenciação da sua função utilitária nas dimensões administrativa, econômica ou institucional. Utilizando métodos qualitativos de investigação por meio da revisão bibliográfica e da observação empírica de duas políticas públicas atuantes na Região do Cariri cearense, classificamos os principais desafios segundo a origem, em internos e externos à governança, e segundo a natureza, nas práticas políticas tradicionais, na dificuldade de empoderamento dos atores na gestão das políticas públicas, nas dificuldades operacionais da governança e na desmotivação dos atores. A profusão dos recortes territoriais adotados nas políticas de desenvolvimento e a baixa eficácia do arcabouço jurídico legitimador da democracia participativa completam o quadro de dificuldades. A combinação desses fatores resulta na baixa contribuição atual da governança territorial para a promoção do desenvolvimento regional sustentável, devido a frágil participação integrada dos atores locais na gestão das políticas públicas voltadas para o território. Palavras-chave: Governança Territorial. Desenvolvimento Regional Sustentável. Território. Gestão Social. Políticas Públicas. Região do Cariri-Ceará. Introdução Desenvolver de forma sustentável um determinado território requer a superação de grandes desafios no plano ambiental, social, cultural, econômico e, sobretudo, no plano político-institucional. As relações intrínsecas entre essas dimensões fundamentam o conceito e as práticas de desenvolvimento sustentável que buscam atender as necessidades atuais da humanidade, sem comprometer as condições de sobrevivência das gerações futuras, situando o homem como mais um elemento do sistema planetário a ser preservado. As constantes crises multisetoriais de alcance global, produzidas pelos modelos hegemônicos, onde poucos se favorecem em detrimento da grande maioria, apontam as discussões para uma tendência que norteia o presente trabalho. Referimo-nos ao debate sobre a regionalização, um dos processos indutores do desenvolvimento mais equitativo, baseado no aproveitamento das oportu46 47 Mestre em Desenvolvimento Regional Sustentável, UFC, Juazeiro do Norte-CE, [email protected] Doutora em Desenvolvimento Sustentável, UFC, Juazeiro do Norte-CE, [email protected] 24 Coleção Novos Mestres nidades de diferenciação existentes nos territórios e no efeito sinérgico gerado pela interação das forças locais e supralocais na construção de um modelo relacional entre o endógeno e exógeno. O atual quadro de destruição ambiental e de sucessivas crises reforça a racionalidade limitada das soluções gerenciais e economicistas predominantes e clama por uma reflexão inter e transdisciplinar de maior profundidade e alcance, aliada a redefinição de papéis e condutas dos diversos atores sociais, a partir de um referencial ético universal. Referida constatação sugere inovações mais radicais que devem ser norteadas pela reformulação da racionalidade predominante nas elites e pela redefinição das estruturas sistêmicas de poder, orientando o surgimento de um novo modelo de vida e relações planetárias. Na tentativa de se enfrentar os fatores degradantes e se contrapor ao efeito centralizador dos modelos dominantes e distantes das bases, reforça-se como matéria essencial para a efetivação de uma proposta ampliada de desenvolvimento regional sustentável, um olhar atento para a governança como uma integração coordenada entre Estado, sociedade e organizações empresariais que potencializa o êxito dos sistemas de governo democráticos e participativos. Mesmo enfrentando grandes desafios, críticas e opiniões favoráveis aos governos mais centralizadores e autocráticos, os regimes democráticos são tidos como os mais apropriados a buscar soluções para garantir a condição de sobrevivência da biodiversidade e “sociodiversidade” nas diversas escalas, respeitando a conquista das liberdades dos povos e a dignidade da pessoa humana. Nesse debate, percebemos que não basta somente almejar a definição consensual e internacionalmente reconhecida de desenvolvimento sustentável, como um “fim” desejado por todos, o que já seria um feito grandioso para a humanidade, mas precisam-se garantir os meios e as capacidades necessárias e adequadas para colocar o planeta e as pessoas numa rota mais coerente de convivência e de respeito mútuo. De forma genérica múltiplos fatores contribuem para a manutenção das crises, como a ausência da responsabilização dos atores nos impactos causados por suas ações, os desafios de efetividade das formas de compartilhamento das decisões sobre o futuro comum, bem como a acentuada desigualdade no aproveitamento dos benefícios gerados por um comemorado, mas falso progresso. Decorre daí a necessidade premente de uma maior investigação sobre a relação entre democracia e desenvolvimento sustentável, para esclarecer a validade dos sistemas de governo democrático como principal via política para o alcance do desenvolvimento, definindo um problema de ordem superior. Considerando termos identificado na literatura estudada, evidências teóricas esclarecedoras sobre tal questão, direcionamos nossos esforços de pesquisa para um problema mais específico, exposto na indagação: O que é necessário para a governança territorial contribuir efetivamente na promoção do desenvolvimento regional sustentável? Baseado em experiência acumulada na condução e acompanhamento de projetos de arranjos produtivos locais, governança e formação de lideranças comunitárias no centro-sul do estado do Ceará, nossa hipótese que responde a questão é: Consolidar a participação integrada entre poder público, sociedade civil organizada e iniciativa privada na gestão das políticas públicas territoriais. A participação integrada diz respeito ao empoderamento da sociedade na gestão das políticas públicas desde a sua formulação até o seu controle social, favorecendo, por sua vez, a continuidade e promoção das políticas de desenvolvimento regional sustentável, suscetíveis aos interesses da política partidária. Portanto, o compartilhamento da gestão dos interesses públicos entre os diversos atores de um território constitui ponto fundamental para se estabelecer um desenvolvimento sustentável, sendo o principal desafio a ser superado na dimensão político-institucional. Com esse foco e partindo do reconhecimento de uma relação intrínseca entre desenvolvimento sustentável, nos moldes dos novos paradigmas, e a governança territorial enquanto alternativa de democratização da ação político-institucional capaz de promovê-lo, aprofundamos o debate elegendo o objetivo geral de analisar a participação integrada dos diversos atores da governança atual, na gestão das políticas públicas territoriais, destacando a pesquisa empírica em duas políticas públicas em atuação na Região do Cariri cearense. As dificuldades ou desafios para a governança contribuir na promoção do citado desenvolvimento, podem ocorrer em três níveis distintos. No nível dos agentes indutores da governança, que no âmbito nacional segundo produção científica investigada, normalmente são o poder público e as políticas públicas governamentais. No nível dos atores locais que representam a sociedade civil e a iniciativa privada, compondo as instâncias de governança, e no nível do arcabouço jurí- 25 Coleção Novos Mestres dico responsável pela legitimação dos atos e do ambiente de cooperação necessário entre os atores. Com vistas a contemplar os referidos níveis e auxiliar no alcance do objetivo geral, determinamos três objetivos específicos, voltados para cada nível de dificuldade. O primeiro diz respeito à dificuldade de planejamento integrado no nível dos agentes indutores e busca a verificação da influência dos recortes territoriais na integração dos atores envolvidos na governança. O segundo apresenta a análise da percepção dos atores sobre a efetividade dos modelos de governança e o terceiro contempla a verificação do atual arcabouço jurídico brasileiro na legitimidade dos esforços para a prática da governança territorial ou “boa governança”. Para a definição do referencial teórico realizamos análise da literatura destacada no percurso das disciplinas teóricas e participação nos eventos científicos pertinentes aos temas estudados, bem como na prospecção da produção científica e institucional contemporânea. Utilizamos na pesquisa empírica o método qualitativo de coleta de dados e análises fundamentadas na correlação entre referencial teórico e resultados encontrados no campo. As duas políticas públicas e seus respectivos colegiados, designados no trabalho como práticas atuais de governança foram pesquisadas pelo método da observação simples, entrevistas semiestruturadas em amostra aleatória e questionário. As etapas de execução foram adaptadas do modelo de diagramação proposto por Gil (2009), tendo como principais atividades: a formulação do problema; a construção da hipótese; a determinação do plano; a elaboração dos instrumentos de pesquisa; o pré-teste dos instrumentos; a seleção da amostra; a coleta de dados; a análise e interpretação dos dados; e a redação final da dissertação. A pesquisa de campo situou-se na Região do Cariri, localizada no extremo sul do estado do Ceará, Região do Nordeste brasileiro, à aproximadamente 528 km da capital Fortaleza. Para efeito do estudo, foram identificados os municípios que formam o território de atuação das políticas públicas estudadas, e selecionados para as incursões de campo os municípios que sediam um maior número de instituições participantes dos respectivos colegiados, dentre outros critérios descritos no capítulo 4, onde abordamos com maiores detalhes a o método utilizado na pesquisa e as características da Região pesquisada. Escolhemos para a observação empírica, dois modelos de governança propostos por políticas públicas em atuação na referida Região. O Colegiado do Território da Cidadania do Cariri (COTECIC), vinculado ao Programa Territórios da Cidadania, uma política de âmbito federal, coordenada pela Casa Civil e concebida para promover o desenvolvimento regional e garantir os direitos sociais para os cidadãos das regiões mais carentes, e o Conselho de Desenvolvimento e Integração e Regional do Cariri (CONDIRC), vinculado aos programas de desenvolvimento da Secretaria das Cidades do estado do Ceará, uma iniciativa do Estado para promover, de forma participativa, projetos regionais. Os municípios abrangidos pelas instâncias estudadas são: Abaiara; Altaneira; Antonina do Norte; Araripe; Assaré; Aurora; Barbalha; Barro; Brejo Santo; Campos Sales; Caririaçu; Crato; Farias Brito; Grangeiro; Jardim; Jati; Juazeiro do Norte; Mauriti; Milagres; Missão Velha; Nova Olinda; Penaforte; Porteiras; Potengi; Salitre; Santana do Cariri; Tarrafas; e, Várzea Alegre. Desses, visitamos os municípios de Aurora, Barbalha, Crato, Juazeiro do Norte e Mauriti, durante a realização das entrevistas e aplicação dos questionários. A escolha da Região para a realização da pesquisa está baseada na sua posição de destaque em meio ao sertão, constituindo uma biodiversidade diferenciada com patrimônio natural e cultural singular e ao mesmo tempo frágil, suscitando políticas públicas e estratégias de desenvolvimento sustentável eficazes. Tais características favoreceram a investigação da temática proposta na presente dissertação. O texto, dividido em cinco capítulos incluindo introdução e conclusão, foi disposto de forma a contemplar os objetivos gerais e específicos contidos na pesquisa, adotando uma sequência lógica que relaciona os principais elementos causadores das crises atuais, os conceitos-chave decorrentes desta visão e a pertinência do tema governança para a promoção de um desenvolvimento sustentável sobre a ótica dos novos paradigmas, conforme modelo apresentado no Anexo 1. O capítulo após a introdução trata da discussão sobre a construção negociada do conceito de desenvolvimento sustentável numa trajetória histórica onde confrontamos a insustentabilidade dos modelos hegemônicos, ainda resistentes, com a emergência das novas teorias e paradigmas, fazendo a conexão de uma proposição de desenvolvimento sustentável coerente com o recorte teórico analisado, com dois elementos fundamentais para a sua concretização: a noção contemporâ- 26 Coleção Novos Mestres nea de território como base analítica de planejamento das ações de desenvolvimento e a evolução dos sistemas de governo como via política para a sua promoção. No capítulo seguinte, também numa perspectiva histórica, passamos a discutir o significado da governança territorial em suas diversas dimensões, analisando as relações entre democracia, governança e desenvolvimento. Com o intuito de clarificar o modelo de governança utilizado como referencial para efeito das análises empíricas, debatemos a ideia de “boa governança”, ou aquela dotada de princípios relativos à gestão social, outro conceito abordado. Finalmente analisamos as políticas voltadas para o desenvolvimento regional e o arcabouço jurídico que apoia e legitima a democracia participativa no Brasil como instrumentos promotores de ameaças e/ou oportunidades à efetivação da “boa governança”. No quarto capítulo descrevemos com maiores detalhes as experiências de governança da Região do Cariri, suas características regionais e principais recortes territoriais, bem como as políticas públicas e as suas respectivas instâncias de governança, introduzindo uma perspectiva analítica do objetivo principal proposto pela dissertação, analisando a participação integrada dos atores nas políticas estudadas bem como identificando as principais dificuldades encontradas nesse propósito. No capítulo seguinte das conclusões, apresentamos as disposições finais do estudo e as proposições de alguns caminhos para a efetivação da governança territorial na promoção do desenvolvimento regional sustentável, tendo como foco central a integração dos atores na gestão das políticas públicas. Descrição do método de pesquisa Com o intuito de confrontar o referencial teórico analisado com evidências empíricas extraídas a partir de um estudo de campo, selecionamos duas propostas de governança em atuação na Região do Cariri, tendo como pré-requisito de escolha três aspectos: a relevância das políticas que originou tais modelos para a Região; a distinção das instâncias de origem; e a finalidade relacionada à promoção do desenvolvimento regional. Inicialmente identificamos na Região várias propostas de governança territoriais relevantes, ocorridas nas últimas duas décadas, dispostas a seguir em ordem cronológica. O Pacto de Cooperação do Ceará, movimento de origem empresarial ocorrido da década de 1990, o Fórum de Turismo e Cultura do Cariri, proposta de origem municipal iniciada em 1997, ainda em funcionamento, o Conselho de Desenvolvimento e Integração Regional do Cariri (CONDIRC) criado pelo governo do estado do Ceará em 2007 para atuar na política de desenvolvimento regional, o Programa de Promoção da Sustentabilidade de Espaços Sub-Regionais (PROMESO), coordenado pelo Ministério da Integração a partir do PNDR em 2007, desativado atualmente, e o Programa Territórios da Cidadania, lançado pelo Governo Federal em 2008, ainda em atividade. Optamos por pesquisar as experiências do Território da Cidadania do Cariri e do CONDIRC, primeiro por atenderem satisfatoriamente aos pré-requisitos dispostos no planejamento, sendo ambas as políticas importantes para a Região com o propósito de promover o desenvolvimento sustentável dentro de uma perspectiva regional, ter uma origem distinta, uma no âmbito federal e outra no estadual, e finalmente por termos um conhecimento acumulado sobre tais experiências, acompanhando a sua história como observador ativo, desde o início das suas atividades. Na pesquisa de campo utilizamos o método da observação empírica inspirada na definição de estudo de caso, cujo propósito é o de estudar características relacionadas a um determinado grupo ou organização social, e por meio delas, tornar-se possível aprimorar o conhecimento a cerca do universo a que pertencem (GIL, 2009), tendo como norte o problema central e a hipótese orientadora. Para garantir a qualidade dos resultados obtidos utilizamos variadas técnicas de coleta qualitativas de dados, adequadas as variáveis estabelecidas, de acordo com os elementos-chave norteadores da dissertação, como a hipótese levantada e os objetivos específicos. A disposição de tais elementos numa matiz de congruência facilitou o planejamento, escolha dos instrumentos de pesquisa e variáveis a serem consideradas, levando-se em consideração a sua coerência com o referencial teórico levantado e as condicionantes empíricas das políticas e território estudados, conforme disposto no Quadro 2. Quadro - Matriz de Congruência entre os Elementos-Chave da Pesquisa. 27 Coleção Novos Mestres Problema: O que é necessário para a governança te Problema: O que é necessário para a governança territorial contribuir efetivamente na promoção do desenvolvimento regional sustentável? Elemento Descrição Referencial TeóInstrumentos de Variáveis rico Pesquisa Hipótese É necessário ABRÚCIO; ARAÚ- Distribuídos nos ob- Distribuídas nos obhaver a partiJO; BOFF; BRESjetivos específicos. jetivos específicos. cipação inteSER-PEREIRA; grada entre BURSZTYN; CHApoder público, CON; DALLAsociedade civil BRIDA; DUTRA; organizada e FRANÇA-FILHO; iniciativa pri- FURTADO; GONvada na gestão ÇALVES; HERdas políticas MET; LATOUCHE; públicas terri- OLIVEIRA; ROtoriais. DRIGUES; SACCHS; SANTOS; SECCHI; SEN; TENÓRIO. Objetivo Verificar a ALBAGLI; CON1) Pesquisa bibliográ- 1) Dimensão territoespecífi- influência dos TI; GIANNELLA; fica; rial das instâncias; co 1 recortes terRAFFESTIN; 2) Pesquisa documen- 2) Relações entre os ritoriais na SANTOS; SOUZA; tal; diversos recortes integração dos SUERTEGARAY; 3) Entrevista semies- atribuídos à Região; atores. ZAOUAL. truturada com insti- 3) Parcerias realizatuições participantes das entre os atores das instâncias; por ocasião da atua4) Questionário para ção regional. as coordenações das instâncias. Objetivo Analisar a CROZIER; ECHE1) Pesquisa bibliográ- 1) Percepção dos específi- percepção dos VERRI; FRIEDfica; atores; co 2 atores sobre a BERG; FOUCAULT. 2) Entrevista semies- 2) Decisões coletivas efetividade da truturada com insti- deliberadas e execugovernança. tuições participantes tadas. das instâncias; 3) Questionário para as coordenações das instâncias. Objetivo Verificar se o BONAVIDES; 1) Pesquisa bibliográ- 1) Dispositivos consespecífi- atual arcabouço CUNHA-JÚNIOR; fica titucionais legitimaco 3 jurídico brasi- FREITAS; PIETRO; dores da democracia leiro legitima VALLE. participativa. a prática da governança. Fonte: Adaptado do modelo do Prof. Dr. Francisco Correia Oliveira 28 Coleção Novos Mestres Portanto, além da pesquisa bibliográfica destacada no referencial teórico, realizamos a pesquisa dos registros mantidos pelas citadas instâncias, a observação simples de uma plenária ocorrida em 2012, e a pesquisa de campo, onde realizamos entrevistas semiestruturadas e individuais junto aos representantes de instituições participantes das instâncias de governança selecionadas e questionários junto às coordenações, totalizando 14 entrevistas e aplicação de 2 questionários. Das 16 abordagens realizadas, 14 foram com participantes do COTECIC do Programa Território da Cidadania que durante o período da pesquisa de campo, entre junho e novembro de 2012 estava em pleno funcionamento e somente 2 com membros da coordenação do CONDIRC ligado ao Governo do estado, pois o referido conselho estava em processo de desativação e membros dispersos. Fomos assim conduzidos a uma análise comparativa dos dados levantados com a ótica das tendências teóricas estudadas, utilizando também como referencial de análise as evidências empíricas adquiridas ao longo de anos de experiência na condução de processos de governança territorial na Região estudada, para que pudéssemos chegar a uma concepção menos genérica e mais realista. Ressaltamos finalmente que os estudos hora realizados não possuem a intensão de se impor como um modelo universal, mas de contribuir para a compreensão da realidade concreta subjacente ao contexto analisado e auxiliar os interessados na construção de novos contextos. Conclusão Levantando elementos teóricos e empíricos envolvidos na questão sobre o que é necessário para a governança territorial contribuir efetivamente na promoção do desenvolvimento regional sustentável, percebemos que os tradicionais sistemas de governo estão distantes dos requisitos necessários para a implementação eficaz do paradigma emergente de desenvolvimento territorial. O mundo complexo que nos apresenta, imprevisível e estruturado em redes interdependentes e não governado por uma racionalidade linear, não comporta mais os sistemas centralizadores, burocráticos, baseados na hierarquia e na setorialidade da ação. O Estado e o mercado enfrentam, portanto, limitações na condução do desenvolvimento equitativo, ampliando os efeitos devastadores dos modelos hegemônicos sobre o meio ambiente e a sociedade. A inclusão de novos atores sociais nos processos decisórios e na constituição de uma nova esfera pública, não é só importante, mas necessária para superação de tais limitações, ampliando o significado da sustentabilidade para as questões da sociedade e do exercício político, e revelando emergentes práticas de governança no setor público. O emergente conceito de desenvolvimento abordado na pesquisa traz como consequência a necessária dotação das gestões públicas de maior capacidade de planejamento e gestão de políticas públicas efetivas, pois a via política e institucional é cada vez mais predominante para o alcance da sustentabilidade. No tocante ao planejamento, faz-se necessário a atualização da noção de território e dos respectivos recortes territoriais, superando a visão puramente político-administrativa predominante nas atuais políticas públicas de desenvolvimento regional, adotadas nas várias instâncias do governo. Na visão contemporânea o território significa o espaço apropriado, variável e dinâmico, definido e delimitado a partir das relações de poder nas suas múltiplas dimensões, devendo ter suas vocações valorizadas e ampliadas a partir do envolvimento dos atores sociais na definição das políticas de desenvolvimento. Nessa perspectiva o território, alvo de políticas públicas, não deve estar subordinado aos limites dos municípios ou Estados. As políticas de regionalização, em evolução no Brasil, gradativamente se esforçam para estabelecer uma funcionalidade entre as escalas local e global, reconhecer e atuar na diminuição das diferenças regionais, a partir da nova leitura de território destacada. No entanto, os resultados identificados e percebidos na pesquisa não revelam grandes avanços nas práticas tradicionais de tomadas de decisão, que continuam sendo predominantemente políticas e de cima para baixo, não repercutindo em maior efetividade das propostas de desenvolvimento sustentável, que pressupõe a integração de esforços entre o poder público, a iniciativa privada e a sociedade civil organizada. Nesta ótica o conceito de governança territorial precisa considerar a definição dos princípios, fins, meios e capacidades que norteiam a sua atuação. Existe, portanto, uma considerável distância entre o quadro teórico ideal de governança territorial e as práticas estudadas, que não apresentaram características suficientes para constituir uma governança de fato. Tais experiências estão mais associadas às correntes teóricas que destacam as dimensões utilitárias da governança, representadas na função administrativa, econômica ou institucional do 29 Coleção Novos Mestres que na proposta de modificação do quadro sócio-político predominante. Não identificamos, portanto, significativo avanço na integração dos atores e esforços que justificasse alguma mudança de paradigma efetiva. No recorte teórico utilizado no estudo a governança territorial empenha-se em promover o envolvimento dos diversos atores locais no processo decisório, com a finalidade de estabelecer os rumos para o desenvolvimento sustentável de um dado território, alcançado por meio da capacidade do conjunto da sociedade encontrar soluções adequadas aos seus problemas. Além disso, pauta-se por uma conduta ética, transparente e promotora dos valores coletivos, inspirados em princípios da gestão social. Assim, a governança projeta-se como uma prática de governo capaz de promover desenvolvimento sustentável, coerente com os princípios e esforços do Estado Democrático de Direito em minimizar as desigualdades regionais, o que não se observa plenamente nas práticas observadas, apesar de reconhecermos os avanços das propostas. Permanecem sérios desafios de ordem cultural, político e operacional a serem superados para a governança territorial contribuir decisivamente para seu propósito. Dentre os desafios de ordem interna e externas identificados na pesquisa, estão à desmotivação dos participantes, as dificuldades operacionais, a dificuldade de empoderamento da governança na gestão pública e as práticas políticas tradicionais. Apesar de haver um relativo reconhecimento sobre os esforços dos governos para instaurar os processos de gestão participativa e governança, os atores locais ainda alimentam uma considerável discrença sobre a efetivação da mesma, enchergando um resultado mais concreto somente no longo prazo, com a continuidade das transformações democráticas. Dos elementos dispostos como desafios, verificamos a consolidação da participação integrada entre poder público, sociedade civil organizada e iniciativa privada na gestão das políticas públicas territoriais, como adequada a questão problematizada na dissertação, tendo em vista a sua centralidade no encadeamento das soluções necessárias para efetivar a contribuição da governança territorial na promoção do desenvolvimento regional sustentável. A participação integrada leva ao empoderamento da sociedade na gestão das políticas públicas desde a sua formulação até o seu controle, favorecendo, por sua vez, a continuidade e promoção das políticas de desenvolvimento regional sustentável e mudança das práticas políticas retrógradas. Nessa lógica de causa e efeito, enquanto não houver de fato a participação integrada, não vislumbraremos sustentabilidade nos processos de desenvolvimento regional na ótica dos novos paradigmas. A pesquisa revela haver uma forte influência dos recortes territoriais na integração dos atores. Sobre este aspecto percebemos que a profusão de recortes estabelecidos pelas diversas políticas públicas setoriais e territoriais contribui para a falta de integração entre os atores que compõe os modelos de governança estudados. Este fato revela uma falha de planejamento das políticas públicas que corrobora para ausência de efetividade das propostas de desenvolvimento. Referidos recortes necessitam de revisão para o estabelecimento de uma visão político-administrativa de efeito integrador, com o propósito de fazer convergir os esforços dos diversos atores e instâncias públicas para territórios estudados e definidos, para além dos recortes político-administrativos tradicionais. Destacada na observação do Território da Cidadania, a percepção dos atores reforça a falta de integração dos esforços tanto no nível governamental como entre os atores, mesmo reconhecendo que este é um processo em construção. Tal aspecto revela a baixa incidência de parcerias institucionais e na falta de integração entre temas ou áreas distintas necessárias para a promoção do desenvolvimento regional, permanecendo o foco restrito nas ações voltadas par o meio rural, insuficientes para transformar a sustentabilidade do território. Analisando a percepção dos atores sobre a efetividade da governança houve uma predominância de visão negativa no Território da Cidadania indicando a frustração dos participantes sobre os resultados alcançados. Por outro lado, apesar da suposta efetividade ter sido satisfeita na visão do CONDIRC, este modelo de governança revelou a fragilidade das instâncias criadas a partir da iniciativa governamental, que ficam subordinadas aos interesses do órgão que o criou. Portanto, as evidências revelam que ambas os modelos de governança estudados enfrentam dificuldades no empoderamento dos atores locais na gestão das políticas públicas, permanecendo a predominância dos modelos “top down” e não contribuindo, como consequência, para a promoção do desenvolvimento sustentável da Região, segundo os preceitos dos novos paradigmas discutidos. 30 Coleção Novos Mestres Sobre o aspecto da operacional, percebemos que as dificuldades alegadas não se apoiam em barreiras de natureza legal, tendo em vista a legitimidade das práticas relacionadas à democracia participativa, amparadas no atual arcabouço jurídico brasileiro. O que prevalece de fato é o interesse político em implementá-las ou não. Por outro lado, a baixa utilização de tais dispositivos constitucionais favoráveis à efetivação da “boa governança” revelam a ineficácia jurídica das normas ou a indisposição dos governantes em cumpri-los, aliados ao despreparo da sociedade civil organizada em cobrar sua efetividade. Considerando o resultado das análises e verificações dos objetivos propostos, concluímos que a participação integrada, ressalvada como necessária à efetivação da governança na promoção do desenvolvimento sustentável, ainda não atingiu um nível de amadurecimento suficiente, mas estamos convencidos de que este é um caminho indispensável para a obtenção dos propósitos da sustentabilidade. Caso não haja uma disposição maior da classe política em construí-lo, cabe a sociedade e aos operadores da lei fazerem valer seu direito à “boa administração”, dentre outros direitos fundamentais. O primeiro passo é reconhecer a importância de tais experiências para a consolidação da cultura de participação dos princípios da democracia participativa assegurados na Constituição Federal e os próximos passos constituem na busca por modelos de participação efetivos e apropriados a cada território distinto, para que se possam auferir avanços mais efetivos na construção da cidadania ativa. Conduzimos a pesquisa numa abordagem interdisciplinar proposta no programa de pósgraduação, relacionando visões diferenciadas de autores das áreas de Administração, Economia, Sociologia, Geografia e Direito. A complexidade do tema adotado revelou uma missão árdua, porém gratificante, pois além de chamar a atenção para um importante assunto da atualidade, possibilitou o exercício da visão sistêmica e holística condizentes com a proposta de desenvolvimento sustentável. Finalmente registramos nossa grata surpresa com a clareza e consciência percebida nos atores entrevistados, sobre o seu papel e o da governança territorial para o desenvolvimento sustentável do Cariri, cuja experiência e lucidez infelizmente não se traduziram em melhores resultados de participação integrada até o momento. No entanto, referida constatação traz um alento de otimismo que nos permite projetar um cenário de amadurecimento das propostas de participação social numa perspectiva de curto a médio prazos, continuada a complementaridade das práticas com as orientações teóricas observadas nos estudos e pesquisas desenvolvidos sobre o tema, bem como com o despertar da sociedade. Referências ABRÚCIO, F. L. Os avanços e os dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. In: BRESSER-PEREIRA, L. C.; SPINK, P. K. Reforma do Estado. 5a. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. ALBAGLI, S. Territorio e territorialidade. 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Introdução O que delimita o espaço urbano e o espaço rural em um município? Só a geografia ou devese levar em consideração outros fatores, como os de origem cultural, social, econômica, filosófica? Seria óbvio ou vazio demais considerar apenas o espaço meramente geográfico para se definir onde termina e onde começa a zona urbana e rural, se esses espaços são construídos com hábitos, costumes, culturas de pessoas que juntas formam grupos, comunidades de identidades semelhantes ou diferentes. Reis (2006) explica que nas primeiras décadas do século XX a sociedade brasileira se configurava como amplamente rural. Em paralelo ao expressivo crescimento da população verificado no país entre os anos 1940 e 1980, observou-se uma inversão da distribuição populacional entre as áreas rurais e urbanas. Nesse sentido, o esvaziamento das áreas rurais, o crescimento desordenado de grandes cidades e a formação de centros metropolitanos são reflexos evidentes que sinalizam um país de um novo tempo. E é justamente esse novo tempo que nos mostra as transformações sociais no comportamento humano, sejam os que moram na zona urbana, sejam os que moram na zona rural. Nessa segmentação não há como olhar especificamente para o lugar de moradia, sem observar o meio e os costumes de seus habitantes. É perceptível ainda, que entre as duas zonas, o comportamento que se reproduz como “moderno” é de quem está na cidade, ficando para quem está no campo a imagem de alguém à margem da modernidade e das facilidades. Para Bertrand et. al.(1973) as definições existentes do que seja rural e urbano, de uma forma geral, são associadas a duas grandes abordagens: a dicotômica e a de continuum. Na primeira, a ênfase recai sobre as diferenças que se estabelecem entre estes dois espaços, sendo o campo pensado como algo que se opõe à cidade. Na segunda, ocorre uma aproximação entre o espaço rural e a realidade urbana. A noção de urbano e rural está relacionada ao grau de artificialização dos ecossistemas, ou seja, à maior ou menor manifestação da pressão antrópica. É preciso levar em consideração diversos fenômenos da globalização como causador de uma inversão de papéis entre urbano e rural, como forma de se pensar o desenvolvimento do país. “Geralmente adota-se a perspectiva de que urbano é o ecossistema ultra-artificializado e rural é aquele intocado. Mas, às vezes, pode ocorrer exatamente o contrário, como é o caso de áreas em que há agricultura intensiva. A agricultura não pode servir como critério de identificação do rural” (VEIGA, 2006, p.31). Segundo Habermeier e Silva (1998, p.11) são mais de 2,3 milhões de agricultores familiares na região Nordeste, o que representa 53% do total do País. Esses produtores estão presentes em 48 Jornalista e Mestre em Desenvolvimento Regional Sustentável (UFC). 49 Orientador do Trabalho. Jornalista e Doutor em Comunicação e Semiótica (PUCSP). Professor Adjunto do Curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (UFC). Membro do Grupo de Pesquisas: Centro de Estudos e Pesquisa em Jornalismo (CNPq). 37 Coleção Novos Mestres 83% das unidades produtivas rurais do Nordeste, mas a agricultura familiar ocupa apenas 31% da área regional, numa extensão aproximada de 28,8 milhões de hectares. No Brasil, (NAF, 2009) de um total de 4.859.864 estabelecimentos rurais (Anexo G), 4.139.369 são familiares, distribuídos por 329.941.393 hectares, o equivalente a 36,75% do território brasileiro (IBGE, 2006). No Brasil, o mapa oficial da urbanização, que separa o rural do urbano, foi publicado no Atlas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2000, adota um critério meramente administrativo e que segundo o autor, não foi contestado desde a década de 30. “Em 1938, Getúlio Vargas assinou um decreto-lei que considera urbanas as sedes dos municípios (que seriam as cidades) e as vilas, não importando sua densidade populacional. Ele destacou que a densidade demográfica talvez seja o principal indicador da maior ou menor pressão antrópica, mas não deve ser o único. Após a proclamação da República, a classificação urbana passa a se relacionar com o conceito de cidade, e cada vila passa a adotar um critério, pois se tornar cidade confere status. Se usarmos o critério analítico, a população urbana do Brasil não chega a 70%. No Brasil, não há no estatuto das cidades, por exemplo, um artigo que defina cidade. Essa lacuna gera confusão entre a classificação adotada pelo governo e a usada em estudos demográficos [...] a superioridade da cidade se deve à diversidade, que é a chave para o dinamismo. Ele também destacou a importância do desenvolvimento científico: “Considerando o papel da inovação e o fato de ela ter lugar na cidade, é natural pensar que a área rural seja subordinada; pensar de outra forma é romantismo”. (VEIGA, 2006, p. 33). A extensão do Brasil, por si só, é um território continental para um país e que, a maior parte das cidades nasceu de origem rural. A região Sul1 do estado abrigava em suas matas nativas diversas tribos de índios, como: Kariri, Aquijiró, Guariú, Xocó, Quipapáu, tanto que a primeira (Kariri) pela sua representatividade e resistência, deu a essa parte do Ceará o nome de região do Cariri. Desde o ano de 2009, quando a Lei Complementar Estadual 78/09 foi aprovada, o Cariri passou então a ser reconhecido como RMC – Região Metropolitana do Cariri, a segunda do Ceará. Composta pelo triângulo Crajubar (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha), e mais seis municípios: Caririaçu e Farias Brito, Nova Olinda, Santana do Cariri, Jardim e Missão Velha. Ao todo são mais de meio milhão de habitantes nessas nove cidades, mas só as três primeiras têm mais de 50 mil cada. E a RMC, não foge à regra de outras regiões brasileiras, quanto à forte presença de comunidades rurais que lutam dia após dia para não abandonar a terra, cedendo espaço para os grandes latifundiários e trocando a vida no campo, a agricultura familiar para endossar o agronegócio capitalista, viver na cidade a procura de trabalho ou de atividades informais que gerem algum tipo de renda, muitas vezes se submetendo a condições de vida subumanas, afinal quem vive nessa região deve ser instruído a conviver com o Semiárido e não combatê-lo. O Nordeste é formado por nove estados, são eles: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. De acordo com o Ministério da Integração Nacional (2005), em todo Nordeste há municípios inseridos no Semiárido, com destaque para Bahia, que vem em primeiro lugar com o maior número de municípios localizados nessa região (265), seguido do Ceará, com 150. A Lei Federal no. 7.827, de 27/09/89 diz que o Semiárido do Nordeste “contempla a região inserida na área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE, com precipitação pluviométrica média anual igual ou inferior a 800 mm, definida em portaria daquela Autarquia”. Como o Ceará tem mais de 80% do seu território localizado numa área de sedimentos, não podendo, portanto, armazenar água no subsolo, a política de açudagem com interligação das bacias poderia ser uma alternativa sustentável, mas nem sempre é possível. As pequenas obras poucas profundas não resistem diante da seca. Esse quadro se agrava com o solo cristalino – que torna a água salgada - e rochoso que reduz a exploração dos aqüíferos subterrados via os poços profundos (...) o polígono da seca define a área geográfica Semiárida, onde o estado do Ceará tem 80% do seu território. (GALVÃO, 2004, p. 3) 38 Coleção Novos Mestres Essas e outras tantas questões sociais, independente de uma abordagem rural ou urbana, podem e devem estar acessível ao homem do campo, para que o mesmo se sinta empoderado6 de conhecimento, de informação sobre o território no qual está inserido e, portanto, considere-se parte dele para se sentir livre e desimpedido de questionar, perguntar, discordar, concordar com o que assiste em um programa de televisão, por exemplo. Afinal, é nos meios de comunicação que a educação encontra sua democratização, a sua popularização, pois suas atividades, suas transformações e conquistas ultrapassam os espaços das discussões (FREIRE, 2000). Assim, Bordenave (2003) defende que a principal utilidade da comunicação é fazer com que as pessoas possam se relacionar entre si, se transformando mutuamente e transformando a realidade que as rodeia. Com base nessas discussões e observações, este trabalho objetiva analisar, subsidiado pela Análise de Conteúdo, de que forma o programa “Nordeste Rural”, veiculado pela emissora TV Verdes Mares, afiliada a Rede Globo no Ceará, retrata o Cariri rural. É percebido ainda, no decorrer da pesquisa, se o referido programa atua no contexto da Região Metropolitana do Cariri como agente de desenvolvimento regional sustentável, principalmente para agricultores da região, e se outras emissoras de TV que cobrem a região se interessam pela temática rural, abrindo espaço para o assunto em sua programação. A obtenção dos dados utilizados para o referido trabalho deu-se de duas formas: visitas e entrevistas junto a produtores rurais de um assentamento da região e aos jornalistas envolvidos na produção, reportagem e edição do “Nordeste Rural”. Num segundo momento foi feita a quantificação das edições do programa durante 3 meses, e a partir daí foram selecionados (quantitativamente e qualitativamente) os programas que tinham pelo menos uma reportagem com a temática “Cariri” para esse estudo. Sobre a audiência do programa escolhido para esse estudo, uma pesquisa contratada pela TV Verdes Mares e realizada pelo IBOPE – Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, em Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha, apontou que entre 31 de maio e 06 de junho de 2012, a audiência do programa Nordeste Rural chegou a 11 pontos8, com a participação de 50%. Isso significa que metade dos televisores ligados no horário estava sintonizada no programa. Cada ponto desse IBOPE corresponde a cerca de mil aparelhos de TV ligados no programa NR, unindo-se à contagem as três maiores cidades da Região Metropolitana do Cariri. Toma-se como dispositivo de análise desses dados, o fato da zona rural do Cariri ser um tema frequente no jornalismo da TV Verdes Mares, afiliada à Rede Globo no Ceará, principalmente no programa Nordeste Rural, mais antigo programa temático rural no ar no Estado. A partir da metodologia de Análise de Conteúdo do Programa Nordeste Rural, em doze edições, percebeu-se a proximidade dos temas veiculados com a realidade local da região. Como se o homem do campo tivesse aberto o seu diário para a produção do programa Nordeste Rural. Nesse período, o Cariri foi um dos temas mais citados no programa NR. Pela observação feita durante a pesquisa, as notícias rurais sobre o Cariri foram fortemente influenciadas pelo caráter de atualidade, já que nesses três meses de catalogação de dados, a questão climática, determina o preparo da terra, o recebimento de sementes, o plantio e outros assuntos. Entretanto, o programa NR correspondeu com a temática do processo de desenvolvimento regional sustentável. O método escolhido para analisar as 12 edições do programa de TV Nordeste Rural, foi o da professora da Universidade de Paris V, Laurence Bardin. Utilizar a AC para observar os textos escritos sobre o universo rural do Cariri para o programa NR exigiu organização, atenção e catalogação criteriosas para que um detalhe não fosse perdido no decorrer do entendimento da mensagem veiculada. A pesquisa procurou texto a texto uma palavra ou frases dentro da reportagem sobre a Região Metropolitana do Cariri, para percebemos como o lugar e seus moradores estavam representados. Com o entendimento de que há “um texto atrás de outro texto”, a AC percorre um caminho árduo por diversas fontes de dados, neste caso as notícias rurais veiculadas no veículo de massa chamado televisão: “A análise de conteúdo é usada quando se quer ir além dos significados, da leitura simples do real. Aplica-se a tudo que é dito em entrevistas ou depoimentos ou escrito em jornais, livros, textos ou panfletos, como também a imagens de filmes, desenhos, pinturas, cartazes, televisão e toda comunicação não verbal: gestos, posturas, comportamentos e outras expressões culturais.” (BARDIN, 1977, p. 42) A semântica da língua não é a única observação que foi feita e levantada por este estudo, 39 Coleção Novos Mestres mas também o contexto, a coerência, o sentido, que um indivíduo conseguiu atribuir às suas mensagens. A Análise de Conteúdo (AC), em suas primeiras utilizações, assemelha-se muito ao processo de categorização e tabulação de respostas a questões abertas. Dois dos principais objetivos da AC são verificar hipóteses e/ou descobrir o que está por trás de cada conteúdo manifesto. Este manifesto pode se dar através de material escrito, falado, mapeado, figurativamente desenhado e/ ou simbolicamente explicitado, que sempre será o ponto de partida para a identificação do conteúdo manifesto, seja ele explícito e/ou latente. A análise e a interpretação dos conteúdos obtidos enquadram-se na condição dos passos (ou processos) a serem seguidos. Efetivamente para se “caminhar neste processo”, a contextualização foi considerada como um dos principais requisitos, e, mesmo, “o pano de fundo” no sentido de garantir a relevância dos resultados. Na fronteira hermenêutica, os métodos são puramente semânticos, ao contrário da lingüística que incorpora os métodos lógicos estéticos que buscam os aspectos formais do autor e do texto. AC proporciona investigação e pode ser feita de diferentes tipos (palavra, tema, personagem, item), nesse caso a AC é utilizada para estudo do conteúdo jornalístico veiculado pela televisão e se utilizou de textos e entrevistas/depoimentos. Então, todas as etapas do processo produtivo do programa NR foram consideradas: a produção da notícia (pensar no assunto, conseguir o local onde a gravação será feita, encontrar pessoas e órgãos que representem de forma real e ilustrada o tema). Na construção do texto da reportagem, aí se dá a captação externa do que foi idealizado na redação pela produção do programa. É verificada se a realidade rural condiz com o roteiro da equipe de reportagem (cinegrafista e repórter), daí captam-se entrevistas e imagens suficientes para compor um roteiro, como de uma história, sobre aquele assunto rural. Por último, esse material bruto chega ao processo de edição, tanto da escolha das imagens, como das falas que narram os acontecimentos sobre o campo. Só depois desses processos é que a reportagem está pronta para ir ao ar. Do outro lado da tela do programa NR existem pessoas dos mais diversos tipos, universos e realidade absorvendo informações do meio rural cearense. O Papel do Comunicador no Espaço Rural A palavra comunicação deriva do latim communicare, que significa “tornar comum”, “partilhar”, “conferenciar”. A comunicação pressupõe, deste modo, que algo passe do individual ao coletivo, embora não se esgote nesta noção, uma vez que é possível a um ser humano comunicar consigo mesmo. Esse papel já vinha sendo desempenhado pelos jornais impressos, mas ainda feitos à base de longos textos corridos. A imagem só apareceu como complemento da notícia por volta de 1880, na Alemanha, quando se passou a produzir revistas ilustradas graficamente com fotografias. Para Bordenave (1997) a comunicação é uma necessidade básica da pessoa humana, do homem social. É tão intrínseca para o ser vivo que a necessidade de se comunicar acontece das formas mais inusitadas e diversas. No estádio de futebol, a comunicação aparece através dos gritos da torcida, das cores da bandeira, nos números das camisetas dos jogadores, nos gestos, apitadas e cartões do juiz e dos bandeirinhas, no placar eletrônico [...] o próprio jogo é um ato de comunicação [...] Na Câmara dos Deputados a comunicação é a essência mesma do seu funcionamento. Tudo nela foi construído e organizado para fornecer um ambiente adequado à comunicação [...] A feira do bairro é um ambiente não estruturado de comunicação, já que sua função básica é a comercialização dos produtos. Entretanto, essa função não poderia ser cumprida sem a comunicação... [...] Na hora de ver a novela as pessoas de “incomunicam” entre si para se comunicar-se com a fantasia [...] A família reunida para ver a novela constituiu um dos microambientes da comunicação, como o são também o papo do escritório, a festinha de aniversário, o casamento, o velório, o piquenique, o mutirão e a missa (Ibidem, p. 15 – 17). Sendo assim, a comunicação se faz necessária independente da área de estudo, das relações humanas, dos ambientes de convívio social. Tanto é que falta criatividade para imaginar uma sociedade sem comunicação, principalmente porque “a comunicação não existe por si mesma, como algo separado da vida social. Sociedade e comunicação é uma coisa só. Não podendo existir sociedade sem comunicação e comunicação sem sociedade [...] Diz-me como é tua comunicação e te direi como é tua sociedade”. (BORDENAVE, 1997, p. 17-18). Por falar em sociedade, há quem 40 Coleção Novos Mestres diga que comunicação está diretamente vinculada aos “meios de comunicação sociais”, neste caso nos referimos a mídia através dor jornais, rádio e TV, um dos veiculo de massa mais abrangente. Por seu poder de transportar as pessoas para outros mundos onde a rotina e o cansaço cedem lugar à aventura e à emoção, a TV já foi chamada de “magia à domicílio”, às vezes esquecemos que os meios de comunicação representam apenas uma parte pequena do que de fato é a comunicação social (Ibidem). O que pouco se questiona em relação à cultura da comunicação e sua influência nas relações sociais é que estamos cada vez mais necessitados de nos comunicar e de saber o que acontece a nossa volta, justamente através desses veículos de comunicação sociais. Tão importante quando comer, beber, andar e respirar é também se comunicar. Martin-Barbero (2008) se diz convencido de que a comunicação deveria apresentar uma teoria sociológica, semiótica ou informacional, porque só a partir dela seria possível demarcar o campo de interesse e precisar as suas especificidades de seus objetos. E esses objetos podem ser demarcados e entendidos como estando nas mais diversas áreas, como: gente das artes, política, arquitetura e antropologia. Foi necessário perder o “objeto” para que encontrássemos o caminho do movimento social na comunicação, a comunicação em processo. Em meio ao processo comunicacional há grupos que formam opinião e que demarcar realidade a serem mostradas, comunicadas a outros grupos. Quando se fala no agricultor, a comunicação rural é fundamental para o desenvolvimento da agropecuária. Em outro momento, Bordenave (1988) explica que “o desenvolvimento rural gira ao redor da comunicação”. Os agricultores necessitam tomar decisões sobre a produção agrícola e buscam na comunicação a orientação necessária. Para Weber e Devéns (2010), hoje, a comunicação rural, especialmente aquela ligada a uma política de extensão rural, tem como foco, além da transferência de tecnologia, as questões de sustentabilidade, administração da propriedade rural, melhoria da qualidade de vida no campo, preservação ambiental, entre outros fatores que também contribuem para a produtividade agrícola, como a convivência com o Semiárido. De acordo com IBGE (2009) existiam mais domicílios com TV (95,7%) do que com rádio (87,0%) e a grande maioria com TV em cores (97,2%) em todo o país. Na zona rural o aparelho está presente em (84,2%). Nota-se que a presença dos meios de comunicação na zona rural, como o rádio e a televisão, são usados principalmente para entreter a comunidade, que geralmente está mais afastada da sede do município. Assim, os agricultores, quando não estão trabalhando na terra, passam a assistir novelas, jogos de futebol, programas de culinária e programas rurais, por causa das idéias apresentadas, dicas, preços dos produtos entre outras informações. No caso das três maiores cidades da RMC, a estatística que representa a presença da TV no município é seguinte: Juazeiro do Norte tem 96,5% das casas com TV, mas 3,53% dos aparelhos estão nas residências da zona rural; Barbalha segue com cobertura de 96,28%, destes 28,58% no campo e no Crato 96,49% das residências têm TV, 14,83% correspondem aos aparelhos com a população da zona rural. Esse crescimento do número de aparelhos de TV ao campo faz-se levar em conta que mais gente da zona rural tem acesso a informação, notícias e costumes mostrados na telinha da vida da cidade. No caso do meio rural caririense constantemente presente no “Nordeste Rural” é motivo de comemoração para quem “se vê na TV”, mas ao mesmo tempo deve ser questionado o que se fala sobre o Cariri e sua população. Essa pesquisa vem referenciar a importância dos meios de comunicação como agente propagador de notícias, mas também como agente de dominação e manipulação. Qual o meio termo para se retratar o Cariri conforme a realidade do homem do campo dessa região para todo o Ceará? Para exercer o papel de comunicador rural é preciso estudo, convivência e afinidade com a temática. Segundo Kunsch (1993), a comunicação rural é muito mais complexa do que se pensa. No decorrer dos últimos anos, provavelmente, esse tipo de jornalismo especializado, não mereceu por parte das escolas de comunicação social a atenção devida. Ela ficou impregnada do extensionismo, do funcionalismo e do difusionismo de inovações, sob forte influência dos paradigmas importados, distanciados, portanto, da realidade Brasileira. Se a preocupação do jornalista estiver meramente no cumprimento técnico da obrigação comunicacional, esse afastamento do território pode distanciá-lo do assunto. Paulo Freire reforça a crítica à importação de modelos prontos, em sua obra “Extensão ou Comunicação”: A educação importada, manifestação da forma de ser de uma cultura alienada, é uma mera superposição à realidade da sociedade importadora. E, porque assim é, esta “edu- 41 Coleção Novos Mestres cação” deixa de ser porque não está sendo em relação dialética com o seu contexto, não tem nenhuma força de transformação da realidade. (FREIRE, 1977, p. 85). Então, o entendimento que se tem é que só será possível haver essa transformação a partir do momento em que o sujeito se coloca como ator, protagonista, de sua própria transformação, de sua realidade. Já em sua última obra em vida, o educador Freire (1997) publica “Pedagogia da Autonomia”, e vem chamar atenção para como os telespectadores absorvem que o é veiculado pela TV. Pensar em televisão ou na mídia em geral nos põe o problema da comunicação [de massa], processo impossível de ser neutro. Na verdade, toda comunicação [de massa] é comunicação de algo, feita de certa maneira em favor ou na defesa, sutil ou explícita, de algum ideal contra algo e contra alguém, nem sempre claramente referido. Daí também o papel apurado que joga a ideologia na comunicação [de massa], ocultando verdades, mas também a própria ideologização do processo comunicativo. Seria uma santa ingenuidade esperar de uma emissora de televisão do grupo do poder dominante que, noticiando uma greve de metalúrgicos, dissesse que seu comentário se funda nos interesses patronais. Pelo contrário, seu discurso se esforça para convencer que sua análise da greve leva em consideração os interesses da nação. Não podemos nos pôr diante de um aparelho de televisão “entregues” ou “disponíveis” ao que vier. (...) A postura crítica e desperta nos momentos necessários não pode faltar. (...) Para enfrentar o ardil ideológico de que se acha envolvida a mensagem [do poder dominante] na mídia (...) nossa mente ou nossa curiosidade teria que funcionar epistemologicamente todo o tempo. E isso não é fácil. (FREIRE, 1997, p. 157-158) Por isso, é um desafio pesquisar a comunicação rural na TV, a veiculação de notícias e informações sobre o campo, já que se pode construir um legado de “telespectadores-agricultores11” educados de conhecimentos complementares àqueles que já têm que foram adquiridos ao longo de toda uma vida dedicada ao trabalho campestre. Levando ainda em consideração que boa parte dessas notícias é pensada, produzida por profissionais da área de comunicação que vivem e trabalham na área urbana. Mais que receber essas informações via programas rurais na TV, os agricultores poderiam ou deveriam participar também do processo de construção da notícia junto à equipe responsável pela produção do programa. Hoje, essa participação se dá de diversas formas: as mais comuns são por telefone ou por e-mail para sugerir assuntos de interesse local, conforme a realidade vivida pela comunidade rural em questão. Nordeste Rural: O Ceará rural na TV A TV Verdes Mares define o programa Nordeste Rural, um dos mais antigos de sua grade de programação, como programa de quem planta e cria. Domingo cedinho, informa tudo que acontece na agropecuária cearense. Reportagens sobre novas tecnologias para enfrentar os caprichos da natureza, doenças e pragas. A cotação dos produtos, a safra e a comercialização. A sabedoria do sertão e as receitas da culinária regional. Abaixo, imagem do Programa NE Rural: 42 Coleção Novos Mestres Fonte: Sistema Verdes Mares de Comunicação. De acordo com o depoimento da editora do NR, Susy Costa15, concedido em 21 de junho de 2012, entre os vídeos que são disponibilizados pelo site do programa NR, as reportagens que mostrar a culinária regional com dicas e receitas são material mais procurado no portal de notícias g1.com.br/ce. A primeira edição do NR foi ao ar em 1987, de lá pra cá se vão 25 anos de notícias rurais. Até meados de 2009 a TV Verdes Mares recebia matéria rurais de outras afiliadas da Rede Globo no Nordeste, até pelo próprio nome do programa. Mas com a ideia de regionalizar a notícia e em virtude do número significativo de produções locais pelo estado, com a sucursal em Sobral, na região Norte, e a implantação da TV Verdes Mares no Cariri, a empresa não viu mais necessidade de exibir matérias de outros estados, que mostram realidades diferentes para o homem do campo que vive no Ceará. Ainda segundo Susy Costa (2012), “as principais mudanças no NR aconteceram em relação ao estúdio (lugar onde é gravado o programa de TV), vinheta (aquela música de abertura onde aparecem imagens do campo) e às apresentadoras, que sempre foram mulheres desde o início”. Logo abaixo, imagem do Programa NE Rural: 43 Coleção Novos Mestres Fonte: Sistema Verdes Mares. A atual apresentadora, Sabrina Aguiar, é também repórter em Fortaleza, também colabora com a produção de algumas matérias e foi entrevistada nessa pesquisa, assim como a repórter Letícia Amaral e o chefe da redação de Fortaleza Paulo Nóbrega. Sobre a participação dos agricultores na escolha dos temas, está claro que ainda acontece de forma superficial. Segundo os próprios jornalistas do programa, a emissora só oferece duas formas de participação: ou os agricultores entram em contato com a produção do programa NR (por carta ou telefone), ou a emissora chega até eles através de um tema específico ou indicação de escritórios da EMATERCE, por exemplo. Conforme a pesquisa realizada, hoje a equipe do Nordeste Rural é mista, não há um grupo específico que trabalhe exclusivamente para a produção desse telejornal temático. Um editorchefe (edita e produz), dois editores de imagens e um produtor (estagiário). O telejornal passa pelos dois chefes de reportagem, pela chefia de produção e pelo diretor de jornalismo antes de ir ao ar semanalmente. Todos os repórteres do corpo de reportagem da empresa (capital, sucursal de Sobral e TV Verdes Mares Cariri) também fazem matérias para o NR. Análise de Conteúdo do programa Nordeste Rural Para analisar o conteúdo do programa “Nordeste Rural” (NR), exibido semanalmente aos domingos pela manhã pela TV Verdes Mares para todo o Ceará, foi necessário o acompanhamento integral das 12 edições durante janeiro, fevereiro e março de 2012. Dentre as informações que se fazem necessárias a esse trabalho de pesquisa, ficam em destaque: apenas reportagens que citaram a região do Cariri cearense, o dia de exibição, o assunto da reportagem veiculada de forma abreviada (a retranca30 do VT, termo jornalístico), o local de gravação (município), o nome do repórter e o tempo final da matéria (após edição). O tempo de duração das matérias exibidas no programa NR varia de um a cinco minutos, vai depender dos critérios que a editora usa31, como: o assunto do momento, a qualidade da matéria, relevância do tema e a concorrência com os demais assuntos da semana32. Para White (1993), os critérios jornalísticos usados para decidir o que vai ou não ser notícia estão baseados no próprio conjunto de experiências, atitudes e expectativas do jornalista que ocupa a “chave do portão”: o editor. Paternostro (2006) explica em sua obra “Texto na TV”, que editar é uma arte e para lapidar uma notícia em tv é preciso considerar imagem, informação e emoção. O tempo certo vai depender do interesse jornalístico que do assunto e da força das imagens. O ritmo e estilo de cada telejornal também influenciam a edição de uma matéria. “A notícia é uma forma de ver, perceber e conceber a realidade. É um autêntico sintoma social e a análise da produção lança muitas pistas sobre o mundo que nos cerca” (FONTCUBERTA, 1993). Durante esses três meses foi percebido que sobre o Cariri, das 12 reportagens exibidas, sete ficaram com mais de 2 minutos, e as demais com tempos diferenciados que variaram entre 1 minuto e 22 segundos (a menor reportagem sobre o Cariri sobre colheita de pitomba, fruta nativa) e até 4 minutos e 8 segundos (reportagem sobre colheita da manga, fruta típica, seguida de uma receita educativa para aproveitar melhor a fruta e evitar o desperdício). No “Manual de Telejornalismo”, Barbeiro (2002) explica que o tempo da reportagem é determinado pela importância do assunto e a força das imagens. Daí, a palavra final do que vai ou não ao ar é do editor, no caso do programa NR, em estudo, da editora Susy Costa. Durante os 12 programas, apenas o do dia 22 de janeiro de 2012 não exibiu nenhuma reportagem sobre o Cariri. Por outro lado percebemos que no dia 5 de fevereiro 44 Coleção Novos Mestres foram exibidas duas matérias, uma sobre sementes, em Nova Olinda e outra sobre a paralisação das Obras da Transposição do Rio São Francisco, em Mauriti, ambas conduzidas pelo mesmo repórter. Por sinal, o repórter Franzé Sousa é o profissional do Cariri que mais aparece durante as 12 edições NR, com 10 reportagens. O que demonstra o interesse do profissional por esse tipo de assunto: jornalismo rural; quase todas as reportagens, no caso desse repórter, foram produzidas por ele mesmo e oferecidas diretamente para a direção do NR, em Fortaleza. Outro fator que contribui para essa desenvoltura do profissional nesse tipo de cobertura, é que o mesmo, quando criança nasceu e foi criado na zona rural, ou seja, há uma forte identificação e facilidade dele em lidar com os costumes, linguagem e produção agrícola: há conhecimento e domínio do assunto. Considerações Finais A Análise de Conteúdo das 12 reportagens, veiculadas em três meses pelo Nordeste Rural, serviu pra demonstrar o distanciamento entre os assuntos do programa do que realmente os agricultores gostariam de assistir e que seria melhor absorvido pelos telespectadores rurais. Considerando que entre os assuntos que aparecem no NR há aqueles que são preferência entre o homem do campo do Cariri, como: plantio de grãos, hortaliças e criação de gado. Essa realidade do distanciamento entre o profissional da comunicação e os motivos que o levam a desempenhar tal função, existe porque profissionalmente contratado para o trabalho, o jornalista nem sempre se lembra do compromisso que assumiu com a sociedade, e muitas vezes, desempenha sua atividade muito mais como “cumprimento de ordem de serviço”, do que mesmo de forma sensata de crítica com a realidade onde ele está inserido. É como se os produtores, repórteres e editores do programa NR desenvolvessem o trabalho de forma mecânica, sem questionamento do que estão fazendo ou se daquela forma que estão mostrando o assunto é o caminho mais viável para massificar o assunto com o público-alvo do NR que vive no Cariri. Logo, percebemos que a TV, como meio de comunicação, desempenha muitos papeis para os dois grupos pesquisados, ora ela é objeto de trabalho, ora ela é meio de divulgação, de informação e de entretenimento, sendo ainda a forma mais rápida e acessível de chegar a maior parte dos brasileiros, estejam eles na zona urbana ou na zona rural, de acordo com o percentual apresentado pelo IBGE sobre os domicílios com TV no país. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BERTRAND, Alvin L. et al. Sociologia Rural: uma análise da vida rural contemporânea. São Paulo: Atlas, 1973. BORDENAVE, J.D. O que é comunicação rural? São Paulo: Brasiliense, 1983. BORDENAVE, J.D. 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Para realização desta dissertação foi utilizado o método de pesquisa qualitativa, com aplicação de entrevista, participação nas assembleias territoriais e a realização de um grupo focal. O trabalho traz uma contextualização histórica do surgimento dos programas voltados para o meio rural a partir do momento que o rural deixou de ser só uma visão do lugar de produção, até chegar ao programa Territórios da Cidadania. A pesquisa possibilitou a visualização de alguns pontos que dificultam a participação social, como também aponta possíveis soluções para esses entraves. Palavras-Chave: Desenvolvimento, sustentabilidade e territorialização. Introdução A pesquisa em foco retrata os aspectos gerais, características e finalidades do Programa Territórios da Cidadania, tendo como foco de análise principal a realidade teórico-prática desse programa no que se refere ao caso específico do Território da Cidadania do Cariri. A participação social se constituiu em premissa fundamental de análise do COTECIC, visando observar o enquadramento da mesma nas perspectivas relativas ao programa nacional. Como representante de uma ONG, passei a ser uma das integrantes do colegiado território do Cariri, posteriormente do núcleo dirigente, chegando a ocupar uma vaga na rede estadual e na rede nacional dos territórios. Grande parte das vivências, observações e considerações acerca do COTECIC advém da minha participação. O Programa Territórios da Cidadania – PTC é conhecido no debate corrente sobre desenvolvimento territorial e se destaca a nível nacional e internacional por algumas características consideradas inovadoras com respeito à tradição das políticas de desenvolvimento. O Programa Territórios da Cidadania tem dentro dos seus objetivos o propósito de levar o desenvolvimento econômico e universalizar os programas básicos de cidadania, utilizando para isso, a estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. Para a edificação dessa estratégia é essencial à participação social e a conexão entre as ações do Governo Federal, Estadual e Municipal. Após a constituição de 1988 ficou estabelecida uma estrutura jurídica que permitiu a concretização do regime democrático no Brasil. Como consequência do conflituoso processo de mobilizações sociais e políticas que marcaram os anos de 1970 e 1980, um conjunto de direitos sociais foi ali estabelecido. A partir da nova constituição, houve a institucionalização dos conselhos na maioria das políticas sociais no país. Surgindo nesse momento uma nova forma de demonstração dos interesses sociais e de representação das demandas e atores junto ao Estado. No ano de 2008 foi criado o Território Rural do Cariri e em 2009 ele foi homologado como Território da Cidadania do Cariri. A respeito dessa transição, ocorrida em um curto período de tempo, é válido ressaltar que as pessoas ainda estavam descobrindo o que era o Programa Território Rural do Cariri, enquanto o mesmo já passava a ser reconhecido como Território da Cidadania do Cariri. Porém um dos pré-requisitos para a criação dos Territórios da Cidadania era o território já ser reconhecido como Território Rural. A justificativa para essa mudança do Programa Território Rural para Territórios da Cidadania foi à quantidade de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza dentro do território. Esse processo de transição aconteceu muito rápido a ponto de passar despercebido por muitas pessoas. Fato que não possibilitou a compreensão dos componentes do programa sobre as reais finalidades do mesmo. 47 Coleção Novos Mestres Com o objetivo de fazer o programa avançar, o articulador territorial em conjunto com o articulador estadual ambos apoiados pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial, começaram a realizar assembleias para divulgação do Programa, chamando para participar pessoas que representavam instituições governamentais e não governamentais, representantes de grupo de jovens, mulheres, quilombolas, afrodescendentes, etc. Enfim, todos os movimentos que desenvolviam algum trabalho social na região, e que poderiam, posteriormente, formar o Colegiado do Território do Cariri – COTECIC. Depois de dois anos de execução do programa, tornaram-se visíveis alguns pontos que limitavam a participação dentro do Colegiado Territorial do Cariri, como a falta de conhecimento sobre o programa, a distância entre os municípios, entre outras que trataremos ao longo do trabalho. Essa premissa constitui-se no ponto de partida que culminou com a proposta para realização desta pesquisa de mestrado. A inquietação para o desenvolvimento desta pesquisa foi gerada pela observação da distância entre os princípios anunciados pelo Programa Territórios da Cidadania - PTC e as práticas observadas ao se implementar o mesmo programa num território especifico, nomeadamente, o Território da Cidadania do Cariri – TCC no Ceará. O Programa nasceu na expectativa de contribuir para o desenvolvimento regional, e o Mestrado em Desenvolvimento Regional Sustentável visa fomentar e consolidar pesquisas de caráter interdisciplinar sobre temas relativos aos processos de desenvolvimento de uma região. Desta maneira, a pesquisa sobre o processo de participação da sociedade no programa Territórios da Cidadania, em particular no Território do Cariri, visou desenvolver uma pesquisa para identificar e analisar as razões de ineficácia de um Programa que suscitou inicialmente muitas expectativas de inovação e melhoras. Dessa maneira, o presente estudo surgiu a partir do questionamento entre o plano teórico e o distanciamento prático do processo de participação social no âmbito do Território da Cidadania do Cariri. A hipótese inicial desta pesquisa é que, historicamente, a região de abrangência do estudo não possui uma cultura de participação, advinda especialmente do sistema de coronelismo que, historicamente, apresentou grande influência nessa região. Fato que culminou com a ausência de exemplos exitosos de participação popular. O Colegiado Territorial da Cidadania do Cariri – COTECIC é o objeto de estudo desta pesquisa e é composto por diversos atores, organizações sociais e políticas, a saber: movimentos social-sindical e popular, fóruns temáticos ou de representação, ONGs, conselhos setoriais e municipais, comitês de mulheres e juventude e redes sociais de cooperação, entre outros. A partir da minha participação no COTECIC, em especial no núcleo dirigente, como representante da sociedade civil pela ONG Flor do Piqui, fiz várias observações, entre elas a observação das modalidades de participação e a rotatividade das pessoas nas plenárias territoriais, que me levaram a reflexão sobre o significado da participação da sociedade diante do que é proposto pela teoria e pelos princípios norteadores do programa. O histórico da região, com relação ao desenvolvimento de políticas públicas, nos leva ao difícil questionamento sobre a compatibilidade entre uma cultura de participação e a cultura política consolidada na sociedade observada. As heranças da política coronelista e autoritária não são fáceis de serem ultrapassadas. Conforme o debate corrente, a participação deveria ser um instrumento de fortalecimento das comunidades, pois o processo participativo transforma as pessoas em protagonistas, ao invés de meras espectadoras dos processos de desenvolvimento. Seguindo por essa linha de raciocínio, este trabalho teve como objetivo geral identificar os motivos que dificultam a concretização da participação social dentro do Território do Cariri. Além de reconhecer os obstáculos, o trabalho também buscou construir junto ao colegiado territorial, uma reflexão sobre a importância da participação social para o funcionamento do programa e algumas possíveis tentativas para melhorálo. O intuito não foi o de apontar os erros cometidos durante o seu tempo de existência50, mas identificar caminhos que levem a melhorar o processo participativo para contribuirmos de forma mais direta com o desenvolvimento regional. Para realização da pesquisa foi escolhido o método qualitativo com aplicação de entrevistas juntos aos membros do Colegiado Territorial do Cariri COTECIC, realização de um grupo focal com o núcleo dirigente e a participação em assembleias territoriais e micro-territoriais. A pesquisa foi desenvolvida no Território da Cidadania do Cariri, como podemos observar na figura 01, o território está localizado no extremo sul do Estado do Ceará aproximadamente 560 km da capital Fortaleza, ele faz fronteira com os Estados de Pernambuco, Paraíba e Piauí, juntos formam a mesorregião do Araripe. A sua localização facilita o deslocamento humano no semiárido. 50 Período considerado para realização da pesquisa. 48 Coleção Novos Mestres Por ser equidistantes da maioria das capitais nordestinas e se destacar como um “oásis” no meio do sertão, constitui-se como “bacia cultural”, passagem ou destino de diversas etnias e culturas. Essas características mostram o Cariri como um território diferenciado, com características que confirmam dicotomias e movimentos de conexões existentes entre o local e o global, o tradicional e o inovador (GIANNELLA & CALLOU, 2011). Esta pesquisa é do tipo qualitativa, conforme Maanen (1979) apud Neves (1996), a expressão “pesquisa qualitativa” assume diferentes significados no campo das ciências sociais, compreendendo um conjunto de diferentes técnicas interpretativas que visam a descrever e decodificar os componentes de um sistema complexo de significados. Tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos no mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação. Para Godoy (1995), algumas características básicas identificam os estudos denominados qualitativos. Segundo esta perspectiva, um fenômeno pode ser melhor compreendido no contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado em uma perspectiva integrada. Para tanto, o pesquisador vai a campo buscando captar o fenômeno em estudo a partir da perspectiva das pessoas nele envolvidas, considerando todos os pontos de vista relevantes. Vários tipos de dados são coletados e analisados para que se entenda a dinâmica do fenômeno. De acordo com os objetivos, a pesquisa se classifica como exploratória. Segundo Gil (2002), esse tipo de pesquisa tem o objetivo de proporcionar maior familiaridade com o problema, com o objetivo de torna-lo mais explícito. Seu planejamento é bastante flexível e, na maioria dos casos são feitos: levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que fazem parte do contexto e análise de exemplos ocorridos que ajudam a compreensão. De acordo com o delineamento da pesquisa os instrumentos escolhidos para concretização da mesma foram: Pesquisa Bibliográfica – Desenvolvida com base em material já publicado, como os livros, artigos científicos, etc. Pesquisa Documental – Parecida com a pesquisa Bibliográfica, a diferença está na natureza da fonte, pois os documentos utilizados ainda não receberam um tratamento de cunho científico. Estudo de caso - É considerado como o delineamento mais adequado para a investigação de um fenômeno dentro de seu contexto real. Para obtenção dos dados apresentados foram realizadas: entrevistas com alguns membros do Colegiado Territorial do Cariri - COTECIC; participação nas plenárias territoriais e micro-territoriais; participação nas reuniões do Núcleo Dirigente e a realização de um grupo focal com o núcleo dirigente, tudo isso, associados à revisão bibliográfica. A entrevista é uma “técnica de coleta de informações sobre um determinado assunto, diretamente solicitadas aos sujeitos pesquisados” (Severino, 2007). O roteiro de entrevista (Apêndice A) utilizado na pesquisa pautava alguns pontos chaves, como o processo de participação, o conhecimento sobre o programa e o recorte territorial. Para extrair as informações contidas nas entrevistas foi adotado o método de análise de conteúdo, que Severino define como sendo: Uma metodologia de tratamento e análise de informações constantes de um documento, sob forma de discursos pronunciados em diferentes linguagens: escritos, orais, imagens, gestos. Um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Trata-se de se compreender criticamente o sentido manifesto ou oculto das comunicações (SEVERINO, 2007, p. 121). As entrevistas foram realizadas no período de 11 de junho a 28 de agosto de 2012, algumas foram aplicadas na plenária territorial realizada nos dias 11 e 12 de Junho de 2012 e outras nas sedes das instituições selecionadas. Para aplicação das entrevistas foram escolhidas instituições que compõem o COTECIC. Os critérios de escolha foram os seguintes: • Instituições que compõem o núcleo dirigente; • Instituições que abrangem mais de um município pelos seus trabalhos; • Instituições que tenham participação frequente nas reuniões do colegiado; • Instituições que venham unificar as amostras para que todo o território fosse contemplado. Ao todo foram realizadas 16 entrevistas, sendo uma com o articular estadual, e as demais estão divididas entre o poder público e a sociedade civil. 49 Coleção Novos Mestres O Grupo Focal é uma fonte de informações acerca de um acontecimento, seja pela probabilidade de provocar novas visões ou pela apreciação e problematização de uma ideia em profundidade. O grupo focal possui objetivos comuns que são abordados na intenção de sensibilizar os participantes para agir na transformação da realidade de modo criativo e crítico. O grupo focal instiga o debate entre os participantes, possibilitando que os temas abordados sejam mais problematizados do que em uma entrevista individual (BACKES, 2011). No dia 15 de fevereiro de 2012 foi realizado um Grupo Focal (anexo G) com os integrantes do núcleo dirigente do território do Cariri, com o propósito de criar uma oportunidade de reflexão junto ao mesmo, quanto à situação da participação no Programa Territórios da Cidadania - PTC no Cariri. Levando em consideração a filosofia que norteia o PTC, levamos para reflexões questões do tipo: • A participação tem evoluído ao longo do tempo, dedes o começo do programa até o presente momento? • O que mobiliza mais os atores dentro do PTC? • Vocês acham satisfatória a participação dentro do PTC? • Que ações poderiam ser realizadas para incentivar e melhorar a qualidade desta participação? O grupo focal teve como facilitadora a Professora Valéria Giannella, que utilizou-se de Metodologias Integrativas51 para conduzir os trabalhos dentro do grupo. A pesquisa bibliográfica contemplou temas como: gestão social, territórios, institucionalidades, desenvolvimento sustentável, participação e politicas públicas. Também foram levadas em consideração as experiências vivenciada pelo núcleo dirigente e pelo colegiado territorial nas plenárias territoriais e nas plenárias micro-territorias durante o período da pesquisa. Voltando-se para ética na pesquisa, serão observados os aspectos como privacidade, confidencialidade, segurança, consciência de que a pesquisa pode ser intrusiva. Entretanto, esta não deverá proporcionar prejuízos ao contexto pesquisado, o cuidado em não se alterar a rotina do contexto como forma de garantir o respeito do entrevistado e que a influencia do entrevistador seja, na medida do possível, minimizada, bem como a integridade da pesquisa e equidade como todos os interessados. Todos os entrevistados tinham conhecimento da pesquisa e do seu objetivo, eles também eram informados que a sua identidade não seria citada no trabalho, podendo ficar livre para expor sua opinião. Com o resultado desta pesquisa, a sociedade vai ter ao seu alcance um instrumento norteador dos motivos que inviabilizam a participação social no Território do Cariri, o que proporcionará a oportunidade de fazer reflexões sobre como superar tais dificuldades. A proposta de contribuir para que a participação social se concretize dentro do Território do Cariri foi o que conduziu esta pesquisa que agora apresenta seus resultados. Figura 01 – Localização do Território do Cariri 51 Metodologias Integrativas é a reintegração de razão com emoção, de ciência com arte, análise e intuição, corpo e mente, natureza e cultura (PAIDEIA, 2012). 50 Coleção Novos Mestres Fonte: IPECE (2009), adaptado por Josefa Cicera Martins Alves A Insurgência da Participação Social Nos Programas e Políticas Públicas: Razões e Entraves A “participação” é uma categoria usada constantemente em diferentes contextos da sociedade contemporânea e empregada nas mais diversas acepções. Contudo, está carregada de um alto componente político, pois, em algumas ocasiões, a participação é incentivada e, em outras, é vetada (SAYAGO, 2000 p. 40). Para uma melhor exposição do tema, neste capítulo trataremos de alguns conceitos, como: participação, gestão social e políticas públicas. Recorreremos um pouco à história, em busca de identificar o momento em que a ideia da participação começou a ser considerado um componente necessário às políticas públicas no Brasil. Concluiremos falando sobre os tipos de participação, a sua importância para o sucesso dessas políticas e as dificuldades encontradas pela sociedade para sair de uma situação de “Sociedade Imergente” (caracterizada pela sua dependência, centralização e sem abertura para participação), para uma “Sociedade Emergente” (marcada pela sua autonomia, descentralização e por ter abertura às participações) (SAYAGO, 2000). Até o início do processo de democratização, o Brasil foi considerado um país com baixa aptidão associativa, esse acontecimento está correlacionado com as formas verticais de coordenação da sociedade política. A literatura a respeito da sociedade brasileira tem mais informações sobre o clientelismo, mandonismos do que sobre associativismo (AVRITZER, 2007). A participação se concretiza quando permite que os sujeitos, independentes de sua raça, inserção ou classe social, façam parte das decisões que lhes dizem respeito, seja nos aspectos políticos, sociais, cultuais ou econômicos. Para Teixeira a participação significa “fazer parte, tomar parte, ser parte de um ato ou processo, de uma atividade pública, de ações coletivas” (TEIXEIRA, 1997. p. 187). Tentando traçar um quadro geral, podemos dizer que, por conta do grave déficit de con- 51 Coleção Novos Mestres senso que os governos democráticos começam a sofrer a partir dos anos 70 e, com mais força ainda, nas décadas seguintes, a participação começa a ser considerada uma estratégia necessária à efetividade do governar, quase uma panaceia. Seria a solução para a crise de legitimidade e de governabilidade que afetou os governos do mundo inteiro (com todas as óbvias especificidades), além do dispositivo capaz de trazer resultados mais eficazes para os projetos financiados pelas entidades de fomento ao desenvolvimento. Nogueira faz uma reflexão a respeito da complexidade da participação: Refletindo sua própria complexidade, a participação expandiu-se, no campo da gestão pública, tanto por pressão de grupos e de indivíduos quanto por iniciativa dos governos: tornou-se, ao mesmo tempo, uma demanda social e uma resposta governamental (NOGUEIRA, 2011, p.133). Mais adiante aprofundaremos as discussões relativas ao tema participação, esta parte da pesquisa é somente um adiantamento por conta da emergência de discorrer sobre esse conceito chave para as políticas públicas contemporâneas. • Gestão Social O termo “gestores sociais” provém do termo “gestão social”, sendo que, de acordo com Carrion & Callou (2008), este refere-se a uma gestão centrada no processo de desenvolvimento com proteção da vida, preservação do meio ambiente, atendimento das necessidades e desenvolvimento das potencialidades humanas. Neste processo o Estado, sem perder a centralidade, deixa de ter o monopólio do poder para – juntamente com a Sociedade Civil – planejar, traçar diretrizes e tomar decisões capazes de potencializar as riquezas em sentido amplo, do local. “A gestão social tem se afirmado na prática mesmo sem ter se gerado um consenso sobre o que representa” (PINHO, 2010, p. 22). Entretanto, “o termo social é muito convencional, indefinido e carregado de ambiguidades e pode ser aproveitado oportunisticamente.” (PINHO, 2010, p. 25). De acordo com Oliveira (2011), a gestão social é um modo de gerir assuntos públicos, baseada na participação, fluidez de informações, e na busca de estabelecer formas de articulação social entre os diversos agentes locais, públicos e privados, de forma a compartilhar o poder e as responsabilidades com todos. A gestão social obedece ao modo de gestão própria, agindo num ciclo que não é proveniente do modelo do mercado e nem do Estado, embora estas organizações tenham relações com instituições privadas e públicas, por meio de parcerias para execução dos projetos (FRANÇA FILHO, 2008). “Na gestão social, espera-se que, tanto os objetivos e resultados, quanto os meios para atingi-los sejam definidos coletivamente” (Shommer & França Filho, 2008). A gestão social não pode obedecer a uma organização hierárquica, militar, com regras e ordens rígidas impostas de cima para baixo. A ideia de gestão social aproxima os temas da participação e democracia da questão da reforma do Estado e da ampliação da noção de espaço público. Nasceram assim ao longo da última década, vários elementos, órgãos e projetos ligados à noção de gestão social, tais como conselhos, fóruns, câmaras setoriais, orçamento participativo, etc. • Políticas Públicas No século XX surgiu uma nova função para o Estado, a de promover o bem-estar social, essa função demandou do Estado uma atuação diferenciada e ligada mais diretamente aos problemas cotidianos da sociedade, para dar respostas às demandas da sociedade surgem nesse contexto às políticas públicas (Tude, s.d). Uma política pública normalmente engloba várias decisões e demanda múltiplas ações estrategicamente selecionadas, e entrelaçadas, para implementar as decisões tomadas. Embora as politicas públicas demandem uma decisão política, nem toda decisão politica se classifica como política pública (RUA, 1998). Conforme Heidemann (2009), as políticas públicas englobam tudo o que diz respeito à vida coletiva das pessoas em sociedade e em suas organizações. Arte de governar e realizar o bem público. Ações práticas, diretrizes políticas, fundadas em leis e empreendidas como funções de Estado por um governo, para resolver questões gerais e específicas da sociedade. Para Tude: 52 Coleção Novos Mestres Políticas Públicas, tradicionalmente, compreendem o conjunto das decisões e ações propostas geralmente por um ente estatal, em uma determinada área: (saúde, educação, transportes, reforma agrária etc.), de maneira discricionária ou pela combinação de esforços com determinada comunidade ou setores da sociedade civil (TUDE, s.d, p.02). Segundo Silva (2000), podemos definir políticas públicas como sendo a resposta para um processo demorado que envolve confrontos, negociações e interesses divergentes entre várias instâncias. Quanto maior o número de atores sociais ou institucionais envolvidos no curso político, mas amplo ele será, o resultado das relações estabelecidas entre eles é o que chamamos de política pública. A política pública pode prever regras e procedimento que impedem ou facilitam o acesso de atores interessados pelo problema e dispostos a colaborar com o curso de ação. Assim é possível abrir ou fechar, em vários níveis, o acesso dos atores aos espaços de decisão e ação conjunta. Teixeira (2002) aponta as políticas públicas como sendo princípios norteadores de ação do poder público; normas e procedimentos para as relações que envolvem o poder público e sociedade, intervenções entre atores da sociedade e do Estado. Sendo esse o caso de políticas formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamento) que norteiam ações que envolvem aplicações de recursos públicos. As políticas públicas visam responder as demandas, principalmente dos setores marginalizados da sociedade, considerados como vulneráveis. Essas demandas são interpretadas por aqueles que ocupam o poder, mas influenciadas por uma agenda que se cria na sociedade civil através da pressão e mobilização social (TEIXEIRA, 2002, p.3). Conscientes de que a formulação de políticas públicas é influenciada pelas demandas da sociedade civil por meio de pressão e mobilização social, podemos afirmar que um colegiado territorial ativo pode influenciar nas formulações de políticas públicas para seu território. O Surgimento da Gestão Social e Participativa no Brasil A história da formação política e social do Brasil está marcada por rupturas da ordem institucional sobre diversos aspectos, como o advento do Estado Novo e a ditadura militar. Políticas clientelistas e patrimonialistas, arraigadas à cultura nacional, ainda constituem um grande desafio a ser superado na defesa dos direitos de cidadania da grande maioria da população. Nesse contexto, práticas autoritárias e espoliativas ainda povoam o Estado de Direito Democrático, amparadas por um sistema político-partidário que privilegia os chamados grupos dominantes da sociedade brasileira. Para esses grupos, detentores do poder de decisão, pode-se transigir com quaisquer valores ou crenças, menos com a preservação da ordem social fundada na desigualdade. Tais grupos disfarçam suas verdadeiras intenções atrás de discursos atualizados. Na década de 70 e 80, as necessidades da população eram gerenciadas exclusivamente pelo Estado. O governo identificava as demandas da população, criava as políticas públicas e as executava. Essa atitude do governo militar estava relacionada à noção que os governantes possuíam acerca das políticas de desenvolvimento. Conforme Mattei (2010), na década de 1980 a descentralização política no Brasil era somente uma luta por poder, onde as preocupações dos governantes se davam em saber como eles poderiam arrecadar mais recursos. Com a publicação da Constituição de 1988, o Brasil vivenciou uma descentralização das ações governamentais, expandindo o acesso aos recursos públicos, democratizando suas próprias políticas e visando a redução de custos. Esse acontecimento contribuiu para o fortalecimento dos atores sociais. A descentralização derivou de um movimento complexo, assim como a própria participação da sociedade civil, e foi por um lado usada para o Estado se livrar de uma parte das ações que custavam demais, e por outro como conquista de uma sociedade que exigia mais protagonismo. Uma questão que se coloca nesse debate é como essa categoria foi incorporada aos diversos projetos políticos, que Dagnino (2004) chama de “confluência perversa”, assim denominada pelo encontro entre os projetos democratizantes que se constituíram no período da resistência contra os regimes autoritários, e os projetos neoliberais que se instalaram com diferentes ritmos e cronologias a partir do final dos anos 1980. Mattei (2010) destaca que dois fatores foram importantes para a descentralização das ações governamentais e ampliação do acesso aos recursos públicos. O primeiro foi à crise do Estado 53 Coleção Novos Mestres Nacional e sua incapacidade administrativa que deu origem à chamada “Reforma do Estado”, o segundo diz respeito as reivindicações dos movimentos sociais organizados, que pediam pela descentralização e cobravam assentos nos espaços de debates onde eles teriam influencia nas decisões sobre os rumos das políticas públicas e as ações governamentais. Na visão de Nogueira (2011), o discurso reformista privilegiou a importância da sociedade civil no contexto e na dinâmica da reforma do Estado. “Assim concebida, a sociedade civil conteria um incontornável vetor antiestatal: seria um espaço diferente do Estado, não necessariamente hostil a ele, mas seguramente “estranho” a ele, um ambiente imune a regulações ou a parâmetros institucionais públicos – um lugar, em suma, dependente bem mais de iniciativas, empreendedorismo, disposição cívica e “ética” do que de perspectiva política, organização política e vínculos estatais” (NOGUEIRA, 2011, p. 63). O reformismo incorporou quatro ideias inerentes ao discurso democrático: descentralização, participação, cidadania e sociedade civil. Sua lógica argumentativa era: menos Estado, mais democracia, menos burocracia e mais iniciativa, exigindo uma abertura para a sociedade. A sociedade civil, formada de cidadãos organizados passou a ser o ambiente propício para uma participação convertida em movimento de maximização de interesses e/ou de colaboração governamental. A participação e a sociedade civil passaram a ser vistas como a “tradução concreta da consciência benemérita dos cidadãos, dos grupos organizados, das empresas e das associações” (NOGUEIRA, 2011, p. 61). A ideia de introduzir a sociedade civil nos projetos de reforma do estado começou na década de 1990. Na atualidade muitos assumem a ideia que só se pode haver reforma que produza um estado vivo, competente e democrático se ela trouxer consigo uma sociedade civil igualmente forte, ativa e democrática. Porém a incorporação do tema ao discurso da reforma fez-se com nítida predominância de uma visão de sociedade civil reduzida a recurso gerencial. “A sociedade civil seria cooperativa e parceira, não seria um campo de luta ou oposições, mas um espaço de colaboração e de ação construtiva” (NOGUEIRA, 2011, p. 63). Ainda na década de 1990, o Brasil estabilizou e formou institucionalmente seu compromisso com o regime democrático. Nesse período emergiu no setor público uma cultura democrática participacionista, contribuindo para que se tomasse maior consciência da importância do protagonismo social. Contudo isso, a democracia conservou-se mais formal que substantiva, por falta de eficiência, desprovida de vínculos sociais e de instituições socialmente sedimentadas (NOGUEIRA, 2011). Esse processo de democratização, que teve início com as lutas contra a ditadura militar e se estende aos dias atuais, não é linear, mas deve ser entendido como desigual no seu ritmo e seus efeitos sobre as diversas áreas da vida social e política, combinando avanços, estagnação e até mesmo retrocessos (DAGNINO, 2002). A participação social é uma categoria que definitivamente se incorporou aos processos de discussão entorno das políticas públicas, sendo considerada como um elemento fundamental para a democratização da gestão dessas políticas, aproximando-as dos cidadãos. A democratização do Estado, mediante o reestabelecimento de vários dos procedimentos democráticos formais, permite o acesso das novas forças políticas constituídas na luta contra o regime autoritário. A nova Constituição de 1988, também conhecida como “constituição cidadã” é o marco formal desse processo (DAGNINO, 2002). Oliveira ressalta que: No estabelecimento da nova Constituição o país alcançou, também, um novo e promissor patamar com a incorporação, na lei fundamental, da participação popular nas decisões de interesse público. Este direito vem aos poucos sendo incorporado pelo poder público para levar adiante suas ações. (OLIVEIRA, 2011, p. 3). Com a redemocratização do país e o surgimento de uma sociedade civil mais forte e organizada, passa-se a enxergar a necessidade das políticas sociais serem geridas de forma diferente, existindo diálogo entre cidadãos e governo, tanto no processamento quando na sua elaboração. Nogueira destaca que: 54 Coleção Novos Mestres Antes, a convicção era a de que processos participativos, ou mais genericamente, mecanismos de consulta popular, negociação e formação ampliada de consensos, agiriam “contra” o crescimento econômico, na medida em que dificultariam a tomada rápida de decisões e, com isso, prolongariam indevidamente o tempo de formulação e de implementação de políticas. (NOGUEIRA, 2011, p. 121). Entretanto esse pensamento foi sendo transformado com o reconhecimento de que a participação permite que os processos constitucionais aconteçam de forma mais harmoniosa, fazendo com que as políticas públicas tenham mais eficiência. Dessa maneira, os processos participativos começaram a ser considerados um recursos estratégicos para formulação de políticas públicas. As transformações no âmbito do Estado e da sociedade civil se expressam em novas relações. Entre elas, o antagonismo, o confronto e a oposição declarada, que caracterizavam essas relações no período da resistência contra a ditadura perdem espaço para uma postura de negociação que aposta na possibilidade de uma atuação conjunta, expressa paradigmaticamente na bandeira da participação da sociedade civil. Essa participação é um elemento fundamental de diferenciação entre os vários projetos políticos em disputa (DAGNINO, 2002). A redefinição da noção de cidadania, empreendida por meio de movimentos sociais e por outros setores sociais na década de 80, aponta na direção de uma sociedade mais igualitária em todos os seus níveis. Isso acontece com base no reconhecimento dos seus membros como sujeitos portadores de direitos, inclusive o de participar efetivamente na gestão da sociedade (DAGNINO, 2002). Um avanço na concepção da participação popular foi a criação do Orçamento Participativo (OP), no qual a participação social deve ser incorporada aos processos de governos e de implementação de políticas. No Brasil os partidos de esquerda viam o (OP) como um método que elevaria as comunidades organizadas à categoria de sujeitos das operações governamentais, enquanto os partidos de direita o viam como sendo um dispositivo de transferência de responsabilidades (NOGUEIRA, 2011). A gestão pública está pressionada pela sociedade em decorrência dos problemas acumulados ao longo dos anos, relacionados à pobreza, às injustiças e as carências. Essa cobrança é fruto do aprofundamento do processo de democratização, das mudanças culturais, da reestruturação produtiva, das novas políticas econômicas e financeiras, da diferenciação funcional e social. Essa pressão, entorno da gestão pública, contribui tanto no sentido de alertá-la e ajudá-la a seguir em frente, quanto no sentido de submetê-la a uma caótica montanha de demandas e de interesses particulares, que congestionam a agenda governamental e impedem o gestor público de desempenhar sua atividade com alguma tranquilidade técnica e política (NOGUEIRA, 2011). Pode-se dizer que os governos operam cercados por quatro grandes fontes geradoras de pressão, que agem sobre eles com demandas, reivindicações e interesses, ou através de ações combinadas. Essas forças são exercidas pelo plano transacional, subnacional, mercado e sociedade civil (NOGUEIRA, 2011). A resposta do Estado Federal às pressões sofridas pelas forças subnacionais e transacionais, tem sido a descentralização do poder, como uma tentativa de administrar as pressões estaduais, regionais ou municipais. Só que essa resposta ao invés de fortalecer os governos nacionais tirou mais forças deles. Eles não deixaram de ser soberanos, mas ficaram obrigados a ceder em algumas áreas, encaminhando-se para o que vem sendo chamado de soberania compartilhada. Já a resposta do Estado às pressões sofridas pelo mercado e pela sociedade civil tem sido a privatização e a participação. Em ambos os casos, foram feitas escolhas que pedem o aumento da capacidade de coordenação dos governos sem que esta atitude seja parte da tradição administrativa brasileira, nem que sejam trabalhadas novas posturas a isso direcionadas. Mudanças estão sendo exigidas nos hábitos gerenciais públicos, nos procedimentos administrativos e no vocabulário, técnico e político (NOGUEIRA, 2011) e isso não parece ainda emergir como prioridade percebida. Nogueira (2011) procura estabelecer um entendimento preliminar a respeito da gestão participativa. Não como uma espécie de definição conceitual, mas como uma orientação teórica, política e operacional que busca aperfeiçoar a gestão mediante algumas ênfases e inovações. Nesse sentido, a gestão participativa: 1. busca modificar a articulação entre governantes e governados. O gestor governamental relaciona-se com o cidadão de modo não só amigável, mas também interativo, superando distâncias, atritos e unilateralidades. 2. procura introduzir formas novas de controle social, ou seja, de controle do governo pela 55 Coleção Novos Mestres 3. 4. 5. 6. 7. 8. sociedade. O governar deve visar ao povo, fazer-se em seu nome e ser por ele avaliado e controlado. opera em termos descentralizados e fomenta parcerias, dentro e fora do Estado, isto é, entre as organizações públicas e entre estas e a sociedade civil. opera para além do formal e do burocrático: busca ter iniciativa e criatividade para produzir resultados efetivos, ou seja, resultados que não se limitem ao administrativo e que estejam, portanto, abertos à transformação social. Trata-se de uma ação técnico-política que busca não apenas “corrigir” políticas equivocadas, mas também resgatar “dívidas” sociais historicamente acumuladas, dedicando-se a alcançar uma aproximação radical entre crescimento econômico, modernização e desenvolvimento social. procura prestar melhores serviços e constituir-se numa alavanca de democracia e cidadania somente será plausível quando for combinar iniciativas fortes para adaptar o Estado, seu aparato administrativo, para levá-lo a trabalhar de forma nova (DENHARDT, 2012). A participação não reforma por si só, é preciso que os autores envolvidos tenham clareza do seu potencial e consciência que o objetivo só pode ser alcançado se houver uma participação efetiva. orienta-se por critérios inteligentes de flexibilidade, eficiência e agilidades. Se o aparato público abre-se para a participação, mas não é desburocratizado, a participação não se completa. Se os atores sociais mobilizam-se, mas as coisas não saem de lugar, eles retrocedem e deixam de participar. dedica-se a inventar formas novas de tomada de decisões e de gerenciamento público. A gestão participativa deve ser capaz de fundir participação com decisão, execução, avaliação e controle, fazendo com que suas operações básicas fiquem articuladas, alimentando-se umas às outras. não avança exclusivamente com participação, ela depende intensamente de agregação de conhecimento científico e de recursos humanos qualificados, ou seja, de profissionais que dominem o campo técnico-científico e que sejam capazes de pensar de modo complexo, realizar análises concretas de situações e imprimir outro padrão ético à administração pública. A participação não deve ser vista só como recurso de legitimação governamental, mas como espaço de emancipação. Os Tipos de Participação Social A ideia de participar não diz respeito somente a fazer prevalecer os interesses no processo decisório, visto que em sociedades complexas essa perspectiva tem um alcance limitado e, por vezes, distorcido. Participar está atrelado ao fazer-se presente no debate público democrático, onde pontos de vista se explicitam , formatam-se consensos e se constituem opiniões. Além disso, delineia-se uma ideia de ordem pública e de comunidade política (NOGUEIRA, 2011). Os indivíduos estão sempre dispostos a participar e só não concretizam esse ato porque são impedidos. Pressuposto que sofre, evidentemente, de uma visão racional ingênua. De contrário, destacamos a afirmação de Nogueira quando diz que “no mundo moderno, a participação resulta de uma complicada operação pedagógica, política e ideológica. Aquele que participa não o faz sem ônus, sem algum “sacrifício”. Quando esse ônus cresce demais, a participação reflui” (NOGUEIRA, 2011, p. 158). Os processos participativos são quase sempre longos e vivem ameaçados pela inconstância e pela irregularidade. Para ser constante e regular, a participação precisa de treino, educação política, consciência cívica. Decisões tomadas em momentos de refluxo da participação, por exemplo, ou em fóruns esvaziados e pouco representativos deixam de refletir a opinião da maioria (NOGUEIRA, 2011). Sayago (2000) dividiu as forma de participação em seis, são elas: 1. Participação Individual: o sujeito toma sua decisão de forma individual e de livre escolha. Exemplos: as eleições e entrevistas. 2. Participação Coletiva: as decisões são tomadas de forma coletiva. Exemplo: associações. 3. Participação Passiva: quando os sujeitos se comportam de modo desejado, sem incomodar. A participação se dá mais de modo quantitativo do que qualitativo. Exemplo: uma consul- 56 Coleção Novos Mestres ta de opinião ou repasse de informação. 4. Participação Ativa: quando os sujeitos assumem o compromisso da luta e da conquista para alcançar os seus objetivos, de forma coletiva e solidária. Exemplo: Movimentos Sociais e ONGs. 5. Participação Voluntária: de caráter espontâneo, um grupo se junta para resolver problemas imediatos. Exemplo: atividades realizadas em sistema de mutirão. 6. Participação Instrumental: quando as mobilizações são feitas com o proposito de conquistar posição ou poder. As mobilizações são dirigidas por organizações externas e respondem aos objetivos elaborados anteriormente pelas pessoas responsáveis. A população é incluída, mas as suas decisões são excluídas. Exemplo: programas sociais/participativos desenhados pelos organismos de financiamento internacional como o BIRD E BID. Para Nogueira (2011), a participação tem um forte conteúdo ideológico e comporta diferentes conceitos e definições. Mas todos cogitam ações dedicadas a fazer parte de um determinado processo, decisório ou não. Não há participação que não se oriente por algum tipo de relação com o poder. Quem participa busca projetar-se como sujeito que traz valores, interesses, aspirações e direitos. De acordo com Nogueira (2011), tomando como base o mundo da sociedade de classes, do capitalismo e do Estado democrático representativo, podemos visualizar quatro grandes modalidades de participação, são elas: 1ª - A Participação Assistencialista, de natureza filantrópica ou solidária: ela estabelece uma relação ainda vertical de poder entre “os que têm” e “os carentes”, e é característica nos contextos de extrema da desigualdade ou períodos históricos em que crescem a miséria e a falta de proteção. Ela se dar através de praticas de auxílio mútuo e de mutirão, desenvolvida ao lado de ações filantrópicas de fundo benemérito ou religioso. Ela não tem condições de introduzir mudanças estruturais nessas situações de desigualdade. 2ª - A Participação Corporativa: essa é dedicada à defesa de interesses específicos de determinados grupos sociais ou de categorias profissionais. A participação é fechada em si com um propósito particular. Foi esse tipo de participação que presenciou a origem do sindicalismo moderno. Tanto quanto a participação assistencialista, essa é uma modalidade universal de participação. 3ª - A Participação Eleitoral: projeta-se para o campo político, a princípio não visa defender apenas interesses particulares, mas intervém diretamente na governabilidade e tem resultados que dizem respeito a toda coletividade. Ela é limitada a um momento específico, a partir do qual os eleitores delegam todo o seu poder de julgamento, intervenção e mobilização, para os eleitos. 4ª - A Participação política: essa complementa e supera tanto a participação eleitoral, quanto a participação corporativa. A ação de votar é uma forma política de participação. A participação propriamente política, contudo, realiza-se tendo em vista a comunidade como um todo. É mediante a participação política que a vontade geral se objetiva, se recria e se fortalece. A participação política convive com interesses, votos, valores e ações assistencialistas. A crise do Estado e os problemas da representação fazem com que a demanda por participação se ampliem. A participação tende a converter-se em um instrumento para solidarizar governos e governados, para aliviar e agilizar a ação governamental, para compartilhar custos e decisões, para reduzir atritos entre governo e sociedade. Participar passa a significar também uma forma de interferir, colaborar, administrar. Fazendo uma correlação entres os tipos de participação citados por Sayago (2000) e Nogueira (2011), pode-se proferir que a participação voluntária corresponde à participação assistencialista; a participação coletiva corresponde à participação corporativa; a participação individual corresponde à participação eleitoral e que a participação ativa corresponde à participação política. Nogueira (2011) aponta quatro pontos de observação ao longo do século XX sobre as múltiplas combinações entre as quatro modalidades de participação, para ele, elas são a maior referência da democracia moderna. Em primeiro lugar, os interesses particulares iriam crescer e se voltar contra a democracia representativa, que não estaria preparada para com eles conviverem na intensidade e no formato em que vieram a manifestar-se. Em segundo lugar, a continuidade e o alargamento do processo de democratização levaria 57 Coleção Novos Mestres a sociedade, em particular a sociedade civil a demandar sempre mais participação e presença ativa no próprio teatro em que são tomadas as decisões. Em terceiro lugar, com a complicação dos problemas, eles passam a exigir mais conhecimento especializado para serem equacionados, desse modo à arena política é invadida por técnicos e experts. O cidadão pressiona por mais participação e é, ao mesmo tempo, barrado no terreno em que são tomadas as decisões, por seu conteúdo técnico. A democracia representativa fica presa por essa situação. Em quarto lugar, a informatização e a exploração impulsionada pelos novos modos e tecnologia de comunicação passam a afetar fortemente os mecanismos e valores da representação, da governabilidade democrática e do Estado. Mesmo com esses avanços, a participação da sociedade civil brasileira nos espaços públicos, não tem uma progressão linear, e sim tortuosa e contraditória. Historicamente, os partidos políticos no Brasil se inclinaram sempre na direção do Estado, limitando sua busca de representatividade na sociedade civil aos momentos eleitorais e aos mecanismos vistos como os mais eficazes nestes momentos: o clientelismo, as relações de favor, personalismo, etc. (DAGNINO, 2002). Partindo do pressuposto, que as políticas públicas precisam contar com o envolvimento dos atores sociais, seja como beneficiários diretos ou através de suas formas de organização, essa participação não pode estar restrita apenas a apresentação de pautas, mas como promotora de interferências nos processos que permeiam a construção da agenda de políticas públicas. Considerações Finais Este trabalho de pesquisa partiu do pressuposto de que não existia participação social no Colegiado Territorial do Cariri, nas decisões referentes às políticas públicas que são desenvolvidas dentro do Território, tomando como referência as diretrizes propostas pelo Programa Territórios da Cidadania. Premissa que foi confirmada a partir da realização desta pesquisa. No primeiro ano do programa, em 2009, as assembleias eram lotadas, todo mundo queria participar, brigavam por uma vaga no colegiado, passavam dois dias nas assembleias sem reclamarem. Observamos que esse entusiasmo foi se dissolvendo já no segundo ano. O motivo da desmotivação das pessoas foi o que procuramos pesquisar no decorrer desta dissertação. São muitos os fatores que dificultam a participação social, em especial no Programa Territórios da Cidadania do Cariri. Muitos pontos aqui apontados poderiam ser corrigidos a fim de melhorar (qualidade) e aumentar (presença) a participação das pessoas no programa. O fato de abordar assuntos que abrangessem outras áreas além do agro e a possiblidade de facilitar a locomoção dos representes das comunidades carentes já aumentaria o número de pessoas nas assembleias.Um ponto que precisaria ser explorado para melhorar em qualidade a participação das pessoas seria uma formação sobre o que é território, os objetivos do programa, a importância da participação social e mostrar os direitos e os deveres dos membros do colegiado. Para motivar a participação dos que continuam e dos que estão se afastando é preciso colocar em prática o que é decidido nas assembleias. Exigir dos órgãos responsáveis que cobre nas prestações de contas dos projetos desenvolvidos no território o parecer do colegiado territorial. Durante as plenárias territoriais se observou a existência de várias pessoas com objetivos diferentes; faltava uma visão de bem comum para o território e cada uma tinha uma visão autorreferencial. A participação se dava de várias formas: uns ficavam sempre calados; outros repetiam sempre o mesmo discurso; outros ainda, não sabiam ou não se tinham autonomia para opinar sobre qualquer assunto; e outros, finalmente, contribuíam com as suas colocações, hipoteticamente, por serem pessoas que conhecem o território. O Colegiado do Território do Cariri – COTECIC em sua estrutura física (formação) atual não tem condições de desempenhar o papel que é proposto pelo Programa Territórios da Cidadania, quanto mais de cobrar poderes sobre as decisões, já que não tem desempenhado as atividades a ele confiado. Por meio deste estudo, foram identificados alguns pontos que levaram a ineficácia do pro- 58 Coleção Novos Mestres grama no Cariri, tais como: fragilidade na composição do COTECIC; ausência de conhecimento sobre o programa e suas diretrizes; cultura de não-participação advinda do sistema de coronelismo; dificuldade de deslocamento da sociedade civil para participar das ações do colegiado; visão centrada em um sistema setorial em vez de territorial; falta de conhecimento sobre as conquistas realizadas por meio do programa; ideia dos participantes de que o trabalho do território está restrito aos projetos do PROINF. Com o proposito de modificar essa realidade foi realizado, por meio do Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável – PRODER, um grupo focal com o núcleo dirigente facilitado pela Professora Dr. Valéria Giannella, nessa ocasião os componente chegaram a se questionar, “somos núcleo dirigente ou núcleo dirigido?”. Também foi proposta uma plenária para o COTECIC, com o intuito de ultrapassar as barreiras que estão ligadas a falta de conhecimento sobre o programa e sobre a importância da participação para o sucesso do mesmo. Essa plenária não chegou a acontecer por que o Colegiado Territorial do Cariri depende da agenda do estado para a realização da assembleia. Longe de ter fim, a discussão a respeito da importância da participação social para o sucesso dos programas de políticas públicas, essa dissertação se encerra mostrando que a execução de programas como o território da cidadania, em contextos marcados por uma carga histórica de repressão e subordinação política, só acontecerá tendo um olhar especial para as dificuldades enfrentadas pelos seus representantes para participarem. Isso não significa apenas e só apoio material (para custear a participação nas assembleias) e sim apoio e empoderamento relativo a uma nova cultura política, onde a participação, ao invés de concessão ou ônus, seja oportunidade para traçar novos caminhos de autonomia e autodeterminação. A pesquisa concluiu que não existe participação social nas decisões sobre as políticas públicas que são desenvolvidas no território. Como mostra o Portal da Cidadania, os recursos financeiros para o território aumentaram, porém, não existem discussões referentes às demandas no âmbito do colegiado. Dessa maneira, os processos decisórios, especialmente, relativos aos recursos financeiros continuam vindo de cima para baixo. Fato que pode ser justificado em decorrência de que, a composição atual do COTECIC não possui condições para votarem projetos de impacto como educação e saúde, por falta de conhecimento técnico. É necessário que haja uma reestruturação no colegiado, a começar pelo trabalho na base, promovendo assembleias e trabalhos para disseminar os objetivos do programa e a importância da participação para o sucesso e continuidade do mesmo. A partir dessa formação seria possível reestruturar o colegiado com pessoas que possuam conhecimento e interesse de participar desse programa, abrangendo assim pessoas de todas as áreas e não somente do campo agrário. O sistema de comunicação dentro do território também precisa abranger todos os membros que fazem parte do mesmo, por meio de programas de rádio ou tv. Isso proporcionaria que todos pudessem conhecer o que está sendo desenvolvido no território. Referências ALOÍZIO MAGALHÃES, 2010, Patrimônio Jovem. Disponível em: <http://patrimoniojovem. wordpress.com/2010/10/27/so-se-preserva-aquilo-que-se-ama-so-se-ama-aquilo-que-se-conhecealoisio-magalhaes/>. Acesso em: 14 de mar. de 2013. AVRITZER, L. Sociedade Civil e Participação Social no Brasil. 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Nela está inserida uma unidade de conservação, a Floresta Nacional do Araripe, mais conhecida como FLONA Araripe. Possui uma vegetação com características bem diversificadas, com formações de Floresta Úmida, Cerradão e Carrasco. Nas comunidades do entorno da FLONA, as principais atividades desenvolvidas são a agricultura de sequeiro e o extrativismo. As lavouras tradicionalmente cultivadas são a mandioca, o feijão e o milho, com práticas de cultivo rudimentares, na qual exerce forte pressão nos recursos naturais, principalmente na vegetação nativa. A necessidade de monitoramento constante da área e a falta de funcionários dificulta a implantação de políticas de preservação. Entretanto, o sensoriamento remoto é uma das tecnologias que permite o acompanhamento espaço/temporal da dinâmica da vegetação e das atividades antrópicas realizada na área de proteção. Objetiva-se avaliar a dinâmica da vegetação da APA-Araripe através de imagens de satélite, e os aspectos socioambientais da Comunidade Catolé no município de Nova Olinda-CE. As imagens utilizadas são geradas pelo satélite Landsat 5 TM correspondente a órbita/ ponto 217/65 e são liberadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no formato GeoTif. Foram utilizadas imagens do período de 1987 a 2011, sendo os anos de 1987, 1992, 1997, 2001, 2007 e 2011. Com o software ERDAS IMAGINE 9.0, foram avaliados o Índice de Vegetação da Diferença Normalizada (NDVI) e o Índice de Área Foliar (IAF). A obtenção dos dados socioambientais da comunidade foi através da aplicação de questionários. Na comunidade estudada, a escolaridade dos pais é inferior a dos filhos. O cultivo da mandioca é a principal atividade agrícola, mas a principal fonte de renda são os programas do governo federal. No monitoramento da floresta, o NDVI mostrou-se sensível a sazonalidade pluviométrica da região e o IAF foi pouco confiável no período de estiagem e a característica do bioma influenciou nos índices da vegetação. O uso de imagens de satélites mostrou-se uma ferramenta eficaz no monitoramento de atividades antrópicas na floresta. Palavras-chave: NDVI, Cobertura vegetal, Biomassa vegetal. Introdução A pressão para expansão das fronteiras agropecuária e a demanda crescente por energia, colocam em risco a proteção das reservas florestais existentes no Brasil. A utilização da madeira como fonte de energia, que é comum em todas as regiões do país, e o uso incorreto do solo são responsáveis pela degradação das florestas brasileiras. A Chapada do Araripe constitui-se, num ambiente provido de recursos naturais: água, solo e vegetação, com o aproveitamento inegavelmente necessário à economia da região, portanto, precisam ser melhor estudados e utilizados. Faz-se necessário um acompanhamento do desenvolvimento da cobertura vegetal da Área de Proteção Ambiental da Chapada do Araripe (APA-ARARIPE). Avaliando a cobertura vegetal, e entendendo a sua dinâmica com as comunidades que estão explorando seus recursos, pode-se obter meios de desenvolver políticas publicas que sejam realmente capazes de promover o desenvolvimento das comunidades, sem prejudicar o equilíbrio do sistema. A principal fonte de subsistência das populações do entorno da FLONA Araripe é a agricultura de sequeiro, especialmente na zona fisiográfica da chapada, onde não existe disponibilidade de água para irrigação. As lavouras tradicionalmente cultivadas são a mandioca, o feijão e o milho, em pequenas plantações solteiras ou consorciadas. Alguns agricultores cultivam fava, feijão guandu, batata-doce, jerimum e maxixe, em pequenas quantidades e sempre em consorciação. O monitoramento dos fenômenos biofísicos que interferem na dinâmica dos ecossistemas necessita de tecnologias capazes de fornecer informações confiáveis e de fácil obtenção, pois só 64 Coleção Novos Mestres com um acompanhamento permanente, podem-se conhecer as mudanças ocorridas no sistema. Diante da necessidade de informações continua, o sensoriamento remoto é uma das tecnologias que permite estender medições em diferentes escalas temporais e espaciais (CARVALHO et al., 2008). Os dados de natureza espectrais são obtidos de forma contínua, podem-se realizar trabalhos que avaliem o comportamento sazonal da vegetação em relação aos fatores atmosféricos, por isto, os espectros obtidos pelos sensores orbitais são muito utilizados como ferramentas de monitoramento das condições do meio ambiente. Existem vários índices para determinação da cobertura vegetal utilizando imagens de satélite, porém o mais utilizado tem sido o Índice de Vegetação da Diferença Normalizada (IVDN), mas muito utilizado também a sigla em inglês (NDVI), cuja simplicidade e alta sensibilidade à densidade da cobertura vegetal tornaram possível o monitoramento da vegetação em escala global (GURGEL et al., 2003). Na busca pela preservação/conservação, não se pode desconsiderar as comunidades que vivem na APA-ARARIPE, em torno da Floresta Nacional do Araripe (FLONA-ARARIPE), que praticam agricultura, em sua maioria usando técnicas rudimentares de cultivo, necessitando de abertura de novas áreas para o novo plantio, o que ocasiona grande pressão sobre a reserva florestal da Chapada do Araripe. A sustentabilidade do meio ambiente precisa de políticas públicas, que visem à convivência harmoniosa entre homem e natureza, com a finalidade de garantir qualidade de vida e preservação dos recursos naturais. Com a realização deste estudo, objetiva-se avaliar a dinâmica da vegetação espaço/temporal da APA-Araripe através de imagens de satélite, e os aspectos socioambientais da Comunidade Catolé no município de Nova Olinda-CE. Caracterização da Chapada do Araripe A Floresta Nacional do Araripe, mais conhecida como FLONA Araripe, é uma unidade de conservação brasileira situada na Chapada do Araripe, integrante do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que é uma autarquia brasileira vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. A vegetação típica abrange formações de Floresta Úmida até Cerradão e Carrasco, passando por áreas de fitofisionomias de transição entre os dois extremos. A FLONA/ARARIPE possui grande relevância na manutenção do equilíbrio hidrológico, climático, ecológico e edáfico do Complexo Sedimentar do Araripe. Quanto ao aspecto socioeconômico, oferece alternativas de exploração de produtos, que são utilizados para fins alimentícios e medicinais. Ressalta-se a sua importância como refúgio para a fauna regional, inclusive para espécies ameaçadas de extinção e endêmicas (Plano de Manejo da FLONA/ARARIPE, 2003). A evaporação e a evapotranspiração são as maiores perdas registradas no sistema hídrico como um todo. A evaporação medida na estação meteorológica de Barbalha atinge 2.288,6 mm ano-1 (COSTA et al., 1998). Considerando um coeficiente de passagem para reservatórios da ordem de 80%, tem-se nos açudes e barreiros uma evaporação de 1.800 mm ou 18.000 m3 ha-1 ano-1 de espelho d’água. A Chapada do Araripe, localizada no sul do Ceará/Pernambuco, chegando ao Piauí, é um terreno tabular soerguido que, além de bom aquífero, possui solos profundos e bem drenados e, juntamente com sua cobertura vegetal protetora, garantem a permanência de uma região úmida e fértil em seu sopé, principalmente aquela voltada para o Ceará. A ausência quase total de drenagem no topo da chapada está diretamente associada ao solo arenoso que a recobre e a vegetação na chapada, que é constituída por zonas de mata úmida, na proximidade de seus limites, e por zonas de cerrado, cerradão e carrasco na sua porção mais central (Plano de Manejo da APA-Araripe, 1998). No que se refere aos recursos hídricos superficiais, encontra-se no topo da chapada do Araripe apenas cisternas, para armazenar água pluvial para o consumo humano, e algumas escavações impermeabilizadas, chamadas “barreiros” (MENDONÇA, 2001). As cisternas são fundamentais para abastecimento d’ água nas comunidades situadas no topo da chapada. Por causa do relevo e das características do solo da chapada, torna-se difícil o armazenamento d’água superficial de qualidade e quantidades suficientes para o desenvolvimento de atividades 65 Coleção Novos Mestres agropecuárias. Os barreiros são escavações, normalmente cônicas, impermeabilizadas por solo argiloso pisoteado pelo gado, usados para interceptar e acumular o escoamento superficial. São geralmente rasos (raramente mais que 4 metros de profundidade), acumulando tipicamente entre 1.000 e 2.000 m3. Precisam de manutenção anual, para a retirada de sedimentos, pois, caso contrário, ocorre o aterramento dos mesmos, e consequentemente a redução da sua capacidade de armazenamento d’ água (Plano de Manejo FLONA/ARARIPE, 2003). Os solos que compõe a Chapada do Araripe são representados pelas classes Latossolos Amarelo e Latossolos Vermelho-Amarelo. São solos muito profundos, bem drenados, de ótimas condições físicas, ocorrem em relevo plano e oferecem facilidades de manejo e mecanização. Sua restrição fundamental é a baixa fertilidade natural, acidez e a presença de alumínio tóxico, especialmente no setor oriental (CAVALCANTI; LOPES, 1994). Isto ocorre por causa da lixiviação das bases. A biorregião do Araripe, considerada por Figueiredo et al. (1998), compreende todo platô da chapada do Araripe; a encosta mais úmida de barlavento e a menos úmida de sotavento; os patamares subplanálticos; os vales aluviais e as áreas de contato com os afloramentos graníticos do complexo basal da bacia sedimentar do Araripe. Assim sendo, das sete unidades fitoecológicas referidas para a biorregião, aparecem na Floresta Nacional do Araripe apenas quatro: Floresta Subperenifólia Tropical Plúvio-Nebular (Mata Úmida Serrana); Floresta Subcaducifólia Tropical Xeromorfa (Cerradão); Vegetação xeromórfica da zona neotropical (Cerrado) e Vegetação subxerófila (Carrasco). A falta de controle no manejo da vegetação e do solo, com práticas agrícolas incompatíveis com as características físicas do solo, modificando a estrutura do mesmo, causando-lhe maior ou menor compactação; modificando a densidade; afetando a porosidade, o armazenamento e a disponibilidade de água às plantas; interferindo na capacidade de infiltração e no desenvolvimento radicular da vegetação (SOUZA; ALVES, 2003). Segundo Goudie (1993), imediatamente após a derrubada de uma floresta, pode-se verificar um aumento na recarga, causando até elevação do nível piezométrico. Mas, após algum tempo, a compactação e o endurecimento da superfície do solo o deixam desfavorável ao crescimento de plantas, acelerando o escoamento superficial e reduzindo a recarga, baixando o nível piezométrico. Isto ocorre por causa da decomposição da matéria orgânica acumulada no solo, que é responsável por melhorias na estrutura, porosidade, densidade e a vida microbiana do solo. O limite de 10 quilômetros (Resolução CONAMA nº 13/90) ao redor de uma Unidade de Conservação deve ser o ponto de partida para a definição da zona de amortecimento. E, a partir deste limite, aplicam-se critérios de inclusão, exclusão e ajustes para fechamento do polígono ao redor da Unidade de Conservação (UC). Entretanto, no caso específico da Floresta Nacional do Araripe, o critério utilizado foi o de adotar os limites da Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Araripe, que envolve a Unidade de Conservação, como a Zona de Amortecimento, uma vez que uma das razões de sua criação foi a de proteger a Chapada. A Zona de Amortecimento da FLONA-ARARIPE abrange 38 municípios, dos quais, 15 estão localizados no território do Estado do Ceará, 12 no Estado de Pernambuco e 11 no Estado do Piauí, englobando uma área total de 1.063.000 ha e um perímetro de 2.211.527,28 Km, constituindo-se na Área de Proteção Ambiental – APA da Chapada do Araripe. Os municípios acima referidos, que constituem a APA, compreendem toda a área acima da cota de 480 m no estado do Piauí, da cota 500 m no Ceará e da cota 640 m no estado de Pernambuco (Plano de Manejo FLONA/ ARARIPE, 2003). O zoneamento ambiental do FLONA-ARARIPE constitui a base do ordenamento e da gestão da UC. Ele foi elaborado com base nos objetivos gerais da categoria “Floresta Nacional” e nos objetivos específicos da FLONA-ARARIPE. Com a necessidade de preservação, e a pressão constante das comunidades que vivem no entorno da floresta, por produtos de exploração florestal. O zoneamento visa estabelecer normas e critérios para a utilização das áreas na UC. Neste sentido a FLONA-ARARIPE foi dividida nas seguintes zonas: Intangível; Conservação; Uso Público; Histórico-Cultural; Recuperação; Uso Especial; Manejo Florestal; Manejo de Fauna; Uso Conflitante, segundo o Plano de Manejo FLONA/ARARIPE, (2003). A principal fonte de subsistência das populações do entorno da FLONA é a agricultura de sequeiro, especialmente na zona fisiográfica da chapada, onde não existe disponibilidade de água para irrigação. As lavouras tradicionalmente cultivadas são a mandioca, o feijão e o milho, em pequenas plantações solteiras ou consorciadas. Alguns agricultores cultivam fava, feijão guandu, 66 Coleção Novos Mestres batata-doce, jerimum e maxixe, em pequenas quantidades e sempre em consorciação. Segundo os dados do IBGE (2010), as culturas de milho, feijão e mandioca ocupam 94% da área cultivada com culturas temporárias nas cidades de Nova Olinda, Salitre, Campos Sales e Santana do Cariri, que estão localizadas na Chapada do Araripe. Estas culturas estão relacionadas com as características do solo e as condições climáticas. No entanto trata-se de culturas utilizadas diretamente na alimentação humana e dos animais domésticos, o que visa garantir a sobrevivência das comunidades localizadas no entorno da FLONA-ARARIPE. As safras são anuais, e a maior parte da produção é destinada ao consumo familiar, sendo vendido apenas o excedente quando existe, tornando a agricultura o principal suporte de vida e não apenas a principal fonte geradora de renda. Nas últimas décadas, as mudanças provocadas pelo homem no meio ambiente têm sido intensas, ocasionando impactos de diferentes naturezas no solo, na água, na atmosfera, na biodiversidade e na população humana. A conscientização dessas mudanças cresceu e os estudos sobre mudanças globais e seus impactos têm sido destacados no campo das ciências da natureza. O sensoriamento remoto é uma das tecnologias que permite estender medições da vegetação em diferentes escalas temporais e espaciais. Dados provenientes de diferentes sensores orbitais e aerotransportados encontram-se disponíveis para pesquisas, onde se incluem a obtenção e análise de imagens multitemporais. A natureza contínua dos dados espectrais no tempo permite desenvolver estudos envolvendo o comportamento sazonal da composição biofísica e bioquímica de dosséis (CARVALHO et al., 2008). Muitos avanços nessa área ocorreram com o advento de metodologias desenvolvidas para a detecção de mudanças, que realizam medições das características radiativas de dosséis a partir de imagens de um mesmo local em diferentes períodos. Dessa forma, os espectros contínuos de vegetação no tempo consistem em importantes ferramentas para o entendimento das mudanças nas características biofísicas e bioquímicas dos ecossistemas (SANTOS; BRITO 2007; CARVALHO JÚNIOR et al,. 2006). Na literatura são encontrados mais de quarenta índices de vegetação gerados com dados de satélites, sendo quase todos obtidos de medidas de reflectâncias nas faixas espectrais do vermelho e infravermelho próximo no espectro eletromagnético (LIU, 2007). De todos eles, o tipo mais comumente utilizado é o Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI, em inglês) de autoria de Rouse et al. (1973), conforme descreve Jensen (2009). Numericamente, de acordo com Liu (2007), o NDVI varia de -1 a +1, sendo que valores negativos representam as nuvens, e os próximos de zero representam solo nu ou sem vegetação. Quanto mais próximo de 1, maior o grau de vegetação da superfície (FERRARI et al., 2011). De acordo com Gurgel et al. (2003), os tipos de vegetação localizados em regiões com períodos secos e chuvosos marcantes, como é o caso do cerrado e da caatinga, apresentam ciclo anual bem caracterizado e respondem de forma rápida à ocorrência de chuva. Entretanto o NDVI das vegetações mais densas e verdes durante todo o ano, como é o caso da floresta amazônica, apresentou maior variabilidade quando ocorreram anomalias climáticas. De acordo com Carvalho et al. (2008), em relação aos índices de vegetação das áreas remanescentes, do cerrado mostrou-se bastante dependente da pluviosidade, pois os Índice de Vegetação Realçada (EVI) e o NDVI foram observados com os valores mais altos em período diferentes, embora se trate de um mesmo bioma, mas por sua dimensão, as condições climáticas são bastante variáveis, e com isto os índices de vegetação apresentam comportamento semelhante, porém em épocas diferentes, por isto a importância do conhecimento dos fatores biofísicos que interferem no equilíbrio do sistema, no qual se pretende fazer qualquer tipo de interferência. Braga et al. (2003), verificaram forte dependência do Índice de Vegetação da Diferença Normalizada (NDVI), que é indicador do vigor da vegetação, sobre o elemento climático, precipitação, tem sido utilizada para o monitoramento da vegetação, pois foi percebido que as floresta do Nordeste respondem mais rapidamente a precipitação do que as floresta do Norte, sendo explicado pela característica da flora predominante em cada região. Seguindo o mesmo eixo, Barbosa et al. (2006) também observou que os valores do NDVI tendem a aumentar em anos chuvosos, com o aumento da densidade e vigor da vegetação, diminuindo consideravelmente em anos secos. A principal crítica em relação ao NDVI é a fraca sensibilidade para valores de Índice de Área Foliar (IAF) entre 2 e 3, porém este índice é adequado para ambientes com baixo IAF, como é o caso do cerrado ou floresta que apresentam uma estação seca bem definida, cujo IAF fica em torno de 1 (MIURA et al., 2003). Desta forma, no propósito de distinguir a floresta mais densa das demais formações, o emprego da assinatura temporal NDVI aprimora o desempenho para sua delimitação, devido às grandes diferenças sazonais. 67 Coleção Novos Mestres Em estudo em área florestal no Estado de Goiás em diferentes perfis (Floresta Estacional semi-decídua, Floresta Estacional decídua, Floresta Pluvial, Savana Arborizada e Savana Parque), Liesenberg et al. (2007), verificaram que a dinâmica sazonal da vegetação, é evidente nos perfis, com a estação seca produzindo os menores valores de NDVI e a estação chuvosa, os maiores valores desse índice. Na estação chuvosa, as fitofisionomias com dosséis mais densos (Floresta Estacional decídua e semidecídua, e a Floresta Pluvial) mostraram maiores valores de NDVI do que a Savana Arbórea e a Savana Parque. Do final da estação chuvosa para a estação seca, todas as fitofisionomias mostraram sensível decréscimo nos índices de vegetação. Para algumas fitofisionomias, essa tendência está associada à perda de folhas na estação seca. A Floresta Estacional decídua, por exemplo, com perda quase total de folhas, mostrou forte redução nos valores de NDVI, estes resultados também foram confirmados por (RATANA et al., 2005; BARBOSA et al., 2006; RODRIGUES et al., 2009). Serapilheira é a camada formada pela deposição e acúmulo de matéria orgânica morta em diferentes estágios de decomposição que reveste superficialmente o solo ou o sedimento aquático. É a principal via de retorno de nutrientes ao solo ou sedimento. É composta por restos vegetais como folhas, caules, ramos, frutos, flores, sementes, por restos de animais (excretas e material fecal). Em ecossistemas aquáticos, por exemplo, pode haver detritos algais, enquanto que em todos os biomas florestais, a serapilheira é formada majoritariamente por folhas. Desta forma, a composição da serapilheira é determinada qualitativamente e quantitativamente por diversos fatores como: o clima, o solo, as características genéticas das plantas, a idade do povoamento e a densidade de plantas (GONZALEZ; GALLARDO, 1982). Vários fatores bióticos e abióticos afetam a produção de serapilheira, tais como: tipo de vegetação, altitude, latitude, precipitação, temperatura, regimes de luminosidade, relevo, deciduosidade, estágio sucessional, disponibilidade hídrica e características do solo. A presença de serapilheira é importante para o estabelecimento da floresta, por melhorar as condiç ões para a germinação de sementes e sobrevivência de plântulas, ao proteger o solo da insolação direta, minimizando os efeitos da variação de fatores como umidade e temperatura do solo. Como a serapilheira possui baixa densidade por ser constituída com mais de 60% de folhas (FIGUEIREDO FILHO et al., 2003; DOMINGOS et al., 1997; LOPES et al., 2009), e este material ser de mais fácil decomposição, ela funciona como uma esponja que absorve água da chuva, e libera solução nutritiva para a vida do solo. No caso da Caatinga, a pouca umidade no solo na época seca do ano, parece determinar esse baixo aproveitamento da serapilheira depositada sobre o solo. No entanto, essa serapilheira acumulada, além de nutrir os solos da Caatinga, adquire mais um papel crucial, que é protegê-los da ação direta das gotas de chuvas, principalmente nas primeiras precipitações da quadra chuvosa, quando quase a totalidade das plantas encontra-se sem folhas devido ao longo período seco. Assim, a serapilheira atua prevenindo o solo contra a ação erosiva da chuva (LOPES et al., 2009), pois mesmo a temperatura ótima para a decomposição da serapilheira no semiárido o ano todo, a falta de umidade, limita a ação dos microrganismos decompositores, sendo os fatores físicos responsáveis pela diminuição das partículas da serapilheira, principalmente no final do período chuvoso. Domingos et al. (1997), em estudo na Mata Atlântica em Santo André-SP, obtiveram uma produção anual de serapilheira aproximadamente 7.000 kg ha-1, valor que se encontra em posição intermediária ao verificado em outras florestas tropicais (OLIVEIRA; LACERDA ,1993; LEITÃO FILHO, 1993), incluindo a Mata Atlântica, situando-se na faixa prevista para a latitude em que a floresta se encontra. Considerando-se apenas a fração folhas, cuja amostragem é mais uniforme, verifica-se maior semelhança do resultado aqui obtido aos relatados em outras áreas cobertas por Mata Atlântica. Na distribuição percentual das frações da serapilheira, as folhas tiveram a maior participação (72%), seguidas por ramos (22%), miscelânea (4%) e partes reprodutivas (2%), sendo este último valor consideravelmente baixo, estes valores estão compatíveis aos encontrado por (LOPES et al., 2009). Caracterização da área A Floresta Nacional do Araripe, mais conhecida como FLONA Araripe, é uma unidade de conservação brasileira situada na Chapada do Araripe, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e integrante do SNUC (FIGURA 1). Ocupa uma extensa área que atravessa a fronteira do Ceará com Pernambuco, numa área total de 39.262,326 68 Coleção Novos Mestres ha. Apresenta relevo tabular, com altitudes que variam entre 840 e 920 metros. A temperatura varia de 18 a 34º C (IBAMA, 2006). Nas áreas em torno da FLONA há interferências antrópicas na vegetação e no solo através de atividades agrícolas, sem assistência técnica para o manejo do solo, de forma a preservar sua estrutura e fertilidade, bovinocultura extensiva sazonal, produção de carvão vegetal clandestina e manejos florestais. Figura 1- Limites da Área de Proteção Ambiental – APA da Chapada do Araripe, sendo: A) Brasil, B) Nordeste, C) Municípios área APA e FLONA Araripe. De acordo com o levantamento de reconhecimento de média intensidade dos solos da mesorregião do sul cearense (FUNCEME, 2012), no setor oriental da chapada predominam os solos do tipo Latossolo Amarelo Distrófico típico, com textura média e argilosa a arenosa, provenientes dos arenitos da Formação Exu, que afloram na área. Obtenção e processamento das imagens As imagens utilizadas no trabalho, foram geradas pelo sensor TM a bordo do satélite LANDSAT 5, com resolução temporal de 16 dias, resolução radiométrica de 8 bits (256 níveis de cinza), resolução espectral com três bandas, cobrindo a região do espectro visível (Bandas 1; 2 e 3), uma banda cobrindo o infravermelho próximo - IVP (Banda 4), duas bandas cobrindo o infravermelho médio – IVM (Bandas 5 e 7), todas com 30 m de resolução espacial, e uma banda termal (Banda 6), com 120 m de resolução espacial, as imagens compreendem a órbita/ponto 217/65 e são liberadas pela Divisão de Geração de Imagens (DGI) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), no formato GeoTif , com nível de correção L1g e calibração relativa, utilizando-se do coeficiente CCRS-CPF para todas as imagens. Antes de iniciar o processo de tratamento digital da imagem, realizou-se um pré-processamento, que consiste do empilhamento das bandas em falsa cor (FIGURA 2 A). Sendo utilizada a composição Red (vermelho), Green (verde) e Blue (azul), no sistema RGB, com (R-4, G-3, B-2), relativo às bandas 4, 3 e 2 respectivamentes. Este procedimento visa integrar todas as informações contidas nas setes bandas, em uma única imagem. A correção geométrica é realizada através de uma imagem georreferenciada recebida do INPE, como padrão de referência. No processo de correção são escolhidos pontos fixos na imagem corrigida e os mesmos pontos na imagem a ser corrigida. Estes pontos devem ser de referência que não muda sua posição com o tempo. Após a escolha dos pontos o software ERDAS IMAGINE 9.0, faz a correção (FIGURA 2 B). A correção geométrica é importante na uniformidade da informação contida em cada imagem, ou seja, os pontos na imagem ficam com a mesma posição. Foram utilizadas as imagens no período de 1987 a 2011, com intervalos variados, por causa da disponibilidade das imagens, pois o sistema não disponibiliza imagens de qualidade em todos 69 Coleção Novos Mestres os períodos e anos. Com imagens de 1987.1, 1987.2, 1997.2, 2007.1, 2007.2 e 2011.2, os intervalos foram determinados, com o objetivo de melhor caracterizar a área estudada. A região apresenta dois períodos bem definidos (chuvoso e seco). As imagens que correspondem ao período chuvoso são: 1987.1 e 2007.1, e as do período seco são: 1987.2, 1997.2, 2007.2 e 2011.2. Figura 2- (A) Imagem com as 07 bandas empilhadas na composição (R-4, G-3, B-2), (B) Realização da correção geométrica no ERDAS IMAGINE 9.0, sendo a imagem de 29/08/2011, com órbita 275 e ponto 065. Fonte: INPE, 29/08/11, adaptado por Silva (2013). Foram utilizadas as imagens no período de 1987 a 2011, com intervalos variados, por causa da disponibilidade das imagens, pois o sistema não disponibiliza imagens de qualidade em todos os períodos e anos. Com imagens de 1987.1, 1987.2, 1997.2, 2007.1, 2007.2 e 2011.2, os intervalos foram determinados, com o objetivo de melhor caracterizar a área estudada. A região apresenta dois períodos bem definidos (chuvoso e seco). As imagens que correspondem ao período chuvoso são: 1987.1 e 2007.1, e as do período seco são: 1987.2, 1997.2, 2007.2 e 2011.2. Devido à pronunciada alteração no nível de clorofila da vegetação ao longo do ano, por variações climáticas ou interferência humana, determinou-se o Índice de Vegetação da Diferença Normalizada (NDVI), expresso pela seguinte formulação (Rouse et al., 1973): NDIV = ρ IVP − ρV ρ IVP + ρV (1) Onde, ρ IVP é o valor da reflectância no infravermelho próximo (800–1100 nm) e ρ V é a reflectância na faixa do vermelho (600–700 nm). Esse índice minimiza as interferências relativas às variações provenientes do ângulo solar e dos efeitos atmosféricos, observados para dados multitemporais. Os valores obtidos com o NDVI são contidos em uma mesma escala de valores, entre –1 e 1, pois os valores próximo de 1 é a vegetação mais densa, e os valores negativos são normalmente reservatórios de água, ou nuvens. O Índice de Área Foliar (IAF) foi determinado através do Índice de Vegetação Ajustado aos Efeitos do Solo (SAVI) e o foram computados pelas seguintes relações (ALLEN et al., 2002): SAVI = 1 + L ρ IVP − ρVL + ρ IVP + ρV (2) IAF = − ln 0, 69 − SAV 0,59,91 (3) 70 Coleção Novos Mestres Onde, L é uma constante que varia com a cobertura do solo. A determinação do IAF é importante na estimativa da fitomassa produzida nas folhas e será incrementada na serapilheira a cada ano. No entanto, IAF muito superior a 1 pode não ser bem analisado pela imagens de satélites, pois ocorre o sombreamento das folhas inferiores pela superiores, com isto as folhas inferiores podem não serem registradas, fazendo uma subestimação da produção total da massa foliar. No entanto, a área estudada passa por longos períodos de estiagem, o que ocasiona a abscisão foliar, reduzindo o IAF. Acúmulo de serapilheira Após a classificação das imagens de satélite, foram identificadas e escolhidas as áreas que apresentaram variação no NDVI no período estudado. Outro critério para a seleção das áreas de estudo foi o mapa da vegetação da APA Araripe (IBAMA, 2006), pois o estudo buscou identificar as mudanças ocorridas nos biomas, como: Mata Úmida, Cerrado e Carrasco no setor oriental da Chapada do Araripe que fica no Ceará. Foi realizada uma coleta em 19 de dezembro de 2012, com quatro pontos para cada bioma e em cada ponto cinco repetições, totalizando 20 amostras de serapilheira para cada bioma. A coleta foi realizada neste período. Para determinação da serapilheira nas áreas, foi utilizado um quadrado de ferro com 0,5 x 0,5 m (0,25m2). O quadrado foi lançado aleatoriamente para cada amostra simples . Toda a serapilheira que ficou no interior do quadrado, foi coletada, e colocada em sacos de plásticos pretos de 60 litros. Para medição da espessura da serapilheira nas áreas, foi realizada com uma régua numerada. O local da medição foi na borda do local de coleta de cada amostra (LOPES, 2008). Com a medida em centímetros, foi possível verificar a altura da necromassa acumulada na superfície do solo em cada bioma. Após a coleta, as amostras passaram por uma secagem prévia ao ar livre para a estabilização da umidade entre as amostras, e separada manualmente nas frações: folhas, ramos e miscelânea (materiais que não se conseguiu identificar e separar, materiais de origem animal), os ramos coletados com até 2 cm de diâmetro. Após a triagem, as frações foram acondicionadas em sacos de papel etiquetados e levados à secagem em estufa com circulação de ar, a 70ºC, por 24 horas (até peso constante). Posteriormente, cada fração foi pesada separadamente em balança analítica. Foi usado o delineamento inteiramente casualizado (DIC) e os resultados referentes à quantidade acumulada de serapilheira e sua espessura foram analisados e submetidos à análise de variância, com a comparação entre médias pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade no programa estatístico Sivar 5.0. Estudo socioambiental da Comunidade Catolé em Nova Olinda-CE A comunidade Catolé fica nos limites dos municípios de Nova Olinda com Santana do Cariri, ambas no Ceará, com coordenadas em UTM 24S e (0427601E e 9205654 N) com 872 metros de altitude. O cultivo da mandioca e o beneficiamento da raiz é a principal atividade agrícola desempenhada pelos moradores na comunidade, mas com técnicas pouco adequadas ao ambiente da Chapada. O acesso à água é outro fator importante na busca pela melhoria na qualidade de vida da população da comunidade, com a construção de cisternas de placas e barreiro. O estudo socioambiental realizado foi do tipo exploratório e quantitativo. A parte exploratória foi realizada na reunião mensal da Associação de Moradores da Comunidade Catolé, através do processo de conversação livre, mas direcionada aos problemas enfrentados pela comunidade, através de suas percepções. Na parte quantitativa foram aplicados questionários individuais para cada família. Foram aplicados questionários em 60% das famílias, segundo informação do Presidente da Associação. Avaliação socioambiental da comunidade Catolé em Nova Olinda-CE O número de pessoas por residência reflete a condição social ao qual esta sociedade está vinculada, pois a quantidade de filhos por famílias expressa duas situações bem distintas. As fa- 71 Coleção Novos Mestres mílias com menos filhos, pode estar associada com a preocupação dos pais com a futura geração, ou famílias com muitos filhos pode estar associado à falta de assistência a saúde, ou com a possibilidade da geração da própria força de trabalho, onde as crianças são utilizadas nas atividades domésticas. Na comunidade estudada percebe-se que 82% das famílias têm até oito pessoas por residência. No entanto foi constatado que as famílias formadas por pessoas mais jovens, na faixa de 40 anos, estão com menos filhos. Estes resultados estão de acordo com os obtidos pelo IBGE (2010), onde mostram que as famílias brasileiras estão ficando menores, apesar de que no Nordeste, e principalmente na área rural esta redução tem sido mais lenta ao longo do tempo. Constatou-se que 27% das famílias têm de 1 a 2 filhos, nestes casos todos os filhos tinham no máximo 10 anos, e que os pais não pretendiam ter mais filhos, pois relatavam as dificuldades de criação (educação, saúde e alimentação). Isto colabora com os resultados encontrados por Augusto e Góes (2007), em estudo na Chapada do Araripe em Crato e Jardim no Ceará. Na comunidade estudada, 82% dos pais (pai e mãe) são analfabetos ou passaram menos de quatro anos na escola, o que se torna um analfabeto funcional segundo o IBGE (2010), fato confirmado pela pesquisa, pois na coleta de dados, mesmo os entrevistados que responderam ter estudado até a quarta série não sabiam ler e escrever com coerência. Não ocorreram diferenças entre a escolaridade dos homens em relação às mulheres. Este resultado não foi condizente com os indicados por Augusto e Góes (2007), pois eles relataram que devido à estrutura organizacional das comunidades estudadas, os homens seriam menos favorecidos pela educação escolar, por causa dos trabalhos agrícolas e extrativistas. Na comunidade estudada, 91% das famílias recebem algum benefício do Governo, e cerca de 30% recebem mais de um benefício. Na conversa com o grupo da comunidade, ficou clara a importância dos programas do Governo, na melhoria de vida da comunidade. Estas observações estão de acordo com as obtidas por Chacon (2007), na qual relata que nos municípios situados na bacia do rio Banabuiú, os aposentados são responsáveis pela renda da família, pela falta de trabalho ou mesmo comodismo dos filhos em realizar os trabalhos agrícolas. Na comunidade estudada, 57% da renda fixa das famílias é provida dos auxílios governamentais. Em diálogo com o grupo, foi relatado que os homens da comunidade de até 40 anos, normalmente passam de 03 a 04 meses trabalhando na colheita do café em Minas Gerais, ou no corte da cana-de-açúcar em São Paulo, o que tem contribuído na geração de recursos para aquisição de bens como eletrodomésticos e motocicletas, em detrimento com investimento na educação. Resultado semelhante foi obtido por Chacon (2007). O acesso a terra na comunidade foi um dos graves problemas discutido pelo grupo de agricultores, como um fator limitante da agricultura na comunidade. Apesar de 73% das famílias possuírem terra, pode-se observar que 50% possuem no máximo 05 ha. Esta área em agricultura de sequeiro como o praticado na comunidade, sem a utilização de técnica e capital para boa produtividade, não tem como produzir alimento e renda para uma família com quatro pessoas. A agricultura é a atividade predominante na comunidade estudada, e as culturas de mandioca e feijão são cultivadas por 90 e 82%, respectivamente das famílias pesquisadas. Estes dados estão de acordo com os citados no Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do Sertão do Araripe (2011), e com os dados apresentados pelo senso demográfico agropecuário do IBGE (2010). A comunidade cultiva apenas culturas que possam ser utilizadas na alimentação humana e animal, sem grandes investimentos. Na comunidade estudada, 82% das famílias possuem cisternas em casa, e 22% das famílias tem mais de uma cisterna, como normalmente as cisternas tem a capacidade de armazenamento de 16 m3 d’água, há a necessidade de mais de uma cisterna para a segurança hídrica da família. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2012), são necessários de 50 a 100 litros de água potável por pessoa dia-1, mas no Brasil este consumo pode chegar a 320 litros. Índice de Vegetação da Diferença Normalizada (NDVI) na APA-Araripe O Índice de Vegetação da Diferença Normalizada (NDVI) é uma variável muito sensível às mudanças climáticas, pois o efeito verdejante é realçado pela precipitação ocorrida na região obtendo-se resultados bem distintos de uma época para outra (BRAGA et al., 2003; BAEZA et al., 2006; RODRIGUES et al., 2009; OBATA et al., 2012). A Figura 3 (A e B) mostra bem esta diferença relatada pelos autores. Na Figura 23, a ima- 72 Coleção Novos Mestres gem coincide com o período chuvoso na região. De acordo com os da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (FUNCEME), mesmo como ano de 1987 tendo ocorrido precipitações abaixo da média histórica, a vegetação respondeu ao estimulo de umidade do solo. Com mais 50% da cobertura vegetal da Área de Proteção Ambiental da Chapada do Araripe (APA-ARARIPE), esta com o NDVI entre 0,6 e 1. O que corresponde uma cobertura vegetal densa. Na Figura 3 B, a falta de umidade no solo foi o fator determinante para a redução do NDVI, pois 90% da área apresentou o índice entre 0,0 e 0,4. De acordo com Gurgel et al. (2003) e Rodrigues et al. (2009), valores de NDVI até 0,3, são indicativos de áreas de vegetação muito rala, ou que está passando por um estresse hídrico e com isto pode ter perdido todas as suas folhas. Situação bastante comum na região semiárida, onde a Caatinga perde a folhagem no período de estiagem, apresentando NDVI semelhante a solo descoberto. Figura 3- (A) e (B) Imagem recortada e classificada em 05 classes do NDVI da APA-Araripe. Origem (Landsat 5 TM 217 065 de 23/05/1987 e 12/09/1987, respectivamente). A Figura 4 B mesmo sendo do período chuvoso, apresenta característica do período de estiagem, pois no mês de janeiro do ano da imagem ocorreram precipitações em torno de 30 mm, não sendo suficiente para o aumento foliar da vegetação, sendo comparável a Figura 5 B que é do período de estiagem do mesmo ano. No entanto ao se analisar as Figuras 3 B e 5 B, percebe-se o incremento no NDVI. Neste intervalo de 20 anos, a evolução do índice foi principalmente na área localizada no Estado do Ceará, pois ela engloba a FLONA-Araripe e sua zona de amortecimento, com NDVI de 0,6 a 1,0. No entanto, a área localiza em Pernambuco tem reduzido o índice nos 20 anos analizados. Figura 4- (A) e (B) Imagem recortada e classificada em 05 classes do NDVI da APA-Araripe. Origem (Landsat 5 TM 217 065 de 23/09/1997 e 22/01/2007, respectivamente). Na Figura 5 A, ocorreu uma evolução muito positiva, em relação à Figura 4 A, que é também do período de estiagem. Contudo, percebe-se que a vegetação classificada como mata úmida e cerrado, ocorre baixa mudança no NDVI. Este resultado indica que o sistema está entrando em equilíbrio, pois, mesmo no período de estiagem a vegetação continua com sua folhagem, o que não ocorreu em 1987. Pois de acordo com Ferreira et al. (2006), a classe arbórea/florestal apresenta menor variação sazonal relativa devido à maior presença tanto de biomassa verde quanto estrutural ao longo do ano, pois este fato foi confirmado por todos os índices. O efeito sazonal vegetação observada nas imagens de satélite é percebido nas áreas que passam por mudanças drásticas no ciclo hidrológico, ou por estresse de temperatura. Ratana et al. (2005), verificou esta sazonalidade em estudo no Parque Nacional de Brasília, que está loca 73 Coleção Novos Mestres lizada no bioma do Cerrado. Este efeito foi percebido neste estudo, onde foi possível interpolar uma imagem do período chuvoso, com o de estiagem, o NDVI sofreu influência negativa com a ausência precipitação. Na Figura 5 B, ocorreu um amento no NDVI, em relação à Figura 5 A. Com o intervalo de 04 anos de uma para a outra, mas ambas sendo do período de estiagem e com a distribuição da precipitação semelhantes. O que representa a evolução da vegetação ao longo do período estudado. O NDVI da APA-Araripe no período estudado, onde foram analisadas as imagens de 1987 a 2011, apresentou comportamento de sazonalidade, resultado encontrado por outros autores em áreas de estudos com características semelhantes (GURGEL et al., 2003; RATANA et al., 2005 e RODRIGUES et al., 2009). Figura 5- (A) e (B) Imagem recortada e classificada em 05 classes do NDVI da APA-Araripe. Origem (Landsat 5 TM 217 065 de 18/08/2007 e 29/08/2011, respectivamente). Utilizando uma imagem do satélite Landsat 7 de 10/10/12 foi possível fazer a relação entre os índices de NDVI e IAF com a serapilheira acumulada nos biomas estudados. Verificou-se uma relação positiva estatisticamente entre os índices com o acúmulo de serapilheira (FIGURA 6). No entanto faz-se necessários mais estudos para compreender toda a dinâmica da biomassa na Chapada do Araripe, pois um dos fatores mais relevantes na produção e decomposição da matéria orgânica no solo da região é a precipitação. O ano de 2012 ocorreu precipitações abaixo da média, o que pode ter contribuído para o acumulo de serapilheira na área. De acordo com Zhoefei et al. (2012), em estudo na província de Jiangsu na China, também não encontrou relação positiva entre o NDVI e o IAF, não caracterizando a área de estudo. Como foi mostrado o IAF é um importante índice. No entanto a finalidade e a capacidade de resolução da imagem pode determinar a qualidade da informação. Figura 6- Analise de regressão linear com linha de tendência, equação do gráfico e R2 dos valores do peso de serapilheira acumulada (g m2), com o NDVI (A) e o IAF (B) nos biomas estudados na APA-Araripe, em dezembro de 2012. O IAF apresentou o efeito da sazonalidade das chuvas que ocorrem na região estudada. Como nos resultados encontrados por (COSTA et al., 2002 e ZHOEFEI et al., 2012). Por causa da grande variabilidade de chuvas na região, o IAF no período seco ficou de 0,0 a 0,5. Somente em algumas áreas, onde apresenta maior umidade natural, localizadas próximas à escarpa, no setor Oriental da Chapada, o IAF no período seco é superior a 01. 74 Coleção Novos Mestres Entretanto, este índice não pode ser totalmente desprezado, mas pode estar ocorrendo a menor captação da radiação emitida pelas folhas. Isto pode estar relacionado com as características fisiológicas da vegetação, pois as folhas são coberta com ceras, ou ficam coriáceas, com a finalidade de reduzir as perdas d’água pela transpiração. Acúmulo de serapilheira na APA-Araripe Vários fatores bióticos e abióticos afetam a produção de serapilheira, tais como: tipo de vegetação, altitude, latitude, precipitação, temperatura, regimes de luminosidade, relevo, deciduosidade, estágio sucessional, disponibilidade hídrica e características do solo. Dependendo das características de cada ecossistema um determinado fator pode prevalecer sobre os demais. O acúmulo de serapilheira na APA-Araripe apresentou variação significativa entre os biomas estudados. Na Tabela 1, percebe-se a influencia do sistema fitogeográfico na deposição de serapilheira, pois a mata úmida por apresentar maior vigor vegetativo, obteve produção de folhas superior estatisticamente aos outros ambientes. No entanto a produção de galhos não teve variação significativa nos três biomas. Tabela 1- Acúmulo de serapilheira nos três biomas (mata úmida, cerrado e carrasco) na APA-Araripe, fracionada em folhas galhos e outros (materiais fragmentado impossibilitando a classificação) em (g m2), em dezembro de 2012. Folhas Galhos Outros CV%linhas Total Mata Úmida 595.72 Aa 203.35 Ab 776.49 Aa 76.52 1575.56 A Cerrado 274.98 Bb 241.28 Ab 461.31 ABa 59.21 977.57 B Carrasco 209.70 Bab 111.87 Ab 285.70 Ba 69.37 607.27 B 53.55 105.81 93.30 CV%colunhas 60.73 Médias nas colunas seguidas de mesma letra maiúscula, e minúscula nas linhas, não diferem entre si, pelo teste de Tukey (P ≥ 0, 05) O acúmulo de serapilheira na superfície do solo é regulado pela quantidade de material que cai da parte aérea das plantas e sua taxa de decomposição. Esse acúmulo, conforme deve-se à quantidade anual de serapilheira menos a taxa anual de decomposição. O ritmo da queda da serapilheira é uniforme entre as espécies de árvores que crescem em condições similares de clima e solo. O acúmulo de serapilheira foi de 15.755,6, 9.775,7 e 6.072,7 Kg ha-1, nos biomas de mata úmida, cerrado e carrasco, respectivamente. Estes resultados são superiores aos encontrados por Lopes (2008), em estudo na Caatinga arbustiva em Iguatu-CE, onde obteve um acúmulo médio de 4.831,22 Kg ha-1. Em estudo na Caatinga do Seridó Santana (2005) obteve uma média anual de 6.286,43 Kg ha-1 e Souto (2006) 1.368,33 Kg ha-1 em área semelhante. Estes resultados mostram a variabilidade do acúmulo de serapilheira. Caldeira et al. (2007) estudaram a serapilheira acumulada em Floresta Ombrófila Mista Montana Paraná e verificaram 7.990 Kg ha-1, mas Clevelario Júnior (1996) em estudo na Floresta Tropical Úmida Baixo Montana, Rio de Janeiro observou um acúmulo de 20.500 Kg ha-1, sendo este um dos resultados mais elevados na literatura. A distribuição percentual da serapilheira mostra qual a parte da planta que mais contribui com o aporte de matéria orgânica do solo. Na área estudada os resultados divergiram dos encontrados por Lopes et al. (2009) e Domingos et al. (1997), pois os autores obtiveram mais de 60% da produção de serapilheira de folhas. Enquanto neste trabalho foi contabilizado em média 33% de folhas em relação à produção total (TABELA 2). Esta diferença pode ser explicada pelo fato de que ao separar a serapilheira coletada na superfície do solo, as folhas pequenas e mais fácil de decomposição não são separadas, contribuindo para aumentar a percentagem de materiais não identificados (outros). 75 Coleção Novos Mestres Tabela 2- Distribuição percentual de serapilheira acumulada nos três biomas (mata úmida, cerrado e carrasco) na APA-Araripe, fracionada em folhas galhos e outros (materiais fragmentado impossibilitando a classificação), em dezembro de 2012. % Mata Úmida Cerrado Carrasco Folhas 37.81 28.13 34.53 Galhos 12.91 24.68 18.42 Outros 49.28 47.19 47.05 Mendonça et al. (2009), ressalta a importância de preservação da floresta, como área de recarga do aquífero que abastece toda a região do cariri cearense. Com o mesmo propósito Araújo (2010), descreve a importância do manejo do solo, nas qualidades físicas, ressaltando a importância da preservação da serapilheira como cobertura, aumentando o aporte de matéria orgânica no solo, melhorando a infiltração desejada por Mendonça et al. (2009). Cconclusões A escolaridade dos chefes de famílias (pais) da comunidade Catolé em Nova Olinda-CE é um fator limitante ao uso de novas técnicas de produção. O cultivo de mandioca é a principal atividade agrícola desenvolvida na comunidade. Os programas de transferências de renda do governo e as aposentadorias rurais garantem a melhoria na qualidade de vida da comunidade, mas esta dependência é prejudicial a longo prazo. Existe a necessidade de uma política agrária, facilitando o acesso a terra e assistência técnica compatível com a realidade da comunidade. As cisternas contribuem com a segurança hídrica, mas é necessário a construção de reservatórios de 50 m3 por famílias.O monitoramento da floresta através de imagens de satelites mostrou-se uma ferramenta eficaz. O IAF mostrou-se pouco eficaz na avaliação temporal da floresta, mas pode ser ajustado através de trabalhos futuros. A serapilheira acumulada na superfície do solo foi compatível com o NDVI e o IAF apresentado nas imagens. A utilização de imagens de satelites é uma alternativa na fiscalização de atividades antrópicas em grandes, ou que seja de difícil acesso. Referências ALLEN, R.G.et al. TREZZA, R.; TASUMI M. Surface energy balance algorithms for land – Advance training and users manual. Version 1.0. Idaho: Kimberly, 2002. p.98. ARAÚJO, A. O. Avaliação de propriedades físicas dos solos e da Macrofauna edáfica em áreas submetidas a manejo Florestal de vegetação nativa na Chapada do Araripe. 2010. 76 f. 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Esse mesmo Campus está se tranformando nestes dias (junho de 2013) na nova Universidade Federal do Cariri (UFCA), que, de sua vez, terá campi descentralizados, em mais duas cidades menores (Icó e Brejo Santo). O volume de discussões que a interiorização da Universidade gerou, e continua gerando, me deixa a certeza de que vários seriam os pontos de vistas a partir dos quais analisar a questão. Um, que aqui não é tocado é, por exemplo, o que indaga de que forma a chegada da Universidade Federal vai consolidando os poderes políticos localmente e globalmente constituídos. Por mais que privilegiemos a ideia de que a Universidade possa dar voz a um saber e atitudes críticas, com relação ao “status quo”, esse não é necessariamente o caso. A escolha de repropor esta reflexão, algum tempo depois de sua formulação originária, depende da avaliação de que, apesar de tudo, o questionamento que ele avança é ainda demasiado atual e merece atenção. Isso especialmente por ser, de longe, uma questão que, facilmente, fica obscurecida e esquecida nas entrelinhas nos discursos oficiais, assim como nas premissas implícitas que sustentam a ação dos atores, nesse palco de novas possibilidades. Uma das hipóteses que fundamentam o trabalho é que seja possível avançar algumas considerações sobre “os interiores” em sua relação com ”o Centro”, isto é alguma reflexão em torno da relação entre global e local a partir de um ponto de entrada específico, que é o da dinâmica instaurada ao se inserir nesta relação o ator Universidade, o qual representa no senso comum, pelo bem ou pelo mal, o sujeito por excelência de produção de conhecimento. De que conhecimento, a partir de quais pressupostos, e com quais êxitos dentro do novo contexto ocupado é o que procurarei indagar. Quanto dito não implica, de forma alguma, que todos os interiores sejam iguais, ou que as diferenças entre eles sejam descartáveis; a tese avançada, que se quer colocar em debate, é que estejamos hoje diante de algumas bifurcações exatamente pelo que diz respeito à relação entre Interiores e Centro, que podem ser observadas a partir de interiores diversos, cada um dos quais apresentará, provavelmente, uma sua forma própria de se deparar frente àquelas bifurcações. Confirmando esta ressalva, e para situar a reflexão, será providenciada uma breve e necessariamente parcial descrição da região do Cariri dentro do Estado do Ceará. A seguir, serão apresentadas as possibilidades de uma postura dialógica na produção do conhecimento, e do reconhecimento da parcialidade e complementaridade de todo saber/ignorância. A abordagem metodológica, denominada das Metodologias Integrativas, será apresentada como um referencial teórico pertinente ao desafio de nortear a ação nessa nova situação. Pretender traçar conclusões sobre uma matéria tão quente seria muita pretensão. Sei, todos sabemos, que o processo de interiorização da Universidade é apenas um fator que realça um problema geral de relação entre saberes, de deposição de antigas primazias e aceitação de uma postura de co-produção, reconhecendo que todo saber é um saber com, inter-saber. No entanto, os Interiores desafiam radicalmente a universidade em suas práticas recorrentes abrindo espaços de diálogo entre visões de mundo, um diálogo que será possível se aceitarmos extrapolar os códigos racionalistas dominantes em busca de novas práticas pedagógicas solidárias e sustentáveis. Palavras-chave: Introdução Cariri/Ceará/ Brasil. Um dos inúmeros interiores brasileiros. Nordeste: um oásis no Sertão. Pólo de crescimento acelerado no estado do Ceará, grande pólo de atração para o turismo religioso e as romarias ainda hoje mobilizadas pela figura carismática do Padre Cícero; lugar onde reconhecemos as marcas do subdesenvolvimento, a presença de uma cultura arcaica e de fortes tradições pertencentes a um mundo rural sofrido e mal tratado pelos centros do poder nacional. Observamos hoje aqui multíplices tensões e contradições típicas da pós-modernidade, aberturas e potenciais devidas à inserção deste, como de outros territórios “periféricos” em redes globais. Estão, os interiores, em face do dilema de escolher que caminho de desenvolvimento trilhar. Simplificando 80 Coleção Novos Mestres podemos enxergar duas opções distintas: o caminho conhecido do desenvolvimento predatório típico da modernidade, hoje em crise manifesta, ou um caminho diferente que integre tradição e inovação e re-signifique os objetivos a serem alcançados e os meios para atingi-los. É neste contexto denso de tensões e potenciais que se insere o processo de Interiorização da Universidade Federal no Brasil, processo que aposta em duas hipóteses distintas, a mais óbvia das quais é a possibilidade de influenciar e qualificar os processos de transformação em curso através da política da educação e do conhecimento. Uma segunda hipótese é aquela que me interessa mais nestas notas. Ela diz respeito à relação que é possível estabelecer entre Universidade e Contexto Local, relação esta que procura evitar os modelos herdados do passado onde o saber científico era o único dono da verdade e o cientista o único produtor de conhecimento válido, lançando implícita ou explicitamente um véu de inexistência sobre qualquer outra forma de conhecimento e qualquer outro sujeito enquanto produtor legítimo de saber (SANTOS, 2008). A insuficiência do saber constituído para enfrentar as múltiplas crises da contemporaneidade começa a aparecer incontestável, e o conceito de limite, além de se impor como referencial em nossa relação com o meio ambiente, se afirma como marca de qualquer aventura cognitiva. Assim, com Boaventura Santos, afirmamos que não existe saber em geral ou ignorância em geral; qualquer saber é superação de uma ignorância específica e qualquer ignorância é ignorância de um saber específico. O que cria a necessidade de aproximarmos a verdade do outro, mas, também, as bases do choque entre visões de mundo, maneiras de se formatar os problemas e de pretender solucioná-los, culturas e práticas políticas. A partir desta nova consciência surge a necessidade de repensar o próprio papel de produtores de conhecimento a partir de um paradigma de “Ecologia de saberes”, dentro do qual o desafio mais alto está na necessidade de reinventarmos as possibilidades de escuta, de troca e de diálogo com o Outro. O referencial das Metodologias Integrativas e não Convencionais entra neste ponto específico para indicar formas específicas de lidarmos com nosso desafio. Localizando o Cariri O Ceará tem a quarta extensão territorial da região Nordeste e é o 17º entre os estados brasileiros em termos de superfície territorial. Com um Produto Interno Bruto (PIB) calculado em mais de R$ 45 bilhões, o Ceará também possui a segunda maior economia da Região Nordeste do Brasil. Contudo, apesar dos índices de crescimento entre os mais elevados a nível nacional nos últimos 30 anos, o que chama atenção é a incapacidade deste crescimento se refletir diretamente na melhora das condições de qualidade de vida das populações e a persistência de situações de carência especificamente nas áreas da saúde, habitação, acesso à educação de qualidade. Dentro do Estado a região do Cariri sempre se destacou por características específicas e peculiares, em primeiro lugar ambientais e climáticas (como testemunhado pela popular qualificação de “oásis no sertão”), assim como culturais e econômicas. O vale do Cariri e a Chapada do Araripe, com sua Floresta Nacional protegida desde 1946, suas jazidas arqueológicas e paleontológicas são um fenômeno certamente singular na paisagem do sertão. Figura 1. Mapa do projeto Cidades do Ceará - Cariri central.53 53 Fonte: http://www.cidades.ce.gov.br/categoria4/mapa-cidades-ceara-01-cariri.jpg/view 81 Coleção Novos Mestres Além disso, esta região caracteriza-se por uma dinâmica econômica peculiar, alavancada pela condição geo-climática favorável, pela colocação estratégica eqüidistante de todas as capitais nordestinas, pela condição de pólo de turismo religioso entre os mais importantes da América Latina. Ainda assim, mais uma vez constata-se que o crescimento constante dos indicadores econômicos não se reflete mecanicamente na melhora dos indicadores sociais e humanos. Os bolsões de pobreza e exclusão radical são importantes e chamam tanto mais atenção enquanto contrastam com alguns equipamentos (por exemplo, na área privada da saúde) que apresentam padrões de “primeiro mundo”. Em virtude desta especificidade e do potencial que ela manifesta, a região tem hoje um lugar privilegiado nas políticas Federais e Estaduais, como demonstrado pela quantidade de políticas de investimento e valorização territorial que traçam recortes nem sempre correspondentes e se sobrepõem normalmente sem buscar coordenação e sinergia. Listando as principais encontramos o “Pólo de Desenvolvimento Integrado do Cariri Cearense”, promovido pelo Banco do Nordeste junto a segmentos do Governo do Estado, da iniciativa privada e da sociedade civil organizada. A política Federal “Territórios da Cidadania” inclui o Território do Cariri entre os seis do Ceará selecionados para integrar este que se apresenta como um dos mais arrojados e inovadores entre os Programas Federal dedicados ao objetivo da “promoção do desenvolvimento econômico e universalização dos programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável”54. A instituição da Região Metropolitana CraJuBar, criada por uma Lei Complementar Estadual nº 78 sancionada em 29 de junho de 2009, surge a partir da conurbação entre os municípios de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha. O Projeto Cidades do Ceará/Cariri Central, é uma ação que pretende impulsionar o desenvolvimento da região do Cariri, por meio do fortalecimento das atividades econômicas do turismo e da produção de calçados. Movimentos geradores: a interiorização da Universidade Federal Ao observar o processo que leva, em menos de dez anos, à criação de inúmeras novas Universidades ou de campi descentralizados de Instituições de Ensino Superior já existentes, estamos focalizando um âmbito sensível pelo que diz respeito à grande questão do desenvolvimento do país. Usando o exemplo da Universidade Federal do Ceará: “Quando uma instituição do porte da UFC resolve expandir suas atividades, distribuindo seus campi de norte a sul do estado, gera inevitavelmente um movimento de mudança e de reflexão da sociedade, do poder público e da própria iniciativa privada. Ao localizar um Campus no norte do estado (em Sobral), no Sertão Central (Quixadá) e no Cariri (sul do Ceará, divisa com vários estados do Nordeste), a Universidade provocou o deslocamento de recursos financeiros e humanos para essas áreas.” (CHACON, 2008, p. 3) Só para reconstruir sinteticamente a trajetória de criação do novo campus da UFC no Cariri, é a partir de 2006 que se instalam os primeiros seis cursos, se bem que em uma estrutura provisória, enquanto foi em 20 de outubro de 2008 que o Presidente Lula inaugura oficialmente o novo campus, sediado no bairro da Lagoa Seca. Este surge em área doada pela prefeitura de Juazeiro do Norte, com evidentes objetivos de valorização imobiliária de um setor da cidade que ainda era marginal, e hospeda os cursos de Administração, Agronomia, Engenharia Civil, Filosofia, e Biblioteconomia55. A partir de 2010 foram adicionados mais quatro cursos sendo eles: Educação Musical, Engenharia dos Materiais, Design de Produtos (com foco em calçados e jóias), Comunicação Social e Jornalismo. No primeiro semestre de 2011 é lançado na região o primeiro Mestrado Acadêmico em Desenvolvimento Regional Sustentável com foco explícito na questão da convivência com o semi-árido, enquanto no segundo semestre do mesmo ano entrará em atividade o primeiro curso de Bacharelado em Administração Pública com foco em Gestão Social. Hoje a o 54 O Território da Cidadania Carirí - CE abrange uma área de 15.225,60 Km² e é composto por 27 municípios. A população total do território é de 853.838 habitantes, dos quais 262.238 vivem na área rural, o que corresponde a 30,71% do total. Possui 48.208 agricultores familiares, 605 famílias assentadas e 2 comunidades quilombolas. Seu IDH médio é 0,66.” (Fonte: Sistema de Informações Territoriais (http://sit.mda.gov.br .) 55 O curso de medicina está sendo omitido desta reconstrução por ter uma história diferente, fundação anterior (em 2001) e externa ao movimento de reforma do Reune, e localização excêntrica com respeito à construção do Campus que estamos descrevendo. A sede deste curso é na cidade de Barbalha. 82 Coleção Novos Mestres campus Cariri acolhe cerca de 1500 estudantes, 150 professores e 42 servidores técnicos. A locução “Interiorização da Universidade”, e o processo que ela aponta, aproximam dois elementos que foram considerados longamente separados, se não antitéticos: “o interior”, em senso geográfico e territorial, é tido tradicionalmente no Brasil como o espaço do atraso, da carência e estagnação econômica, da falta de acesso ao conhecimento e à tecnologia e, ainda mais, da incapacidade de produção autônoma destes. Pode até ser repositório de um sentimento romântico ligado à saudade de tempos passados, mais calmos e aconchegantes, mas o caráter dominante que ele sugere é, sem dúvida, o primeiro, da falta. Por outro lado “a universidade”, enquanto ator (que nestas notas assumirei ser unitário) e espaço privilegiado, se não único, da produção do conhecimento, foi tradicionalmente localizada no “centro”, isto é nos locais propulsores do desenvolvimento sócio-econômico e cultural do país, ou seja, nas capitais. À medida que um novo projeto de país começa a tomar forma, e que a questão da superação dos enormes desequilíbrios regionais e de concentração de renda entre as classes sociais assume prioridade, a interiorização da universidade torna-se, aparentemente, um passo estratégico a ser dado com vista ao alcance de um desenvolvimento mais justo e sustentável. Esta afirmação procede da consideração implícita de que, como estamos vivendo em “sociedades do conhecimento”, é pelo acesso e produção dele que passará, necessariamente, qualquer processo de re-equilibrio das desigualdades históricas que o modelo de desenvolvimento nacional trouxe consigo. No entanto, o movimento de interiorização das Universidades Federais brasileiras é tão interessante justamente por conta da carga de ambigüidade que ele apresenta e da abertura, em termos de resultados, que ele pode trazer sendo alguns destes potencialmente inovadores e outros simplesmente confirmadores de formas de relação entre o centro e as periferias, o global e o local, onde as hierarquias e o poder estão postos e estabelecidos. Os Interiores no pensamento abissal Cabem aqui, para avançar no desenvolvimento de meu argumento, as noções de pensamento abissal e pós-abissal, que Boaventura Santos usa como estruturantes no seu recente trabalho sobre as “Epistemologias do Sul” (SANTOS, 2010): “O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste num sistema de divisões visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’. A divisão é tal que ‘o outro lado da linha desaparece enquanto realidade (...) é mesmo produzido enquanto inexistente. (...) Tudo aquilo que é produzido enquanto inexistente é excluído de forma radical (...). A característica fundamental do pensamento abissal é a impossibilidade da copresença dos dois lados da linha. Este lado da linha só prevalece na medida em que esgota o campo da realidade relevante. Para além dela há apenas inexistência, invisibilidade e ausência não dialética” (IBID, p. 32) Nesta hipótese de leitura proponho olhar os Interiores brasileiros e, especificamente, o sertão nordestino a partir do qual surge minha fala, como “o outro lado da linha”, um dos muitos “outros lados” de fato excluídos, silenciados, representados e criados como carentes de tudo, a partir do “lado de cá” da linha, isto é dos centros globais do próprio Brasil e do discurso das políticas públicas de desenvolvimento. Deixo de lado o argumento segundo o qual o Brasil como um todo, deva ser considerado como colônia assumindo que as metrópoles globais brasileiras e o discurso que produz as políticas públicas no país joguem, de fato, um papel de tipo colonizador com respeito aos Interiores. E ainda Boaventura quem acrescenta: “O conhecimento e o direito modernos representam as manifestações mais bem conseguidas do pensamento abissal. (...) No campo do conhecimento o pensamento abissal consiste na concessão à ciência moderna do monopólio da distinção universal entre verdadeiro e falso” (IBID, p. 33). Este monopólio, conforme o nosso autor, foi disputado com mais dois campos de saber, nomeadamente, o da filosofia e o da teologia, mas a ciência, usando o método científico enquanto lastro fundamental e guia certo de qualquer prática cognitiva, pretendeu e alcançou na sociedade ocidental moderna o estatuto de único possível produtor de um saber universalmente válido. As tensões existentes entre ciência, filosofia e religião se dão todas no 83 Coleção Novos Mestres campo demarcado dentro das sociedades ocidentais modernas como legítimo para a produção de conhecimento e a disputa em torno dele. O que normalmente passa inobservado é que este campo assenta na “invisibilização” de outro campo de saberes os quais não se encaixam nestas formas canonizadas: “Refiro-me aos conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses, ou indígenas do outro lado da linha. (...) Do outro lado da linha não há conhecimento real, existem crenças, opiniões, magia, idolatria, entendimentos intuitivos ou subjetivos que, na melhor das hipóteses, podem tornar-se objeto ou matéria prima da inquirição científica.” (IBID, p. 33-34) Os Interiores seriam, portanto, adotando a interpretação proposta, um dos lugares cuja ausência, invisibilidade e irrelevância, em termos geográficos, econômicos, políticos e culturais, foi ativamente construída pelo pensamento abissal durante séculos e ainda hoje. Estas “ausências” são criadas pela marginalidade com respeito aos fluxos e redes que inervam a modernidade (como os equipamentos, as infra-estruturas ou as redes relacionais do poder constituído), pela marginalidade e “descabimento” com respeito às dinâmicas culturais e às estéticas dominantes no “centro global” e também pela invisibilização e desvalorização de todo saber local representado enquanto carente de fundamento e validade. É claro, portanto, que a Universidade, enquanto produtor por excelência do saber dentro da sociedade moderna ocidental, protagoniza o processo aqui sinteticamente retratado e que resulta na produção da ausência (invisibilidade, irrelevância, incompreensibilidade) do(s) Interior(es). O desperdício da Experiência Social É preciso esclarecer que a referência feita acima ao pensamento de Boaventura Santos, é apenas uma alusão e está bem longe de esgotar a complexidade da reflexão que ele traz a respeito da gênese e dos dispositivos de funcionamento da modernidade ocidental capitalista, exploradas a partir de conceitos tais quais, pensamento abissal e pós-abissal, colonialidade e descolonialidade, tensão entre as categorias de regulação/emancipação (vigente na metrópole) e apropriação/ violência (a princípio vigente na colônia). Contudo, uma análise mais aprofundada deste aparato teórico não cabe no espaço destas notas e aqui nos é suficiente reconhecer o seguinte: que a “simples” chegada da Universidade no(s) Interior(es) não tem chance alguma de reverter a condição que eles têm sofrido e ainda sofrem, de irrelevância, carência programada e o processo que o próprio Boaventura assim descreve iconicamente: “Há produção de não-existência sempre que uma dada entidade é desqualificada e tornada invisível, ininteligível ou descartável de um modo irreversível.” (SANTOS, 2008, p. 102). É o que o próprio autor chama de “Ausência”, enquanto status ativamente produzido pela modernidade ocidental com respeito a tudo o que escapa aos padrões da civilização dominadora. Esta procede, durante séculos, à construção de hierarquias cuja arbitrariedade acaba se tornando invisível como aparece, por exemplo, com as dimensões de raça e sexo, onde desde cedo em nossas vidas aprendemos que branco é melhor do que preto (ou indígena) e homem melhor do que mulher. Assim, continuando na mesma linha, aprendemos que moderno é melhor do que primitivo, industrial é melhor do que agrícola, culto melhor do que popular, e por passagens progressivas, quase inevitavelmente, também entendemos que a capital (até que não seja metrópole) é definitivamente e indiscutivelmente melhor do que o interior, por concentrar e providenciar o acesso ao que se tem de mais moderno, industrial, culto dentro de um território. “De acordo com esta lógica, a não-existência é produzida sob a forma de inferioridade insuperável porque natural. Quem é inferior, porque é insuperavelmente inferior, não pode ser uma alternativa credível a quem é superior.” (IBID, p. 103) É por este caminho que se produz o que nosso autor chama de “desperdício da experiência” (IBID, p. 94), isto é: a) o se jogar no lixo da história toda a experiência social que extrapola os cânones assumidos como válidos; b) o se achar que o mundo é apenas e só o que a visão cientificista e racionalista de mundo consegue enxergar e explicar; c) o se achar que o que está posto – o mundo como o conhecemos – representa o “fim da história” e não seria nem desejável nem possível imaginar outras possibilidades ou alternativas. 84 Coleção Novos Mestres Um Pensamento pós-abissal e a Ecologia dos saberes Tudo quanto colocado acima não diz respeito apenas ao campo das ciências sociais. Pelo contrário, o que estou apontando é um fenômeno que extrapola um campo delimitado para abranger o senso comum, sendo uma das coisas mais apavorantes o fato de que os próprios excluídos e “ausentados” pela visão paradigmática dominante estão, muitas vezes, imbuídos por ela e acreditam nas hierarquias e atribuições de valores que ela põe. Alienados de si próprios, criados e socializados para reconhecer o dominador como naturalmente melhor e por isso destinado a ganhar na vida, descrentes deles mesmo e de sua cultura originária, muitas vezes incapazes de se pensar se não dentro de uma relação de subalternidade à cultura dominante e prontos, portanto, a abraçá-la e reproduzi-la se apenas tiverem chance. Eis uma descrição sintética dos que foram postos do outro lado da linha abissal (para usar ainda a metáfora do Boaventura): os povos indígenas, as comunidades periféricas, socialmente e economicamente marginalizadas, os inúmeros sujeitos que não puderam ou quiseram acessar as veredas da ciência, achando-as, de forma consciente ou não, demasiado desrespeitosas de suas visões de mundo, valores e vidas no geral. Talvez possamos entender melhor, a partir destas considerações, o grau de ambigüidade implícito no movimento da Universidade em direção aos Interiores, existindo nele uma linha possível de continuidade, confirmação de relações assimétricas já postas entre as partes, e uma de inovação e sendo que as ações concretamente realizadas oscilam entre uma e outra buscando pontos de equilíbrio sustentáveis. Tenho ouvido comparar-se a chegada da universidade ao Cariri a um novo começo, um marco fundamental, à abertura de novos caminhos, como quando chegou a energia elétrica e desencadeou uma fase nova de desenvolvimento; quem nunca viveu isso mal consegue imaginar. E mesmo assim, acolhendo o sentido destas comparações tão marcantes, ainda estamos no campo da ambigüidade mencionada acima. Olhamos, por exemplo, casos de confirmação das assimetrias postas: aí vem a universidade para dizer ao povo interiorano, deseducado e grosso, como é que devem ser as coisas para que se possa finalmente mover em direção à civilização. Aí vem para que se tenha finalmente, nestas terras abandonadas, uma base de representação da Ciência e da Tecnologia para nós opormos aos obscurantismos do poder político autoritário e opressor, para contrapor uma razão objetiva à arbitrariedade do interesse particular. Ou olhamos exemplos de inovação: também poderia vir uma universidade que adote uma postura humilde e despretensiosa, sem se achar única representante legítima da Verdade e mensageira dela para um mundo em falta. Não será marcante que ela considere a sua visão de mundo, a visão científica do mundo, como uma entre outras muitas possíveis, e que se disponha para escutar as demais, para dialogar de par a par, sem contar necessariamente com patentes de autoridade ou supremacia incontestáveis? Os que clamam hoje por uma visão de ecologia de saberes (MORAES, 2008; MORIN, 1996, 2000; SANTOS, MENEZES, 2010) estão chamando atenção pela insuficiência da ciência positivista frente ao nosso mundo instável, incerto, imprevisível e complexo. Essa ciência, que cresceu no lastro de divisões dicotômicas que refletem as divisões abissais citadas acima: a mente e o corpo, o objetivo e o subjetivo, a razão e a emoção, o cálculo e a intuição, o social e o biológico..., esbarra hoje nos limites trazidos pela visão separada do mundo que tanto fatigamos em conquistar. É sempre e só no primeiro termo da relação que insiste a possibilidade de se produzir conhecimento de forma válida e certa. No segundo só tem arbitrariedade, aspectos pré-sociais, falta de controle. Para ser científico o conhecimento deve ser neutro, objetivo, não perturbado por emoções, almejar a generalidade absoluta e a indiferença ao contexto e às culturas locais. Fomos todos educados, cientistas e não, para mantermos separados os dois pólos destas dicotomias. Estava nisso mesmo a garantia de cientificidade do saber que produziríamos. Hoje o mundo que vivenciamos nos surpreende continuamente com sua variedade, diferença, imprevisibilidade, complexidade e contradição. Não existe, aparentemente, um princípio só capaz de dar conta disto tudo, isto é exatamente o contrário do que fomos levados a acreditar: que o princípio de racionalidade científica (linear, instrumental, objetiva) fosse a pedra de toque para podermos conhecer, intervir e dominar a realidade natural e social. Agora, enquanto observamos a era do nosso domínio ir se encerrando numa incipiente catástrofe ambiental começamos a considerar a necessidade de reintegrar as partes cindidas de todas as dicotomias que herdamos do paradigma já dominante, e emerge a própria palavra “integração” como lema e chave de acesso à postura que precisamos 85 Coleção Novos Mestres adotar e praticar enquanto sujeitos responsáveis, entre outros, pela produção de conhecimento para o tempo que vem. Aceitando o desafio do diálogo Olhando-a na sua concretude, a interiorização da Universidade Federal acontece através de um processo de “importação” para os Interiores de um bom número de profissionais de elevada qualificação oriundos de muitos lugares do país e, não raramente, até de pessoas estrangeiras. Este simples fato já origina uma dinâmica complexa dentro da qual se pode reconhecer ao mesmo tempo o elemento de fascinação pelo diferente, e o que leva a hostilizar o estrangeiro. No primeiro caso, a fascinação pelo diferente é imbuída muitas vezes pelo sentimento de submissão e “menoridade” frente ao “doutor”, à pessoa que vem de fora,” viajada“ e experta do mundo grande lá fora. Pelo outro lado também é fácil reconhecer a barreira posta frente ao diferente que se torna “estrangeiro”. E é preciso muito pouco para recair em tal categoria, até um nordestino de outro estado, especialmente se de uma capital, já é estrangeiro. Nem se fale de alguém do sul do Brasil que pode se sentir estrangeiro no sertão tal qual um estrangeiro de verdade. O mapa dos pontos de aproximação e das distâncias postas entre os recém chegados e o contexto acolhedor é bem interessante, pois mostra pontos de proximidade inesperados e surpreendentes e distâncias igualmente inesperadas ali onde, em princípio, se esperaria por relações mais fáceis e fluidas. Nesta cartografia de proximidades e distâncias também entra num jogo fluido a postura assumida por cada representante da Universidade frente ao contexto; postura autoritária de quem possui a Verdade e está ali para “vendê-la”, ou postura dialógica de quem reconhece que “não há ignorância em geral nem saber em geral. Toda a ignorância é ignorante de um certo saber e todo o saber é a superação de uma ignorância particular” (SANTOS, 1995: 25, APUD, SANTOS 2008). Se colocar, portanto, frente ao contexto interiorano silenciando as muitas vozes conscientes e inconscientes que criaram dentro de todos nós a imagem de um interior só retrógrado, só carente e sem opção, só autoritário, só inculto e grosseiro; para não chegar a pensar que a única saída certa desta situação seja, mais uma vez, a importação do modelo de desenvolvimento das capitais, cuja crise é tão patente que precisaria de coragem para apontá-lo como referência para alguém. O que é pedido é um exercício de voluntária e teimosa e persistente amplificação de todos os sinais que falam de outro Interior: competente, criativo, autoconfiante, ciente de seu potencial, sem complexos de inferioridade, sem fascinações por modelos importados de fora para dentro, mas também sem ostracismos exagerados em direção ao que vem de fora. Será, mais uma vez, diálogo, a palavra certa? E que diálogo deve ser este que não sirva para confirmar a exclusão mais uma vez inexorável, dos tantos sujeitos que, nestes Interiores, não estão aptos a participar da luta que se trava, com argumentos racionais nas mesas dos cultos e dos educados. Deverá este diálogo ser apenas diálogos entre racionalidades, frias, objetivas, separadas de corpos e corações, ou não poderíamos reconhecer que é de outros diálogos, mais ricos e integrados, multidimensionais e performativos, diálogos de corpos dançantes e atuantes, de vozes e músicas, de jogos e brincadeiras que precisamos hoje para o encontro entre a Universidade e os Interiores? Não será a partir deste novo tipo de diálogo que teremos alguma chance de reverter o processo histórico que ausentou e aniquilou de seu possível papel social todos os que não dominam os códigos cultos da racionalidade formal, da análise objetivante, da busca tranquilizadora de nexos lineares de causa e efeito? Os iletrados, camponeses, indígenas, quilombolas, “caipiras” e quantos mais, esquecidos e desmerecidos da nossa história, poderemos tentar encontrá-los não já a partir de práticas que os tornam, uma vez mais, apenas objetos de observação, sem voz nem cultura própria e sim a partir dos campos próprios de sua subjetividade? E não será, afinal das contas, esta chance de integração dos sujeitos algo que abre campos promissores e esperançosos não apenas na relação da universidade com o contexto externo mas também para dentro dela? Metodologias integrativas56 O que está se sugerindo aqui é uma transformação importante das práticas que conduzimos, enquanto universitários em processo de interiorização, ao nos relacionarmos com os nossos contextos de referência quer na didática quer na extensão. O que está sendo proposta é uma re56 As que aqui chamo de Metodologias Integrativas já foram objeto de minhas reflexões em Giannella, (2007, 2009) e Giannella, Moura (2009). Naqueles textos utilizei da definição de Metodologias não Convencionais. 86 Coleção Novos Mestres fundação radical dos princípios que praticamos, muitas vezes de forma implícita e outras tantas de forma explícita quando entramos em sala de aula assim como quando nos dispomos a freqüentar algum contexto comunitário para liderar ações que pretendem suportar os próprios sujeitos locais com seus projetos de vida. Como o seu próprio nome declara, as Metodologias Integrativas apostam na possibilidade de pautarmos a nossa ação de educadores e gestores sociais na prática insistente de re-integração e re-ligação de todas as múltiplas polaridades dicotômicas sobre as quais o paradigma positivista dominante em ciência nos últimos cinco séculos se construiu e através das quais nos de-formou durante os muitos anos de treino na escola e na universidade. Esta prática integradora é tão inusitada para os que se criaram por uma educação convencional que até ao nominá-la não está claro em que ela consistiria. Pois pensar numa educação que inclua os corpos, que abrace as emoções, que reconheça que um processo de aprendizagem acontece muito melhor num ambiente que acolhe os sujeitos em sua integralidade, corpomente, razãoemoção, análiseintuição, ainda hoje é um desafio gigantesco. Quer seja na sala de aula ou nas salas de centros comunitários ou de associações não podemos deixar de reconhecer que o clima que a chegada do Professor cria é um clima de medo, de recusa de se expor para não incorrer no risco de estar errado, de falta de autoconfiança, e de confiança nos demais parceiros da viagem que é o apreender, de falta de gosto na aventura que esta viagem pode proporcionar. Um grande desperdício! O que acontece quando o/a professor/a sai do lugar da certeza e da posse da verdade e entra num processo de escuta e reconhecimento das condições materiais concretas em que a sua aula, a sua ação acontece? Espaços desconfortáveis, corpos cansados, mentes sobrecarregadas de milhões de tarefas e pressões, necessidade de competir, de mostrar ser o melhor. Como isso afeta a relação de ensino/aprendizagem? Estamos tentando abrir nossas aulas ou os encontros comunitários com momentos de descontração, de foco na respiração, de alongamentos, brincadeiras, de cuidado e aconchego dos corposmentes. É importante não se assustar com o primeiro estranhamento, quando se percebe na sala o estrondo de padrões incrivelmente arraigados se quebrando; mas o que acontece depois é um salto impressionante em termos de capacidade de concentração. Ao incluirmos os corpos, ao legitimarmos as emoções, reconhecer o cansaço e o stress, expressa-se um cuidado, uma atenção pelas pessoas que se sentem envolvidas, inteiras, e começam a confiar. A quebra do medo de errar é um dos pontos cruciais de qualquer processo de aprendizagem. Sem errar ninguém aprende. Portanto proporcionamos dinâmicas que possibilitam a expressão de opiniões e reflexões, que valorizam a contribuição de cada membro integrante do grupo, que demonstram como todos e cada um/a tem algo a contribuir, dinâmicas que serão, de preferência, lúdicas ou baseadas na valorização da experiência de vida de cada um/a. Trabalhar com base na experiência de vida é um fator de extrema importância, pois dessa ninguém é desprovido; encontrar os nexos entre esta experiência e as matérias/problemas tratados, é uma estratégia de grande valia que pode conduzir a uma atitude ativa e exploratória por parte dos aprendizes. Outro grande achado é a possibilidade de sairmos dos formatos padronizados de análise das questões, para introduzirmos outros meios, valorizando sensibilidades e intuições: as encenações teatrais, o uso de fotos, vídeos, a possibilidade de se escrever textos em formas de narrações e roteiros. Estimular a capacidade criativa altamente reprimida de jovens e menos jovens e a nossa mesmo é também um caminho que nos leva a resultados surpreendentes. Aceitar e introduzir em nossa prática pedagógica o princípio da existência das inteligências múltiplas que nos diz que cada pessoa tem muito mais do que apenas uma inteligência lógico-matemática e parar com o enorme desperdício das nossas inteligências corporais, espaciais, relacionais, artísticas... parar de pensar que a criatividade é algo útil apenas para quem estuda artes, começar a reconhecer que é esta divisão dramática em caixinhas estanque que está nos impossibilitando enxergar as saídas para as crises do presente. Ao invés de conclusões, prelúdio de continuações. Impossível dar conclusão a uma reflexão tão incipiente sobre uma matéria tão quente de vida e de trocas, tão cheia de entusiasmos e constrangimentos. Sei, sabemos, que o processo de interiorização da Universidade é apenas um fator que realça um problema geral de relação entre saberes, de deposição de antigas primazias e aceitação de uma postura de co-produção, reconhecendo que todo saber é um saber com, inter-saber. No entanto os Interiores desafiam radicalmente a universidade em suas práticas recorrentes abrindo espaços de diálogo entre visões de mundo, um diálogo que será possível se aceitarmos extrapolar os códigos racionalistas dominantes em 87 Coleção Novos Mestres busca de novas práticas pedagógicas solidárias e sustentáveis. Referências CHACON, Suely Salgueiro. Construção de indicadores de sustentabilidade para a Avaliação dos do Desenvolvimento Regional do Cariri cearense, Projeto de Produtividade em Pesquisa, CNPq, 2008. 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Cortez Editora, São Paulo, 2010. 88 Coleção Novos Mestres DOENÇAS DE VEICULAÇÃO HÍDRICA - PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO DAS FAMÍLIAS ATENDIDAS PELAS EQUIPES DE SAÚDE DA FAMÍLIA57 WATERBORNE DISEASES - SOCIODEMOGRAPHIC PROFILE FAMILIES ATTENDED BY FAMILY HEALTH TEAMS ENFERMEDADES TRANSMITIDAS POR EL AGUA - FAMILIAS PERFIL SOCIODEMOGRÁFICO ATENDIDOS POR EQUIPOS DE SALUD FAMILIAR Resumo Ana Raquel Bezerra Saraiva58 Celme Torres Ferreira da Costa59 Maria Gorethe de Sousa Lima60 Maria do Socorro Vieira Lopes61 Objetivou-se avaliar o perfil sociodemográfico da população atendida pelas equipes de saúde da família, nos anos de 2010 e 2011, no município de Crato/CE. Pesquisa quantitativa, tipo documental, desenvolvida no município de Crato – CE. O acesso ao esgotamento sanitário não é visto em todas as áreas do município em estudo, quanto à canalização de seus dejetos, na zona rural, ainda se encontram áreas em que inexiste essa canalização e que seus dejetos são depositados em áreas abertas favorecendo a contaminação da água. Existem áreas e que a população não realiza tratamento de água, principalmente nas áreas que o abastecimento é feito através de sistemas alternativos, na zona rural, nos distritos de Santa Fé, Ponta da Serra e Campo Alegre, que demonstraram não realizar o tratamento da água, o que possibilita o surgimento de verminoses e gastroenterites. Todas as suas formas de transmissão e contágio poderiam ser quebradas melhorando a renda, a moradia, o saneamento, serviços essenciais. Cabe aos gestores, observar a cadeia das doenças de veiculação hídrica e trabalhar para que as comunidades recebam a assistência de qualidade, favorecendo a saúde. Palavras-chave: Gastroenterites, Qualidade da água, Morbidade Infantil. Introdução No Nordeste brasileiro, às precárias condições sanitárias e de abastecimento de água, tornam a população mais susceptível as Doenças de Veiculação Hídrica (DVH), que acometem, principalmente, crianças (na faixa etária de 00 a 04 anos). Tendo em vista a imaturidade imunológica característica das crianças, esse grupo torna-se mais vulnerável as infecções, favorecendo ao aumento considerável da morbimortalidade infantil. Neste sentido, os cuidados com a qualidade da água favorecem a redução de tais doenças, bem como minimizam as internações hospitalares infantis. Guedes, Pascoal e Ceballos (2000) as DVH podem ser subdivididas em quatro grupos que demonstram a relevância da água como forma direta ou indireta na transmissão/prevenção de agravos à saúde, ou seja: doenças transmitidas pela água (gastroenterites, hepatite A, cólera, febre tifóide, entre outras); doenças associadas à falta de higiene (tinha, impetigo, escabiose, pediculose, dentre outras); doenças de contato com a água (esquistossomose); doenças que são transmitidas por vetores que se encontram em seu habitat aquático (dengue, febre amarela, malária, por exemplo). No 1º grupo estão às doenças em que seu agente etiológico tem origem na contaminação 57 Artigo extraído do Trabalho de Dissertação “ANÁLISE DAS DOENÇAS DE VEICULAÇÃO HÍDRICA PREVALENTES EM CRIANÇAS NO MUNICÍPIO DE CRATO-CE”. 58 Enfermeira, Mestre em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri, Docente do Departamento de Enfermagem da Faculdade Leão Sampaio, Juazeiro do Norte, CE, Brasil. E-mail: [email protected] 59 Engenheira Civil, Doutora em Engenharia Civil/Recursos Hídricos pela Universidade Federal do Ceará. Docente da Universidade Federal do Ceará, Campus Cariri/JN e Coordenadora do Mestrado em Desenvolvimento Regional Sustentável da UFC Campus Cariri. E-mail: [email protected] 60 Engenharia Química, Doutora em Engenharia de Processos pela Universidade Federal de Campina Grande. Docente do Mestrado em Desenvolvimento Regional Sustentável (PRODER) da Universidade Federal do Ceará Campus Cariri. E-mail: [email protected] 61 Enfermeira, Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Ceará, Docente do Departamento de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri – URCA. E-mail: [email protected] 89 Coleção Novos Mestres pela veiculação de esgotos sem tratamento as fontes de água, em que estão aqueles agravos que se devem a falta de saneamento básico. No 2º grupo, encontram-se as doenças que poderiam ser prevenidas se a população, que vive em áreas de risco, fosse abastecida por uma água adequada para consumo humano, aliado a educação sanitária e principalmente aos bons hábitos de higiene. Já no 3º grupo, encontram-se as doenças qualificadas pela introdução do agente etiológico através da pele e que não precisa haver ingestão de água inadequada. No 4º grupo se observa o aparecimento de agravos à saúde devido à falta de galerias de drenagens que poderiam facilitar o escoamento superficial, o que pode ser visto em muitos municípios, onde existe a falta de planejamento urbano adequado. Assim, entende-se que a água é vista como o principal veículo de agentes causadores de doenças do trato gastrintestinal (diarréias, especialmente), acometendo principalmente as crianças. Sua qualidade está diretamente relacionada com os indicadores de morbimortalidade infantil. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), no Brasil, 80% das doenças e 65% das internações hospitalares estão diretamente relacionadas com água contaminada e falta de esgotamento sanitário dos dejetos, implicando gastos de US$ 2,5 bilhões por ano. Essas enfermidades vão desde gastroenterites a graves doenças que podem ser fatais e apresentar proporções epidêmicas (BRASIL, 2009a). Saraiva (2013) Vale lembrar que segundo dados da Secretaria de Saúde do Crato-CE, no ano de 2010, 26 crianças de 0 a 1 ano e 29 de 1 a 4 anos foram acometidas pela dengue, uma apresentou FHD na faixa de 1 a 4 anos. Enquanto que no mesmo período a HAV apresentou apenas um caso, em uma criança na faixa de 1 a 4 anos. Evidenciou-se, no ano de 2011, que 07 crianças foram acometidas pela Dengue na faixa etária de 0 a 1 ano e 14 de 1 a 4 anos. Também foram percebidos um caso de FHD e uma notificação de HAV todos na faixa etária de 1 a 4 anos. Com isso, analisar as formas de contaminação das DVH e a sua associação com o aumento da morbidade infantil, favorece uma redução dos índices partindo das formas de tratamento e manejo dessa água. No município do Crato-CE, a água que é fornecida a população é captada e distribuída sob a responsabilidade da Sociedade Anônima de Água e Esgoto do Crato (SAAEC), que realiza o tratamento requerido e periódicas análises da qualidade da água. O referido município, dentre as três maiores cidades que compõe a Região Metropolitana do Cariri (RMC) (Barbalha, Crato e Juazeiro do Norte), além de apresentar grande potencial hídrico é o único que não possui Estação de Tratamento de Esgoto. Pelo exposto, estudar as DVH, por se tratar de um problema de saúde pública que requer, das autoridades e da sociedade em geral, um compromisso coletivo para redução da sua incidência, é legítimo a necessidade de mapear quais as áreas de vulnerabilidade para a ocorrência das DVH no município de Crato-CE. Espera-se, contribuir com um mapeamento das acerca das áreas de vulnerabilidade, quanto ao surgimento das DVH principalmente em crianças (na faixa etária de 00 a 04 anos), no município de Crato-CE, favorecendo um planejamento tanto de novos estudos quanto para que os gestores e profissionais de saúde possam elaborar estratégias que favoreçam a redução desses agravos à saúde da população infantil. Objetiva-se, então, avaliar o perfil sociodemográfico da população atendida pelas equipes de saúde da família, nos anos de 2010 e 2011, no município de Crato/CE. Metodologia Foi realizada uma pesquisa do tipo documental, com abordagem quantitativa. Para Lakatos e Marconi (p. 176, 2006) a pesquisa do tipo documental pode ser vista como a coleta de dados partindo de documentos. Os dados utilizados foram obtidos na Secretaria de Saúde do município de Crato-CE, cidade situada na região do Cariri, sul do estado, a uma distância de 560 km da capital Fortaleza, possuindo uma área de 1.158 km², sendo constituído por 10 distritos: Crato (sede), Baixio das Palmeiras, Belmonte, Campo Alegre, Dom Quintino, Monte Alverne, Bela Vista, Ponta Serra, Santa Fé e Santa Rosa. Os bairros da zona urbana que compõem a sede Crato são: Alto da Penha, Amália Pinheiro, Centro, Gisélia Pinheiro, Mirandão, Misericórdia, Muriti, Mutirão, Ossian Araripe, Palmeiral, Parque Granjeiro, Parque São José, Pimenta, Pinto Madeira, Recreio, Santa Luzia, São Miguel, Seminário, Vila Alta, Vila Lobo e Zacarias Gonçalves. O município possui 33 equipes de Estratégias de Saúde da Família (ESF’s), que atendem a zona urbana e rural, e possui 01 Unidade de Vigilância em Saúde cadastrados no DATASUS 90 Coleção Novos Mestres (2012). São 116 profissionais da saúde, divididos entre Médicos, Enfermeiros, Odontólogos, Técnicos de Enfermagem, envolvidos no atendimento direto ao usuário, de segunda a sexta-feira. Possui uma população de 121.428 habitantes, em que o total da população infantil, na faixa etária de 00 a 04 anos, perpassa os 11 mil habitantes (IBGE, 2010). A coleta de dados ocorreu entre os meses de março e junho de 2012. Foram analisadas as Fichas do Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB), referentes aos anos de 2010 e 2011, onde foram avaliados os dados quanto ao perfil sociodemográfico da população e ao quantitativo de crianças, principalmente na faixa etária de 00 a 04 anos. Durante todas as etapas de coleta de dados foram obedecidos os aspectos éticos e legais, dando seguimento ao que rege a Resolução nº. 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos, com o número CAE 01967213.0.0000.5054. Essa resolução incorpora os quatro princípios da bioética: a autonomia, a não maleficência, beneficência e justiça (BRASIL, 1996). Resultados e Discussão Os dados que compõem o resultado da pesquisa foram divididos em duas categorias: Caracterizando a população estudada e o Perfil sociodemográfico populacional por zona rural e urbana. Caracterizando a População Estudada Shimizu e Carvalho Junior (2012) lembram que a ESF é considerada a principal estratégia para o reordenamento da APS, o que atualmente é denominada de Atenção Básica (AB). Busca-se, assim, por um novo modelo de atenção que seja integral à saúde, em que seu objeto de intervenção seja mediado pela família, pela comunidade, e que resulte em ações para a própria comunidade atendida. Analisando a quantidade de famílias cadastradas pelas ESF’s, no ano de 2010, foram cadastradas 8.879 famílias na zona rural e 21.588 famílias residentes na zona urbana perfazendo um total de 30.467 famílias. No ano de 2011 esse número passou para 9.636 famílias cadastradas na zona rural e 23.130 famílias na zona urbana. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2010), Castro et al. (2012) a Atenção Primária à Saúde (APS) é vista como uma estratégia para organizar os Sistemas de Saúde. Essa estratégia de atenção à saúde permite melhorar tanto a acessibilidade dos usuários ao sistema de saúde, quanto reduzindo a fragmentação do cuidado assistencial, melhora a eficiência da atenção em saúde e sua assistência. Demonstrando, assim, que existe evidência sobre a redução da mortalidade infantil com a maior cobertura da ESF e maior promoção da equidade. A partir do total da população foi possível evidenciar o quantitativo de crianças da área de cobertura das ESF’s de acordo com a zona de residência, ficando assim distribuídas: na zona rural, no ano de 2010, na faixa etária de 0 a 1 e de 1 a 4 anos foram cadastradas 290 e 1.806 crianças, respectivamente. Na zona urbana foram cadastradas 477 e 4.335 crianças, perfazendo um total de 6.908 crianças. No ano de 2011, foram evidenciadas na zona rural, no intervalo de 0 a 1 e 1 a 4 anos, respectivamente 60 e 1.952 crianças e na zona urbana 89 e 4.230 perfazendo um total de 6.331 crianças. Cosvoski Alexandre et al. (2012) lembram que o cuidado à saúde da criança na AB tem dentre suas ações voltadas para a redução da mortalidade infantil, principalmente em países em desenvolvimento, deve-se a isso aos índices elevados. Percebe-se que na faixa etária que vai de zero a cinco anos é o período em que ocorre maior desenvolvimento físico, psicológico e emocional de toda a sua vida. De acordo com a ficha, ainda podem ser analisadas o total de pessoas cobertas com plano de saúde. No ano de 2010 na zona rural 1.383 pessoas referiram ser assistidas pelos planos de saúde, sendo reduzido para 1.378 no ano de 2011. Na zona urbana esse número encontra-se mais elevado, sendo visto 7.933 pessoas referiu ter acesso ao plano de saúde, enquanto no ano de 2011 esse número passou para 7.643. Observando o crescimento de crianças nas faixas etárias compreendidas de 0 a 4 anos, no município em estudo, pode-se observar que houve uma discreta redução em seu crescimento o que possibilita algumas hipóteses que vão desde a própria redução de natalidade, percebidas em todas as regiões do país, ou até mesmo a migração das crianças para a faixa etária não contemplada no estudo. Assim, no ano de 2010, 6,2% da população do Crato-CE era compreendido por crian- 91 Coleção Novos Mestres ças de 0 a 4 anos, já no ano de 2011 esse número reduziu para 5,2%. Mendes et al. (2012) e Ramos (2008) lembra que a análise da fecundidade em uma determinada população, associada com a da mortalidade e migração, irão determinar a própria estrutura da população e o seu crescimento. Assim, quando esses três componentes se tornam equilibrados, a população é vista como estável. Ao analisar o Brasil partindo do século XX, até a década de 1960, o seu crescimento populacional mostrou uma queda brusca nas taxas de fecundidade, o que, consequentemente, atualmente atinge níveis comparáveis aos dos países desenvolvidos. Dessa forma, essa queda significativa no índice de fecundidade vem acontecendo em todo país, inclusive na população pobre, rural, de baixa escolaridade, negra e até mesmo naquela residente na Região Nordeste. Para Campos et al. (2011) Gauterio, Irala e Cezar-Vaz (2012) mencionam que a atenção a saúde da criança, na atenção básica, acontece, principalmente, através da puericultura, em que essa consiste pelo acompanhamento periódico e sistemático das crianças. Esse acompanhamento visa avaliar o crescimento e desenvolvimento infantil, bem como a vacinação, as orientações às mães sobre a prevenção de acidentes, o aleitamento materno, higiene individual e ambiental, identificação precoce dos agravos à saúde, com vista à intervenção e orientações de acordo com a realidade da família assistida. Assim, para que se tenham resultados positivos de atuação necessita-se que toda a equipe de atenção volte suas ações para cuidar da criança e da família, possibilitando ampliação dessa atenção além da consulta de enfermagem, consulta médica e os grupos educativos. A cobertura de saúde promovida pelas ESF’s possibilita verificar que 30% das crianças, residentes na zona rural, foram atendidas durante o ano de 2010, enquanto e 70% das crianças foram atendidas na zona urbana. Com relação à porcentagem de crianças de 0 a 4 anos atendidas pelas ESF’s residentes na zona rural, no ano de 2010, 14% de crianças têm entre 0 a 1 ano de vida e que 86% têm de 1 a 4 anos. Analisando a zona urbana, no mesmo período, 10 % das crianças atendidas estavam na faixa etária de 0 a 1 ano e 90% compreendiam entre 1 a 4 anos. Analisando a porcentagem das crianças, na faixa etária de 0 a 4 anos, atendidas pelas ESF’s, residentes nas zonas rural e urbana no ano de 2011, percebe-se que 32% encontram-se na zona rural e 68% encontra-se residindo na zona urbana. Quando se faz uma análise comparativa dos anos de 2010 e 2011, com as respectivas zonas de residência, percebe-se que houve uma redução de crianças de 0 a 1 ano na zona rural passando de 14% para 3%. Essa variação pode ser explicada pela progressão da idade, verificada através do aumento na faixa etária de 1 a 4 anos que passou de 86% para 97%. Comportamento semelhante foi observado também na zona urbana que reduziu de 10% para 2% na faixa etária de 0 a 1 ano, e aumentou de 90% para 98% a faixa etária de 1 a 4 anos. Outros fatores que podem contribuir para essa redução são: a taxa de natalidade que continua sendo reduzida, e a progressão da faixa etária dessas crianças para a faixa etária não compreendida na análise do trabalho. Vale lembrar que, segundo a Agenda de compromissos para a Saúde integral da Criança e redução da mortalidade infantil, elaborada pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2005a), as ESF’s são consideradas a porta de entrada para o acesso ao sistema de saúde e esta deverá prover ações resolutivas, que amparem a saúde da criança de forma integral, favorecendo a redução de agravos e comprometimentos a saúde. Ao analisar o quantitativo de crianças existentes nas duas Zonas de divisão do município, outra possibilidade de análise seria dividir as zonas pelos bairros de cobertura das ESF’s e seus respectivos distritos de abrangência nos anos de 2010 e 2011. Partindo dessa premissa, no ano de 2010, do total de crianças que foram atendidas no município, respectivamente nas faixas etárias de 0 a 1 ano e 1 a 4 anos, o bairro Vila Alta apresentou o maior quantitativo com 82 e 450 crianças, seguido do distrito de Ponta da Serra com 64 e 495 crianças, o distrito de Santa Fé com 48 e 240 crianças e o bairro Muriti com 46 crianças de 0 a 1 ano e 469 de 1 a 4 anos. Ao se analisar o ano de 2011, o bairro Vila Alta também apresentou o maior quantitativo de crianças com 31 de 0 a 1 ano e 488 crianças de 1 a 4 anos, seguidas do distrito de Ponta da Serra com 23 crianças de 0 a 1 ano e 495 de 1 a 4 anos, distrito de Dom Quintino com 17 crianças de 0 a 1 ano e 223 de 1 a 4 anos, e o bairro Muriti apresentando 15 crianças de 0 a 1 ano e 531 de 1 a 4 anos. Em contrapartida, no bairro Pimenta, zona urbana, foi evidenciado o menor quantitativo de crianças, em termos absolutos, nos anos de 2010 e 2011, tanto de 0 a 1 ano quanto de 1 a 4 anos. 92 Coleção Novos Mestres O bairro Parque Grangeiro, zona urbana, apresentou o menor quantitativo de crianças, de 0 a 1 ano, apenas no ano de 2010. Avaliando o ano de 2011 os bairros Palmeiral, Parque São José, Pinto Madeira, Santa Luzia, São Miguel, Vila Lobo e Zacarias Gonçalves, Santa Fé não apresentaram crianças compreendidas na faixa etária de 0 a 1 ano. Cabe lembrar que alguns bairros apresentam reduzido número absoluto de crianças, apesar da sua extensão em área, dentre as possibilidadaes estão a redução da taxa de natalidade e até mesmo a migração do meio rural para o meio urbano, mesmo o bairro sendo populoso não apresentou amostra de população na faixa etária estudada, o que possibilita uma diferenciação dos valores em porcentagens e absolutos. Fonseca et al. (2010) e Amaral et al. (2008) lembram que devido as acentuadas desigualdades socioeconômicas vistas no Brasil, somadas ao crescimento desordenado das cidades com a saída da população das zona rurais para a urbana, comprometeram a sobrevivência da população, que culminou em condições de vida cada vez mais precárias. As grandes cidades tiveram a ocupação de suas áreas periféricas, pela migração da população sem planejamento e com condições de saneamento deficitárias. A mortalidade infantil de menores de cinco anos continuam acontecendo em larga escala, principalmente em países em desenvolvimento. Vale salientar que em todo o mundo, são cinco as causas de doenças responsáveis por mais de 70% dessas mortes, a saber: pneumonia, diarréia, desnutrição, sarampo e malária. A OPAS (2010) compreende que o conceito de saúde deve ser visto como resultado do estilo de vida, com as condições biológicas e acesso aos bens e serviços, que estão diretamente relacionados a saúde de uma comunidade, destacando-se os aspectos da promoção e prevenção de agravos a própria saúde. Neste sentido, reconhecer os fatores que influenciam diretamente a saúde (a importância do saneamento básico e à prevenção e controle dos riscos biológicos), bem como a necessidade de estratégias que incorporem, além dos riscos, os fatores químicos, psicossociais e físicos presentes na habitação e peridomicílio. Perfil Sociodemográfico Popular por Zona Rural e Urbana Tipo de Habitação Conhecer o perfil populacional permite que tanto os gestores quanto os profissionais atuantes na rede básica de saúde tentem promover medidas de educação da população para reduzir a morbidade por doenças evitáveis como Dengue, gastroenterites e até mesmo a Hepatite A. Para Azeredo et al. (2007) ter o conhecimento das condições do meio do contexto de inserção da família culmina influenciando à saúde da população como: saneamento e moradia, que são imprescindíveis no estabelecimento de medidas de promoção da qualidade de vida da população, das famílias e da própria comunidade. Faz-se necessário, o devido, esclarecimento para que se possa compreender como a população do município encontra-se distribuída em sua forma de habitação. Em relação ao material de construção do domicílio, nos anos de 2010 e 2011, em média, respectivamente, 88% e 89% da população residiam em casas de Tijolo. Em contrapartida, ainda são percebidas as construções de Taipa e/ou Madeira, passando esse número em média de 12,2% para 11,4%, sendo as áreas dos distritos como Ponta da Serra, seguido de Vila São Bento e Dom Quintino. Observando o distrito de Campo Alegre 49% famílias residiam em casas de Taipa em 2010, passando para 43% famílias em 2011. Observa-se, ainda, que, no ano de 2010, 51% das famílias residiam em domicílios de tijolo, enquanto que no ano de 2011, esse total de famílias passou para 57% de famílias. De acordo com os dados analisados muitas moradias já estão sendo feitas com tijolos, sendo substituídas pelas construções inadequadas, o que minimiza o aparecimento das doenças respiratórias nas crianças. Azeredo et al. (2007) corroboram quando mostram que as avaliações das condições habitacionais e de saneamento básico das famílias adscritas no ESF’s de Teixeiras-MG, quanto ao material utilizado para a construção das residências, a grande maioria da população utilizou o tijolo como construção domiciliar, tanto na zona urbana (99,2%) quanto na rural (95,4%). No entanto, quanto ao acabamento como o reboco nas paredes e a própria conservação do domicílio, foi estatisticamente maior na zona urbana do que na zona rural. Destino dos Resíduos Sólidos A coleta pública de resíduos sólidos abrangeu grande parte da população na cidade de Crato, principalmente as domiciliadas na zona urbana, tanto no ano de 2010 e 2011. Mas nas áreas 93 Coleção Novos Mestres como Batateira, Alta da Penha ainda é possível evidenciar tanto a queima dos resíduos quanto a sua dispersão em céu aberto. A coleta pública atendeu 75,8% as famílias em 2010 e 78,7% em 2011. Houve uma redução na deposição de resíduos em céu aberto passando de 12% para 9,9% das famílias, bem como uma redução por parte das famílias que realizavam a queima dos resíduos sólidos passando de 12% para 11,4%, nos anos em estudo. Na zona rural percebe-se a “cultura de queimar os resíduos sólidos”, o que deve ser agravada pelas áreas em que a coleta pública encontra-se reduzida, como visto: Campo Alegre passou a ter 240 famílias destinando em céu aberto e 92 queimando os resíduos sólidos no ano de 2010, passando esse quantitativo para 250 e 159, respectivamente, no ano de 2011. Em Monte Alverne, essa realidade mostrou-se semelhante, tendo em vista que, no ano de 2010, 169 famílias destinavam a céu aberto e 246 queimava, esse quantitativo passou para 150 famílias depositando em céu aberto e 275 queimando no ano de 2011. Santos e Rossoni (2008) e Cezar-Vaz et al. (2007) lembram que a compreensão da atenção primária abrangendo de uma extensão ambiental do processo de saúde tanto dos indivíduos quanto das comunidades, favorece então, a promoção da saúde ambiental do local, e o próprio desenvolvimento de estratégias de participação social, partindo do conhecimento, identificação e solução dos problemas ambientais que por ventura influenciam diretamente a saúde e limitam a qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental. Destino dos Dejetos – Sistema de Esgoto Leoneti, Oliveira e Borges de Oliveira (2010) mencionam que o esgoto sanitário é considerado como um dos principais problemas tanto para a saúde da população quanto para preservação das águas no Brasil. Pois, em grande parte do país o esgoto ainda é lançado diretamente nos corpos de água, uma das soluções para a preservação das águas é o investimento em saneamento e no tratamento do esgoto coletado. O que corrobora com os dados encontrados no estudo, tendo em vista que o esgoto coletado nos domicílios, sem qualquer tipo de tratamento, são lançados diretamente ao principal rio da cidade, o rio Granjeiro. Assim, outro parâmetro a ser analisado é o Sistema de Esgoto, ou seja, avaliar como a população encontra-se destinando seus dejetos. No ano de 2010, 11,4% da população atendida destinavam seus dejetos a céu aberto, em 2011 sofreu redução para 9,5%. Já com relação à fossa no ano de 2010, em média, 55,9% da população destinavam em fossa, enquanto em 2011 esse número reduziu para 54,8%. Analisando acesso a instalação da rede de esgoto percebe-se que é mais baixo do que a fossa, tendo em vista que a rede de esgoto na cidade não está canalizada para estação de tratamento. Dessa forma, o aumento da morbidade, com relação às DVH, pode sofrer alteração devido ao aumento da degradação ambiental causada pela poluição, ocorrido pelo destino inadequado dos dejetos. Com isso, 32,7% das famílias atendidas pelas ESF’s, no ano de 2010, tiveram seus dejetos canalizados, já em 2011 esse número elevou-se para 35,6%. Souza (2007) a literatura científica traz vários conceitos a respeito da relação saneamento– saúde–ambiente. Destacam-se duas formas de avaliação dessa associação que estariam pautadas nas ideias de prevenção de doenças e a segunda caberia ao saneamento higienizar o ambiente, o que levaria a redução das doenças; outro que se aproxima dos pressupostos da promoção da saúde, de acordo com os qual o saneamento assume ações para a melhoria da qualidade ambiental e para a erradicação das doenças. Avaliando o destino dos dejetos da população, percebeu-se que de acordo com as zonas urbana e rural, no ano de 2010, grande parte de sua área era assistida pelo sistema de fossa. Assim, no bairro Muriti 92% das famílias destinavam em fossas, 5% em céu aberto e 4% eram atendidas pelo sistema de esgoto. No bairro Seminário 73% das famílias utilizaram a fossa, 1% em céu aberto e 26% canalizaram em esgoto. No bairro Parque São José 92% das famílias destinavam em fossa, enquanto em céu aberto e aquelas que receberam a canalização em rede de esgoto totalizaram 4%. Na zona rural, ainda no mesmo ano, grande parte das famílias destinam seus dejetos em fossas, como é visto em Ponta da Serra em 76% das famílias, 22% em céu aberto e 2% no sistema de esgoto. Em contrapartida, Santa Fé apresentou 58% das famílias destinando em céu aberto, 40% em fossa e 1% eram atendidas pelo sistema de esgoto. No ano de 2011, com relação à zona urbana, o bairro Muriti apresentou um aumento da ligação de dejetos em fossa passando para 93% das famílias, enquanto que houve uma redução 94 Coleção Novos Mestres para 4% daquelas que destinavam a céu aberto e a ligação para sistema de esgoto reduziu para 4%. O bairro Seminário apresentou 76% das famílias que destinavam em fossas, 1% em céu aberto e 22% utilizavam sistema de esgoto. Já no mesmo período, na zona rural, percebeu-se que no distrito de Ponta da Serra houve uma melhora na disposição de seus dejetos apresentando 74% das famílias utilizando fossa, 17% ainda destinando em céu aberto e 9% com serviço de esgoto. A Vila São Bento apresentou 84% destinaram em fossa, 10% em céu aberto e 6% utilizaram esgoto. Souza (2007) o saneamento como uma medida de promoção de saúde abrange a implantação de uma estrutura física, partindo do sistema de água, esgoto, resíduos sólidos e até mesmo drenagem. No entanto, não se pode esquecer que essas ações não devem estar separadas das ações de educação para os próprios usuários desses sistemas. Deve-se lembrar de que essa preocupação não está voltada apenas para a redução de morbidade por diarréia ou à redução da contaminação de recursos hídricos, mas também voltadas aos impactos sociais. Trata-se, portanto, de uma preocupação que estende suas ações e benefícios ao longo do tempo voltando-se para que suas ações tenham uma articulação com as políticas públicas. Distribuição da Água A distribuição de água pode ser realizada de diversas formas, desde a sua captação diretamente na fonte, até mesmo ser captada e distribuída através do serviço de abastecimento de água. Libânio, Cernicharo, Nascimento (2005) lembram que a contaminação das águas naturais representa um dos principais riscos à saúde pública, sendo, assim, concedida a relação entre a qualidade de água e as várias enfermidades que comprometem a saúde das populações, principalmente aquelas não dispõem de serviços de saneamento. No município, em estudo, no ano de 2010, em média, 82,9% das famílias cadastradas nas ESF’s recebiam a água através da rede pública, 13,3% captavam a água através de poços/nascentes e 3,8% recebiam água através de outras fontes. No ano de 2011, 83,4% das famílias eram atendidas pela rede pública de distribuição de água, enquanto que 12,5% captavam a água através de poços/nascentes e 4,1% das famílias recebiam através de outras fontes de abastecimento de água. No que tange a porcentagem das famílias e as formas de distribuição de água no município foi possível observar uma diferença quando se separa para zona urbana e rural. Com isso, no ano de 2010 a maioria dos bairros, da zona urbana, era assistida pela rede pública de abastecimento de água, sendo possível evidenciar no Bairro Palmeiral que 51% das famílias referiram que sua água era proveniente de rede pública, enquanto que 49% das famílias receberam através de outras fontes. No bairro Parque Granjeiro, observou-se que 57% das famílias foram assistidas pela rede pública de distribuição de água, 21% captaram a água através de poços/nascentes e 22% famílias através de outras formas de distribuição de água. Ao analisar a zona rural, no ano de 2010, percebeu-se que o distrito de Campo Alegre 71% das famílias recebeu sua água através de poços/nascentes, enquanto que 19% através da rede pública e 9% através de outras fontes. Em Monte Alverne, foi visto que 59% das famílias referiram retirar sua água através de poço/nascente, 29% famílias recebem através da rede pública e 12% de outras fontes. Já no ano de 2011, na zona urbana, percebe-se que o bairro Palmeiral 75% das famílias referiram receber a água através da rede pública, enquanto que 25% mencionaram outras fontes. No bairro Batateira, 89% das famílias mencionaram receber a água através da rede pública, 7% através de poço/nascente e 4% de outras fontes. Na zona rural, em 2011, no distrito de Campo Alegre houve um aumento de famílias que mencionaram receber a água através de poço/nascente passando para 75%, através de rede pública 17% das famílias e 8% de outras formas. Em Dom Quintino, outro distrito, apresentou 44% das famílias mencionaram que recebiam a água através de poço/nascente, 4% de outras fontes e 52% disseram receber através da rede pública. Já em Santa Fé, 54% das famílias mencionaram que receberam água através de poço/nascente, 23% de outras formas e 23% através da rede pública. Stancari e Correia (2010) realizaram um estudo que tinha como objetivo pesquisar a ocorrência de oocistos de Cryptosporidium spp e cistos Giardia spp em amostras de água, pré e póstratamento, que são destinadas ao abastecimento público em 05 municípios. Para isso, definiu os tipos de captação de água nessas estações de tratamento, a saber: a) mista (manancial superficial/ rio e subterrânea/poços e/ou minas) nos municípios I, III e IV; b) subterrânea (poço profundo e minas) no município II; c) superficial (rio) no município V. Assim, as coletas de água partiram em dois pontos da Estação de Tratamento de Água (ETA), sendo um no momento da captação de 95 Coleção Novos Mestres água no sistema de tratamento, que seria a água bruta, e em outro ponto que seria na saída do reservatório ou na própria entrada do sistema de distribuição, com a água já tratada. Em todas as amostras de água bruta foram encontrados coliformes termotolerantes, o que é um indicativo de contaminação fecal, que pode ter sua origem no próprio tipo de atividade econômica realizada nas margens desses mananciais, bem como no nível de preservação dos mesmos, ou até mesmo no lançamento de esgoto (que pode ser tratado ou não) nos rios que foram utilizados para captação da água. Com relação à água tratada, observou-se que 100% das amostras estavam de acordo com o que traz a legislação vigente, indicando uma desinfecção da água bruta em relação à eliminação das bactérias do grupo coliforme. Assim, sabe-se que de acordo com a captação da água a ser utilizada pela população se não for devidamente tratada pode acometer com surtos e agravos a saúde, principalmente para os grupos de risco como crianças, idosos, grávidas e imunocomprometidos. Tratamento da Água Queiroz et al. (2012) e MS (BRASIL, 2005b) lembram que as ações de vigilância da qualidade da água têm como objetivo principal de verificar a potabilidade, bem como realizar uma avaliação dos riscos potenciais que os sistemas de abastecimento e as soluções alternativas utilizadas pela população representam para a saúde. Mencionam que devem ser realizados levantamentos dos dados ambientais com o intuito de avaliar a situação de risco potencial da contaminação da água para consumo humano. Assim, deverão ser notificados e realizados mapeamentos de acordo com a distribuição espacial e temporal, dos casos de surtos das DVH, principalmente em localidades em que existem populações vulneráveis como: escolas, creches, asilos, hemodiálise, hospitais. Dessa forma, essas fontes alternativas, que são regularmente utilizadas para abastecimento de água pela população, serão analisadas e receberá o devido tratamento minimizando os riscos a população abastecida. Como foi visto anteriormente a água bruta se não devidamente tratada compromete a saúde da população favorecendo a morbimortalidade. No município de Crato-CE, percebeu-se que existem bairros em que a população não realiza qualquer tipo tratamento da água, mesmo naquela água proveniente da rede pública para realizar suas necessidades como preparo e manuseio de alimentos, banho e higiene, lavagem de roupas e limpeza do domicílio. Assim sendo, em média, no ano de 2010, 22,3% das famílias atendidas pelas ESF’s não realizavam tratamento da água, enquanto que 21,1% realizavam a cloração, 4% a fervura, e 52,6% faziam a filtração em casa. No ano de 2011 percebeu-se que houve uma redução das famílias que não faziam tratamento da água passando para 18,8%, enquanto a cloração passou para 22,1%, a fervura reduziu para 1,8% e filtração aumentou para 57,3% das famílias. Partindo dessa compreensão é possível avaliar como os bairros, da zona urbana, de acordo com o tipo de abastecimento de água realizam o seu tratamento da água no domicílio. Com isso, no ano de 2010, o bairro Vila Lobo, onde grande parte da população é abastecida através da rede pública, evidenciou-se que 70% das famílias não realizam qualquer tipo de tratamento, 21% filtram a água e 9% realizam a cloração. O Bairro Centro, que abastecido exclusivamente pela rede pública, 90% disseram realizar a filtração da água abastecida pela SAAEC, 1% fazem fervura, 1% a cloração e 8% não fazem nenhum tipo de tratamento. O bairro Palmeiral foi evidenciado que 81% das famílias realizaram a filtração, 1% a fervura, 7% a cloração e 11% das famílias não realizaram qualquer tratamento. O Parque Granjeiro, que tem seu abastecimento realizado tanto através da rede pública quanto por outras fontes, apresentou 28% das famílias não realizam qualquer tipo de tratamento da água, 65% realizaram a filtração, 6% a cloração, enquanto que 1% mencionou fazer a fervura da água. Passando para a zona rural, onde existem áreas descobertas pela rede pública, é possível avaliar que, no ano de 2010, no distrito de Santa Fé, cuja população, em sua maioria, recebeu a água proveniente de poços/nascente, 59% das famílias mencionaram não realizar qualquer tipo de tratamento, 28% realizaram a filtração e 12% a cloração. Em Ponta da Serra, que é assistida pela rede pública de distribuição de água, 44% das famílias mencionaram Não realizar qualquer tratamento, 30% a filtração, 25% a cloração e 1% a fervura. Em Monte Alverne, grande parcela das famílias tem o seu abastecimento realizado através de poço/nascente, percebeu-se que 43% das famílias Não realizam tratamento da água, enquanto que 47% fazem a cloração e 10% fazem a filtração. Em Campo Alegre, também é vista a mesma realidade, tendo em vista que a população é abastecida através de poço/nascente, 49% das famílias não realizam qualquer tipo de tratamento 96 Coleção Novos Mestres da água, 44% disseram fazer a filtração, 5% a cloração e 2% a fervura. Entendeu-se que no ano de 2011 o bairro Vila Lobo, continuou apresentando um elevado número de famílias que não realizam o tratamento da água passando para 65%, enquanto que 26% fizeram a filtração, 9% a cloração e 1% a fervura. No bairro Centro a quantidade de famílias que não realizaram tratamento baixou para 6%, aumentou o número que fizeram filtração para 92%, a fervura baixou para 1% e a cloração passou para 1%. Houve uma melhoria, também, no bairro Palmeiral, onde a filtração aumentou para 90%, a cloração3%, a fervura 1% e sem qualquer tipo de tratamento 6% das famílias. O Parque Granjeiro aumentou o número de famílias que realizaram a filtração da água passando para 65%, bem como a cloração e fervura que aumentaram para 11% e 1% respectivamente, enquanto que o quantitativo das que não realizam qualquer tratamento da água baixou para 23%. Na zona rural, no distrito de Santa Fé, no ano de 2011, reduziu o número de famílias que não realizaram tratamento da água passando para 38%, enquanto que aumentaram as famílias que fizeram a filtração para 49%, já a cloração e fervura permaneceram com a mesma quantidade de famílias com 12% e 1%, respectivamente. Em Ponta da Serra reduziram o número de famílias que não fazem qualquer tipo de tratamento da água para 36%, enquanto aumentaram as que fazem a cloração e filtração para 32% cada. Em Monte Alverne, esse quantitativo, também reduziu para 35% das famílias que não fizeram qualquer tipo de tratamento, enquanto que aumentaram as famílias que fizeram Cloração, Filtração e a Fervura para 54%, 10% e 1%, respectivamente. Em Campo Alegre, elevou o número de famílias que não realizam qualquer tipo de tratamento da água para 42%, enquanto elevou o número das que fizeram a filtração para 53%, já a Cloração e a Fervura, respectivamente, 4% e 2%, não tiveram qualquer alteração. Soares, Bernardes e Cordeiro Netto (2002) mencionam que o benefício pelo tratamento de água, por exemplo, é irrefutável, pois altera, após a remoção de todos os contaminantes, uma água imprópria para o consumo humano em uma que esteja de acordo com padrões de potabilidade. No entanto, deve-se lembrar de que para realizar o tratamento da água serão utilizadas substâncias químicas que podem de alguma maneira afetar a saúde daquelas pessoas que a utilizam. Assim, a qualidade da água de uma rede de abastecimento está relacionada tanto ao seu regime de distribuição, às suas características do sistema de abastecimento, quanto à sua localização. Isso proporciona a uma parcela da população que por ventura possa ser abastecida com águas contaminadas, utilizando-se na maioria das vezes de fontes alternativas, para o consumo ou por encontrar-se em áreas que são abastecidas de forma deficiente. Souza (2007) lembra, ainda, que as doenças, que são consideradas como sinalizadoras do caminho para a saúde, seriam todas aquelas que estão ligadas à falta de um abastecimento de água potável. Considerações Finais Sabe-se que a água é considerada como o principal veículo de agentes causadores de doenças do trato gastrintestinal (diarréias, especialmente), e que acometem principalmente as crianças, e sua qualidade está relacionada com os indicadores de morbimortalidade infantil, pode-se citar: o saneamento básico; cobertura de coleta de lixo; cobertura de redes de abastecimento de água62; coeficiente de mortalidade infantil; número de unidades básicas de saúde. Tem-se um olhar especial às crianças abaixo de 05 anos, tendo em vista que sua nutrição é baseada, principalmente, em alimentos liquidificados, exceto no caso dos bebês que se encontram em aleitamento materno exclusivo. Assim, vale salientar que as infecções intestinais de veiculação hídrica são consideradas como surtos característicos de regiões, onde o abastecimento de água potável e a estrutura sanitária encontram-se desorganizada e até mesmo inexistente. Neste sentido, os cuidados com a qualidade da água favorecem a redução de tais doenças, bem como minimizam as internações hospitalares infantis. Ao avaliar o município do Crato-CE, percebeu-se que partindo do perfil populacional/ bairro, pode-se proporcionar uma visão da real situação de risco vivenciada pela população. O que possibilita tanto aos gestores quanto aos profissionais atuantes na rede básica de saúde viabilizar uma promoção da saúde voltada para a realidade de cada bairro ou zona de atendimento. O acesso ao esgotamento sanitário não é visto em todas as áreas do município em estudo, sabe-se que esse fato possibilita a proliferação de DVH, principalmente os surtos de gastroenteri62 http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2011/f19.htm 97 Coleção Novos Mestres tes e de doenças de contato com água contaminada. Partindo desse contexto quanto à canalização de seus dejetos, na zona rural, ainda se encontram áreas em que inexiste essa canalização e que seus dejetos são depositados em áreas abertas favorecendo a contaminação da água. Tendo pleno conhecimento de que a qualidade da água compromete diretamente a saúde da população, ainda existem localidades que não realizam qualquer tipo de tratamento da água, principalmente naquelas em que a água é proveniente de soluções alternativas. Percebeu-se que esse não tratamento por parte das famílias foi reduzido passando de 22,3% para 18,8% das famílias. Sendo evidenciado na zona rural, onde existem áreas descobertas pela rede pública de abastecimento nos distritos de Santa Fé, Ponta da Serra e Campo Alegre, que demonstraram não realizar o tratamento da água, o que possibilita o surgimento de verminoses e da própria gastroenterite. Em contrapartida, muitas famílias passaram a realizar a filtração da água recebida o que aumentou para 57,3%. Com isso, percebeu-se que as DVH além de estarem ligadas em semelhança no seu surgimento e transmissão, são encontradas em regiões em que não há planejamento urbano, acesso à água de qualidade, distribuição desigual de renda, ausência de saneamento básico, serviços de saúde, favorecendo ao seu surgimento, bem como, estão relacionadas com o desenvolvimento InSustentável. Dessa maneira, todas as formas de transmissão e contágio poderiam ser quebradas melhorando a renda, moradia, saneamento, serviços essenciais que possibilitam a qualidade de vida da população. Cabe assim, aos gestores observar a cadeia das DVH e trabalhar para que as comunidades recebam a assistência, com acesso igual e de qualidade favorecendo a saúde. Referências GUEDES, D. G. M., PASCOAL, S. A., CEBALLOS, B. S. O. DOENÇAS DE VEICULAÇÃO HÍDRICA: DIARRÉIA E HEPATITE CAMPINA GRANDE – PB. 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Divide com o Município do Crato a maior influência econômica da região, sendo que suas atividades industriais participam com 27,1% do PIB regional, com atividades estas que se destacam pelos setores de: Construção civil (24,7%), indústria e produção de alimentícios e álcool etílico (18,5%), calçados (10,4%) e indústria têxtil dos vestuários e artefatos de tecidos (9,7%). Mesmo com comprovada relevância econômica nas atividades da construção civil no município, a preocupação com o planejamento, implantação e execução das construções parecem não fazer parte da “cultura” da maior parte da população local. As construções e suas técnicas construtivas tem se desenvolvido com a finalidade única de prover abrigo, sem a preocupação com uma melhor utilização dos recursos naturais e com a saúde de seus ocupantes. Por meio de observações em campo, constatou-se que é constante nas construções da região a presença de alto índice de entulho durante as obras, prevalência de construções geminadas, divisão de ambientes internos sem janelas para área externa, exaustão de diversos gazes e compostos orgânicos voláteis que poluem a atmosfera e reduzem a saúde dos seres vivos, descarte de águas servidas nas ruas, alto consumo energético, calçadas inacessíveis, inexistência de coleta seletiva de resíduos domiciliares, ausência de áreas permeáveis das águas das chuvas, entre outros. Estes fatores elucidados são responsáveis pela diminuição da qualidade de vida dos ocupantes destas edificações podendo lhes trazer inclusive situações de enfermidades, caracterizando um quadro de “síndrome do edifício doente” nestas construções. Formulada a hipótese de que o município de Juazeiro do Norte tem deixado a desejar no que diz respeito à sustentabilidade das construções, este trabalho faz um diagnóstico deste município mediante o estudo de suas residências já consolidadas. Construções Sustentáveis As edificações têm contribuído em grandes proporções para a degradação ambiental, são elas as maiores responsáveis pelo consumo excessivo de energia e exaustão de diversos gases e compostos orgânicos voláteis que poluem a atmosfera e reduzem a saúde dos seres vivos. Segundo Roaf (2009), as edificações são a principal fonte de CO2, cerca de 50%. Seus sistemas de climatização, entre todas as tecnologias, representam a principal fonte de gases das mudanças climáticas. Estudos mais recentes já destacam a importância de se preservar e pensar seu ambiente de maneira sustentável. Sustentabilidade é um assunto que permeia todas as áreas do conhecimento e com relação à construção civil não é diferente. Tem-se notícia de que a primeira pessoa a considerar o meio construído como fator de doenças foi à enfermeira inglesa Florence Nightingale, ao observar que na guerra da Criméia morriam mais homens por infecção durante a recuperação do que vítima da guerra em si. Percebeu que a enfermagem não estaria limitada à administração de tratamentos, mas, antes, teria de proporcionar ar puro, luz, calor, limpeza, quietude e nutrição adequadas (NIGHTINGALE, 1860). Florence estudou e implementou métodos para melhorar o saneamento no campo de batalha o que reduziu as doenças, a infecção e a mortalidade. Criando a atual teoria ambientalista que, na enfermagem, visa facilitar os “processos reparadores do corpo” manipulando o ambiente em que o paciente está inserido. Conforme ela mesma justifica: “Pode parecer um estranho princípio enunciar como primeira e mais importante função de um hospital a de que ele não cause nenhum mal à saúde do paciente” (NIGTHINGALE, 1963, p.3). 63 Orientadora 101 Coleção Novos Mestres Deste modo, para se estabelecer qualidade e conforto na edificação é necessário considerar decisões de projeto arquitetônico, que vão desde o impacto da implantação do terreno em função do melhor aproveitamento das condições naturais de ventilação e iluminação, ao desenho e arranjo do mobiliário e a sua contribuição ergonômica ou até mesmo a influência das cores utilizadas que possam influenciar as sensações de conforto, segurança e bem-estar (SANTOS; BURSZTYN, 2004). Síndrome do edifício doente A síndrome do edifício doente, ou síndrome da construção doente é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1982, já foi definida como “indisposição generalizada”. Essa síndrome é identificada quando pelo menos cerca de 20% dos ocupantes de uma edificação apresentam sintomas transitórios associados ao tempo de permanência em seu interior, que tendem a desaparecer após curtos períodos de afastamento. Segundo o relatório “Qualidade do Ar em Estabelecimentos de Uso Público e Coletivo” do Inmetro (INMETRO, s.d.), a Síndrome do Edifício Doente é a expressão utilizada para designar a relação entre causa e efeito das condições ambientais observadas em áreas internas, com reduzida renovação de ar, e os vários níveis de agressão à saúde de seus ocupantes por meio de fontes poluentes de origem física, química ou biológica. Embora os pesquisadores digam que esta síndrome não apresente ameaças à vida, pode causar sério enfraquecimento e incapacitação crônica. Streling et al. (1991) define seus sintomas: “Edifícios doentes são identificados por uma alta prevalência de sintomas em seus ocupantes, que incluem: dor de cabeça, problemas nos olhos (irritação, dor, secura, coceira ou constante lacrimejamento), problemas nasais (constipação nasal, coriza ou irritação nasal), problemas de garganta (secura, dor ou irritação), problemas no tórax (sensação de opressão e dificuldade respiratória), fadiga e letargia (sonolência e debilidade), anormalidades na pele (secura, coceira ou irritação), e problemas para manter a concentração no trabalho” (STERLING et al., 1991, p. 57). A arquitetura e a engenharia têm muito a contribuir para evitar esta síndrome. Se alguns cuidados forem observados na fase de projeto, com uma locação adequada, desenho que proporcione uma maior eficiência energética natural e utilização de materiais menos poluentes na construção pode-se extinguir boa parte destes sintomas. Como endossa Saunders (2002): “As causas desta síndrome estão diretamente ligadas a aspectos da localização do imóvel, aos projetos arquitetônicos e de engenharia, às especificações relativas à construção ou a reforma. Se a administração do imóvel, os cuidados com a limpeza e com a manutenção também forem mal feitos, as ameaças à saúde se multiplicarão” (SAUNDERS, 2002 p. 52). Quando uma edificação não é pensada a ser utilizada de forma sustentável desde sua origem, se faz necessário o uso da tecnologia para corrigir os efeitos de uma arquitetura/engenharia mal resolvida. Nesse contexto tem sido criados e aprimorados os mais diversos sistemas de ventilação artificial, que em muitas vezes são inadequados desde sua falta de planejamento até o mau uso dos mesmos proporcionando uma baixa qualidade do ar interno. Outro fator que torna uma construção doente é a poluição sonora. Automóveis, sirenes, alarmes, tráfego, obras, aparelhos de som, estes e outros ruídos reduzem a qualidade de vida do ser humano. A emissão de ruídos se tornou um problema social tão sério que a sociedade criou a lei do silêncio, instituída pela resolução CONAMA nº 1 de 8 de março de 1990 onde estabelece que a emissão de ruídos em decorrência de quaisquer atividades industriais, comerciais, sociais ou recreativas, inclusive as de propaganda política, não devem ser superiores aos considerados aceitáveis pela Norma NBR 10.151 – “Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas Visando o Conforto da Comunidade”, da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Segundo o “Programa Nacional de Educação e Controle de poluição sonora” os principais efeitos negativos decorrentes da poluição sonora são: • Distúrbios do sono; • Estresse; • Perda da capacidade auditiva; 102 Coleção Novos Mestres • Surdez; • Dores de cabeça; • Alergias; • Distúrbios digestivos; • Falta de concentração; • Aumento do batimento cardíaco. No projeto arquitetônico também deve ser observado, desde sua concepção, as iniciativas de iluminar naturalmente os ambientes para evitar condições de insalubridade e desconforto. Igualmente importante à iluminância são as cores a serem aplicadas já que do ponto de vista fisiológico, biológico e psicológico os seres humanos são profundamente influenciados pela quantidade e qualidade de luz e cor determinadas pela localização de um prédio, por sua posição no terreno e por seus espaços interiores. “Trabalhar – ou viver – entre vidros coloridos e luz artificial inibe a produção de serotonina pela glândula pineal, o que reduz nossa energia e vitalidade a um ponto que, depois de certo tempo, sentimo-nos sonolentos e fatigados.(...) Outra opção aos caixotes de vidro compactos e reluzentes característicos dos prédios de escritórios de hoje são os projetos de fachadas de produzem sombra nos interiores sem reduzir a qualidade de luz natural. Grandes arquitetos do passado usaram essas técnicas para criar prédios confortáveis, bem iluminados e originais bem antes do surgimento do arcondicionado e dos vidros coloridos” (SAUNDERS, 2002, p. 67). Com o avanço das pesquisas apontando tantos malefícios que possam ser evitados ou reduzidos a partir de uma construção melhor planejada, é certo que as próximas edificações contemplem a preocupação de considerar as questões de sustentabilidade. Müller (2011) descreve como a arquitetura pode melhorar o conforto e a saúde de seus habitantes: “... Por meio de um projeto que respeite as necessidades e os desejos dos usuários, do emprego de produtos que não desprendam substâncias tóxicas e de produtos naturais que favoreçam experiências sensoriais” (MÜLLER, 2011, p. 71). Os tempos estão mudando, tem-se que unir antigas técnicas e modernas descobertas em prol das construções sustentáveis. Para isto deve haver um novo tipo de projetista que pense as novas construções como um organismo harmônico e fomentador do desenvolvimento sustentável de seus ocupantes. Definindo Construções Sustentáveis Para buscar a sustentabilidade das construções de Juazeiro do Norte, antes é necessário saber o que é Sustentabilidade, o que são construções Sustentáveis e como se pode aferir isso. Sabe-se que atualmente, existem instituições que regulamentam se uma construção é sustentável ou não através de selos. Neste tópico serão estudados estes selos para, num segundo momento, identificar princípios básicos que possam ser utilizados para o estudo de caso proposto. Uma das definições mais aceitas de sustentabilidade é a de H. Brundtland de 1987 que diz: “assegurar os recursos suficientes para as gerações futuras terem uma qualidade de vida similar a nossa”. Esta definição foi reconhecida mundialmente por meio da conferência RIO 92. Segundo Müler (2011) esse conceito baseia-se em três princípios: “consideração do conjunto do ciclo de vida dos materiais; desenvolvimento do uso das matérias-primas e energias renováveis; redução das quantidades de matéria e energia utilizadas durante a extração dos recursos naturais, a exploração dos produtos e a destruição ou reciclagem dos resíduos” (MÜLLER, 2011, p. 27). Ainda na RIO 92, foi elaborada a AGENDA 21, um documento feito em consenso entre governos e instituições de 178 países com a finalidade de garantir a sustentabilidade mundial a partir do século 21, daí o nome do documento. 103 Coleção Novos Mestres Dois anos depois da RIO 92, em novembro de 1994, ocorreu a primeira conferência mundial sobre construção sustentável na Flórida, onde o CIB – Conseil International Du Batiment (Conselho Internacional de Pesquisa e Inovação na Construção) uma organização internacional de pesquisa em construção, definiu construção sustentável por “...creating and operating a healthy build enviroment based on resource efficiency and ecological design” (KIBERT, 2013, p.10) e elaborou sete princípios para a Construção Sustentável que são: 1. Minimizar o consumo de recursos; 2. Maximizar a reutilização dos recursos; 3. Utilizar recursos renováveis e recicláveis; 4. Proteger o ambiente natural; 5. Criar um ambiente saudável e não tóxico; 6. Analisar o custo do ciclo de vida; 7. Fomentar a qualidade ao criar o ambiente construído. O CIB iniciou um projeto internacional para comparar visões e percepções do desenvolvimento sustentável, o futuro das construções e como ajuda-las nos diferentes países. Este projeto deu origem a um importante documento em 1999, a “Agenda 21 on Sustainable Construction” que tem por objetivos: “The three principal objectives for this Agenda 21 for Sustainable Construction are: To create a global framework and terminology that will add value to all national or regional, and sub-sectorial Agendas; To create na Agenda for CIB activities in the field and for coordinating CIB with its specialised partner organizations; to provide a source document for defining R&D activities” (CIB, AGENDA 21 ON SUSTAINABLE CONSTRUCTION, p. 30). E o documento conjunto CIB-UNEP “Agenda on Sustainable Construction in developing countries” que tem por objetivos principais: “To identify the key issues and challenges facing sustainable construction in the developing world, as well as the major barriers to practising sustainable construction. To identify a research agenda that focuses on possible responses to the challenges and needs of the developing world. To guide international investment in research and development in the developing countries. To stimulate debate and encourage the exchange of learning on sustainable construction within the developing world, thus drawing the developing world into the international debate as an equal partner.” (CIB, AGENDA ON SUSTAINABLE CONSTRUCTION IN DEVELOPING COUNTRIES, p. 3). Em junho 1996, em Istambul, aconteceu a Conferência Habitat II, onde os participantes também definiram o que poderia ser a aplicação do desenvolvimento sustentável na Construção Civil. Nesta conferência foi aprovada a “Agenda Habitat” que, derivada da Agenda 21, apresenta o Plano Global de Ação que tem como meta “Moradia adequada a todos” e “Desenvolvimento de assentamentos humanos sustentáveis em um mundo em urbanização”. Dela pode-se destacar: “Sabe-se que o projeto das áreas edificadas causa um impacto sobre o bem-estar e comportamento das pessoas e, consequentemente, sobre a sua saúde. O projeto adequado das novas moradias, e sua melhoria e recuperação, são importantes na criação de condições de vida sustentáveis. O projeto de edifícios altos deve complementar o contexto das adjacências onde estão localizados. Em particular, o desenvolvimento em grande escala de edifícios altos pode trazer desvantagens sociais e ambientais; desse modo, é necessário dedicar atenção especial à qualidade do projeto, incluindo a escala e a altura, manutenção apropriada, inspeção técnica e medidas de segurança” (UNITED NATIONS, AGENDA HABITAT, p. 119). O termo “sustentabilidade” tem sido aplicado na arquitetura de maneira vasta e diversa e, algumas vezes, sem concordância com seu significado. Produzindo assim uma divergência conceitual trazendo dificuldade em sua aplicação prática. Entretanto parece ser consenso a necessidade 104 Coleção Novos Mestres urgente de mudança. Diversas instituições têm sido criadas objetivando organizar, equacionar, inclusive atestar por meio de selo, as construções refletindo os atuais empenhos mundiais em busca de soluções para a fomentação de uma arquitetura sustentável. Especificamente foram escolhidos para esta pesquisa dois selos de maior respaldo internacional e dois brasileiros, são estes: BREEAM™, LEED™, AQUA e PROCEL EDIFICA. Nos quatro foi analisada sua estrutura de critérios e pontuação a fim de localizar critérios semelhantes no PDDU do município estabelecendo a metodologia para pesquisa exploratória adotada nesta pesquisa. O que os selos avaliam? Após aprofundamento destes quatro métodos de avaliação de construções sustentáveis: BREEAM, LEED, AQUA e PROCEL; Pode-se ter uma aproximação da noção de como de distinguir uma construção sustentável. Constata-se que, excetuando o selo PROCEL o que difere de um selo a outro é basicamente o nível de detalhamento das categorias e valor que cada uma possui no resultado final das avaliações, entretanto os blocos de discussões são comuns entre si. Enquanto o PROCEL avalia apenas o nível de eficiência energética, os outros selos tem a maioria dos critérios em comum, incluindo este único, modificando apenas a nomenclatura entre um e outro. Figura - Distribuição dos créditos ambientais do BREEAM, HKBEAM, LEEDD TM, MSDG, CASBEE e GBTool, após normalização. Fonte: SILVA, 2003. Silva (2003), arquiteta, em sua tese de doutorado, faz um comparativo entre diversos selos de sustentabilidade em edificações, incluindo o BREEAM e o LEED aqui estudados, delimitando quais seus grupos de discussão e seu grau de importância em cada selo, como pode ser visto na Figura 4. Observando as categorias de avaliação do selo AQUA pode-se constatar que elas também fazem parte destes grupos de discussão, então temos que estes grupos são essencialmente: (1) Qualidade da implantação; (2) Gestão no uso da água; (3) Gestão no uso da energia; (4) Gestão de materiais e (redução de) resíduos; (5) Prevenção de poluição; (6) Gestão ambiental (do processo); 105 Coleção Novos Mestres (7) Gestão da qualidade do ambiente interno; (8) Qualidade dos serviços; (9) Desempenho Econômico. Mais adiante serão mostrados estes grupos indicadores no instrumento de políticas públicas do município, o plano diretor. Instrumentos Locais de Avaliação: O plano diretor. O plano diretor tem fundamento constitucional e está citado no seu artigo 182 e 183 como “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expressão urbana”. O objetivo do Plano diretor não é solucionar todos os problemas urbanos, mas ser um instrumento de políticas públicas de intervenção urbana, criado com base na participação popular e técnica multidisciplinar relacionando um conjunto de diretrizes e regras a partir de uma leitura da cidade real, envolvendo temas e questões relativos aos aspectos urbanos, sociais, econômicos e ambientais. No ano 2000 foi elaborado no município de Juazeiro do Norte, seu primeiro plano diretor de desenvolvimento urbano, ainda vigente. Seu documento final deixa a desejar no quesito soluções regionais. Aparentemente obedece a um formato globalizado sem que a população local se tenha se apropriado das mesmas. Tanto, que mais de 10 anos depois estas soluções, como as “unidades de vizinhanças”, por exemplo, não foram implementadas. Um indicativo de que este plano diretor vigente apenas adaptou soluções de outros lugares, sem levar muito em conta o contexto regional é uma pequena falha no documento do plano estratégico, página 09, que coloca a responsabilidade da implementação do Plano ao município do Crato (cidade vizinha) e não de Juazeiro do Norte como logicamente era para ser: “Por fim, é fundamental que a Prefeitura Municipal do Crato prepare a sua organização para responder ao desafio que a implementação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano representa.” (Juazeiro do Norte, 2000, p.9). Este plano está subdividido em: Estratégias de Implementação; Legislação básica; Plano de Estruturação Urbana; Plano estratégico; Relatório de questões; Termos de Referência. Dentro da Legislação Básica existe: Código de Obras e Posturas; Lei de Organização Territorial; Lei de Uso do Solo; Lei do Plano Diretor; Lei do sistema viário. Para esta pesquisa foram feitas observações sobre a Lei de Uso do Solo, pois é esta que, também, ordena as funções da cidade por meio da utilização racional da implantação e do funcionamento das atividades residenciais, ou seja, do objeto de estudo desta pesquisa. Lei de uso do solo de Juazeiro do Norte e os selos de construção sustentável Esta lei trata do zoneamento do município e a regularização de seu uso e ocupação devendo abranger também os aspectos ambientais. Para tanto o tecido urbano foi dividido entre sete zonas como pode ser visto na figura 05: ZR - Zona Residencial (Subdividida em ZR1, ZR2, ZR3 e ZR4); ZCSE - Zona Comercial e de Serviços Especiais; ZUM – Zona de Uso Misto; CEUV – Centro de unidade de vizinhança; ZRU – Zona de renovação urbana; ZI- Zona industrial; ZE – Zona especial. Esta lei também define, de acordo com as zonas supracitadas, os indicadores mínimos para as construções, são estes: Altura máxima da edificação; dimensões mínimas do lote; índice de aproveitamento (IA), recuos ou afastamentos; Taxa de ocupação e Taxa de permeabilidade do terreno. Como o objeto de estudo desta pesquisa são as residências, iremos analisar exclusivamente os indicadores da Zona Residencial. Observando a Tabela 1, pode-se constatar que a taxa de permeabilidade de todas as residências do município devem variar entre 20 a 35%. Ou seja, esta porcentagem deve corresponder a área do lote ou gleba que permite a infiltração da água no terreno, devendo permanecer totalmente livre qualquer edificação. Taxa de ocupação refere-se Relação percentual entre a área de projeção de uma edificação no plano horizontal e a área desse terreno, não sendo computados os elementos componentes das fachadas, tais como pérgolas, jardineiras, marquises e beirais. Como se pode ver esta taxa é de 50% para todos os casos residenciais. Esclarecendo, em todos os lotes residenciais a construção só deve ocupara a metade do terreno. Figura A e B - Planta oficial de parcelamento, uso e ocupação do solo de Juazeiro do Norte. 106 Coleção Novos Mestres Fonte: JUAZEIRO DO NORTE, 2000. Tabela 1 – Tabela de índices de zonas residenciais extraída do anexo III da lei de parcelamento, uso e ocupação do solo do Plano Diretor de Juazeiro do Norte. 107 Coleção Novos Mestres FONTE: Juazeiro do Norte, 2000. O índice de aproveitamento é o quociente entre a área parcial de todos os pavimentos do edifício e a área total do terreno, neste plano ele varia entre 1,0 e 1,75. Observando ainda a figura 8, pode-se constatar que as quatro zonas residenciais tem por indicador a existência de recuo lateral variando de 1,5m a 3m no mínimo. O recuo frontal destas ZRs para as residências unifamiliares varia de 3 a 5m no mínimo. O recuo dos fundos das residências devem ser de 1,5 a 3m no mínimo. Para que não haja dúvidas da aplicação destes recuos, a lei também apresenta esquemas demonstrativos explicativos os quais podem ser vistos nas Figuras 8A e 8B. Com a exigência destas taxas e recuos, pode-se observar que o plano viabiliza corredores de circulação de ar para a cidade, espaço para escoamento de águas das chuvas evitando empoçamentos e algumas doenças de veiculação hídrica e no projeto de edificações viabiliza a possibilidade de aberturas de portas e janelas para os recuos proporcionando, mediante um bom projeto, residências arejadas com ventilação cruzada natural e consequentemente iluminação natural, proporcionando melhor qualidade de vida para seus ocupantes e para a cidade como um todo. Estes índices possuem relação direta com algum dos blocos de discussão elencados no estudo de Silva (2003) que os selos avaliam. Os selos avaliam as construções desde a etapa de projeto até a pós-ocupação da edificação, enquanto que estes índices retirados do plano diretor não regulamentam os seguintes assuntos analisados nos blocos de discussão: • Gestão de materiais e redução de resíduos (entulho de obra); • Prevenção de poluição; • Gestão da qualidade do ambiente interno; • Gestão ambiental do processo; • Qualidade dos serviços; • Desempenho econômico; 108 Coleção Novos Mestres Entretanto, se os índices forem obedecidos de acordo com o plano diretor, muitos dos critérios serão contemplados de alguma forma. São estes: • Qualidade da implantação; • Gestão no uso da água; • Gestão no uso da energia; • Gestão da qualidade do ambiente interno. Com relação à Qualidade da implantação, os índices contribuem normatizando recuos (lateral, frente e fundos), proporcionando corredores de circulação de ar e área de infiltração das águas pluviais. No critério Gestão no uso da água, a obediência dos índices proporciona afastamentos que dão espaço livre no lote para a construção de sumidouros onde não há rede de esgotos ajudando a sanar o problema da disposição das águas servidas nas ruas, comumente encontrado em Juazeiro do Norte. E para a cidade, ter espaço de infiltração das águas pluviais dentro do lote traz o benefício de evitar alagamentos por excessiva impermeabilização do solo, também comum no município. Em relação ao uso da energia, pode-se dizer que uma casa que obedece aos recuos tem mais possibilidade de possuir projeto que contemple aberturas de janelas para área externa em todos os compartimentos. Uma estratégia simples de projeto que promove o uso de iluminação e ventilação natural, permitindo melhor aproveitamento dos recursos naturais e maior eficiência energética da construção. A qualidade do ambiente interno também é privilegiada em um projeto que contemple a obediência dos índices propostos pelo plano. Quando dotada das janelas, a edificação recebe ciclicamente renovação de ar e luz natural, fatores que a enfermeira Florence Nightingale (1860) já indicava como essenciais para a promoção da saúde dos ocupantes das edificações. Conclui-se que as construções de Juazeiro do Norte seriam, somente com base no atendimento do plano diretor, regularmente sustentáveis. Entretanto a aplicação destes índices, apesar de ser lei municipal, não parece ser regra da realidade de Juazeiro do Norte. Esta afirmação será amplamente discutida nos capítulos seguinte. História e Estudo de caso A cidade, antes chamada fazenda Tabuleiro Grande, pertencia ao brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro, a quem se atribuem os primeiros sinais de urbanidade da região, pois construiu uma casa grande, uma capela e residências para os escravos e agregados da família. “... imensa extensão de terra, partindo do município de Crato e espraiando-se em direção a serra de São Pedro, era a Fazenda Taboleiro Grande, pertencente ao brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro e que, portanto fazia parte da gleba de terra do engenho Moquém que seus avós doaram aos seus pais como dote, quando eles se casaram. O ponto mais pitoresco da fazenda era uma ligeira elevação do terreno, próximo ao rio Salgadinho, onde havia três grandes juazeiros, formando um triângulo e sobressaindo, entre os demais, pelo tamanho de sua fronde e pela beleza do verde de sua clorofila. Sob esta fronde acolhedora, procuravam abrigo os viajantes feiristas, que, de Barbalha, Missão Velha e outras imediações se dirigiam a Crato para vender seus produtos e comprar mantimentos para a semana ...” (OLIVEIRA, 1982, p. 42). Este aglomerado de poucas casas ficava próximo à sombra de três frondosas árvores chamadas de juazeiro (nome científico: Ziziphus joazeiro), hoje situada na praça marco zero, e que em 1827 foi erigida sua primeira capela em homenagem a Nossa Senhora das Dores. Quando o Padre Cícero chegou ao vilarejo que já tinha por nome “Joazeiro” em 11 de abril de 1872 encontrou ali um tipo de lugarejo com 35 casas, quase todas de taipa dispostas de maneira aleatória por duas ruas pequenas chamadas de Rua do Brejo e Rua Grande. Este padre conduziu a população a uma nova organização social em prol de seu crescimento também arquitetônico, como a construção da nova igreja de Nossa Senhora das Dores, ao lado da antiga capela. Dona Amália Xavier de Oliveira descreve o cenário arquitetônico deste povoado no ano de 1871: “Naquela época havia no povoado cerca de trinta e poucas casas; umas de tijolo eram cobertas de telhas; outras de paredes de barro e cobertas de telhas; outras mais e na maioria, de paredes de barro ou taipa e cobertas de palha de babaçu e ainda muitas espalhadas pelo terreno e roças, todas de palha.” (OLIVEIRA, 1982, p.55). 109 Coleção Novos Mestres A taipa adotada na construção destas casas se tratava da tecnologia possível para a moradia necessária da pobre população que ali residia. Assim a arquitetura presente em Juazeiro do Norte teria claramente um caráter popular e utilitário onde sua finalidade principal seria a sobrevivência. Castro (1983), no apêndice intitulado “Aspectos da arquitetura no nordeste do país” do livro “História geral da arte no Brasil”, sugere que em caso tão especial não se deva buscar arte nesta arquitetura, mas antes admirá-la como um comovente testemunho material dos percalços enfrentados na penosa lida civilizatória dos sertões. Essa tecnologia construtiva consistia no aproveitamento artesanal dos recursos locais disponíveis. Frade em seu livro “Arquitetura sagrada no Brasil” dedica um rodapé a definir seu conceito: “A taipa de mão, também chamada de sebe, pau-a-pique, tapona ou sopapo, é de execução mais rápida (que a taipa de pilão). Principia-se por uma estrutura de madeira da casa (gaiola), composta de esteios cravados no chão e ligados entre si por vigas horizontais (baldrames e frechais), que formam um sistema rígido de sustentação do telhado. Para a construção das paredes é montada uma trama de paus roliços ou taquara jetevoca (que possui o cerne compacto) em posição vertical (barrotes) e horizontal (ripas), amarradas com cipó. Em seguida atira-se o barro, ao mesmo tempo, do lado de dentro e do lado de fora da trama, o que requer o trabalho de duas pessoas. Daí a expressão de sopapo ou tapora. A taipa de mão é usada até hoje nas construções das zonas rurais” (FRADE, 2007, p.55). Em tempos modernos, ainda é possível, embora difícil, encontrar em Juazeiro, moradias antigas semelhantes às daquele período histórico, resquícios da expressão arquitetônica mais constante e recorrente de toda a região. Devido ao seu significado histórico de associação com a miséria da então pobre população sertaneja de Juazeiro, as construções de taipa foram sendo extintas, mesmo que possuam propriedades ecológicas e interajam com o meio ambiente há gerações. Pisani (2007), em seu artigo “taipas: a arquitetura de terra” enumerou algumas vantagens deste método construtivo, enumeradas a seguir: • A terra crua regula a umidade ambiental: o barro possui a capacidade de absorver e perder mais rapidamente a umidade que os demais materiais de construção; • A terra armazena calor: como outros materiais densos como as alvenarias de pedra, o barro armazena o calor durante sua exposição aos raios solares e perde-o lentamente quando a temperatura externa estiver baixa; • As construções com terra crua economizam muita energia e diminuem a contaminação ambiental. As construções com terra praticamente não contaminam o ambiente, pois para prepará-las necessita-se de 1 a 2% da energia despendida com uma construção similar com concreto armado ou tijolos cozidos; • O processo é totalmente reciclável: as construções com solo podem ser demolidas e reaproveitadas múltiplas vezes. Basta fragmentar e voltar ao processo de preparo da massa de terra. A substituição das casas de taipa por alvenaria findam por criar alto nível de entulho oriundo da construção civil. Onde antes o material era totalmente reciclável, agora aparece o problema do elevado desperdício. Ghrohmann (1998) afirma em seus estudos que a cada três obras é acumulado entulho proporcional a construção de outra obra idêntica. Em estudo recente, Lacerda (2010) ao pesquisar o desperdício de tijolos de uma construção de pequeno porte em Juazeiro do Norte constatou que houve um desperdício de 7,14% apenas em tijolos quebrados para o encaixe no final das amarrações de paredes. Sem considerar perdas por outros fatores como transporte, estocagem acentuada e baixa resistência. Podendo ser este desperdício ainda maior. A maioria das casas de taipa ainda presentes no município estão localizadas na zona rural e não parecem ter a ver com as vantagens ecológicas do material, mas como na história da cidade, apenas diz respeito ao ainda baixo custo de seu emprego. Segundo entrevista com a secretaria de habitação do município, sua zona rural possui aproximadamente 177,11 Km² de extensão e compreende cerca de 70% da área total da cidade. Grande parte das famílias que ali residem sobrevivem da agricultura familiar e são beneficiários do Programa Bolsa Família, resultando em uma renda familiar em torno de 0,5 e 1 salário mínimo. Retornando a história da arquitetura de Juazeiro do Norte, pode-se dizer que o Padre Cícero teve grande influência em seu processo original de urbanização, pois foi ele quem conseguiu 110 Coleção Novos Mestres junto a seus amigos disponibilizar terrenos nas ruas do vilarejo para construir casas para a população a fim de aumentar o povoado. O “agrimensor improvisado” encarregado das terras patrimoniais, de dividir os lotes e alinhar as ruas se chamava José Leandro. Amália Xavier Oliveira descreve este processo de urbanização: “... Orientado pelo Pe. Cícero, ia (José Leandro) alinhando as ruas, demarcando os chãos e aforando os terrenos aos interessados que, por sua vez, construíam suas casas. Assim foram aumentando a rua da Matriz e e a praça da Igreja; alongando a rua Padre Cícero até o ângulo d aruá do Cruzeiro, na Praça: fizeram o mercado velho à rua da Matriz. Prolongaram a rua Nova, hoje Av. Dr. Floro; melhoraram a Capelinha do Cemitério velho, ali onde é atualmente a Capela Nossa Senhora do Rosário de Fátima... ” (OLIVEIRA, 1982, p. 65). Atualmente os lotes de Juazeiro possuem um padrão de possuírem fachada estreita e grande comprimento, provavelmente foi um padrão de repetição ao que ocorreu nesse período. Este formato de lote tem grande influência no resultado final da planta das casas como será analisado nos capítulos posteriores. Em março de 1889, a cidade passaria a ganhar projeção em quando o padre Cícero celebrava a Santa Missa e, ao ministrar a hóstia na boca da beata Maria de Araújo acontece o fenômeno da transubstanciação desta em sangue. Aquele fato inexplicável, transformou a cidade de Juazeiro do Norte em palco de romarias religiosas. Trouxe para a cidade um intenso comercio religioso e o grande contingente de romeiros permitiu a “padrinho” canalizar recursos por meio de doações para obras sociais e arquitetônicas. Para atender a população das romarias, cada vez mais numerosas foram construídas e instaladas na região: fábricas de algodão, cassino, cinema, lojas, farmácias e instituições educacionais. Outra data importante para o crescimento da infraestrutura de Juazeiro do Norte é o ano de 1915, apesar da grande catástrofe ambiental conhecida como “a seca do quinze”, sob liderança do Padre Cícero, em prol do grande flagelo dos sertanejos, foram reivindicadas obras de emergência junto ao governo Federal como o Açude Carás e a estrada de ferro, cuja estação de Joaseiro foi inaugurada em 1926. Posteriormente, em 1930 ele solicitou o ramal férreo para Barbalha. Outro detalhe importante acerca do Padre Cícero para esta pesquisa é que ele aconselhava a toda população local a respeito de tudo, inclusive a respeito de técnicas de construção sustentável, como descreve Barreto (2003) ao citar um de seus conselhos: “Faça uma cisterna no oitão de sua casa para guardar água da chuva”. Entretanto, ainda na década de vinte, durante uma viagem a Juazeiro, o autor Lourenço Filho descreve o cenário da cidade, contrastando-a com a capital do estado, Fortaleza: “A luz elétrica torna-se gás acetileno; depois, lampião belga; em seguida, candeeiro; mais tarde, candeia de óleo de mamona [...] Os muros se tornam sucessivamente cercas de arame, divisões de varas pacientemente trançadas, valados singelos, desaparecendo por fim, de todo, para deixar em comum valados e serras. É o “mundo velho sem tranqueira” [...] Mil reminiscências, que marcam, pela constância, como que estranha parada no tempo” (LOURENÇO FILHO, 2002, p. 27). Mediante esta descrição, pode-se perceber que a maior parte do desenvolvimento urbano e arquitetônico de Juazeiro continuava a ocorrer sem planejamento, com casas dispostas de maneira aleatória e com os recursos mais simples e baratos possíveis. Devido a isto se pode presumir que as técnicas adotadas neste período, como a taipa, passariam a ser rotuladas como materiais de utilização da pobreza primitiva, sendo assim discriminada não só pelas elites, mas também pelas camadas populares. Pouco a pouco as velhas casas de taipa deram lugar a construções em alvenaria, restando poucos exemplares desta expressão arquitetônica tão significativa para a história do município. Intrigante, porém, observar que à medida que as casas iam sendo “modernizadas” os padrões da planta arquitetônica pareciam seguir moldes semelhantes. Em observação de fachadas é fácil perceber casas sem recuos laterais, porta e janela para calçada, por exemplo. Há de se questionar inclusive se a substituição dos materiais construtivos, locais, adaptados ao clima e que provinham condições de conforto térmico razoável, foi benéfica para a população. A respeito da tradicional planta das casas caririenses, da época em que as necessidades 111 Coleção Novos Mestres fisiológicas eram feitas em latrinas nos quintais, em entrevista com o pesquisador Marcondes Macêdo Landin, herdeiro de famílias tradicionais da região, foi sabido que a disposição dos cômodos da casa seguia uma lógica padrão e tinha um motivo de ser. O quarto dos pais estaria com janela para a rua, pois cabia aos progenitores a proteção da família, o quarto dos fundos pertencia aos filhos homens, pessoas em segundo grau de importância na família tradicional, assim seu quarto tinha janela para o quintal e também lhes cabia a proteção de sua morada. Por fim, entre estes cômodos situava-se o quarto das moças, sem janelas, para que fossem preservadas e protegidas inclusive delas mesmas. Este conceito demonstra curiosamente que a habitação tradicional, que para os atuais padrões apresenta falhas na sustentabilidade da construção por haver cômodos sem janelas, por exemplo, seria base sustentável para o modo de viver da antiga sociedade juazeirense. A figura 13 demonstra um croqui com base nesta descrição: Figura - Croqui de tradicional planta de residência unifamiliar. Fonte: Ilustração do autor. Outro fator de desordenamento urbano é a velocidade que a cidade teve de ser adensada. Juazeiro do Norte, com apenas um século de existência, é o terceiro município mais populoso do Ceará, o maior do interior cearense e a centésima maior do Brasil. Apresenta uma taxa de urbanização de 95,3% e entre os anos de 2001 e 2011 registrou um dos maiores índices de crescimento populacional do Ceara, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em virtude desta velocidade de crescimento, alguns serviços dos recursos mais essenciais não tem oferta na cidade ainda nos tempos modernos, como é o caso do abastecimento de água e tratamento de esgotos que não abrangem o município completamente. Mesmo as áreas atendidas por esses serviços não cumprem bem seu papel, pois grande parte da população simplesmente não liga seu esgoto no sistema de esgotamento sanitário. Em pesquisa divulgada pelo IPECE, em 2011, o município de Juazeiro do Norte apresentou uma cobertura de rede de esgotamento sanitário de 20.017 ligações, representando 38.63% da área urbana, bem inferior a porcentagem da média nacional que é de 55,2%% (IBGE: Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – 2008). Historicamente estes métodos alternativos de “tratamento” dos esgotos e excretas não tem tido o acompanhamento técnico desde o início de suas confecções faltando planejamento quanto a vazão, capacidade e a periodicidade da manutenção destes. Quando há o eventual tratamento do sistema é porque ocorre o transbordamento da fossa, não caracterizando uma manutenção periódica, inclusive podendo ser estendida a toda cidade do Juazeiro do Norte. É importante salientar que as fossas sépticas são recentes e estão crescendo, aumentando a possibilidade de manutenção. Assim até os tempos atuais a cidade desenvolve sua arquitetura com carência de mão de 112 Coleção Novos Mestres obra especializada. Os poucos profissionais de arquitetura e Urbanismo nela instalados concluíram seus estudos fora. Desta forma é relevante citar que a partir da década de 90 os principais empreendimentos lançados pelas construtoras tinham seus projetos confeccionados em outras capitais do Brasil, trazendo para a cidade uma arquitetura que não considerava aspectos regionais em seu produto final. A mesma crítica se aplica ao plano diretor de desenvolvimento urbano de Juazeiro, que foi confeccionado por um escritório da capital do estado, que dista geograficamente 549 quilômetros aproximadamente, configurando-se num produto com poucas expressões da identidade regional como visto no capítulo anterior. Crescimento Urbano de Juazeiro do Norte Conforme dito anteriormente, o plano diretor do município encontra-se desatualizado (ano 2000). Assim, fica difícil fiscalizar e regulamentar o município já que o mapa de zoneamento encontra-se com bairros faltantes. O engenheiro Civil Mário Bem Filho, pesquisador que se dedica ao estudo da área urbana de Juazeiro do Norte e possui livros publicados com este tema, fez esta atualização do tecido urbano para a prefeitura municipal. Na secretaria de infraestrutura (SEINE) pode-se ter acesso ao livro de alvarás que tem documentadas as construções a partir do ano de 1999. Mediante a análise deste podem-se tirar as seguintes conclusões: • Até o ano de 2004 a maior parte dos registros é referente a construções nos bairros centrais (Centro, Tiradentes, triângulo) • Entre 2006 até 2009 é observada uma predominância de construções nos Bairros São José e Betolândia. • De 2009 em diante a maioria das construções está situada nos bairros Betolândia e aeroporto. • Entre 2010 e 2012 observa-se maior crescimento dos bairros José Geraldo da Cruz e Betolândia. Destes, cerca de 70% com os padrões exigidos pela Caixa econômica Federal para financiamento. Figura - Mapa de Juazeiro do Norte até o ano 2000. Fonte: Secretaria de Infraestrutura, 2010. 113 Coleção Novos Mestres Figura - Mapa de Juazeiro do Norte até o ano 2010, em destaque na cor vermelha as áreas criadas após o plano diretor. Fonte: Juazeiro do Norte, 2010. Diagnóstico da arquitetura de Juazeiro do Norte Com base na revisão feita anteriormente, foi decidido averiguar aplicação dos índices da Lei de ocupação e Uso do solo já que estes são pertinentes a sustentabilidade das edificações. Utilizando o software gratuito “Google Earth” pode-se encontrar a vista aérea de toda a cidade. Mediante o estudo desta perspectiva fica evidente perceber que muitas construções não apresentam nenhum recuo (lateral, fundos e frontal), consequentemente não apresentando área de permeabilidade e a taxa de ocupação exigidas. Na maioria dos quarteirões analisados na pesquisa, as casas se encontram sem recuos laterais, frontal ou de fundos, Com base nessa observação foi realizado um mapeamento colorindo em azul todos os quarteirões que possuem em sua maioria (mais de 50%) estes modelos de casas geminadas, em amarelo os quarteirões fora desta situação, em vermelho os quarteirões que possuem majoritariamente uso institucional ou público e em verde os vazios urbanos e áreas verdes. A fim de ter uma ideia quantitativa gráfica da realidade das construções de Juazeiro do Norte. Averiguando geograficamente, aonde se atende os critérios mínimos de sustentabilidade exigidos no plano diretor e presente nos blocos de discussão: (1) Qualidade da implantação; (2) Gestão no uso da água; (3) Gestão no uso da energia; (7) Gestão da qualidade do ambiente interno. Observando os mapas criticamente é constatado um número majoritário de casas geminadas no município, concentradas principalmente nos bairros centrais. Nestes bairros, os quarteirões que não possuem casas geminadas costumam corresponder a praças, igrejas e cemitério. Figura - Mapeamento total da cidade de Juazeiro do Norte 114 Coleção Novos Mestres Fonte: Ilustração do autor (2013). Sabe-se que o crescimento da cidade se deu de forma concêntrica a partir de seu núcleo original,conectando esta informação com a observação da Figura 42 fica claro que o quadro de geminações se modificou no decorrer do tempo já que, distanciando concentricamente do núcleo original, a ilustração apresenta mais quarteirões em amarelo (predominância de construções com recuo) do que em azul (predominância de construções geminadas). Ainda observando a Figura 42 associando-a com a Figura 18, é possível perceber que bairros criados após a elaboração PDDU ainda apresentariam construções geminadas. Inclusive o bairro Frei Damião (Figura 40) que, de sua área construída possui a maior parte de construções geminadas. A prevalência de casas geminadas em Juazeiro do Norte mostra a dificuldade de criar aberturas para ventilação e iluminação natural nos ambientes internos. Já que estão ligadas umas as outras sem afastamento lateral e até de fundos, origina uma planta com uma maioria de paredes “cegas”, viabilizando fenestrações – portas e janelas - apenas para a rua deixando a compartimentação posterior a entrada da casa fatalmente sem janelas. A ausência da ventilação cruzada que deveria ser feita com abertura de janelas em paredes opostas implica em uma dificuldade em dissipar o calor da edificação originando moradias ainda mais quentes. Entretanto, mesmo com espaços tão pequenos para se construir, observando as plantas catalogadas nos anexos desta dissertação, pode-se perceber um esforço dos projetistas para ventilar e iluminar estas casas com a utilização de pergolado nas circulações. Que, embora possam ser fonte de luz natural e de troca de ar com o ambiente externo, sozinha, a pérgola se mostra ineficiente para dissipar o calor da edificação. Na Figura 44 temos um exemplo de planta encontrada repedidas vezes ao longo da história. Figura - Planta de residência unifamiliar com lote de 5m de frente. 115 Coleção Novos Mestres Fonte: Juazeiro do Norte, 2007 Ainda referente aos anexos, a partir do ano de 2011 não foi encontrada casas geminadas nos arquivos da prefeitura. Ou seja, até o ano de 2011 foram encontradas novas construções em desconformidade com os índices propostos no PDDU. Em entrevista com chefe do setor de alvará e habite-se foi sabido que haviam sido liberados loteamentos com apenas 5 metros de frente até o ano de 2008. Em lotes com esta dimensão fica inviável a construção de casas com os recuos laterais apropriados. Estes recuos laterais criariam os corredores de ventilação e permitiriam as aberturas externas nas casas. Por isso a fiscalização não tinha como vetar a construção mesmo que atual de casas geminadas em lotes que teriam sido regularizados anteriormente desta forma. Mas enfatizou que os loteamentos modernos foram todos aprovados com o mínimo de 7,5 metros de frente. Entretanto não é correto afirmar que após o ano de 2011 só haveria construções que adotassem os recuos apropriados pelo PDDU, as entrevistas revelam que é pequena a parcela da população que busca regularizar suas casas, cerca de 30 a 40%, e destes, a maioria o faz por exigência de pré-requisito para pleitear financiamento junto Caixa econômica Federal. Sabe-se ainda que esporadicamente sejam encontrados casos em que a execução é diferente do projeto, aonde muitas vezes as saídas de ar são colocadas no projeto apenas para aprovação da prefeitura. Um questionamento importante ao final desta entrevista foi, de posse da informação de que para as casas dotarem de luz e energia das respectivas concessionárias elas precisam apresentar o documento do “habite-se” expedido pela prefeitura. Então se constata que diversas construções ilegais estão dotando destes recursos. Conclusões As construções, de uma maneira geral, são essenciais para atender necessidades e anseios da sociedade, ao propiciar abrigo, conforto e qualidade de vida para indivíduos, famílias e comunidades. Com a finalidade do objetivo de analisar as construções residenciais no município de Juazeiro do Norte sob o viés da sustentabilidade foi feito um diagnóstico da cidade que findou por validar a hipótese inicial de que a cidade tem deixado a desejar no que diz respeito à sustentabilidade das construções. 116 Coleção Novos Mestres Em estudo de campo foram detectadas muitas casas geminadas, sem janelas, que depositam suas águas servidas nas ruas. Sendo notória a insustentabilidade destas residências, visando uma maior contribuição científica, foi resolvido buscar pelo menos princípios mínimos que norteassem a pesquisa. Assim foi selecionado o estudo dos indicadores do PDDU do município que contemplassem critérios dos selos (BREEAM™, LEED™, AQUA, PROCEL EDIFICA), a fim de aferir a sustentabilidade das edificações. Em um segundo momento, foram catalogadas várias plantas de residências de Juazeiro do Norte. Isto foi conseguido com a Secretaria de Infraestrutura que cataloga as plantas para expedição de alvarás de construção. Consequentemente o objeto de pesquisa passou a ser delimitado por residências regularizadas. Com o objeto de estudo delimitado e a metodologia de avaliação definida por meio da análise dos dados tabulados, é possível concluir que o município, ao longo dos anos, em sua maior parte, entra em desconformidade com as diretrizes básicas de construções sustentáveis e com seu sistema local de regularização, o plano diretor de desenvolvimento urbano. Como mostrado nos resultados obtidos mediante o mapeamento dos bairros, as construções geminadas são predominantes no município de Juazeiro do Norte. No entanto, as construções têm, em grande parte dos casos, um ciclo de vida bastante longo, de ao menos 30 a 50 anos, o que torna complexa as análises dos seus impactos positivos e negativos, no sentido de escolher a melhor estratégia para conceituação, projeto, materiais e tecnologias que devem estar presentes nos espaços construídos, de forma a proporcionar melhor qualidade do ambiente no que se tange aos anseios dos moradores e, ao mesmo tempo, atender aos requisitos de confiabilidade, eficiência e racionalidade no uso dos recursos naturais, a durabilidade esperada e flexibilidade de usos ou adaptações às demandas futuras. Curiosamente, não somente as construções populares, mas, por toda a cidade e nos mais diversos bairros é recorrente a tipologia construtiva sem recuos laterais, frontais e de fundos. Mostrando assim que ambientes quentes, com dificuldades de renovação de ar e incidência de luz natural, não é uma problemática apenas de quem tem limitações financeiras. O plano diretor criado no ano 2000 trouxe diversas recomendações para as construções que proveriam alguns padrões de sustentabilidade. Entretanto, antes da elaboração do plano, haviam sido aprovados diversos loteamentos demasiado estreitos impossibilitando a aplicação dos índices solicitados. Apenas, a partir do ano de 2010 não foram encontradas plantas de casas geminadas nos arquivos do setor de alvará. O que leva a concluir que apenas 10 anos após a elaboração do plano ele começou a mostrar na prática os resultados de sua observância. Pelo exposto é notório que falta ao município de Juazeiro do Norte uma política coerente e estruturada de construção sustentável. Nesse estudo foi possível identificar que predominam iniciativas isoladas, introduzidas sem a existência de estudos técnicos sólidos, via de regra incentivada por interesses econômicos. Embora, na maioria das vezes, bem intencionadas, essas iniciativas trazem pouco efeito prático, exceto talvez, na ampliação das vantagens da informalidade, como tem acontecido até o momento, o que é contrária ao conceito de sustentabilidade. É possível concluir que a interação do município com a sociedade está ainda num nível de intensidade inferior ao previsto no plano diretor municipal. Esse quadro reflete, em primeiro lugar, um desconhecimento da amplitude de que se reveste a problemática das construções sustentáveis por parte da sociedade e, em segundo lugar, também um despreparo das administrações municipais no trato da questão, ou ainda por ausência de quadros capacitados, ou por puro desinteresse, dado o baixo grau de organização da sociedade local. A abordagem das construções residenciais no município de Juazeiro do Norte sob o viés da sustentabilidade foi realizado do ponto de vista macro, não nos restringimos ao ambiente interno das edificações; procuramos mostrar que o trato com o meio ambiente não pode ser limitado às unidades habitacionais, visto que esta sempre está inserida num contexto sociocultural e ambiental amplo. Apesar de este estudo ter sido feito de maneira holística, interdisciplinar e de um ponto de vista macro, não seria correto afirmar que somatória do objeto de pesquisa, as construções residenciais, por se apresentarem de maneira insustentável, traga como consequência uma cidade insustentável. Para análise da cidade existem outros quesitos que precisam ser analisados que não foram levados em consideração nesta pesquisa, como mobilidade urbana, acessibilidade e análise de zoneamento por exemplo. Nesse sentido é essencial um aprofundamento dos estudos e pesquisa na área ambiental com relação as políticas públicas, urbanização das cidades e cidadania, assumindo uma bandeira de luta permanente que busque difundir a sustentabilidade do ambiente 117 Coleção Novos Mestres construído e das cidades. Referências ARCOWEB. Etiqueta de eficiência energética em edificações. 2009. Disponível em: <http:// www.arcoweb.com.br/tecnologia/procel-edifica-etiqueta-de-11-12-2009.html>. Acessado em 11 de janeiro de 2012. BALDWIN, R.; YATES, A.; HOWARD, N.; RAO, S. Breeam 98 for offices: An environmental assessment method for office buildings. Garston: CRC, 1998. BARBOSA, G. M. Caminhadas com o Padre Cícero. Narrativas de importantes fatos de sua vida. Editora: Realce. Fortaleza, 2010. BARRETO, F. M. de S. Padre Cícero. Editora: Loyola. 2ª ed. São Paulo, 2003. BREEAM, s.d. Disponível em:< http://www.breeam.org/>. Acessado em: 2 de fevereiro de 2012. BRASIL. IBGE, 2010. 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Maria Gorethe de Sousa Lima64 Prof. Dr. Fernando José Araújo da Silva65 Introdução O semiárido possui características distintas como, ausência, escassez, irregularidade e má distribuição das precipitações pluviométricas na estação chuvosa, a intensa evaporação durante o período de estiagem e o elevado escoamento superficial das águas conjugando-se para conformar uma acentuada deficiência hídrica (D’ALVA et al., 2005). Programas voltados para vulnerabilidade hídrica do semiárido têm sido uma das principais estratégias de descentralização da gestão e implantação de ações de convivência nesta região, principalmente em comunidades rurais. Por exemplo, a segurança hídrica é uma estratégia elencada pelo Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que tem como objetivo beneficiar cerca de 05 milhões de pessoas em toda região semiárida, com água potável para beber e cozinhar, através das cisternas de placas (ARTICULAÇÃO DO SEMIÁRIDO, 2013). De acordo com Amorim e Porto (2001), o abastecimento das cisternas com carros-pipa, embora possa minimizar o problema da disponibilidade de água, torna-se uma fonte potencial de contaminação por fatores ligados à origem da água, pela vulnerabilidade a qual está exposta durante o transporte, pelas condições de higiene e limpeza dos carros. Na Chapada do Araripe na vertente Cearense, várias comunidades rurais são beneficiadas pelo Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC). Porém, devido os intensos períodos de estiagem, estas comunidades também utilizam barreiros como fonte de abastecimento. Dessa forma, as cisternas e os barreiros são as únicas fontes de abastecimento de água dessas comunidades. Para agravar ainda mais a situação do abastecimento de água na área, foi verificado, através de visitas preliminares em campo, que além da água captada pelas cisternas não ser suficiente para suprir às necessidades durante o período de estiagem, com exigência de abastecimento por carros – pipa, não era submetida a processos de desinfecção. O único tratamento existente era realizado na água do barreiro, com a pedra ume, porém, de forma rudimentar, sem nenhum critério técnico. Ante o exposto, esta pesquisa tem o propósito de avaliar quantitativamente e qualitativamente os sistemas alternativos de abastecimento de água destinados aos diversos usos das comunidades, principalmente para consumo humano. A pesquisa procura fornecer dados que possam subsidiar as organizações governamentais e não-governamentais para estruturarem políticas públicas que visem inserir a dimensão quanti - qualitativa às cisternas. Ressalta-se que a gestão integrada da qualidade e quantidade da água no semiárido nordestino demanda atenção, por ser a água um fator limitante para o desenvolvimento social e econômico desta região. O espaço amostral da pesquisa abrangeu as comunidades Mata Velha, Minguiriba e Barreiro Grande, localizadas na Chapada do Araripe, no município do Crato – CE. A pesquisa foi desenvolvida no período de novembro de 2011 a janeiro de 2013. No território brasileiro, a Região Nordeste tem sido associada ao flagelo da seca. Mas no interior do estado do Ceará, existe a Região Cariri que apresenta aspectos diferenciados do sertão que a rodeia. Isso acontece por causa da existência da Chapada do Araripe, que está localizada no alto sertão nordestino brasileiro, na confluência das fronteiras dos Estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, compreendendo, o topo, uma área de 6.066 Km², delimitada aproximadamente, pelas coordenadas geográficas 38º 30’ a 41°55’Oeste e 7° 10’ e 7° 50’ Sul (ALVES et al., 2010). Caracterização das amostras de água Foram selecionados 12 (doze) pontos amostrais nas comunidades que compõem a área do estudo, constituídos por cisternas e barreiro. Estes pontos foram identificados durante as coletas com as seguintes informações: código do ponto amostral, data da coleta, nome da localidade e do proprietário da cisterna, responsável pela coleta, bem como todas as observações importantes que 64 65 Orientadora Co-orientador 121 Coleção Novos Mestres podem influenciar na interpretação dos resultados da análise, como cisterna seca, presença de sujidades, rebaixamento do volume de água na cisterna e/ou no barreiro, e outras observações que forem necessárias. Na Tabela 1 está a descrição destes pontos. Tabela 1 – Descrição dos pontos amostrais de Sistemas Alternativos de Abastecimento de Água, cisternas e barreiro, localizados nas comunidades MataVelha, Minguiriba e Barreiro Grande, Chapada do Araripe Cearense. Codificação dos Pontos C1 C2 C3 C4 C5 C6 C7 C8 C9 C10 BR-AB BR-AT Descrição dos Pontos Cisterna (nº 310.357) Cisterna (nº 310.392) Cisterna (nº 310.354) Cisterna (nº 310.358) Cisterna (nº 193.650) Cisterna (nº 360.218) Cisterna (nº 210.838) Cisterna (nº 210.821) Cisterna (nº 210.820) Cisterna (nº 210.830) Água bruta do Barreiro Água do Barreiro tratada com pedra ume Comunidades Mata Velha Minguiriba Barreiro Grande As Figuras 1 e 2 ilustram as fontes alternativas de abastecimento nas comunidades MataVelha, Minguiriba e Barreiro Grande, Chapada do Araripe Cearense. Figura 1 – Modelo de cisternas adotado pelo Programa Um Milhão de Cisternas, em comunidades localizadas na Chapada do Araripe - CE. 122 Coleção Novos Mestres Figura 2 – Barreiro localizado na comunidade Barreiro Grande, na Chapada do Araripe – CE. A inclusão do barreiro como ponto amostral se deve ao fato de que, em períodos de estiagem, as cisternas não suprem a demanda de água necessária para abastecer as residências, fazendo com que os usuários utilizem o barreiro como fonte complementar de água. Após ser captada e transportada para as residências, a água era submetida ao tratamento com pedra ume, com composição a base de sulfato de alumínio e potássio (Al2(SO4)3K2SO4.24 H2O), sem, no entanto, se considerar nenhum critério técnico. Critérios de inclusão na área da pesquisa A Chapada do Araripe é povoada por várias comunidades, podendo ser observado em visitas em campo a semelhança cultural e econômica. A seleção das comunidades para este estudo fundamentou-se em critérios que pudessem favorecer as ações e diagnóstico para construção de dados relevantes para a pesquisa, como: o fácil acesso aos locais e maior tempo de permanência das famílias em suas residências, o que viabilizou as visitas em campo para as coletas de dados. Análises Bacteriológicas Os ensaios bacteriológicos foram realizados de acordo com as técnicas recomendadas pelo Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 2005). Na Tabela 2 encontram-se os ensaios realizados para determinação da qualidade bacteriológica da água das cisternas e barreiro, com suas respectivas metodologias. Ao todo foram realizadas seis (06) coletas, em cada ponto amostral, para determinação das características biológicas. Tabela 2 – Ensaios bacteriológicos realizados em amostras de água de cisternas e barreiro de comunidades na Chapada do Araripe – CE, com seus respectivos procedimentos técnicos. Ensaios Coliformes totais Coliformes termotolerantes Escherichia coli Unidade Método NMP/100 mL Tubos múltiplos (NMP) Na coleta de água para determinação de coliformes totais, termotolerantes e E. coli foram 123 Coleção Novos Mestres utilizados frascos de vidro com capacidade mínima de 125 mL esterilizados a 121ºC por 15 minutos, e protegidos com papel laminado. As técnicas de assepsia foram utilizadas no ato da coleta para não ocorrer riscos de contaminação. As amostras foram acondicionadas em caixas isotérmicas contendo gelo (resfriamento temporário) e encaminhadas ao laboratório. O tempo entre a coleta e a análise da amostra no laboratório não excederam 12 horas. Dimensionamento da demanda e oferta de água nas cisternas A caracterização do regime da distribuição de chuvas da área em estudo foi feita no período de novembro/2011 a janeiro/2013, com realizações de medições mensais da precipitação pluviométrica, com o auxilio de um pluviômetro, instalado em uma residência da comunidade Mata Velha, e um dos membros da família realizava a leitura de registro diário sempre às 7 horas. Para caracterizar o regime de distribuição de chuvas na comunidade Minguiriba, foram utilizados os dados fornecidos pela Casa Sede da Flona Araripe (IBAMA), por ser um local mais próximo à área em estudo. Os dados de volume coletado por precipitações e a quantidade de água abastecida por carros-pipa, números de usuários e intervalo de tempo foram utilizados no cálculo de consumo per capita. Para calcular o volume de água coletado pelas cisternas, no período de chuvas, foi considerado o coeficiente de escoamento da área de captação, conforme equação 1 (Eq. 1) (SILVA; ALMEIDA 2009): Vc=total de chuvamm*área do telhadom2*coeficiente de escoamento (1) Define-se coeficiente de escoamento como sendo a relação existente entre os volumes escoado e precipitado. Esse coeficiente varia com o tempo, com a intensidade de chuva e condições físicas da área de captação (SILVA et al., 1984). O escoamento superficial de 0,7 utilizado para a pesquisa foi obtido através de recomendação de estudos realizados pela Embrapa (BRITO et al., 2006). Diagnóstico dos aspectos socioeconômico e sanitário Os aspectos socioeconômicos e sanitários das comunidades foram avaliados por meio de entrevistas nas quais eram abordados aspectos relacionados com as condições sanitárias do meio e o grau de satisfação com a quantidade e qualidade da água. Resultados e Discussão Diagnóstico do contexto social, econômico, educacional e sanitário das comunidades Mata Velha e Minguiriba, localizadas na Chapada do Araripe – CE. Aspectos socioeconômicos, educacionais e sanitários A aplicação do questionário teve como objetivo compreender o contexto social, econômico e educacional dos residentes das comunidades em estudo. A Tabela 3 dispõe da proporção de pessoas por faixa etária das comunidades Mata Velha e Minguiriba, localizadas na Chapada do Araripe - CE. Tabela 3 – Quantidade de pessoas por faixa etária nas comunidades Mata Velha e Minguiriba, localizadas na Chapada do Araripe – CE. Faixa Etária Crianças (0 – 5 anos) Adolescentes e adultos Acima de 60 anos Frequência 18 37 13 (%) 26,47 54,41 19,12 124 Coleção Novos Mestres Total 68 100 De acordo com os dados da Tabela 3 pode ser observado que a faixa etária predominante dos usuários das cisternas é a de adolescentes e adultos, equivalente a 54,41% dos entrevistados. Quanto ao numero de pessoas por residência, verificou-se que, das dez residências entrevistadas, somente duas famílias eram constituídas por cinco (05) pessoas. Nas demais, a quantidade de pessoas por família era de aproximadamente 09 pessoas, numero superior ao estabelecido pelo P1MC, já que, de acordo com o referido programa, a capacidade da cisterna de 16 m³ objetiva armazenar um volume de água suficiente para uma família com 05 pessoas, durante 08 meses de seca. Considerando a escolaridade, observou-se que a maioria (60%) dos moradores das duas comunidades possuía nível fundamental incompleto ou era analfabeta. Quanto as condições econômicas, das dez famílias entrevistadas, sete viviam com menos de 02 salários mínimos. Quanto a verbas de auxilio de programas sociais somente seis (06) famílias eram beneficiadas por programas do governo, como a Bolsa Família. Ainda verificou-se que as principais fontes de renda eram a agricultora, aposentadoria, apicultura e construção civil. No que se refere à acessibilidade aos setores básicos, saúde e educação, constatou-se grande carência, já que não existiam escolas e postos de saúde nas localidades. Os estudantes precisavam se deslocar para o distrito mais próximo, distante aproximadamente 10 km das comunidades. Quanto à saúde, dois (02) Agentes Comunitárias de Saúde faziam diariamente visitas às comunidades. A visita domiciliar do médico era realizada mensalmente. Também foi verificado que as únicas fontes de abastecimento de água eram, realmente, as cisternas e barreiro. As águas das cisternas eram utilizadas para beber, cozinhar, higiene pessoal, atividades domiciliares e regar plantas. O barreiro era utilizado para dessedentação de animais e lavagem roupas. Dentre os usos da água, a lavagem de roupas foi identificada pelos usuários com o de maior consumo. Ressalta-se que a realidade, em termos de abastecimento de água, identificada nas comunidades em estudo, é comum a várias outras comunidades do semiárido. De acordo com pesquisas realizadas pelo IBGE (2010), 31,5% das famílias rurais possuem acesso à rede geral de água, 54,8% utilizam poços e nascentes e 13,7% utilizam outras formas de acessar a água, que correspondem, inclusive, a buscas em fontes distantes, com longas caminhadas diárias, para o uso de uma água muitas vezes inadequada ao consumo humano. Face às limitações mencionadas compreende-se porque, na maioria das residências visitadas, não se encontrou os proprietários. De acordo com relatos de outros moradores, estes proprietários só retornam para suas residências nos finais de semana. Este comportamento é atribuído a dificuldade encontrada no abastecimento de água associada a falta de emprego e de acesso à educação, ocasionando a procura por melhores condições sociais, econômicas e educacionais. Quanto ao grau de satisfação com o sistema, 100% dos entrevistados estavam satisfeitos com o abastecimento através das cisternas, em termos quantitativos e qualitativos, mas demonstravam preocupação em tempos de estiagens, porque havia a necessidade do abastecimento ser realizado por carros-pipa. Estes carros são cadastrados pelo Exército e fornecem mensalmente água gratuita. A satisfação com o sistema foi evidenciada quando os moradores relataram que antes da construção das cisternas a utilização de água era feita através de barramento de água nas estradas, barreiros e compra de água. Quanto às condições higiênico - sanitárias, a Figura 3 ilustra as condições de estrutura e cuidados com as cisternas. Figura 3 – Ilustração geral das condições estruturais e higiênico-sanitárias das cisternas das comunidades Mata Velha e Minguiriba, Chapada do Araripe, CE: (a) precárias condições do sistema de captação de água, (b) calha improvisada e antiga que conduz água para cisternas (c) balde para retirar água em desuso, (d) presença de partículas suspensas na água e (e) instalação de cisternas próximas a banheiros. 125 Coleção Novos Mestres De acordo com esta figura, percebe-se a falta de cuidados quanto ao sistema de captação de água das cisternas que visam assegurar a qualidade de água para fins potáveis. Observa-se, de maneira geral, a falta de manutenção de residências e de cisternas, relacionada às precárias condições socioeconômicas das comunidades (Figura 3 a); calha improvisada e antiga (Figura 3 b), que pode servir de suporte para pouso de pássaros, que deixam ali suas excretas, além de abrigar insetos e pequenos animais que, ao morrerem, podem ser conduzidos até o interior da cisterna; balde para retirar água em desuso (Figura 3 c), já que a maioria das bombas encontra-se com defeito; presença de partículas suspensas na água (Figura 3 d), decorrente do fato da porta de acesso à cisterna encontrar-se danificada, condição que facilita o aporte de insetos, folhas e dejetos de animais para o interior das cisternas, além de conduzir a situações de insegurança para as crianças da localidade; e a instalação de cisternas em áreas bem próximas a banheiros (Figura 3 e), o que pode resultar na contaminação da água, já que foram detectadas rachaduras nas paredes de algumas cisternas. Barreiras sanitárias na captação e armazenamento de água nas cisternas, como o uso de desvio das primeiras águas, sistema de bomba manual, aspectos estruturais do reservatório, como o uso de tampas e acabamento interior liso para facilitar a limpeza podem proporcionar condições favoráveis para manter uma adequada qualidade de água (XAVIER, 2010). A segurança sanitária das cisternas rurais depende da educação sanitária e da participação social da comunidade envolvida, mas também dependem de um projeto adequado, inspeção regular e manutenção do sistema (ANDRADE NETO, 2003). Avaliação qualitativa da água utilizada no abastecimento das comunidades Mata Velha e Minguiriba, Chapada do Araripe – CE 126 Coleção Novos Mestres Neste estudo, a qualidade bacteriológica da água proveniente das cisternas e barreiro das comunidades em estudo foi comparada com os valores máximos permitidos (VMP) pela Portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 2914/2011, a qual estabelece os procedimentos e responsabilidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Qualidade sanitária de fontes alternativas de abastecimento de água A qualidade sanitária das fontes alternativas de abastecimento, cisternas e barreiro, foram avaliados através das concentrações de bactérias indicadoras de contaminação para água destinada ao consumo humano, são elas, Coliformes totais, Coliformes termotolerantes e Escherichia coli. Os dados das Tabelas 4 e 5 foram interpretados de acordo com a Portaria 2.914/11 do Ministério da Saúde, a qual permite, para soluções alternativas coletivas que abastecem menos de 20.000 habitantes, resultado positivo para C Total em apenas uma amostra, entre as amostras examinadas no mês. Para E. coli, o padrão é de ausência em 100 mL de amostra. É importante destacar que a referida Portaria não estabelece padrões microbiológicos para sistemas individuais de abastecimento, situação em que se encontram as cisternas consideradas neste estudo. As Tabelas 4 e 5 apresentam uma síntese dos resultados (média geométrica - MG, valor mínimo - Min e valor máximo - Max) das análises realizadas nas águas provenientes das cisternas estudadas. Tabela 4 - Resultados das análises bacteriológica (em NMP/100mL) realizadas em amostras de água proveniente de cisternas da comunidade Mata Velha na Chapada do Araripe/CE. Descritor estatístico MG C Totais Min Max MG C Termo Min Max MG Min E. coli Max C1 1,60E+04 1,60E+04 1,60E+04 1,31E+03 1,10E+02 1,60E+04 3,30E+02 2,00E+01 1,60E+04 C2 6,64E+01 3,30E+01 1,40E+02 5,14E+00 2,00E+00 8,00E+00 0,00E+00 0,00E+00 0,00E+00 C3 4,02E+03 1,60E+03 1,60E+04 1,14E+02 8,00E+01 1,40E+02 2,95E+00 2,00E+00 7,00E+00 C4 4,38E+02 1,70E+02 1,60E+03 9,62E+00 2,00E+00 1,70E+01 4,58E+00 2,00E+00 6,00E+00 C5 5,49E+02 1,30E+02 1,60E+03 1,65E+01 2,00E+00 2,30E+01 3,83E+00 2,00E+00 7,00E+00 Tabela 5 - Resultados das análises bacteriológica (em NMP/100mL) realizadas em amostras de água proveniente de cisternas da comunidade Minguiriba na Chapada do Araripe/CE. Descritor estatístico MG C Totais Min Max MG C Termo Min Max MG Min E. coli Max C6 2,17E+02 8,00E+01 1,60E+03 1,37E+01 2,00E+00 2,30E+01 1,02E+01 2,00E+00 1,30E+01 C7 1,60E+04 1,60E+04 1,60E+03 9,68E+01 6,00E+01 1,30E+02 3,47E+01 2,00E+00 8,00E+01 C8 1,32E+03 1,30E+02 1,60E+04 1,81E+01 1,40E+01 2,30E+01 6,04E+00 4,00E+00 9,00E+00 C9 C10 2,23E+03 1,85E+04 8,00E+01 1,60E+04 1,60E+04 3,30E+04 1,32E+01 5,87E+01 9,00E+00 9,00E+00 1,70E+01 1,60E+03 6,94E+00 2,52E+00 6,00E+00 2,00E+00 8,00E+00 4,00E+00 Legenda: C Totais – Coliformes totais; C Termo – Coliformes termotolerantes; E coli – Escherichia coli As Tabelas 4 e 5 mostram que todas as cisternas localizadas nas comunidades Mata Velha e Minguiriba apresentaram densidades de C Totais em desacordo com o padrão estabelecido pela 127 Coleção Novos Mestres Portaria 2.914. Com relação a densidade de E. coli, apenas a cisterna 2 (C2) atendeu completamente a referida portaria. Este resultado é atribuído aos cuidados com a higiene desta cisterna, uma vez que seus usuários afirmaram realizar processo de desinfecção e desprezar as águas das primeiras chuvas. Tais cuidados não eram tomados pelos usuários das demais cisternas; por essa razão, suas amostras de água apresentaram padrão sanitário inadequado para o consumo humano. Nestas cisternas, não era adicionado cloro porque seus proprietários não gostavam do sabor da água tratada com cloro. Em estudo realizado por Araújo et al. (2007), ao avaliarem a qualidade microbiológica em amostras de água armazenadas em cisternas, foram verificados elevados níveis de contaminação por coliformes totais e Escherichia coli, os quais foram associados à falta de cuidados adequados para a higienização e manejo das cisternas. Bezerra et al. (2010) relatam que a cloração é um método de fácil aplicação e eficácia na prevenção de doenças de transmissão hídrica. Contudo, pode originar a contaminação por trihalometanos (THMs), que são subprodutos cancerígenos, resultantes da reação química do cloro com substâncias orgânicas, como restos de folhas, restos de animais mortos e matéria fecal. Assim, é importante realizar-se um tratamento prévio a cloração, como, por exemplo, a filtração, a fim de reduzir a matéria orgânica na água e, conseqüentemente, os trihalometanos, após a desinfecção. Ante o exposto, constata-se a necessidade da implementação de barreiras sanitárias para garantir que a qualidade da água destas cisternas esteja adequada para o consumo humano. A Tabela 6 apresenta uma síntese dos resultados estatísticos (Min: valor mínimo, Max: valor máximo, MG: média geométrica e σ : desvio padrão) das análises bacteriológicas realizadas nas amostras de água bruta e tratada, do barreiro em estudo. Tabela 6 - Resultados das análises bacteriológicas (em NMP) em amostras de água provenientes do Barreiro Grande, localizado na Chapada do Araripe – CE. Descritores estatísticos Min Max MG σ Min Max MG σ Redução (%) C Totais C Termo (NMP/ 100 mL) (NMP/ 100 mL) BR-AB 1,6E+04 1,10E+02 1,6E+04 1,60E+04 1,6E+04 8,24E+02 0,0E+00 6,90E+03 BR-AT 1,70E+01 8,00E+00 5,00E+01 1,70E+01 2,64E+01 1,11E+01 1,29E+01 3,9E+00 99,835 98,6529 E coli (NMP/ 100 mL) 2,0E+01 1,6E+04 3,3E+02 7,03E+03 2,00E+00 1,70E+01 6,37E+00 5,97E+00 98,0697 A água do barreiro é utilizada quando não há alternativa de abastecimento, com usos para tarefas domésticas, higienização corporal, beber e cozinhar, substituindo assim a água da cisterna. Nas amostras do BR-AB foram constados os mais elevados níveis de densidade de coliformes. O tratamento com a pedra hume reduziu a densidade bacteriana observada na água bruta com remoções de 2,778; 1,8705 e 1,7143 unidades de Log10, para CT, CTMT e EC, respectivamente. O efeito do tratamento é semelhante ao que ocorre na turbidez, de maneira que a sedimentação de partículas suspensas promove também redução do conteúdo microbiano. Mendonça (2001) também avaliou a água proveniente do Barreiro Grande, quando realizou um diagnóstico das condições sanitárias da água utilizada como fonte de abastecimento da Chapada do Araripe-CE. Ele verificou que a água do Barreiro Grande apresentava elevadas densidades de Escherichia coli, portanto relata a necessidade de atenção e cuidado desta forma de abastecimento, já que não são tomadas medidas de proteção para evitar o acesso de animais e pessoas que deixam dejetos, contribuindo para a baixa condição sanitária das suas águas. 128 Coleção Novos Mestres Avaliação quantitativa do fornecimento de água por cisternas de placa Distribuição da pluviometria nas comunidades Mata Velha e Minguiriba, localizadas na Chapada do Araripe – CE No Nordeste Brasileiro, verifica- se ao longo do ano um período curto de 3 a 4 meses com precipitações pluviométricas e um período longo, geralmente chamado de estiagem, sem a ocorrência de eventos significativos de precipitação. A demanda de evaporação é elevada nessa região durante todo ano, caracterizando um clima semiárido. Por esse motivo, é uma região muito carente em relação à distribuição de água (SOUZA, 2011). Nas comunidades localizadas na Chapada do Araripe Cearense, a água de chuva constitui um recurso hídrico primário, quando se considera a falta de atendimento por sistemas de abastecimento de água, prevalecendo somente às fontes alternativas, cisternas e barreiros, para atender as comunidades quanto ao fornecimento de água para consumo. Na pluviometria da Chapada há influência convectiva tanto do norte como do sul do Nordeste, favorecendo o aparecimento de dois picos anuais de precipitação. Durante os meses de março a junho ocorre a estação chuvosa principal que coincide com o posicionamento mais ao sul da Zona de Convergência Inter-Tropical. Uma pré-estação, período chuvoso compreendido de novembro a janeiro, é associada aos vórtices ciclônicos de altos níveis e às incursões de sistemas frontais oriundos das médias e altas altitudes na direção equatorial, além de convecções isoladas, devido principalmente a ocorrências de chuvas orográficas (STUDART, 1991). A Figura 4 ilustra as variações mensais de pluviometria nas comunidades localizadas na Chapada do Araripe, CE. Figura 4 – Distribuição mensal dos valores de precipitação nas comunidades Mata Velha e Minguiriba localizadas na Chapada do Araripe-CE. De acordo com os dados de chuvas acumuladas mensalmente nas comunidades Mata Velha e Minguiriba, observa-se uma variação espacial das chuvas durante o ano (Figura 4). O posto Minguiriba, monitorado pelo IBAMA, apresentou em todos os meses chuvosos, com exceção de nov/2011 e nov/2012, precipitações superiores ao do posto Mata Velha, localizado próximo às comunidades em estudo. Este comportamento é atribuído ao fato do posto Minguiriba encontrarse mais próximo da encosta da Chapada, onde as precipitações são mais elevadas devido o efeito orográfico. As precipitações mensalmente variaram de 0,00 a 180,49 mm para comunidade Mata Velha, e para comunidade Minguiriba variou de 0,00 a 219,86mm. Portanto, a somatória do total de chuva acumulado no período estudado foi de 892,96 mm para o posto Minguiriba e de 487,31 mm para Mata Velha. Ao analisar as condições climáticas do setor oriental verificou-se que nesta área há uma maior precipitação pluviométrica. Conforme dados colhidos na fazenda Ferreira Lopes nos anos 1984 a 1993, registra-se um total anual médio de 1.368,5 mm, concentrados 80% nos meses de dezembro a abril, com pico em março (CAVALCANTI; LOPES, 1994). Jalfim e Baptista (2003), ao analisar o cenário da região semiárida retratou uma característica desta região que é a irregularidade das precipitações. A estação de chuva, o "inverno", é bastante curta: de quatro a sete meses. Já a estação seca, o "verão", dura de cinco a oito meses. Além disso, a região convive com grandes diferenças locais: dentro do mesmo município, pode chover normalmente numa comunidade e não chover na vizinha. Avaliação do consumo de água fornecida por cisternas de placa O Programa Um Milhão de Cisternas, traz em seus preceitos, que o volume é suficiente para abastecer uma família de até cinco pessoas, durante o período da seca, com um consumo diário de 14 litros/pessoa. Para o reservatório obter abastecimento adequado de 16 mil litros é necessário 500 mm de chuva em uma área de captação mínima de 40m² (PASSADOR; PASSADOR, 2010). Na área de estudo, as comunidades são abastecidas somente por fontes alternativas, cisternas e barreiros, que visam proporcionar a convivência do homem nesta região. Porém, para que isso seja possível, é necessário que a precipitação pluviométrica seja suficiente para fornecer água em quantidade compatível com as necessidades diárias da população, tanto nos períodos chuvoso quanto seco. 129 Coleção Novos Mestres Para estimar a quantidade de água utilizada pela população, é necessário conhecer o consumo médio diário de água de um indivíduo, comumente denominado de Quota “per capita” ou consumo “per capita”. A Tabela 7 dispõe dos dados de consumo per capita de água nas comunidades Mata Velha e Minguiriba, localizadas na Chapada do Araripe Cearense, durante os meses de setembro de 2012 (estação seca) e janeiro de 2013 (estação chuvosa). Tabela 7 – Medida Separatriz (3º Quartil) dos dados de consumo per capita de água (L/hab.dia) das comunidades Mata Velha e Minguiriba, localizadas na Chapada do Araripe - CE, durante as estações seca (setembro/2012) e chuvosa (janeiro/2013) (n=6). Estação Seca Estação Chuvosa C1 8,19 C2 25,03 Cisternas C3 C4 C5 C6 11,88 57,69 42,04 37,14 25,78 132,54 47,12 57,56 76,28 C7 C8 33,08 87,68 145,02 16,45 233,40 C9 C10 148,55 32,45 151,65 60,74 Ao analisar a Tabela 7 observa-se que, na estação seca, 75% (3° Quartil) dos consumos per capita de água, nas cisternas da comunidade Mata Velha (cisternas C1 a C5), eram iguais ou menores que 57,69 L/hab.dia (C4). Na comunidade Minguiriba (cisternas C6 a C10), o valor máximo, também considerando o 3° Quartil, foi de 148,55 L/hab.dia (C9). Na estação chuvosa, os maiores consumos, por comunidade, foram obtidos nas cisternas C2 (132,54 L/hab.dia) e C8 (233,40 L/hab. dia). De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), uma pessoa precisa de 110 litros de água tratada, por dia, para satisfazer – com conforto – suas necessidades básicas de consumo e higiene (MARONI, 2011). Ante do exposto, verifica-se que, na estação seca, 90% dos consumos per capita de água estavam abaixo do mínimo recomendado pela ONU. Este deficit decorre das dificuldades que os usuários das cisternas enfrentam para suprir suas necessidades diárias de água ao deparar-se com as cisternas vazias, devido a falta de ocorrência de chuvas e a diminuição da frequência de abastecimento por carros-pipa. A estação seca foi marcada por ações comunitárias como a distribuição de água entre os vizinhos que estavam com suas cisternas vazias e o uso desta para diversos fins, como regar plantas, dessedentação dos animais (criações de porcos, galinhas e ovelhas), atividades domésticas (lavar louças, limpeza das residências), beber, cozinhar e higiene pessoal. Na estação chuvosa, verifica-se que 40% dos consumos per capita de água (C2, C6, C8 e C9) corresponderam ao recomendado pela ONU; o que já era esperado, já que nesta estação a disponibilidade de água nas cisternas aumenta. Os usuários das demais cisternas (C1, C3, C4, C5, C7 e C10) apresentaram consumo inferior ao estabelecido pela ONU. Provavelmente por causa do aumento da quantidade de pessoas nas residências dos proprietários das cisternas, uma vez que permanecem no campo para cultivarem a terra, menor frequência de abastecimento por carropipa e o cuidado para garantir o fornecimento mínimo de água em períodos de estiagem. Saliente-se que apesar de algumas residências abastecidas pelas cisternas apresentarem consumo per capita em concordância com o recomendado pela ONU, elas enfrentam, sob o aspecto qualitativo, problemas associados ao fato da água abastecida por carros-pipa ser de origem desconhecida, o que pode colocar em risco a saúde de seus consumidores. Provavelmente, os fatores que influenciam no padrão de consumo doméstico de água no Brasil têm sido justificados pela interferência de diversos fatores, por vezes, difíceis de serem mensurados. A existência ou não de sistema de abastecimento público, a proximidade de água do domicílio, o clima, os hábitos da população, o grau de escolaridade dos usuários, a renda familiar, o valor da tarifa, as características da habitação e a falta de uma medição sistemática são alguns fatores que influenciam no consumo per capita de água (TSUTIYA, 2005 apud MATOS, 2007). Razzolini e Gunther (2013) relatam que em regiões carentes da rede básica de serviços públicos, a falta de acesso a fontes seguras de água é fator agravante das condições precárias de vida. A busca por fontes alternativas pode levar ao consumo de água com qualidade sanitária duvidosa 130 Coleção Novos Mestres e em volume insuficiente e irregular para o atendimento das necessidades básicas diárias. A viabilidade do Programa Um Milhão de Cisternas no combate à escassez hídrica nas comunidades residentes na Chapada do Araripe – CE A democratização ao acesso a água, está entre as medidas de longo prazo baseadas em tecnologias alternativas e estratégias de convivência com o Semiárido Brasileiro (SAB) sendo cada vez mais priorizada em programas que visam o desenvolvimento sustentável da região. Para Carneiro et al. (2008), essas medidas envolvem aspectos relacionados ao acesso à água e tecnologias e usos adaptados às condições de seca e aridez, devendo ser integradas nos níveis do Governo Federal e Estaduais, bem como envolver a sociedade civil e a população em geral. O Programa Um Milhão de Cisternas, possibilita o desenvolvimento regional através da construção de cisternas em comunidades rurais desprovidas de sistema de abastecimento permitindo certa sustentabilidade hídrica (PONTES; MACHADO, 2006). O programa oferta as famílias o acesso à uma água limpa e de qualidade para beber e cozinhar, verificando então, uma diminuição de doenças transmissíveis pela água, como diarréias e verminoses e, por conseqüência da mortalidade infantil. A mulher, geralmente a encarregada do abastecimento de água da casa, livra-se também da obrigação de caminhar quilômetros para buscá-la. A partir dos dados qualitativos e quantitativos, encontrados na pesquisa, pode-se fazer uma análise construtiva, no sentido de se adequar as políticas de implementação de cisternas na área da pesquisa. A realização de estudos mais detalhados sobre: as condições social, ambiental, econômica e climáticas da área; o dimensionamento da estrutura física, desde a área de captação até o reservatório, compatível com as necessidades dos usuários; a fiscalização através de cadastros dos carros-pipa e dos corpos d’água, utilizados para o abastecimento das cisternas; e a capacitação dos usuários quanto à importância da higienização das cisternas e cloração da água, estão entre as medidas que podem contribuir para a prática de convivência sustentável com o semiárido. Galizoni e Ribeiro (2004) destaca algo importante identificado ao longo de sua pesquisa, que ao transformar em política pública uma experiência bem sucedida de grupos organizados pela sociedade civil e expandi-las em outras áreas semelhantes, faz-se necessário lembrar que elas são semelhantes, não iguais. Precisam ter suas especificidades, conhecimentos e cultura locais respeitados. Mas para conseguir isto, é necessário compreender as diversas combinações existentes no meio rural entre água, ambiente, sistemas de produção e comunidades para então adaptar projetos às perspectivas e necessidades de cada região. Imaginar estas comunidades sem o P1MC seria visualizar a localidade sem desenvolvimento social e econômico, refletindo na retirada do homem do campo em busca de manter qualidade de vida, e com isso acarretaria perdas de sua identidade cultural e todas as conseqüências que podem ser ocasionadas com o êxodo rural. Diante desta reflexão observa-se que as características intrínsecas do semiárido são semelhantes, mas não a forma de convivência já que fatores culturais, ambientais, econômicos e sociais são intervenientes neste processo para enveredar uma ótica diferenciada em cada localidade. O programa um milhão de cisternas é pautado na concepção de que é possível ter uma vida digna no semiárido, estimulando a cultura de convivência adequada com o ambiente, assim como ter uma vida produtiva na região do ponto de vista econômico, orientado pela perspectiva do direito coletivo das populações à água de qualidade para consumo, por meio de instrumentos simples, replicáveis, baratos e próximos das casas dos agricultores (MEDEIROS et al., 2010). Conclusões A problemática evidenciada pelas comunidades residentes na Chapada do Araripe - CE é atribuída aos aspectos quantitativos e qualitativos da água armazenada em cisternas e barreiro, utilizadas como fontes alternativas de abastecimento. Para compreender a gestão do abastecimento de água, sob a perspectiva da sustentabilidade local, foram destacados os resultados das questões que instigaram esta pesquisa: - Os sistemas alternativos de abastecimento de água, cisternas e barreiro, são fontes seguras para o consumo humano? Quanto a preocupação com a escassez hídrica, constatou-se que, além do aspecto quantitativo, deve-se considerar o aspecto qualitativo. Dados obtidos das análises bacteriológicas evidenciaram que 90% das cisternas apresentaram densidades de coliformes totais, termotolerantes 131 Coleção Novos Mestres e Escherichia coli em desacordo com a legislação vigente. Estes resultados sugerem que o abastecimento de água por meio das cisternas oferece riscos à saúde dos usuários. Medidas como o desvio das primeiras águas de chuva e higienização periódica das cisternas podem contribuir para o fornecimento de água de melhor qualidade. Portanto, para que as cisternas possam ser utilizadas como fonte de abastecimento de água, é necessário que seus usuários sejam orientados quanto a importância do adequado manejo e higienização das cisternas. Outro aspecto a ser considerado refere-se ao abastecimento das cisternas por carros-pipa, que podem, também, contribuir para a contaminação biológica das águas das cisternas, uma vez que transportam água de origem desconhecida e, em algumas ocasiões, funcionam em péssimas condições higiênico-sanitárias. Necessita-se, portanto, de um criterioso processo de seleção dos proprietários dos carros-pipa (pipeiros), com suas respectivas rotas e fontes hídricas, a fim de proporcionar abastecimento de água com qualidade para garantir segurança alimentar e hídrica para as famílias da região. Com relação a água do barreiro, utilizada por alguns usuários da comunidade Mata Velha, em períodos em que não havia outra fonte de abastecimento, foi detectado que a qualidade era inadequada para consumo humano, mesmo após ser submetida ao tratamento com a pedra ume. As condições inadequadas são associadas ao uso do barreiro para dessedentação de animais. - O abastecimento de água proveniente das cisternas é suficiente para suprir as necessidades das comunidades estudadas na Chapada do Araripe-CE? A partir da estimativa do consumo per capita de água, na estação seca, verificou-se que 90% desse consumo era inferior ao mínimo recomendado pela ONU, que é de 110 L/hab.dia. Mesmo na estação chuvosa, verificou-se que 60 % do consumo per capita de água não atendia ao recomendado pela ONU. Este deficit hídrico, inicialmente, foi atribuído a falta de eventos chuvosos durante alguns meses e a impossibilidade econômica, da maioria dos usuários, para manterem o abastecimento das cisternas com água proveniente de carros-pipa. Porém, o Programa Um Milhão de Cisternas deixa claro que a capacidade volumétrica das cisternas é suficiente para abastecer uma família constituída por até cinco pessoas, durante o período da seca, com um consumo diário de 14 litros/ pessoa. Ao se refletir sobre essa afirmação, depreende-se que, na realidade, a capacidade volumétrica das cisternas é insuficiente para garantir que o consumo per capita de água seja compatível com o recomendado pela ONU. Principalmente ao se considerar que a maioria das famílias, usuárias dessas cisternas, é constituída por mais de cinco pessoas. - Como as comunidades usuárias destes sistemas vivenciam a percepção de convivência com o semiárido cearense? Para estas comunidades, as cisternas não representam uma solução alternativa de combate a escassez de água na região, mas sim a principal forma de abastecimento. Além de ser responsável pela fixação de muitas famílias no seu local de origem. No entanto, esta tecnologia de captação de água, como forma de suprir as necessidades diárias das comunidades, necessita, para um melhor funcionamento, da compreensão dos gestores (municipal, estadual e federal), e da própria família residente no semiárido, sobre a viabilidade técnica e social proposta pelo P1MC. As comunidades necessitam de um trabalho de orientação em relação à forma de consumo, manejo e conservação das cisternas, além de informação sobre os riscos a que se expõem em períodos de escassez hídrica. A implantação de medidas preventivas são ferramentas essenciais para manter a eficiência do programa e assegurar qualidade de vida à população. Após análise dos diversos aspectos avaliados nesta pesquisa, no sentido de contribuir para a reflexão sobre as políticas de implementação de cisternas de placas, verificou-se a necessidade de se realizar estudos mais detalhados sobre as condições social, ambiental, econômica e climática das comunidades contempladas pelo P1MC. Além de se avaliar o dimensionamento do sistema de captação, fiscalizar os carros-pipa e os corpos d’água utilizados para o abastecimento das cisternas e capacitar os usuários quanto à importância da higienização das cisternas e cloração da água. Estas estão entre as medidas que podem contribuir para a prática de convivência sustentável com o semiárido. Neste sentido, é imprescindível que os usuários tenham acesso à informação e a promoção de políticas públicas que engajem, dentro dos seus limites territoriais, os aspectos educacionais, econômicos, sociais e culturais, de tal forma que possa ser garantido o acesso generalizado à água. Ressalta-se que as discussões/reflexões realizadas durante esta pesquisa não atribuem responsa- 132 Coleção Novos Mestres bilidades, mas tornam-se uma fonte de informações pertinentes à viabilidade do P1MC, uma vez que a avaliação dos reais benefícios deste programa, para as famílias residentes em zonas rurais do semiárido Nordestino, só pode ser realizada em conjunto, envolvendo os usuários das cisternas, órgãos do governo e instituições de ensino e pesquisa. Referências ALVES, C. C. E.; SIEBRA, F. S. F.; BEZERRA, L. M. A.; OLIVEIRA, M. L. T. Geopark Araripe: Um estudo geoturístico e ambiental no Geotopo Granito, Ceará/ Brasil. VI Seminário Latinoamericano de Geografia e Física. II Seminário Ibero Americano de Geografia Física. Universidade de Coimbra, 2010. AMORIM, M C.; PORTO, E R. Avaliação da qualidade bacteriológica das águas de cisternas: estudo de caso no município de Petrolina. In: 3º Simpósio Brasileiro De Captação De Água De Chuva No Semiárido, 2001. Pernambuco – PE. 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Concebida no sentido de minimizar as desigualdades sócio-econômicas existentes entre Região Metropolitana de Fortaleza e interior do Estado, a RMC surgiu como possibilidade de ofertar aos municípios integrantes um novo salto de crescimento e desenvolvimento. Realizando para o alcance das metas e objetivos estipulados, uma caracterização geral da Região Metropolitana do Cariri em sua idealização, planejamento, necessidades e perspectivas. O objetivo geral dessa pesquisa foi o de analisar o processo de desenvolvimento vivenciado pelos municípios integrantes da Região Metropolitana do Cariri - RMC, verificando se o mesmo se insere na perspectiva da sustentabilidade. A pesquisa possui foco quali-quantitativo, constituindo-se em um Estudo de Caso realizado por meio de pesquisa bibliográfica e documental. A coleta de dados se realizou por meio da análise dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio no âmbito dos municípios da RMC e da realização de entrevistas com os prefeitos dessa região metropolitana. Por meio da análise dos resultados, constatou-se que a RMC caracteriza-se pela ausência de planejamento e de políticas públicas de atendimento as funções de interesse comum, além da falta de clareza acerca das suas finalidades, necessidades e perspectivas. Notou-se também que a prosperidade econômica nessa região (sobretudo, no CRAJUBAR) contrasta com a vulnerabilidade social e ambiental, produzindo um ambiente insustentável a médio e longo prazo. Coloca-se a inserção do paradigma das Cidades Sustentáveis no contexto metropolitano do Cariri como uma ferramenta importante de transformação da realidade social, econômica e ambiental em prol de um desenvolvimento regional sustentável. Assim, a RMC seria pautada num novo paradigma, constituída de um conjunto de Cidades Sustentáveis articuladas em prol do desenvolvimento regional. Palavras-chave: Desenvolvimento Regional Sustentável, Políticas Públicas, Território. Introdução O presente estudo reflete sobre a necessidade e possibilidade de implantação de um processo de desenvolvimento regional sob a perspectiva da sustentabilidade no território da Região Metropolitana do Cariri – RMC. Nesse sentido, foi realizada uma caracterização geral dessa Região Metropolitana em sua idealização, objetivos, demandas e perspectivas com foco especial para a condição metropolitana atual, mecanismos de planejamento/gestão metropolitana e sustentabilidade. No estado do Ceará, as desigualdades de desenvolvimento interregionais são evidentes e históricas. As microrregiões cearenses são caracterizadas pela desproporcionalidade de indicadores sócio-econômicos e pelas diferenças de investimentos pelo poder público, tendo como exemplo mais perceptível a disparidade acentuada de desenvolvimento sócio-econômico quando se compara a Região Metropolitana de Fortaleza com as demais áreas do estado. Como justificativa para o ato de criação, essa Região Metropolitana – RM foi idealizada pelo governo estadual visando uma maior equiparação entre as regiões urbanas mais prósperas do estado: Fortaleza e sua Região Metropolitana e a conurbação67 formada pelos municípios de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, denominada de Triângulo CRAJUBAR. Sendo assim, a diminuição das desigualdades regionais entre os dois principais polos urbanos cearenses adquiriu o status de principal diretriz para a criação da RM do Cariri, como forma de ofertar aos municípios integrantes da RMC, a possibilidade de um salto desenvolvimentista que deverá ser planejado e mantido no âmbito da sustentabilidade. 66 Orientadora 67 Conurbação é o processo de fusão das áreas urbanas de vários municípios limítrofes, constituindo uma macha (sic) urbana única e contínua com grandes dimensões, ultrapassando os limites político-administrativos de cada uma das localidades integrantes (FREITAS, 2009). 136 Coleção Novos Mestres A criação de uma região metropolitana no interior do estado é, por si só, de grande importância, uma vez que, uma Região Metropolitana, enquanto arranjo político-administrativo-legal torna-se mais propensa a articulação de políticas públicas em âmbito regional no que concerne a elaboração e a execução das chamadas funções públicas de interesse comum. Para a concretização desse fato, é fundamental a existência de cooperação intergovernamental cujo objetivo principal deve ser o desenvolvimento de um planejamento regional integrado (CASTRO, 2006). Nesse sentido, é necessário a existência de planejamento detalhado no qual os interesses coletivos (regionais) se sobreponham aos individuais (municipais). O atual conjunto de municípios que integram a Região Metropolitana do Cariri possui elevado potencial de crescimento econômico, confirmado pelos investimentos públicos e, sobretudo, privados executados na última década ou em processo de execução nesse território. Os municípios que compõem o Triângulo CRAJUBAR (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha) são os detentores da expressão econômica regional e configuram-se em centros secundários no interior do Estado do Ceará, concentrando a maior parte do contingente populacional e detendo os melhores indicadores socioeconômicos regionais. Apesar da pujança socioeconômica no CRAJUBAR, os demais municípios integrantes dessa Região Metropolitana não detêm, nem de maneira aproximada, a mesma força socioeconômica, constituindo um quadro de disparidade inter-regional (PROJETO CIDADES DO CEARÁ, 2008). Justifica-se a pesquisa em foco pela importância da Região Metropolitana do Cariri no cenário cearense e nordestino, visto que, a região possui intenso dinamismo interno que a qualifica como relevante pólo agregador de bens e serviços. A RMC exerce influência sobre as regiões centro-sul cearense e, até mesmo, dos estados vizinhos da Paraíba, Pernambuco e Piauí. Condição favorecida por sua privilegiada centralidade geográfica na Região Nordeste brasileira - equidistante da maioria das capitais nordestinas, à exceção de Salvador e São Luís - associada ao componente geoambiental com condições climáticas favoráveis. Outro ponto de destaque para a realização desta pesquisa é a carência de estudos com foco específico e detalhado acerca da Região Metropolitana do Cariri que contemplem, especialmente, o crescimento econômico vivenciado na atualidade e suas nuances sobre o desenvolvimento regional sustentável. Premissa que pode ser explicada pelo processo relativamente recente de criação dessa RM. Sendo assim, por sua atualidade a RMC necessita, desde já, que suas trajetórias e perspectivas sejam planejadas e analisadas a fim de favorecer um processo de desenvolvimento regional pleno no qual estejam incorporados as dimensões da sustentabilidade no ambiente urbano por meio do paradigma das Cidades Sustentáveis. A realização da pesquisa partiu do seguinte questionamento norteador que margeou todo o processo de argumentação teórico-prática: • Quais as atualidades e perspectivas de construção de uma política de desenvolvimento regional sustentável na Região Metropolitana do Cariri? Em alinhamento ao questionamento anterior, a hipótese dessa pesquisa relaciona-se ao pensamento de que a Região Metropolitana do Cariri não contempla no seu estágio atual às diversas dimensões do desenvolvimento sustentável e tampouco possui planejamento para tal finalidade, tendo-se em vista a priorização da dimensão econômica em detrimento as demais (social, ambiental e política-institucional) com o agravamento de problemas ambientais e sociais e a baixa resolutividade de problemas de ordem comum. Diante do pressuposto acima retratado são expostas as contribuições da inserção do paradigma das Cidades Sustentáveis no planejamento metropolitano, configurando-se como possibilidade de construção de uma política de desenvolvimento sustentável. O objetivo geral do presente estudo é o de analisar o processo de crescimento/desenvolvimento vivenciado pelos municípios integrantes da Região Metropolitana do Cariri – RMC, verificando a inserção do mesmo na perspectiva do desenvolvimento sustentável. Elencaram-se os seguintes objetivos específicos: • Possibilitar uma reflexão sob a ótica do Desenvolvimento Sustentável sobre a Região Metropolitana do Cariri, abordando convergências, divergências e complexidades do processo de metropolização; • Considerar a Região Metropolitana do Cariri no que diz respeito às dimensões componentes do desenvolvimento sustentável, utilizando a vertente do planejamento e a análise dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio na esfera municipal; • Analisar a efetividade da Região Metropolitana do Cariri enquanto estratégia governamental impulsionadora do desenvolvimento regional; 137 Coleção Novos Mestres • Enfocar a inserção do paradigma das “cidades sustentáveis” enquanto ferramenta para o surgimento de um desenvolvimento sustentável metropolitano; A metodologia utilizada na realização da pesquisa se caracterizou pelos métodos de revisão bibliográfica associada a estudo de caso com os nove municípios integrantes da Região Metropolitana do Cariri. Enquanto ferramentas de coleta de dados foram utilizados: a adoção dos indicadores e variáveis relativos aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio - ODMs da Organização das Nações Unidas – ONU no âmbito municipal a fim de obter um panorama acerca das dimensões da sustentabilidade da região em estudo; e percepção dos gestores municipais da RMC sobre o panorama atual da RMC sob a ótica da sustentabilidade e da perspectiva das “Cidades Sustentáveis”; Uma Abordagem Teórico-Metodológica acerca do Contexto Metropolitano: Noções Iniciais “[...] não basta seguir um método e aplicar técnicas para se completar o entendimento do procedimento geral da ciência. Esse procedimento precisa ainda referir-se a um fundamento epistemológico que sustenta e justifica a própria metodologia praticada” (SEVERINO, 2007). O contexto urbano, por si só, abrange uma série de possibilidades, complexidades, e atributos. Entretanto, quando este possui abrangência e influência territorial ampliada por meio do aumento populacional e da ampliação das demandas por serviços públicos, exige-se uma análise e planejamento das funções públicas de interesse comum para o atendimento das demandas metropolitanas. A fim de facilitar a compreensão a respeito da argumentação teórica desse estudo em decorrência da complexidade e multiplicidade dos conceitos abordados se realizou, inicialmente, uma definição geral dos mesmos. O presente capítulo contempla uma série de questões conceituais ligadas ao processo de metropolização e urbanização a fim de favorecer a compreensão textual, haja vista a complexidade e multiplicidade dos conceitos abordados. Além disso, esse capítulo delimita os procedimentos metodológicos utilizados para o alcance dos objetivos propostos inicialmente. Levantaram-se na condição de conceitos-chave da pesquisa os seguintes termos: Território, Região Metropolitana, Políticas Públicas, Planejamento Estratégico, Desenvolvimento Sustentável e Cidades Sustentáveis. Os referidos conceitos permearam todo arcabouço teórico-metodológico da pesquisa em foco, merecendo, portanto, uma contextualização geral. Destaca-se que os conceitos chave abordados nesse capítulo são apresentados de forma generalista e introdutória, visto que, a medida que os mesmos forem requeridos na pesquisa terão maior detalhamento e caracterização. Inter-Relações dos Conceitos-Chave Utilizados na Pesquisa O território por sua representatividade e significado possui intrínseca relação com a concepção das regiões metropolitanas. A definição desse conceito se constitui em elemento relevante por fornecer uma base teórica mais concisa para o entendimento da delimitação de determinada área geográfica (nesse caso, a Região Metropolitana do Cariri). Historicamente, a ciência geográfica é a principal contribuinte na análise e definição do conceito de território que se constitui num dos seus objetos de estudo. De maneira geral, “todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é um território, do quarteirão aterrorizado por uma gangue de jovens até o bloco constituído pelos países membros da OTAN”. (SOUZA, 2001, p.11). Além disso, o território assume determinada conformação a partir de suas características específicas criando e consolidando uma configuração territorial única e, portanto, repleta de singularidades. Sendo assim: A configuração territorial é dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou numa dada área e pelos acréscimos que os homens superimpuseram a esses sistemas naturais. A configuração territorial não é o espaço, já que sua realidade vem de sua materialidade, enquanto o espaço reúne a materialidade e a vida que a anima. (SANTOS, 1996, p.51). Nas abordagens pertinentes ao território é fundamental diferenciar este conceito da defini- 138 Coleção Novos Mestres ção empregada para espaço, visto que, esses dois conceitos são, comumente, confundidos e muitas vezes tratados como sinônimos, quando, na verdade, há uma importante delimitação entre ambos. Raffestin (1993, p. 143) discorre sobre o quanto: É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação), o ator “territorializa” o espaço. Andrade (1995, p. 19) complementa esse ponto de vista quando discorre sobre os equívocos no uso e compreensão dos conceitos de território e espaço: O conceito de território não deve ser confundido com o de espaço ou de lugar, estando muito ligado à idéia de domínio ou de gestão de uma determinada área. Deste modo, o território está associado à idéia de poder, de controle, quer se faça referência ao poder público, estatal, quer ao poder das grandes empresas que estendem os seus tentáculos por grandes áreas territoriais, ignorando as fronteiras políticas. Dessa maneira, o território adquire sua configuração territorial por meio da ação de determinado ator, atrelando-se a idéia de controle sob determinada área, transcendendo as fronteiras políticas. Percebe-se a relação do conceito de território com a idéia de poder, dominação ou apropriação motivados pelas características que lhes constituem que podem conceder algum benefício ao dominador. No âmbito geográfico, as regiões metropolitanas (RMs) são conceituadas como produtos espaciais específicos em que são evidentes as necessidades de relações intergovernamentais por meio de uma gestão compartilhada e integrada. O arranjo administrativo metropolitano necessita de articulações políticas entre os vários entes governamentais para o alcance de metas e projetos, visto que, muitos dos problemas metropolitanos só serão passíveis de solução por meio de ações conjuntas entre gestores públicos das cidades envolvidas e as esferas estadual e federal (CORDEIRO; DINIZ, 2007). A criação de determinada região metropolitana sempre se vinculou, direta ou indiretamente, a implementação de políticas públicas direcionadas às funções públicas de interesse comum. Definir o que é uma política pública não é uma tarefa fácil por conta da divergência de respostas à alguns questionamentos. Uma definição aceitável é a de que “Uma política pública é uma diretriz elaborada para enfrentar um problema público. [...] em outras palavras, a razão para o estabelecimento de uma política pública é o tratamento ou a resolução de um problema entendido como coletivamente relevante.” (SECCHI, 2010, p. 2). Apesar da definição de política pública de Secchi atrelar esse conceito ao enfrentamento e resolução de problemas públicos, as políticas públicas não são elaboradas, necessariamente, para essa finalidade. As mesmas podem ser executadas a fim de saciar alguma necessidade ou demanda populacional antes que a situação se agrave e adquira status de problema público. Dessa maneira, as políticas públicas se reconfiguram em suas finalidades, deixando o caráter paliativo atrelado a resolução de problemas coletivamente relevantes e possibilitando a oferta de diretrizes em prol do bem comum. Para essa pesquisa, a definição de políticas públicas empregada por Secchi (2010) será considerada em virtude de que a elaboração de políticas públicas no contexto das regiões metropolitanas advém da necessidade de enfrentamento dos problemas urbanos, cada vez mais volumosos e presentes na realidade das RMs. Entretanto, assumindo essa finalidade as políticas públicas metropolitanas continuaram no velho erro de elaboração, planejamento e execução com finalidades paliativas para a resolução de problemas quando estes já possuem grandes proporções. Nesse sentido, é preciso a adoção de um programa de planejamento consistente que vá de encontro às necessidades metropolitanas. O planejamento estratégico é entendido “[...] como um processo de longo prazo através do qual uma organização estabelece aonde quer chegar e como quer chegar para o cumprimento de sua missão” (MORAIS, 2005, p. 19). A realidade expressa em determinadas regiões metropolitanas é caracterizada pela ausência de planejamento e/ou elaboração de políticas públicas de atendimento as reais necessidades. Sendo assim, ainda há uma enorme complexidade no que se refere à harmonização das atividades 139 Coleção Novos Mestres humanas, desenvolvimento econômico e preservação ambiental no ambiente urbano, intensificada pelo processo de globalização que trouxe consigo novas demandas para as cidades, levando-as a competir por novas posições no processo de redefinição espacial do sistema capitalista. Essa competitividade entre as cidades por novos status na configuração territorial capitalista culmina com a busca desenfreada pelo crescimento econômico, porém, sem aliar a este, o caráter sustentável. Contribuindo assim, para a manutenção de uma urbanização precária, degradante e socialmente excludente (BREMER, 2004). A realidade de exclusão social, precariedade dos serviços públicos, degradação ambiental e depreciação da qualidade de vida tornaram-se comuns ao cotidiano dos centros urbanos. Em muitos casos, esses problemas, dada a sua complexidade, extrapolam os limites territoriais dos municípios e atingem outros, tornando urgente a busca e inserção de alternativas de combate ou minimização desses problemas, visando melhorar as condições de vida no ambiente urbano. Em decorrência dessa difícil realidade, surgiu o conceito de Desenvolvimento Sustentável divulgado por meio do Relatório Brundlant – Nosso Futuro Comum da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas - ONU. O Desenvolvimento Sustentável é compreendido como “aquele que atende às necessidades atuais sem comprometer a capacidade das futuras gerações em satisfazer suas próprias necessidades” (WCED, 1987). O Desenvolvimento Sustentável adveio da necessidade de mudança no modelo de “desenvolvimento” da sociedade atual pautado na esfera econômica com grandes e, muitas vezes, irreversíveis impactos sobre o meio natural. Ao se referir ao ambiente urbano, pode-se considerar a perspectiva do Desenvolvimento Sustentável urbano como forma de combate aos problemas existentes nesse espaço. O Desenvolvimento Urbano Sustentável associado a uma politica eficiente de planejamento urbano é uma das apostas para o enfrentamento dos problemas metropolitanos. Intrinsecamente a noção de Desenvolvimento Sustentável, emerge a concepção de Cidades Sustentáveis enquanto ofertante de diretrizes a construção de um ambiente urbano sustentável que garanta a satisfação das necessidades atuais e futuras. Uma Cidade Sustentável pode ser compreendida como aquela que “[...] está organizada de modo a que todos os seus habitantes possam satisfazer as necessidades básicas e aumentar o seu bem-estar sem danificar o mundo natural ou pôr em risco as condições de vida de outros, agora e no futuro” (GIRARDET, 2007, 17). Bremer (2004, p. 5) complementa esse pensamento, definindo Cidade Sustentável como “aquela que fornece um ambiente saudável, democrático e com possibilidades de trabalho para sua população, a partir do adequado gerenciamento de insumos bióticos, abióticos e antrópicos a ela necessários.” No caso brasileiro, alguns avanços já podem ser comemorados no que é relativo a oferta de diretrizes para a construção de Cidades Sustentáveis, a saber: os planos diretores municipais participativos; os planos locais de saneamento; planos de resíduos sólidos; a política ambiental e de recursos hídricos; os financiamentos de obras de infra-estrutura, saneamento e habitação; e o Plano Nacional de enfrentamento às mudanças climáticas que está em discussão (MARICATO, 2012). Considerações Metodológicas da Pesquisa A apresentação e detalhamento da metodologia utilizada na realização desta pesquisa tornam-se essenciais para a compreensão dos meios escolhidos para o alcance dos objetivos estipulados. A metodologia é compreendida como parte essencial a toda e qualquer pesquisa em virtude de possibilitar respostas aos questionamentos realizados sobre como, com quê, onde e quanto (LAKATOS; MARCONI, 2001). Seguem abaixo maiores detalhamentos a respeito do tipo, local e período de realização da pesquisa, instrumentos e procedimentos de coleta de dados, análise e apresentação dos dados além dos aspectos éticos e legais da pesquisa. Tipo de Pesquisa Gil (2010, p. 55) justifica a importância da classificação e da adoção do melhor tipo de delineamento das pesquisas científicas da seguinte maneira: 140 Coleção Novos Mestres Como as pesquisas se referem aos mais diversos objetos e perseguem objetivos muito diferentes, é natural que se busque classificá-las. [...] A tendência à classificação é uma característica da racionalidade humana. Ela possibilita melhor organização dos fatos e consequentemente o seu entendimento. Assim, classificar as pesquisas torna-se uma atividade importante. Concernente à classificação, quanto à natureza dos dados a pesquisa em foco possui caráter quali-quantitativo. A junção de aspectos da pesquisa qualitativa e quantitativa é cada vez mais comum, oferecendo aos pesquisadores uma possibilidade de abordagem mais ampla e que contemple, da melhor forma possível, os objetivos elencados nas pesquisas desenvolvidas. O campo científico aponta uma tendência para o surgimento de um novo paradigma metodológico. Um modelo que consiga atender plenamente as necessidades dos pesquisadores. Essa dicotomia positivista x interpretativo, quantitativo x qualitativo, parece estar cedendo lugar a um modelo alternativo de pesquisa, o chamado quanti-qualitativo, ou o inverso, quali-quantitativo, dependendo do enfoque do trabalho (GOMES; ARAÚJO, 2011). De acordo com a linha de pensamento sustentada por Gil (2010), as pesquisas também podem ser classificadas segundo os objetivos, métodos e procedimentos adotados. Com relação aos objetivos das pesquisas em gerais, os estudos são classificados em: exploratórios, descritivos ou explicativos. O estudo em foco se enquadrou na proposta exploratória, definidas como aquelas que “têm como propósito proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses” (GIL, 2010, p. 27). Por fim, as pesquisas científicas também são classificadas de acordo com o delineamento utilizado no seu desenvolvimento. Gil (2010, p. 29), define delineamento como “o planejamento da pesquisa em sua dimensão mais ampla, que envolve os fundamentos metodológicos, a definição dos objetivos, o ambiente da pesquisa e a determinação das técnicas de coleta e análise de dados”. Os delineamentos de pesquisa mais utilizados são: pesquisa bibliográfica; pesquisa documental; pesquisa experimental; ensaio clínico; estudo caso-controle; estudo de coorte; levantamento de campo (survey); estudo de caso; pesquisa etnográfica; pesquisa fenomenológica; teoria fundamentada nos dados (grounded theory); pesquisa-ação; e pesquisa participante. Essa pesquisa usou os delineamentos abaixo elencados: a)Pesquisa Bibliográfica: elaborada a partir de materiais já publicados, tais como: materiais impressos (livros, revistas, teses, dissertações, dicionários, enciclopédias, anuários, almanaques e etc), além de outros formatos de informações como discos, fitas magnéticas, CDs e materiais publicados na internet. A principal vantagem da pesquisa bibliográfica é possibilitar ao pesquisador uma ampla cobertura dos fenômenos investigados que não seria possível de pesquisar diretamente (GIL, 2010; SEVERINO, 2007). b)Pesquisa Documental: “Vale-se de toda sorte de documentos, elaborados com finalidades diversas, tais como assentamentos, autorização, comunicação [...] relatos de pesquisa, relatórios e boletins de jornais de empresas, atos jurídicos, compilações estatísticas etc.” (GIL, 2010, p. 29). c)Estudo de Caso: selecionado para o presente estudo por ser “[...] uma modalidade de pesquisa amplamente utilizada [...] consiste no estudo profundo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento [...]” (GIL, 2010, p. 37). O estudo de caso é o delineamento mais adequado quando se trata de fenômenos contemporâneos, visando à obtenção de maiores esclarecimentos da relação fenômeno/contexto (YIN, 2005). Lócus de Realização da Pesquisa O estudo se desenvolveu na segunda região metropolitana instituída no estado do Ceará, a Região Metropolitana do Cariri, localizada na região sul do estado com posição geográfica privilegiada no centro do nordeste brasileiro. Essa região metropolitana é, atualmente, composta por nove municípios: Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha, Jardim, Missão Velha, Caririaçu, Farias Brito, Nova Olinda e Santana do Cariri e foi idealizada a partir da relação de conurbação previamente existente entre suas três principais cidades: Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha que formam o 141 Coleção Novos Mestres aglomerado urbano denominado de CRAJUBAR. A RM do Cariri concentra uma população de 564.478 habitantes em uma área total de 5456,012 Km2 (IBGE, 2010). Figura 01 – Localização da Região Metropolitana do Cariri – RMC Fonte: Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará - IPECE Na atualidade, a região apresenta um contexto de crescimento econômico e demográfico elevado, especialmente, nos municípios do Triângulo CRAJUBAR. Em contraponto, as demais cidades que compõem essa região metropolitana continuam com frágil e incipiente crescimento, tornando perceptível um quadro de desigualdade intra-regional. Período de Realização da Pesquisa A coleta de dados foi realizada entre os meses de março e dezembro de 2012, visando a obtenção de dados mais recentes em razão dos resultados referentes ao Censo Demográfico de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE serem divulgados por setores e em datas distintas. Instrumentos de Coleta de Dados A mensuração, avaliação e/ou quantificação do que pode ser considerado como pertinente 142 Coleção Novos Mestres ao desenvolvimento sustentável ainda é uma tarefa difícil. Talvez, por isso, o Desenvolvimento Sustentável ainda não tenha saído do plano teórico e se transformado em um conjunto consolidado de idéias e ações. Estudos sobre qualidade ambiental e desenvolvimento encontram o desafio freqüente de lidar com a incerteza e a carência de informações sistematizadas. Grande parte das decisões tomada por órgãos reguladores na área ambiental ocorre a partir de informações imprecisas e certezas fragilmente construídas. A natureza da relação entre meio ambiente e desenvolvimento é objeto de controvérsia e campo de incertezas. Nesse contexto, trabalhos empíricos capazes de criar indicadores confiáveis que possam embasar estudos e tomadas de decisão política são cruciais e urgentes (BRAGA et al., 2003, p. 6). A avaliação do panorama da Região Metropolitana do Cariri foi realizada por meio: i.Entrevistas estruturadas realizadas com os prefeitos dos municípios da Região Metropolitana do Cariri; ii.Análise das Metas e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A escolha desses dois instrumentos de coleta de dados se deu pela abrangência da maior quantidade possível de dimensões da sustentabilidade propiciados pelos mesmos. De acordo com Chacon (2007), o Desenvolvimento Sustentável é composto pelas dimensões: econômica, sociocultural, ambiental e política-institucional. Procedimentos de Coleta de Dados Para o alcance dos objetivos e hipóteses estipulados previamente, foram escolhidos os dois instrumentos de coleta de dados relatados no tópico anterior (realização de entrevistas com os prefeitos dos municípios da Região Metropolitana do Cariri; e Análise das Metas e Objetivos de Desenvolvimento do Milênio). Seguem abaixo maiores detalhamentos sobre os procedimentos de coleta de dados a partir de cada um desses instrumentos. Entrevistas com os Gestores Municipais da Região Metropolitana do Cariri – RMC Um dos objetivos específicos estipulados para esse trabalho foi “analisar a efetividade da Região Metropolitana do Cariri enquanto estratégia governamental impulsionadora do Desenvolvimento Regional”. A realização de entrevistas com os atores mais relevantes na construção do processo de consolidação do desenvolvimento regional metropolitano – os prefeitos municipais das cidades que integram a Região Metropolitana do Cariri – se constituiu no mecanismo para o alcance desse objetivo. A entrevista, ao lado do questionário e do formulário, é uma das técnicas de interrogação comumente utilizadas nas pesquisas científicas e “pode ser entendida como a técnica que envolve duas pessoas numa situação ‘face a face’ e em que uma delas formula e a outra responde” (GIL, 2006, p. 115). As entrevistas são classificadas de acordo com o tipo e podem ser: padronizadas ou estruturadas; despadronizadas ou não estruturadas; e painel. Nesse estudo, optou-se pela realização de entrevistas estruturadas, definidas como “aquela em que o entrevistador segue um roteiro previamente estabelecido; as perguntas feitas ao indivíduo são predeterminadas. Ela se realiza de acordo com um formulário elaborado e é efetuada de preferência com pessoas selecionadas de acordo com um plano” (MARCONI, LAKATOS, 2006). O roteiro de entrevista abrangeu um total de 12 indagações relativas à diferentes aspectos relativos a Região Metropolitana do Cariri. Antes da realização das entrevistas com os prefeitos da RMC foi realizado um pré-teste desse instrumento com: a Presidente do Conselho de Desenvolvimento e Integração Regional do Cariri; Coordenadora do Escritório Regional da Secretaria das Cidades; e, por fim, com um administrador com atuação na área de gestão social e desenvolvimento regional do Semiárido. Os prefeitos dos municípios da RMC foram o alvo das entrevistas em virtude de se constituírem nos principais atores institucionais com poder decisório e de planejamento no que confere a efetivação da RM do Cariri. Outro aspecto importante para a escolha da realização de entrevistas com os gestores municipais foi a coincidência nos períodos de início de mandato dos prefeitos com o período histórico de criação da RMC, ambos iniciados no ano de 2009. Portanto, hipoteticamente, esses atores possuiriam os conhecimentos mínimos no trato dos aspectos que regem essa região 143 Coleção Novos Mestres metropolitana. Por meio da realização das entrevistas, buscou-se a compreensão que os gestores municipais possuíam acerca do contexto regional metropolitano nos seus diversos aspectos, perspectivas, necessidades e arcabouço político-institucional. As entrevistas foram realizadas no período compreendido entre 30 de agosto e 15 de setembro de 2012. Nesse período foram efetuados contatos telefônicos com as prefeituras municipais, especialmente, direcionados as Secretarias de Gabinete municipais (quando existentes). No contato inicial ocorria a explanação geral da pesquisa junto ao secretário (a) de gabinete, enfocando a necessidade de agendamento de entrevistas com os prefeitos. Nessa fase todas as nove prefeituras municipais da Região Metropolitana do Cariri foram contactadas. Novos contatos telefônicos foram realizados a fim da obtenção de retorno com relação ao agendamento das entrevistas, obtendo-se respostas diversificadas com relação a esse processo. Na maioria dos casos, as entrevistas foram agendadas a partir da agenda e disponibilidade do gestor, entretanto, algumas prefeituras relataram a indisponibilidade do gestor no que se refere a realização da entrevista sem maiores justificativas. Nesse último caso, a fim de se obter o maior número possível de prefeitos municipais entrevistados, procurou-se medidas e estratégias para o agendamento das entrevistas com esses gestores de maior resistência. Nesse sentido, solicitou-se as respectivas secretarias de gabinete, se possível, os contatos telefônicos dos gestores a fim de contatá-los diretamente, o que foi prontamente atendido. Dos nove prefeitos de municípios da Região Metropolitana, a entrevista foi realizada com o quantitativo de sete gestores (Barbalha, Crato, Farias Brito, Jardim, Juazeiro do Norte, Nova Olinda e Santana do Cariri). Após vários contatos telefônicos e algumas visitas pessoais às prefeituras municipais de Caririaçu e Missão Velha, não foi possível a realização de entrevistas com os gestores desses municípios pela indisponibilidade de tempo alegada por conta de compromissos eleitorais no período estipulado para a realização das entrevistas. Durante a realização das entrevistas com os gestores dos municípios integrantes da Região Metropolitana do Cariri – RMC ocorreu a coincidência com a campanha eleitoral de 201268, na qual, a grande maioria dos entrevistados estava diretamente envolvido no processo, seja tentando a reeleição ou apoiando algum dos candidatos ao pleito. Dessa forma, esse foi um dos principais desafios para o agendamento e realização das entrevistas com os prefeitos da Região Metropolitana do Cariri. Com os dados obtidos por meio da realização das entrevistas, partiu-se para a análise dos dados colhidos. Nessa etapa, utilizou-se como procedimento de análise das informações coletadas o método científico denominado de análise do discurso. Ainda é comum a utilização dos métodos de “análise do discurso” e “análise do conteúdo” como sinônimos ou complementares. Entretanto, é necessário considerar, de maneira simplificada, que a análise do discurso se propõe a análise do sentido do discurso, enquanto a análise do conteúdo tem por foco o conteúdo textual (CAREGNATO; MUTTI, 2006). Sendo assim, a análise do discurso “preocupa-se em compreender os sentidos que o sujeito manifesta através do seu discurso” (CAREGNATO; MUTTI, 2006, p. 683). Moeschler e Reboul (1998, p.12 apud MAINGUENEAU, 2007) contribuem com essa linha de pensamento, explicitando que “O problema que a ANÁLISE DO DISCURSO procura resolver em sua origem é o da interpretação dos discursos. De que modo, sendo dado um discurso (uma seqüência não arbitrária de frases), podemos atribuir-lhe um sentido?”. Considerações Finais A análise dos dados relativos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM dos municípios componentes da RMC confirmou as diferenças sócio-econômicas e, até mesmo, ambientais dos dois conjuntos dessa RM. Constatando-se a força sócio-econômica dos municípios de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha e pela situação adversa nos demais municípios da RMC (Caririaçu, Farias Brito, Jardim, Missão Velha, Nova Olinda e Santana do Cariri). O CRAJUBAR, entretanto, apresenta resultados preocupantes na dimensão ambiental, justificados pelo intenso e desordenado crescimento econômico sem qualquer preocupação com o meio ambiente, aliado as altas taxas de crescimento populacional e urbanização desenfreada, tendo como resultado um panorama in68 Em 2012 aconteceram eleições municipais onde foram pleiteados os cargos de Prefeito e de vereadores. 144 Coleção Novos Mestres sustentável a médio e longo prazo com repercussões, até mesmo, na dinâmica atual. A Região Metropolitana do Cariri tida como possibilidade de intensificar e fortalecer o desenvolvimento regional não atendeu as expectativas. Caracterizando-se pela ausência de planejamento e de políticas públicas de atendimento as funções de interesse comum, além da falta de clareza acerca das suas finalidades, necessidades e perspectivas. Como forma de responder as finalidades para qual foi criada e favorecer o desenvolvimento regional, a Região Metropolitana necessita de medidas e estratégias em prol da transformação da realidade sócio-econômica e ambiental dessa região a fim de se conseguir um completo desenvolvimento. Nesse sentido, emerge-se o paradigma das Cidades Sustentáveis no contexto metropolitano, pelo qual a RMC pode se desenvolver sob outro paradigma, ou seja, constituída de Cidades Sustentáveis. Entretanto, pelo menos na atualidade, a Região Metropolitana do Cariri não optou por trilhar esse caminho. Nem mesmo sua legislação de criação retrata, pelo menos genericamente, o viés da sustentabilidade para essa área territorial, tampouco são realizadas ações ou projetos que considerem as dimensões do desenvolvimento sustentável e, por conseguinte, das cidades sustentáveis, produzindo, um ambiente com situação social e ambiental insustentável que trarão prejuízos mais evidentes para as futuras gerações. A realidade da RMC se torna ainda mais preocupante quando se percebe que alguns dos principais atores políticos-institucionais dessa RM (os prefeitos municipais) sequer conhecem a dimensão e importância dos seus municípios integrarem esse arranjo territorial-institucional. Na qual, por meio da análise do discurso, comprovou-se o despreparo e/ou desconhecimento de aspectos que podem favorecer a efetivação da mesma e, consequentemente, facilitar a construção de um desenvolvimento regional sustentável. A indução e adoção de medidas para transformação dos centros urbanos que compõem a Região Metropolitana do Cariri em Cidades Sustentáveis é uma mudança indispensável. Essa transformação fundamental vai de encontro a necessária forma de repensar o modelo de crescimento econômico pelos municípios da RMC que, na atualidade, visa somente a lucratividade sem maiores compromissos com a dimensão social e ambiental. É válido destacar que na criação de um contexto metropolitano embasado na sustentabilidade, a articulação visando o planejamento, elaboração e execução de políticas públicas deve ser considerado não somente na resolução dos problemas de ordem comum mas na prevenção para que os mesmos não venham a se consolidar e avolumar. Como recomendações, sugere-se a realização de entrevistas com outros atores políticosinstitucionais com atuação na Região Metropolitana do Cariri (tais como Secretario das Cidades, membros do Escritório local da Secretaria das Cidades, Presidentes das Câmaras Legislativas Municipais, entre outros.) a fim de se ampliar o conhecimento acerca das percepções que esses atores possuem sobre a dinâmica metropolitana do Cariri. Propõe-se também a realização de um Seminário com os gestores municipais e outros atores políticos-institucionais da Região Metropolitana do Cariri para divulgação dos resultados dessa pesquisa. Esse seminário em prol da construção de Cidades Sustentáveis no contexto metropolitano do Cariri seria realizado no âmbito do Observatório das Políticas Públicas do Território – OPPTE vinculado ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (PRODER) da Universidade Federal do Ceará – UFC/Campus Cariri. De maneira geral, quando a Região Metropolitana do Cariri considerar que a dinâmica metropolitana pressupõe rede e cooperação se estará diante de um novo paradigma metropolitano para essa área de estudo: uma Região Metropolitana constituída por um conjunto de cidades sustentáveis articuladas em prol do desenvolvimento sustentável regional. Entretanto, em todo esse processo é preciso um planejamento eficaz, visto que se não há planejamento não há sustentabilidade. 145 Coleção Novos Mestres Referências ALVES, D. Um estudo sobre ações municipais em direção ao Desenvolvimento Sustentável por meio da análise dos Oito Objetivos do Milênio: Os casos de Ibitinga e São Carlos. Centro Universitário de Araraquara: Dissertação de Mestrado – Desemvolvimento Regional e Meio Ambiente - 2008. Disponível em: < http://www.uniara.com.br/mestrado_drma/arquivos/dissertacao/dagoberto_alves.pdf >. Acesso em: 27 de Nov. de 2012. ANATEL – AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES. 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