ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental III - 001 UM MODELO COMPUTACIONAL PARA SIMULAÇÃO DA PERCOLAÇÃO DO CHORUME EM UM ATERRO SANITÁRIO Marco Aurelio Holanda de Castro (1) Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará. Engenheiro Civil pela Universidade de Brasília (1986) M.Sc. em Engenharia Civil pela Universidade de New Hampshire, USA (1990). Ph.D. em Engenharia pela Universidade Drexel, USA(1994). Endereço(1): Centro de Tecnologia - Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental Campus do Pici - bloco 713 - Fortaleza - CE CEP: 60451-970 - Tel: (085) 288-9623 - Fax: (085) 288-9627 - e-mail: [email protected]. RESUMO O presente estudo consiste no desenvolvimento e teste de um modelo computacional para simulação da percolação do chorume em um aterro sanitário baseado na física do escoamento em meio não-saturado. O modelo é dividido em duas partes: no período de duração da precipitação, a primeira parte do modelo determina a posição da frente de saturação do chorume usando a teoria de GreenAmpt. A segunda parte do modelo tem seu início quando a precipitação cessa. Essa parte consiste na determinação da redistribuição do chorume através da solução numérica da equação geral para o escoamento em meio não-saturado (equação de Richard). O modelo foi testado com dados de um aterro sanitário localizado na cidade de Franklin, no estado de New Hampshire, EUA. A principal conclusão é que se os parâmetros de entrada necessários ao modelo, tais como a curva Tensão de Sucção vs. Conteúdo de água e a curva Condutividade Hidráulica vs. Conteúdo de água forem determinados com precisão, o modelo simulará uma hidrógrafa do chorume próxima da real. PALAVRAS -CHAVE: Aterro Sanitário, Chorume, Modelo Computacional. INTRODUÇÃO Uma parte importante no projeto e operação de aterros sanitários é o correto dimensionamento do sistema de drenagem para coleta do chorume (determinação do diâmetro e espaçamento 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1576 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental III - 001 entre os tubos). Para que este dimensionamento seja feito é necessário que, dada uma determinada precipitação, seja determinado o volume e a vazão com que o chorume atinge o sistema de drenagem, ou seja, é necessário a determinação da hidrógrafa do chorume resultante de uma precipitação sobre o aterro. (ver figura 1): PRECIPITAÇÃO (mm) PRECIPITAÇÃO COBERTURA TEMPO(hr) HIDRÓGRAFA DO CHORUME (mm/hr) LIXO COMPACTADO INFILTRACÃO E REDISTRIBUICÃO DO CONTEÚDO DE ÁGUA TEMPO (hr) SISTEMA DE DRENAGEM Figura 1: Esquematização da Percolação do Chorume em um Aterro Sanitário. O objetivo deste trabalho é desenvolver, testar e calibrar um modelo computacional que seja capaz de determinar esta hidrógrafa, a qual posteriormente será usada para dimensionar o sistema de drenagem do aterro sanitário. Primeira Parte do Modelo: Localização da Frente de Saturação do Chorume durante a Precipitação Esta parte é usa a teoria de infiltração de Green-Ampt. O modelo comporta a estratificação do solo em até 3 camadas e é baseada no trabalho de WOLFE, LARSON e ONSTAD (1). No momento de ocorrência do empoçamento de água na superfície, a taxa de infiltração, r [L/T], é igual a intensidade da precipitação, i [L/T]. Neste momento, a profundidade da frente de saturação é dada Lp [L] depende da camada onde a frente de saturação está localizada. Por exemplo, se a frente de saturação está localizada na segunda camada: Lp ? Ks2 Ks 2 ? onde ? f2 ? ? L1 L ? ? 1??? ?i ? i ? ? Ks1 Ks 2 ? ? f 2? ? (1) é o potencial de sucção médio da frente de saturação na segunda camada, K s 2 é a condutividade hidráulica do solo saturado na segunda camada, L1 é a espessura da camada 1 e ? i1 , ? i 2 , ? s1 e ? s2 são os conteúdos de água inicial e saturado da primeira e da segunda camadas, respectivamente. 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1577 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental III - 001 Antes de haver empoçamento de água, a taxa de infiltração é igual à intensidade da precipitação e a infiltração acumulada, num certo tempo t, é igual ao total acumulado de precipitação, F, até este tempo. Portanto, num determinado tempo t, a profundidade da frente de saturação, L, depende de qual camada a frente de saturação está localizada. Se a frente de saturação está localizada na segunda camada: L? F ? L1 ?? s1 ? ? i1 ? ? L1 ?? s 2 ? ? i 2 ? ? s2 ? ? i 2 (2) A decisão se haverá ou não empoçamento depende da comparação entre Lp, calculado pela equação (1) e L calculado pela equação (2). Se L > Lp em uma dada camada, então o empoçamento ocorrerá naquela camada. Quando a precipitação termina, a profundidade da frente de saturação define uma zona acima da qual o solo é considerado saturado ( ? ? ? s ) e abaixo da qual o solo mantém o conteúdo inicial de água ( ? ? ?i ). Após este momento, o conteúdo de água começa a ser redistribuído, fenômeno que é objeto da análise pela segunda parte do modelo. Segunda Parte do Modelo: Redistribuição do Conteúdo de Água Esta segunda parte foi desenvolvida com base no trabalho de RUBIN (2) e usa uma solução numérica por diferenças finitas para a seguinte equação, a qual rege o movimento da água em meio poroso não-saturado, conhecida como equação de Richard: ?? ? ? ?? ? ?K ? ?K ?? (3) ?t ? x ? ? x ? ? x onde: ? é o potencial de sucção do solo. Como ? é função de ? , o qual é função de x (sendo x a coordenada cartesiana de profundidade), a equação acima pode ser rescrita como: ?? ? ? ?? ?? ? ?K ? ?K ?? (4) ?t ? x ? ?? ?x ? ? x ?? O termo corresponde à declividade da curva ? ?? ? e é denominado de S [L]. ?? Assim a equação (4) fica: ?? ? ? ?? ? ?K ? ?K S ? ? (5) ?t ? x ? ?x ? ? x Neste ponto, é importante lembrar que o principal resultado da primeira parte do modelo é a profundidade L da frente de saturação. As condições de contorno e condições iniciais correspondentes ao resultado da primeira parte do modelo, descrito anteriormente são: Para t = 0 e x ? L, ? ? ? s . Para t = 0 e x > L, ? ? ? i . 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1578 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental Para t > 0 e x = 0, q ? ? K S III - 001 ?? ?K? 0 ?x Para t > 0 e x = ? , ? ? ? i . onde q é a taxa de escoamento (velocidade de Darcy), na direção vertical. O primeiro passo para a solução numérica da equação acima é a discretização do eixo x e do tempo em pequenos intervalos incrementais ? x e ? t respectivamente. Assim para um determinado ponto x=j e t=n, a equação (6) é aproximada pela seguinte equação algébrica: ? Aj ? nj ?? 11 ? B j ? nj ? 1 ? Cj? nj?? 11 ? E j (6) onde: Aj, Bj, Cj e Ej são coeficientes que dependem do tempo e da profundidade. A equação (6) se constitui em um sistema tridiagonal de equações algébricas lineares cuja solução pode ser computacionalmente otimizada através de algoritmos que levam em conta a tridiagonalidade do sistema. As expressões para os coeficientes Aj, Bj, C j e Ej, assim como a solução numérica para o sistema (6) podem ser encontradas na tese de Mestrado de CASTRO (3) PARÂMETROS DE ENTRADA A condutividade hidráulica do solo saturado (Ks ) e a relação de K em função de ? foram obtidos através do uso do permeâmetro do tipo “Guelph”. Para maiores detalhes a respeito do permeâmetro e seu funcionamento, assim como detalhes a respeito do teste realizado em campo, consultar a tese de mestrado de CASTRO (3). Os resultados foram: Ks = 0,00238 cm/s e ? K ? 0,00238 e0 ,0602 ?5 ,440 ? 2 ,198 / ? ? ? (7) onde: K é dado em cm/s. O gráfico da função acima é apresentado a seguir. 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1579 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental III - 001 Ks = 0,00238 cm/s 0,0025 0,002 K (cm/s) 0,0015 0,001 0,0005 0 0,01 0,06 0,11 0,16 0,21 0,26 0,31 0,36 0,41 Conteúdo Volumétrico de água, ? Figura 2: Curva K vs. ? usada para o Aterro Sanitário de Franklin, NH. EUA. Um outro importante parâmetro do aterro para este estudo, a relação entre o potencial de sucção ? e o conteúdo de água ? foi obtida através do uso de tensiômetros. O tensiômetro é um aparelho que medem o potencial de sucção em um solo não-saturado. Ele se consiste de um tubo preenchido com água no qual em uma das extremidades existe uma cápsula porosa através da água a água pode escoar até atingir um equilíbrio com a umidade do solo: Vácuo -d d Cápsula porosa REFERENCIAL Figura 3: Esquematização de um Tensiômetro. A medida que a água escoa através da cápsula porosa, um vácuo é estabelecido na extremidade superior. Este vácuo é determinado por um medidor de pressões (ver fig. 1). O valor de ? na profundidade da cápsula porosa é água a leitura da pressão negativa do medidor (em cm de água) mais altura da coluna de água (d). 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1580 III - 001 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental Devido a dificuldades inerentes ao tipo de material (resultante de incineração prévia do lixo) do aterro sanitário situado em Franklin, nos EUA, usado para teste, calibração e simulação do modelo , a curva ? vs. ? usada foi obtida através do uso do tensiômetro em um solo arenoso do campo de experimentos hidrológicos da Universidade de New Hampshire, cujo Ks é 2 ,198 próximo do Ks do aterro de Franklin. A curva obtida é a seguinte: ? ? 5,440 ? , cujo ? gráfico é o seguinte: ? Potencial de Sucção ? (cm) Conteúdo de água: Conteúdo de ? ??? ???? ???? ???? ???? Figura 4: Curva ? vs. ? usada para o Aterro Sanitário de Franklin, NH. EUA.. Teste do Modelo A empresa que construiu e administra o aterro sanitário de Franklin (CMA Engineers Incorporated) dispõe de dados de vazão no sistema de drenagem do aterro os quais foram usados para testar o modelo computacional previamente apresentado. A precipitação usada no teste ocorreu no dia 2 de Outubro de 1989. O total precipitado foi de 0,9 polegadas e a duração foi de 7 horas. O ietograma desta precipitação é o seguinte: 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1581 III - 001 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental 0,2 Precipitação (Poegadas) 0,15 0,1 0,05 0 1:00 2:00 3:00 4:00 5:00 6:00 7:00 Tempo (Horas) Figura 5: Ietograma da precipitação usada para teste do modelo. A hidrógrafa do chorume resultante da simulação do modelo computacional e também a hidrógrafa medida no sistema de drenagem do aterro de Franklin serão apresentadas a seguir: Vazão do Chorume (Galões/dia) 35000 30000 25000 Simulação do Modelo 20000 15000 Vazões medidas 10000 5000 0 0 5 10 15 20 25 30 35 Horas após a precipitação Figura 6: Resultados do Modelo e vazões medidas no Aterro de Franklin. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Pode-se notar comparando os resultados do modelo com as vazões medidas que a vazão máxima prevista pelo modelo (28.175 galões por dia) ficou muito próxima da vazão máxima medida (32.500 galões por dia). O erro, nesse caso foi de 13,3 %. Este resultado é muito 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1582 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental III - 001 importante pois é a vazão máxima que é usada para dimensionamento do sistema de drenagem (determinação do diâmetro dos tubos, suas declividades e o espaçamento entre eles). Além disso, pode-se observar que o intervalo de tempo para atingir o ponto de vazão máxima também foram muito similares (apenas uma hora de diferença). Observou-se que o total de chorume simulado pelo modelo até 24 horas após a precipitação foi de 0,34 polegadas enquanto que o total medido nesse mesmo período foi de 0,39 polegadas, o que daria um erro de 15,4 %. Nossa opinião é que as principais fontes de imprecisão do modelo estão na determinação dos parâmetros de entrada e são: - O fato de que a curva ? vs. ? usada no modelo não foi medida no aterro sanitário. O material que compõe um aterro sanitário ser, por natureza, muito heterogêneo e anisotrórpico, assim, é de se esperar erros decorrentes desta característica. 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1583 ABES - Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental III - 001 CONCLUSÕES Uma das principais dificuldades de se aplicar o modelo proposto para simulação da percolação do chorume em um aterro sanitário é a determinação precisa dos parâmetros de entrada críticos (as curvas ? vs. ? e K vs. ?) devido ao fato de que o lixo ou a cinza resultante da incineração do lixo serem materiais extremamente heterogêneos e anisotrópicos. Desta forma as funções acima citadas devem ser periodicamente determinadas no aterro através de medições usando tensiômetros e permeâmetros e uma análise estatística desses resultados poderia levar a uma maior precisão nos resultados do modelo. Apesar das dificuldades acima citadas, a simulação usando o modelo previu com razoável precisão a vazão máxima medida no aterro e o tempo para se atingir esta vazão. Desta forma, para efeito de dimensionamento do sistema de drenagem, este modelo pode ser considerado promissor, entretanto, outros testes deste modelo, principalmente em aterros sanitários no Brasil, se fazem necessários para se atestar sua validade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. WOLFE, M.L., LARSON, C. L., ONSTAD, C.A. Hydraulic Conductivity and GreenAmpt infiltration modeling for tilled soils. American Society for Agricultural Engineering, V. 31, p. 1135-1140, 1988. 2. RUBIN, J. Numerical Method for Analyzing Hysteresis-affected post-infiltration redistribution of moisture content. Soil Science Society Am. Proceedings, V. 31, p. 1320, 1967. 3. CASTRO, M.A.H.C. Real Time Landfill Leachate Generation Simulation Model, 1990. Dissertação de Mestrado-Departamento de Engenharia Civil-Universidade de New Hampshire, USA, 1990. 19o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1584