A Presidente da
APDH,
Prof.ª Doutora Ana
Escoval, debruçouse sobre alguns
aspectos
decorrentes da crise
que se instalou em
Portugal
27 | agosto | 2013
Texto:
Carlos Gamito
[email protected]
Fotografia:
João Pedro Jesus
Paginação e Grafismo:
Marisa Cristino
[email protected]
A Profª. Doutora Ana Escoval, Presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar (APDH),
lançou um amplo olhar às condições que, fruto da acentuada crise económica/financeira, estão a empurrar a
protecção na saúde dos portugueses para caminhos altamente preocupantes
À margem da apresentação do Relatório de Primavera 2013, a Profª. Doutora Ana Escoval –
Presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar (APDH);
Coordenadora do OPSS; docente na Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de
Lisboa, entre outros altos cargos – acedeu conversar com a nossa reportagem e as suas
reflexões sobre as questões que lhe colocámos mostraram-se extremamente sólidas porque
escoradas no amplo conhecimento da Professora.
Senhora Professora, ante o preocupante panorama económico/financeiro em que o País está
mergulhado, que caminhos se antevêem para o sistema de protecção social dos portugueses?
«Os caminhos serão todos aqueles que conduzam à manutenção de condições que garantam às
pessoas o direito à saúde. Essa é a nossa preocupação. Desde há quatro anos a esta data que
o nosso relatório assenta fundamentalmente no estudo de qual o verdadeiro impacto da crise
sobre a saúde, isto na perspectiva de implementarmos medidas de antecipação, ou seja, é
importante que o sistema de saúde encontre mecanismos de modo a responder cabalmente às
necessidades das pessoas». A Professora, sempre muito atenta às suas próprias palavras,
continuou: «Estamos a assistir a um empobrecimento muito acentuado da população em geral e
a um aumento vertiginoso do desemprego, situações que provocam uma natural e expressiva
transferência de cuidados até aqui prestados pelo sector privado e que agora são procurados no
sistema público, fruto da incapacidade financeira hoje estabelecida no seio das famílias
portuguesas. Por outro lado, entendo que o próprio sistema [público] devia reflectir sobre a
barreira das taxas moderadoras. Em muitas circunstâncias, as actuais taxas moderadoras são
uma verdadeira barreira ao acesso de cuidados, e porque não existem estudos aprofundados
2
sobre essa matéria, defendo que os mais necessitados não devem – pela sua incapacidade
financeira – ficar sujeitos às restrições criadas pelas famigeradas taxas em vigor».
Num olhar mais abrangente, a Professora Ana Escoval entendeu pormenorizar o seu raciocínio e
a título de exemplo avançou-nos com a situação de um doente do foro oncológico que nem
sequer disponha de dinheiro para as deslocações a que obrigam os tratamentos. Este é, na sua
opinião, um problema gravíssimo e a carecer de solução imediata. Para além deste exemplo, a
Professora também adiantou outro quadro cada vez mais comum: «… refiro-me às pessoas que
não têm dinheiro para adquirir os medicamentos que lhes são prescritos e, segundo relatos que
nos chegam, ao invés das imprescindíveis tomas diárias, estão a fazer a medicação em dias
alternados. Ora, um doente crónico, intercalar ou interromper o seu tratamento, significará, a
médio/longo prazo, o crescimento de agudizações na doença que necessariamente provocarão o
aparecimento de uma população cada vez mais doente, uma população menos produtiva, uma
população com perda significativa de acesso aos recursos de saúde e por consequência uma
baixíssima qualidade de vida».
Segundo a Professora, de entre os muitos relatos que chegam à APDH, constata-se que por efeito da alarmante
conjuntura sócio/económica instalada no País, nomeadamente o famigerado desemprego, há doentes com
patologias crónicas que ou não adquirem os medicamentos ou, em alternativa, optam por tomar a medicação em
dias alternados e não diariamente, resultando daí consequências imprevisíveis mas decerto devastadoras para a
saúde de quem foi atingido pela doença
SÃO VÁRIAS AS RAZÕES PARA PARTICIPAR NAS ACÇÕES DESENVOLVIDAS PELA APDH
Recordamos que a Professora Ana Escoval, de entre outros cargos, é Presidente da APDH, e
ainda na rota da crise que flagela o País instámos a nossa interlocutora se também a Associação
a que preside está a ser confrontada com constrangimentos advindos da preocupante situação
transversal a todos os sectores.
3
A resposta chegou-nos pronta e bem delineada: «A APDH tem vindo a sentir três movimentos
paralelos». E explicou: «Um desses movimentos identifica-se com os muitos pedidos que nos
são endereçados por parte de instituições e profissionais de saúde a solicitarem a continuidade
de algumas actividades, muitas delas desenvolvidas no passado, ou que agora iniciámos, como
por exemplo a formação na área da Segurança do Doente, esta em parceria com a DirecçãoGeral da Saúde».
«O segundo movimento resulta das dificuldades financeiras em que todos – quer pessoas
singulares quer instituições – estão envolvidos, o que daí resulta uma maior dificuldade no
pagamento atempado das respectivas quotas, sendo este o único meio de sobrevivência da
Associação».
«O terceiro movimento enquadra-se nas dificuldades financeiras vivenciadas pelas instituições, o
que provoca uma séria dificuldade na dispensa dos seus profissionais, situação que se reflecte
numa quebra no número de inscrições para as actividades que desenvolvemos, todas elas
direccionadas para os profissionais de saúde». E a Professora objectou: «Naturalmente que nós,
APDH, entendemos e respeitamos esta nova realidade, todavia não posso deixar de salientar
que o profissional necessita sistematicamente de formação e actualização, e os nossos eventos
têm primado pela excelência dos benefícios que oferecem, o que me leva a solicitar a melhor
atenção das instituições para que concedam as devidas autorizações aos seus colaboradores de
modo a que estes possam participar nas acções formativas desenvolvidas pela APDH».
A APDH, Associação sem fins lucrativos, encontra como único suporte de sobrevivência o pagamento das quotas
por parte dos seus associados, todavia já se estão a verificar atrasos significativos nesses pagamentos, o que
condiciona drasticamente a realização das imprescindíveis acções de formação propiciadas aos profissionais de
saúde, esta uma das preocupações manifestadas pela Professora Ana Escoval
4
UM OLHAR AOS CUIDADOS DE SAÚDE ORAL
A saúde das populações é um tema recorrente em todos os plenários promovidos quer por
instituições públicas ou privadas, no entanto não temos presente um debate sobre saúde oral, o
que nos levou a instar a Professora Ana Escoval sobre este assunto. Será que os portugueses
não têm direito a este tipo de cuidados? A Professora foi vertical na resposta: «A saúde oral é de
facto uma área que nunca foi integrada na prestação pública dos cuidados de saúde primários,
no entanto nos hospitais existem Serviços de Estomatologia para responder às situações mais
agudas». E adiantou: «Como sabe, a Medicina Dentária é uma especialidade relativamente
jovem em Portugal, no entanto, a Direcção-Geral da Saúde, com o propósito de prestar
assistência no campo da saúde oral, começou por contratualizar serviços de medicina dentária
para crianças e mulheres grávidas, hoje está criado um programa denominado cheque-dentista,
o qual permite às populações recorrerem aos cuidados prestados pelos Médicos Dentistas».
Adiantou-nos ainda a Professora Ana Escoval que, atendendo às muitas patologias arrastadas
pela falta de cuidados orais, está em desenvolvimento um projecto criado pela Direcção-Geral da
Saúde com vista à integração da Medicina Dentária nos cuidados de saúde primários suportados
pelo Sistema Nacional de Saúde.
5
Download

Entrevista Prof. Ana Escoval