FORMAÇÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL: UMA
EXPERIÊNCIA NO ASSENTAMENTO ALVORADA, JULIO DE CATILHOS, RS1
Carmen Rejane Flores Wizniewsky2; Marilse Beatriz Losekann3; Fernando
Martelli4; Pâmela Corrêa Peres5
Resumo
Este projeto de extensão trata do desenvolvimento rural sustentável e sua
importância para o desenvolvimento local e a permanência dos agricultores no
campo em função da preservação de seus recursos naturais. O presente projeto
visa a formação das famílias dos agricultores do assentamento Alvorada em Julio de
Castilhos e os professores da escola do assentamento, na busca de uma
conscientização que leve a uma mudança de suas práticas produtivas, que valorize
a preservação dos recursos naturais, como o solo e a água, além de uma maior
conscientização para a produção de alimentos sem agrotóxicos. A temática que se
pretende abordar diz respeito a valorização do espaço agrário e a compreensão do
lugar no contexto do desenvolvimento rural sustentável, na comunidade do
assentamento e na Escola Municipal de Ensino Fundamental São Francisco. A
escola do campo tem uma grande responsabilidade, com o educando, sua
família e a comunidade como um todo, já que esta pode ser um veículo
fundamental para a melhoria da qualidade de vida das comunidades rurais.
Neste contexto, o presente projeto visa a formação de sujeitos sociais capazes
de modificar suas práticas produtivas através de alternativas que venham ao
encontro da inclusão cidadã e do desenvolvimento rural sustentável.
Palavras-chave: Cidadania – desenvolvimento sustentável– inclusão social –
permanência no campo.
1
Projeto de Extensão (FIEX) financiado pela Fundação de Incentivo a Extensão/ Edital 2007/ UFSM..
Profª Adjunta do departamento de Geociências / UFSM / Coordenadora do Projeto FIEX. E-mail
[email protected]
3
Acadêmica do Curso de Geografia /UFSM, bolsista FIEX.
4
Acadêmico do Curso de Geografia / UFSM.
5
Acadêmica do Curso de Geografia/ UFSM.
2
1
1 - INTRODUÇÃO AO TEMA E JUSTIFICATIVA
A crise ambiental e agrária vigente são reflexo do modelo adotado pelas
economias capitalistas, apontam para a necessidade de profundas reflexões sobre o
tipo de desenvolvimento ideal para os agricultores familiares assentados. No
assentamento Alvorada, localizado em Julio de Castilhos, RS, esta crise se processa
de forma a ser percebida na escola da comunidade (Escola Municipal São
Francisco), realidade esta constatada a partir do desenvolvimento e conclusão de
um projeto de pesquisa (FIPE/2006), coordenado pela Profª Drª Carmen Rejane
Flores Wizniewsky, do qual rendeu o Trabalho de Graduação de conclusão de curso,
apresentado pela então acadêmica de Geografia, Fernanda Lerner, titulado “A
compreensão do lugar e a valorização do espaço agrário: o caso da Escola São
Francisco, Julio de Castilhos”.
No referido estudo constatou-se a necessidade de ações junto à comunidade,
que visem à formação de cidadãos capazes de compreender e adotar práticas
produtivas que valorizem a preservação dos recursos naturais e melhorem sua
renda através de uma racionalidade produtiva e de mercado que resultem em uma
melhoria da qualidade de vida, e de um tipo de desenvolvimento que seja eficiente
economicamente, socialmente justo e ambientalmente sustentável.
Os agricultores familiares envolvidos no presente projeto conquistaram suas
terras a partir da luta desencadeada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST). Esta luta, culminou, em âmbito regional, com a efetivação do
Assentamento Alvorada no ano de 1996. É importante frisar que no caso desses
assentados, a maior parte deles tem sua origem relacionada à agricultura, sendo
que os mesmos foram desterritorializados do processo produtivo em função dos
graves conflitos entre capital e trabalho inerentes ao modelo agrícola industrial
vigente até a atualidade (Gómez, 1997). Neste contexto, se torna evidente que os
assentados em questão busquem alternativas produtivas que garantam sua
permanência na terra, e não persistam produzindo e reproduzindo um modelo
produtivo capitalista, que segundo Oliveira (1999) é desigual e combinado. A medida
em que o referido modelo produz a exclusão dos que não podem competir de igual
para igual com os agricultores capitalizados, ocorre a perda da terra, a desistência
frente as adversidades inerentes ao capitalismo desigual.
2
Configura-se assim, a necessidade de construir junto aos agricultores
familiares, ações que busquem consolidar o modelo de desenvolvimento
sustentável, garantindo a igualdade e melhoria de vida dos agricultores e da
sociedade, assim como o equilíbrio entre o desenvolvimento da sociedade e a
conservação ambiental.
O papel da Universidade dentro deste processo é de desenvolver projetos de
extensão capazes de minimizar estes conflitos e dar a essas famílias condições
reflexivas, subsídios metodológicos e apoio técnico, para que os agricultores
possam diversificar suas atividades produtivas, se aproximando de um tipo de
desenvolvimento rural sustentável, que os garanta a permanência no campo, uma
maior qualidade de vida, assegure o futuro a partir de um uso mais racional dos
recursos naturais, e amplie seus mercados a partir de uma melhor organização
produtiva e aprimore a comercialização de seus produtos participando de redes de
economia solidária. Não obstante, a consolidação deste projeto de extensão, o
mesmo pode ser projetado para outros assentamentos da região, que vivenciem a
mesma realidade.
2 – OBJETIVOS
2.1 – OBJETIVO GERAL
O presente projeto pretende, de forma geral, proporcionar uma reflexão coletiva
entre as famílias dos agricultores do Assentamento Alvorada, Julio de Castilhos,
bem como da comunidade escolar do mesmo assentamento, sobre o modelo
produtivo e perspectivas de inserção em um outro modelo alternativo de
desenvolvimento: o desenvolvimento sustentável.
2.2 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Realizar reuniões entre os assentados e comunidade escolar do
Assentamento Alvorada, com o objetivo de provocar reflexões coletivas sobre o
modelo de desenvolvimento técnico e produtivo dos sujeitos envolvidos;
b)Fazer uma reflexão critica de forma coletiva sobre a racionalidade do uso dos
recursos naturais no Assentamento Alvorada, e identificar possíveis conflitos
ambientais a partir de seu uso inadequado;
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d)Realizar visitas técnicas a grupos de famílias assentadas como forma de
acompanhar sua organização e atividades produtivas;
e)Analisar os diferentes “saberes sociais” da comunidade e estabelecer uma
troca destes saberes com o conhecimento científico, no que se refere à busca de
alternativas de desenvolvimento sustentável;
f)Realizar palestras e orientação prática sobre alternativas de produção
sustentável, e de economia solidária, com apoio de técnicos agroecológicos da
UFSM;
g)Realizar um Fórum de Discussões sobre as temáticas desenvolvidas nas
diferentes etapas do projeto.
3 – REFERENCIAL TEÓRICO
Apesar da crise agrária que assola de forma mais significativa os pequenos
agricultores descapitalizados, a agricultura familiar desempenha um importante
papel, a medida em que apresenta uma racionalidade própria que colabora para a
permanência no espaço rural. A agricultura familiar merece destaque por ser a
responsável pela produção de alimentos consumidos no território nacional. Segundo
dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 70% dos
estabelecimentos agrícolas são do tipo familiar sendo esse segmento indispensável
para a produção de alimentos básicos, visto que responde por 75% dessa produção.
Soma-se a isso, o fato de empregar mais de 80% da força de trabalho ocupada no
meio rural, sendo esse segmento indispensável para a fixação da população rural.
O “rural” foi um cenário presente e significativo para a formação da sociedade
brasileira, como pode ser constatado na obra de Sérgio Buarque de Holanda
intitulada Raízes do Brasil. Segundo Wanderley (1989), percebe-se que o rural faz
parte da memória do agricultor familiar e permanece ao longo das gerações. Esta
memória é a raiz que permanece presente na vida das pessoas do campo, formando
uma espécie de identidade de agricultor, que se manifesta através de um vínculo
afetivo e nostálgico ligado a terra, a cultura, ao trabalho e a produção (Casado,
Molina e Gusmán 2000, p. 118). O rural se constitui um espaço de produção e
reprodução de conhecimento, de troca de saberes sociais, que segundo Damasceno
Nobre (1993, p. 55)
Esse saber é entendido como o saber básico que os integrantes de um
grupo social necessitam para participar do seu ambiente, qualificando-se
4
por ser prático (em termos técnico, político, religioso etc), mediante o qual o
sujeito interfere na vida cotidiana. Portanto o saber cotidiano refere-se a
situações particulares, distinguindo-se do saber metódico.
Neste contexto, os agentes sociais do campo, no caso específico dos
assentados em questão, foram distanciados de seu território e a medida que tiveram
que migrar para uma região diferente no que se refere ao geográfico, histórico e
cultural. Porém um distanciamento histórico e cultural passou a acontecer antes
mesmo do processo migratório, trata-se da absorção forçada da agricultura industrial
imposta pela modernização da agricultura. Este fato provocou entre as famílias dos
agricultores a perda seletiva da memória e o rompimento com o passado e seus
saberes, causando um grande prejuízo que pode ser visualizado tanto no que se
refere ao aspecto cultural como no produtivo. Dessa forma os agricultores foram por
dentro o conhecimento passado de geração a geração e assimilando o novo modelo
hegemônico da Revolução Verde.
Não obstante, o modelo agrícola industrial, exigia da agricultura familiar, a
disponibilidade de capital, para que pudesse ser produtiva e se situar dentro dos
padrões do mercado agrícola capitalista. Este fato foi sem dúvida um grande
entrave, a medida que muitos não desses agricultores não tiveram sucesso,
provocando sua exclusão do processo e levando em grande medida ao êxodo rural.
Por outro lado, os efeitos do modelo hegemônico da agricultura industrial, não
somente provocou prejuízos culturais, sociais, e econômicos, mas também
ambientais. Nesse sentido é importante afirmar que, surgem preocupações a cerca
dos efeitos que o modelo intensivo de produção, adotado de forma geral na
agricultura, tem causado. Conforme GOMES (2004, p.183)
... a agricultura está cada vez mais pressionada pelo conjunto de relações
que mantém com a sociedade em geral, sendo emergente o debate sobre a
questão ambiental. Essas relações, às vezes de dependência às vezes de
conflito, são as que determinam uma chamada ampla para mudanças
orientadas à sustentabilidade, não só da atividade agrícola em si, se não
que afete de maneira geral a todo o entorno no qual a agricultura está
inserida.
Segundo o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento,
desenvolvimento
sustentável
é
aquele
que
“atende
às
necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de as gerações
futuras atenderem suas próprias necessidades”.
5
Porém, os agricultores foram moldados com os parâmetros da Revolução
Verde, na qual a agricultura se desenvolve baseada em altas taxas de produtividade
proporcionadas pela introdução de máquinas agrícolas, fertilizantes químicos,
sementes híbridas e venenos químicos, o que se torna insustentável na agricultura
familiar e, causa impacto ambiental como a destruição dos solos e das florestas,
contaminação do ar, rios e mares somando-se a problemas de saúde provocados
pela intoxicação dos trabalhadores devido ao uso de agrotóxicos. Segundo Gomes
(2004, p. 119), surgem na atualidade propostas alternativas a esse modelo
conservados e excludente
a discussão sobre a necessidade de mudança de formato tecnológico
também tem outras origens. Ao mesmo tempo em que se tornava mais
evidentes os efeitos adversos do modelo convencional e enquanto o
movimento contracultural colocava em discussão uma série de valores da
sociedade moderna, na agricultura surgiam as propostas “alternativas”. Este
movimento se expressou por meio de diferentes formas, origens e
denominações, entre as quais podem ser citadas as agriculturas alternativa,
biodinâmica, orgânica, biológica, natural, ecológica, regenerativa, a
permacultura, a biotecnologia tropical e as tecnologias apropriadas,
influenciados por uma variada matriz teórico-metodológica. Outra corrente
é a agroecologia, considerada por uns como um “novo paradigma” e por
outros, saudada apenas como uma proposta promissora que ainda
necessita maior precisão epistemológica.
Neste contexto, o agricultor familiar, ou seja, o assentado, precisa ter acesso
ao conhecimento que existem outras formas de produção, como a agroecologia que
fornece a base técnico-científica de estratégias de desenvolvimento rural sustentável
que enfatizam a soberania alimentar, a conservação dos recursos naturais e a
superação da pobreza. A produção agroecológica apresenta vantagens de custos, o
que é visado pelo agricultor assentado devido a sua baixa capitalização e falta de
políticas públicas eficazes. Por isso, o projeto ressalta a importância de conscientizar
a comunidade agricultora de buscar uma assistência técnica coerente com o modelo
de desenvolvimento sustentável.
Quanto a Escola Municipal de Ensino Fundamental São Francisco, cabe a
responsabilidade com o educando, sua família e a comunidade, de construir os
conceitos em prol da valorização do espaço agrário e a compreensão do lugar como
formas de diminuir as desigualdades sociais. Assim como a conscientização de que
é fundamental uma mudança nas suas práticas produtivas, seja na agricultura ou na
criação animal, na atividade florestal ou no manejo dos recursos naturais valorizando
estes e produzindo alimentos saudáveis. A escola deve ser um organismo
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disseminador e construtor de conhecimento, voltada a atender as demandas da
comunidade, sendo um veículo fundamental para a melhoria da qualidade de vida,
construindo um projeto de inclusão social para o homem da terra, para que o
educando se sinta valorizado e projete na sua vivência comunitária um novo
caminho para o desenvolvimento do campo, o desenvolvimento sustentável.
4 – PROCEDIMENTOS DE EXTENSÃO
O presente projeto será desenvolvido através de uma “formação dos
agentes sociais” da comunidade do Assentamento Alvorada situada no
município de Julio de Castilhos, com o objetivo de proporcionar uma reflexão
para tomada de consciência sobre a orientação e modelo de desenvolvimento
levado a cabo no assentamento. Essa ação reflexiva será direcionada de forma
específica a forma de utilização dos recursos naturais na exploração agrária
(água, solo, áreas de preservação e proteção ambiental), o modelo produtivo e
mercados. Também será alvo reflexivo, a troca de saberes sociais que
incorporam técnicas de baixo impacto ambiental, transmitidos de geração a
geração. As distintas etapas de desenvolvimento do presente projeto visam a
formação dos assentados para que estes analisem criticamente sua forma de
atuação produtiva e propor formas alternativas de desenvolvimento sustentável,
que são imprescindíveis para a permanência destes agricultores familiares na
terra.
1) Serão realizadas três “Assembléias Participantes” na comunidade do
assentamento, para que os mesmos reflitam sobre suas praticas produtivas, o
modelo
produtivo
adotado
pelos
agricultores,
preocupações
ambientais,
problemas enfrentados e reflexões sobre as soluções para estes problemas. As
reuniões serão realizadas aos sábados à tarde.. Nesta etapa, participarão das
reuniões representantes de instituições de apoio técnico relacionadas às
temáticas;
2) Na segunda etapa, os assentados serão agrupados segundo critérios a
serem discutidos de forma coletiva, que os aproxime segundo características de
praticas
ambientais
e
produtivas.
Serão
visitadas
as
explorações
dos
assentados selecionados de cada grupo e a partir daí serão realizadas, em um
primeiro momento, observações que envolvam a forma de exploração dos
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recursos naturais, em um segundo momento serão observados aspectos
relacionados a forma de produção e ao modelo agrícola de cada assentado,
observando o tipo de cultivos, a utilização de agrotóxicos, técnicas utilizadas,
máquinas e implementos utilizados para o plantio, cuidados em relação a
preservação de recursos, o auto consumo, qualidade de vida, saúde familiar,
utilização de técnicas tradicionais, entre outros.
3) Na terceira etapa do projeto será elaborado um diagnóstico sobre as
práticas produtivas e ambientais, principais problemas e conflitos identificados
na etapa anterior. O resultados das observações realizadas nas duas etapas
anteriores serão apresentados para a comunidade e de forma coletiva serão
encontradas soluções para os problemas mais comuns, realizando um plano de
ação coletiva. É importante frisar que a comunidade escolar também participará
de tal processo.
4) Na quarta etapa do projeto ocorrerá a execução do plano de ação
coletivo, com a participação de membros do Grupo de Pesquisa em Educação e
Território do Departamento de Geociências e do Departamento de Educação
Agrícola e Extensão Rural, ambos desta instituição. Todas as atividades serão
acompanhadas pelos membros da comunidade e pelos participantes do projeto.
5) Na quinta etapa será realizado um fórum de discussões sobre a
formação em suas distintas fases.
O projeto encontra-se neste momento em andamento, sendo que está
sendo cumprida a segunda etapa das atividades de extensão previstas.
A
conclusão do projeto está prevista para o mês de dezembro de 2007.
Os impactos da implantação do projeto já estão sendo percebidos a
medida que se cria um espaço para reflexões sobre a forma de produção. Ainda
é prematuro mas se pode afirmar que já é possível observar no interior do
assentamento a necessidade de mudança e busca de estratégias sustentáveis,
que será refletida nas comunidades próximas, principalmente no município de
Julio de Castilhos que a medida em que se implementarem projetos de
desenvolvimento sustentável, sofrerá impactos no que se refere a produção
diferenciada e a introdução da economia solidária.
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