Reflexões sobre o ensino da prática no Serviço Social e os impasses para a
consolidação do projeto ético-político profissional
Maria das Graças O. P. Lustosa
[email protected]
Maria Thereza C. G. de Menezes
[email protected] 1
Modalidade:
Eixo temático:
Resultado de investigações.
Desafios para a formação profissional na América Latina e Caribe.
Introdução
O estudo tem como objetivo aprofundar a reflexão sobre o ensino da prática em Serviço
Social tendo como principais fontes empíricas, os conteúdos programáticos das
disciplinas de estágio supervisionado, níveis I, II, III e IV, os Relatórios dos Fóruns de
Supervisores de Estágio e o Estudo sobre o Perfil do Aluno de Graduação em Serviço
Social da Universidade Federal Fluminense que ocorreu no período entre 2007/2008, no
processo do Ajuste Curricular. A análise, das mencionadas fontes, terá como suporte a
produção elaborada pelos autores do Serviço Social, de extração teórica crítica, que
examinam o tema a partir da reforma curricular que, na ESS/UFF, foi implantada em
2000. A nossa hipótese de trabalho é mostrar que, no processo de ensino-aprendizagem
da formação profissional, esse conjunto de documentos - a despeito das mudanças nas
diretrizes curriculares conquistadas, mediante um amplo e intenso debate acadêmicopolítico promovido pela ex - ABESS - denota a persistência da tradicional orientação
teórico/prática, que favorece a manutenção de antagonismos entre as diretrizes de uma
formação intelectual de viés generalista (ABPESS) e a condução que tem sido imprimida
no ensino da prática, condução que reforça a perspectiva de um “fazer profissional”
especializado e acrítico. Essa concepção especializada colide com a perspectiva teórica
de viés crítico, que permeia o projeto de formação profissional, isto porque a matriz
teórica que norteia essa feição de prática profissional do Serviço Social tende a
psicologizar, a naturalizar e a fragmentar as diversas expressões da “questão social”
contemporânea no marco da sociedade burguesa, separando a indissociável relação
entre teoria e prática. Vertente que prioriza a micro dimensão do social em detrimento da
metanarrativa (Harvey, 1992, Anderson, 1999 Frederico, 1997, Netto, 1997). A tensão
gerada entre essas duas concepções de prática profissional gestadas no interior da
formação profissional tende ao enfraquecimento da consolidação do projeto profissional
1
Professoras Adjuntas da Escola de Serviço Social de Niterói da Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro,
Brasil. Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la
coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica
Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009.
1
crítico inscrito no Código de Ética e no Projeto Ético-Político da Profissão; reforça a
formação profissional que, inclusive, reafirma a subalternalidade do Serviço Social na
hierarquia do conhecimento acadêmico; retira a centralidade do trabalho como ponto de
partida para a análise da sociedade do capital. Concepção teórica que elimina a totalidade
(Marx e Luckács), privilegiando a dimensão que se convencionou chamar de “processos
interventivos do serviço social”, perspectiva teórica que despolitiza, desmaterializa e
suprime a dimensão histórica acerca das políticas sociais tal como demanda o projeto
societário neoliberal.
OBJETIVO.
O presente artigo tem como objetivo ampliar a massa crítica em torno do ensino da
prática na formação profissional do assistente social a partir da análise sobre a condução
da disciplina de estágio em serviço social, particularmente estudando o caso da Escola de
Serviço Social da Universidade Federal Fluminense, onde a mencionada disciplina é
formulada conforme a perspectiva de formação profissional concebida pela ABEPSS, em
quatro momentos, os quais obedecem, de acordo com os períodos, diferentes níveis de
complexidade. A nossa hipótese de trabalho é mostrar que, no processo de ensinoaprendizagem da formação profissional, essas disciplinas, recebem um tratamento
teórico-prático que favorece o estabelecimento de um antagonismo entre as diretrizes de
uma formação intelectual de viés generalista sugerido pela ABEPSS e a condução que
tem sido mantida do ensino da prática na Escola de Serviço Social da Universidade
Federal Fluminense2 que, segundo nossa avaliação, reforça um “fazer profissional” de
cunho especializado onde se privilegia o ensino da prática segmentada em “áreas
temáticas” tais como: saúde, criança e adolescente, gênero, família, idoso, sócio-jurídico,
entre outras3. Orientação teórica que fragmenta, pulveriza e (des) hierarquiza os
fenômenos sociais tão ao gosto da matriz pós-moderna.
2
O estudo que realizamos na Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense não pretende, a partir de um
exemplo, generalizar, descobertas e afirmativas encontradas na referida Escola. No entanto, a documentação registrada
nos Fóruns de Supervisores, evento no qual congrega profissionais formados em outras unidades acadêmicas servirão de
aporte, para que, o estudo não se torne arbitrário do ponto de vista teórico-metodológico.
3
As disciplinas de Estágio Supervisionado contam hoje com, aproximadamente dezesseis subdivisões de “áreas temáticas”.
No período de 2006/2008, a chefia e a subchefia do departamento implantaram, tal como vem expresso no currículo, as
mencionadas disciplinas, por nível. Ou seja, a condução das disciplinas seria ministrada de acordo com os diferentes
patamares de complexidade estabelecidos nas ementas do currículo, os quais, nunca haviam sido obedecidos. Essa
observação é importante destacar porque houve significativa resistência por parte do conjunto de professores, envolvidos
ou não, com as disciplinas e, ao mesmo tempo, causou estranheza em outras unidades de ensino superior público, no Rio
de Janeiro. No momento as disciplinas voltaram a ser ministradas por áreas temáticas embora caiba a ressalva que, no
período sinalizado, houve um movimento de adequação entre a concepção tradicional que permeavam as disciplinas com a
orientação do currículo.
2
Desenvolvimento.
Neste sentido, se faz necessário analisar o estado da arte do debate contemporâneo,
produzido pelo serviço social sobre o tema, entendendo que a orientação teórica do
ensino da prática, que privilegia a totalidade como método de análise da sociedade
burguesa é a única possibilidade, para a consolidação do Projeto Ético - Político
Profissional, que se pretende generalista, propositivo, crítico e comprometido com os
movimentos sociais organizados e classistas e com as organizações políticas das classes
trabalhadoras em geral.
O primeiro passo para aprofundar o debate no interior da produção acadêmica acerca do
tema implica em uma análise mais aprofundada sobre a contra- reforma do Estado já que
os campos de estágio se configuram à luz das diretivas consoantes com o projeto
societário neoliberal e seus delineamentos na reconfiguração das instituições públicas,
bem como na ampliação do “terceiro setor” e na mercantilização dos serviços sociais
básicos. Fatores que se sustentam fundamentalmente na degradação e na retração das
políticas sociais públicas, que podem ser traduzidas nas práticas de: transferência da
responsabilidade do Estado para as organizações sociais de cunho filantrópico, das
organizações não-governamentais, da diversificação das entidades que conformam às
obscuras “parcerias público-privadas”, das políticas sociais emergenciais, pontuais e
eventuais desenvolvidas, mais enfaticamente pelos dois últimos governos - Fernando
Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva -, da ampliação da pobreza, da miséria e da
precarização do trabalho formal e informal.
Somando, a esse breve arrazoado a atual “Reforma do Ensino Superior” (REUNI), parte
integrante da contra-reforma do Estado aventa outros desafios para os cursos que se
enquadram na categoria das “ciências sociais aplicadas” as quais, a partir do REUNI
passarão por um processo de “banalização teórica”4 assentado exclusivamente no
“caráter operacional”, segundo, Marilena Chauí (1999). Fato que pode acarretar para o
serviço social o mero papel de “executor terminal de políticas sociais”, tal como já havia
sido sinalizado por José Paulo Netto 5. O outro passo que cabe incorporar no debate para
futuras polêmicas é admitir que a condução dada à disciplina de estágio traçadas pela
ABEPSS, o que significa: primeiro, que o Projeto de Formação Profissional, embora
supostamente acatado de maneira hegemônica, nos termos de Netto, ainda “carece de
4
Neste artigo não adentraremos com maiores detalhes sobre as diretrizes que norteiam o Projeto Reuni, sugerimos que,
para maiores esclarecimentos sobre esse tema, a leitura dos livros de Dahmer (2008), Lima, (2007) e o artigo de Netto,
Temporalis, número 1 (2000).
3
orientações de modalidades de práticas profissionais” (NETTO, 2003: 291). Segundo, que
a sua aplicação nos cursos de graduação, tal como foi formulado no currículo, requer um
embate político-teórico com as forças conservadoras e tradicionais para que, possamos
explicitar a manifestação efetiva da pluralidade teórica e política, não só na ABEPSS, mas
principalmente, no interior de cada unidade acadêmica6 como expressão concreta de
práticas democráticas no embate das idéias e no esclarecimento, sem possibilidade de
ambigüidades, de que existem dois projetos societários em pugna em toda e qualquer
instituição de ensino superior.
Embora estejamos examinando o caso da ESSN/UFF, não somos levianas e/ou ingênuas
para afirmar que o enfoque pulverizado em “áreas temáticas” nas disciplinas de estágio
supervisionado, é exclusivo da Escola de Serviço Social da UFF. A idéia de formar
especialistas nos cursos de graduação é legatária das correntes teóricas neopositivistas
que reduzem o conhecimento ao pragmatismo 7 empurrando o debate teórico - prático
para um campo que reafirma a idéia de especialização8 e, conseqüentemente, ajustado
ao discurso e a prática exercidos sobre o primado da despolitização, da manipulação
doutrinária, da autonomia da técnica, tão presentes no ideário conservador e reacionário.
De acordo com Guerra, alguns questionamentos devem preceder a revisão do ensino da
prática; entre eles, a autora sugere : “(...) devemos pensar (...) que direção atribuir ao
ensino da prática, - o que implica uma clara concepção de homem e mundo e vínculos
com um determinado projeto político (...)” (GUERRA, 2000: 158). O ensino da prática
padece de regularidade e simetria nas Escolas de Serviço Social das instituições públicas
de ensino superior: ora é relegada ao segundo plano e vista como disciplina
complementar que dispensa tratamento e suporte teórico, trazendo para o ensino da
prática uma visão meramente impressionista esvaziada de historicidade, restrita à
aparência dos fatos, numa clara aversão às contradições que movem a sociedade
capitalista, portanto, relegando, a essência dos fenômenos sociais. Neste sentido, a
“prática profissional” é apreendida, apenas como técnica de intervenção, quase sempre
autoritária, invasiva, reiterativa, rotineira e burocrática. Ora, a concepção da “prática
profissional”, é concebida como simples resultante, do maior aprofundamento imprimido
nas disciplinas ditas teóricas. Essa forma de apreensão, no entanto, é reforçada pela
6
Esta concepção de pluralidade teórica exercida com clareza, no ambiente acadêmico e na ABEPSS, enquanto organismo
que normatiza o ensino, a pesquisa e a extensão, no âmbito da formação profissional atenuaria a forte tendência eclética
que permeia a formação profissional, além de desanuviar a ilusão de que existe um projeto hegemônico no universo
acadêmico.
7
Ver George Lukács, “O neopositivismo”. In: Teoria & Política, Brasil Debates, 1988, São Paulo.
8
Sobre essa concepção ver Montanõ, (2000) “El ‘practicismo’ professional” pp. 147-180.
4
própria estrutura curricular, que divide o conjunto das disciplinas no fluxograma dos
cursos obedecendo uma distribuição que favorece, embora seja importante ressalvar,
para além de uma argumentação formalista, a suposição que a referida dicotomia não é
resultado exclusivo da formalidade da estrutura do currículo.
A partir dos anos 1980 a aproximação do serviço social com a tradição marxista nas
Universidades Públicas9 hipoteticamente superaria essa visão polarizada entre teoria e
prática. No entanto, é possível assegurar que essa perspectiva equivocada ainda
perpassa o ensino da prática profissional: embora o debate no plano das idéias tenha se
adensado, ele não se aplica à realidade. Pois o ensino da prática revelada nas disciplinas
de estágio supervisionado na Escola de Serviço Social da UFF pouco se alterou a partir
dos rumos propostos pelas Diretrizes Curriculares que norteiam a formação profissional.
No processo de ajuste do currículo constatamos, mediante a análise dos programas das
disciplinas de estágio, que a construção dos conteúdos programáticos tendia para uma
maior ênfase no instrumental técnico-operativo descartado da sustentação teórica. Numa
óbvia alusão à autonomia da técnica e na reafirmação da velha “apologia do praticismo”
(MONTANÕ, 2000: 147) e, portanto, da neutralidade política circunscrita nos limites da
especialização. Embora saibamos que a produção do conhecimento sobre o tema é
abundante e diversificado, com exceção de poucos autores10, a sua característica
principal é o ecletismo teórico calcado em “combinações” de vertentes do pensamento
social colidentes.
O ensino da prática a partir da Reforma Curricular se tornou uma preocupação constante
no debate acadêmico por parte dos segmentos progressistas da profissão, cujo objetivo
primordial é desfazer a dicotomia entre a teoria e a prática na formação profissional, no
sentido de qualificar o assistente social no processo interventivo pensando no
aprimoramento das atividades profissionais, numa tentativa de romper com a tradição
meramente operativa e burocrática, já que é a dimensão prática que peculiariza a
profissão, “sem que esta se reduza às disciplinas de estágio supervisionado” (ABEPSS,
2005). No entanto, pouco tem se constatado sobre efetivas mudanças no processo de
intervenção para o caso de solidificarmos o Projeto Ético - Político Profissional11. Em
1996, com as Diretrizes Curriculares, o estágio supervisionado foi construído a partir da
9
No nosso estudo privilegiamos apenas as Universidades Públicas, embora saibamos que alguns centros de formação e
pesquisa, por exemplo, a PUC-SP se apropriam da obra de Karl Marx e de outros pensadores do campo marxista.
10
Destacamos fora do universo do ecletismo, sobre essa tematização, Yolanda D. Guerra, Marilda V. Iamamoto, José Paulo
Netto e Carlos Montaño.
11
Essas afirmativas estão fundamentadas nos relatos dos assistentes sociais que participam dos Fóruns de Supervisores
realizados semestralmente na Escola de Serviço Social/UFF. Nestes Fóruns participam profissionais supervisores de
estágio vinculados a instituições públicas, privadas e campos próprios da universidade que recebem alunos estagiários.
5
direção social do novo currículo no qual a pesquisa passa a ser dimensão constitutiva da
prática, enquanto “(...) princípio e condição da formação profissional pressupondo a sua
transversalidade em todo o processo” (idem). Esta direção proposta tanto nas Diretrizes
Curriculares quanto no novo currículo e na Lei de Regulamentação Profissional, bem
como nas indicações acadêmica e política da ABEPSS, aparecem como um meio de
questionamento à formação profissional no sentido de ultrapassar o caráter meramente
operacional, instrumental e técnico que, tradicionalmente, vinha definindo a profissão.
Pensou-se idealmente que ao instituir um novo currículo, tal como “um toque de mágica”
seria solucionada a dicotomia entre teoria e prática e, portanto, as antigas lacunas no
processo de aprendizagem no interior da disciplina de estágio supervisionado ocorreriam
mecanicamente, propiciando a imediata articulação entre teoria e prática. E assim, seria
corrigida, a antiga polêmica: “que na prática a teoria é outra”; que os “profissionais da
prática estão de costas para a academia”; que existe um fosso profundo entre o que se
“aprende na escola e o que se vê na prática institucional” etc.
A concepção do novo currículo foi importante para o fortalecimento teórico na formação
profissional em geral, mas os resultados concretos são pouco palpáveis em termos de
mudanças significativas no plano teórico e político das disciplinas de estágio
supervisionado. Por isso, cabe continuar investigando qual a função prática da teoria
nesse projeto de ensino superior que se pretende crítico, voltado para a democratização
de fato da sociedade e do compromisso social e político com as classes trabalhadoras,
requisitos e princípios que exigem a ultrapassagem da abstração e do idealismo.
Compromissos e premissas que, implicam em recuperar a “enérgica reforma ideológica”
de que falava Lukács, atribuindo às “(...) categorias como: liberdade e igualdade, como
progresso e razão devem adquirir um novo brilho, uma nova densidade em seu
significado, que só serão viáveis se o conteúdo social da idéia democrática recuperar a
plenitude e a luminosidade que teve em 1793 ou em 1917, mas adequadas às
circunstâncias atuais” (LUKÁCS, 2007:49).
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Com esse sucinto arrazoado, o que queremos destacar é a necessidade de se
estabelecer uma estratégia que contribua para consolidar o Projeto Ético - Político
Profissional e reforçar a dimensão generalista proposta no currículo da graduação. Se, é
verdade que temos um compromisso político com as classes sociais subalternalizadas;
com os movimentos sociais; com os trabalhadores espoliados; com a ampliação e
garantia dos direitos sociais; com a universalização das políticas sociais públicas e com a
6
consolidação da democracia, entre outras bandeiras de lutas, sobretudo as disciplinas de
estágio, e não só elas, necessariamente, precisam ser, inicialmente, (re) trabalhadas sob
o prisma contido no atual currículo. Isto porque acreditamos que, na maioria dos cursos
de graduação em serviço social das universidades públicas ainda se mantém a velha
tradição do fracionamento por “áreas temáticas” na referida disciplina. No nosso
entendimento, a formulação das disciplinas de estágio supervisionado, tal como consta no
atual currículo, atenuaria a concepção da pulverização em “áreas temáticas”, tendo em
vista, o conteúdo das ementas que são pensadas a partir dos níveis de complexidade
conforme os períodos de estágio previstos no currículo. Entretanto, a efetivação das
disciplinas, tal como indicado no currículo, encontra resistências por parte de parcela
significativa do corpo docente, por romper com a tradição da especialização viabilizada na
idéia de “áreas temáticas”. A questão da defesa da especialização é uma manifestação
concreta do pensamento burguês e sua explicação pode ser encontrada na antiga procura
de parte da intelectualidade
12
do serviço social de atribuir à profissão estatuto de ciência
com teoria e metodologia própria. Isto é, na contracorrente da ontologia marxiana do ser
social cuja crítica incide na “(...) transposição simplista, materialista vulgar, das leis
naturais para a sociedade, como era moda, por exemplo, na época do ‘darwinismo social’
(...) não podendo ter nenhuma analogia na natureza” (LUKÁCS, 1979: 17). Esse recurso
da filosofia burguesa para compreender os fenômenos sociais se apega na legitimidade
da “objetividade espectral” (MARX, apud LUKÁCS, 1979: 19).
A permanente busca pela identidade profissional que ocorre mediante a renitente procura
pela “especificidade do serviço social”, cuja dificuldade é costumeiramente associada à
falta de delimitação mais precisa das atribuições da profissão na divisão sócio - técnica do
trabalho. Esse fato é facilmente identificado no interior das instituições e em atividades
desenvolvidas com equipes interdisciplinares. Essa assertiva aparece constantemente
nos relatos dos discentes nas atividades de ensino em disciplinas que tratam do ensino
da prática, tais como: Processo de Trabalho e Serviço Social, Estágio Supervisionado,
Oficina de Pesquisa, Trabalho de Conclusão de Curso e Projetos de Extensão e nos
depoimentos dos profissionais nos Fóruns de Supervisores de Campo. Embora
contraditória, a solução provisória encontrada para criar uma identidade profissional mais
12
Esta perspectiva já recebeu uma análise preciosa de Marilda Villela Iamamoto em 1992, nos termos da autora “(...) um
traço eclético marca essa aproximação das Ciências Sociais e da tradição marxista , traço que vai se desdobrar na
alimentação de preocupações cientificistas e metodologistas no campo da análise profissional . Isso se traduz no desejo de
alguns intelectuais de atribuir ao serviço social o status de ciência social em particular: um campo específico de saber,
capaz de erigir uma teoria própria, dispondo de um método próprio e de um objeto particular de conhecimento”.
IAMAMOTO, 1992:196.
7
precisa, não podemos ignorar que, os assistentes sociais que trabalham, por exemplo,
nas instituições de saúde dominam a terminologia médica com desenvoltura e, seguras
de que, com essa apropriação, sua relação com os usuários são mais consistente e
contundente, além da vestimenta branca que os dilui no âmbito institucional. No espaço
institucional no “campo” sócio – jurídico, também ocorrem fortes indícios de apropriação
do assistente social da terminologia jurídica, cujos fundamentos se balizam numa matriz
doutrinária fundada na punição, na criminalização, no moralismo, na coerção que
solidificam o status quo. Todos esses elementos se contrapõem às orientações do Projeto
Ético-Político da Profissão, cujos malabarismos teórico - prático reduzem a “questão
social” objeto de nossa intervenção. Destarte, a resistência em assimilar a atual proposta
para o ensino da prática é permeada por implicações de ordem ideopolítica que
contribuem para a afirmação e legitimidade do projeto societário neoconservador.
Acreditamos que a superação da orientação da disciplina de estágio que desfaça a
perspectiva de fracionar a realidade e as expressões da “questão social” e suas refrações,
em áreas temáticas, é a recuperação da centralidade do trabalho como categoria de
análise na sociedade burguesa. Portanto, essa concepção fragmentada ou fracionada da
realidade não sustenta o Projeto Ético-Político Profissional. Ao contrário, torna o serviço
social instrumental e funcional para a racionalidade do capitalismo.
Sob o ângulo do projeto de formação profissional legitima a subalternalidade do Serviço
Social na hierarquia do conhecimento porque é destituído de um arcabouço teóricoprático que elide a totalidade. Sem esses supostos torna-se inviável a consolidação do
Projeto Ético-Político Profissional nos moldes em que foi formulado. Embora sabedoras
dos limites transformadores de um projeto político formulado por agentes de uma
profissão, entendemos que a atual orientação teórica, caso persista, no ensino da prática
pode colaborar para que os avanços políticos desejados não sejam alcançados na
plenitude de seus propósitos. Ao contrário, ela será funcional à ordem do capital e à
contra-reforma do ensino superior (REUNI). Por outro lado, a proliferação de escolas
privadas e confessionais de serviço social corrobora para a sedimentação e o
abastardamento do conhecimento teórico – pratico. Fato que, redunda numa formação
profissional caucionada no reducionismo intelectual e restrito às demandas exclusivas dos
interesses e da lógica do mercado e, portanto, nos limites circunscritos da técnica
competente.
8
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