METODOLOGIA DA PESQUISA NA ELABORAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL Iuri Vasconcelos Barros de Brito* SUMÁRIO: 1. Sociedade, Direito e paz social. 2. Formas de solução de conflito. 3. Do advogado. 4. Método para elaboração da petição inicial. 5. Considerações finais. 6. Referências . RESUMO: O presente artigo trata da aplicação da metodologia da pesquisa para elaboração da petição inicial. Palavras-chave: Método. Pesquisa. Petição. Advogado. Processo Civil. ABSTRACT: This article deals with the application of the methodology of the research for developing the Claim application Keywords: Method. Search. Petition. Lawyer. Civil Procedure. 1. SOCIEDADE, DIREITO E PAZ SOCIAL A vida humana que conhecemos modernamente é a vida humana em sociedade, verdadeiro conviver. Ordinariamente, sequer é possível imaginar a vida humana sem o pano de fundo da sociedade. Esse conviver humano em sociedade pressupõe a existência de um poder político e de um sistema jurídico. Como diz Wilson Alves de Souza, o “sistema político e o sistema jurídico existem integrados, de maneira que quem detém o poder diz o que é o direito e impõe coercitivamente o que decidiu estabelecer como direito”1. A produção do direito, portanto, sempre foi reservada, e sempre o será, aos que, no grupo, se mostrem aptos a monopolizar o uso legítimo da força. Tenham sido eles os chefes de família gregos ou romanos, o patriarcado ou a aristocracia, a burguesia ou os estamentos burocráticos dos partidos únicos, se hegemônicos, monopolizarão o processo de produção do Direito2. É certo igualmente afirmar que o direito produzido e estabelecido para regular a vida em sociedade é resultado direto da tensão entre as forças dos fatores reais de poder, entendidos * Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Advogado. 1 SOUZA, Wilson Alves de. Acesso à justiça e responsabilidade civil do Estado por sua denegação: estudo comparativo entre o Direito brasileiro e o Direito português. Trabalho de pesquisa como parte integrante de actividade de pós-doutoramento na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra 2006, p. 20. 2 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro : Forense, 1999, p. 93. tais fatores como sendo “a força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas vigentes” 3. Assim, aos grupos sociais detentores dos fatores reais de poder interessa alcançar e preservar a paz social indispensável à convivência em sociedade, paz social essa, que, em última análise, poderia ser alcançada se a todos fosse possível realizar voluntariamente aquele direito produzido e estabelecido exatamente para regular a conduta de todos. Era o que, de certa forma, defendia José Joaquim Calmon de Passos4: [...] Para se ter direito, basta a força. Para se ter dever, a ética é imprescindível. Dissociar-se o direito do mero exercício da força de que se dispõe só é possível se este direito for pensado em função do dever (limite, regramento) imposto ao direito natural do outro de exercitar o diferencial de poder de que dispõe. [...] Tenho como igualmente expressivo lembrarmos, por exemplo, como foram formulados os mandamentos do decálogo judaico. Antes de se mencionar o direito à vida, enfatizava-se o dever de não matar. Antes de se realçar o direito de propriedade, acentuava-se o dever de não cobiçar as coisas alheias e de não furtar. Sempre a centração no dever, cujo fundamento não se situava em algo inerente ou referível aos homens, como portadores de “dignidade” que os legitimaria a pretender algo em face do seu semelhante, sim imputado ao que era superior e transcendente ao pretensor e ao obrigado, ambos a este poder maior submetidos, como também submetido estava aquele a quem coubesse dizer o justo no caso concreto. Sabemos, no entanto, que a vida em sociedade sempre foi marcada por conflitos. Basta imaginar uma situação de “colisão ou confronto de vontades”5. Uma situação em que alguém acredita que um seu determinado “bem da vida”6 encontra-se ameaçado pela conduta de outrem, que, por sua vez, resguardadas as situações de má-fé, disputa o referido bem da vida por acreditar ter direito ao mesmo. Há conflitos porque o móvel da atividade humana – as necessidades experimentadas pelos homens – não logram plena satisfação em virtude dos muitos condicionantes que no particular operam. [...] A escassez dos bens, a interdependência dos homens, a indeterminação dos desejos e sua insaciabilidade são fatores que se casam para 3 LASSALE, Ferdinand. A Essência da Constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. Página 10/11. PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro : Forense, 1999, p. 95 e 97-98. 5 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro : Forense, 1999, p. 28. 6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 36. “Bens da vida são todas as coisas, situações ou mesmo pessoas que de algum modo possam ser objeto de aspirações e de direitos. As coisas são bens materiais (móveis, imóveis), as situações relevantes para o direito são bens imateriais (p. ex., a liberdade ou o estado de casado) e as pessoas podem ser objeto de uma relação jurídica, p. ex., quando se trata de sobre elas exercer o pátrio-poder ou a guarda. Falase em bens da vida porque é em relação a eles que, na vida comum e independentemente de qualquer atividade processual, os direitos são exercidos e as pretensões incidem (pretensão, no sentido de aspiração ou atitude mental endereçada à obtenção ou conservação do bem da vida)”. 4 determinar ocorram permanentemente conflitos na convivência social, cuja solução 7 se faz necessária, em nome da própria sobrevivência coletiva . Como, então, solucionar conflitos entre pessoas que acreditam ter o mesmo direito em relação a determinado bem? 2. FORMAS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO Em primeiro lugar, os conflitos podem ser solucionados pelos próprios interessados. Não estamos a falar ainda em autotutela, mas sim em composição mesmo de interesses contrapostos. Surgido o conflito, surgida a disputa sobre determinado bem da vida, nada impede que os próprios interessados abram mão de parte dos seus interesses para contornar o impasse e fazer desaparecer assim a disputa que por algum tempo e de certa forma abalou a harmonia social. É certo, por outro lado, que os conflitos poderiam ser resolvidos pela chamada autotutela dos próprios interesses. Ou seja, surgida a disputa, aquele que detivesse condição mais privilegiada, seja em termos de força econômica, seja em termos de força física, poderia impor sua vontade em detrimento da do outro. Fica claro, a essa altura, que permitir a autotutela dos próprios interesses como regra equivaleria a impossibilitar a vida em sociedade. Significaria ignorar que toda a convivência social somente foi e é possível em razão da institucionalização de regras de convivência que, por sua vez, têm como móvel exatamente impedir a desarmonia em sociedade. Ressalta Ovídio Baptista, que “a vedação da autotutela constitui inafastável pressuposto de formação de qualquer sociedade organizada; não haveria, portanto, necessidade de norma que a proibisse”8. De fato, conforme explicam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, quando o Estado passou a dispor de poder suficiente para proibir a autotutela, ou seja, para vedar “a realização das pretensões segundo o próprio poder do particular interessado”, ele, Estado, assumiu em contrapartida a obrigação de pacificar os conflitos surgidos em sociedade, 7 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo: julgando os que nos julgam. Rio de Janeiro : Forense, 1999, p. 38/39. 8 SILVA, Ovídio A Baptista da. Teoria Geral do Processo Civil/ Ovídio A Baptista da Silva e Fábio Gomes. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 34. ofertando “àquele que não podia mais realizar o seu interesse através da própria força o direito de recorrer à justiça, ou o direito de ação”9. Do quanto foi dito, extrai-se a constatação de que o Estado, ao proibir a autotutela, tornou-se devedor do meio através do qual o cidadão exercitará seu direito subjetivo real ou simplesmente afirmado. E este meio consistirá na prestação jurisdicional, que, antes de poder, constitui dever10. Vale lembrar, por oportuno, que é ao Poder Judiciário do Estado a quem incumbe a função jurisdicional, que é a “de aplicar o Direito aos casos concretos, a fim de dirimir conflitos de interesses”11. Nesse sentido, Wilson Alves de Souza12: A função jurisdicional se caracteriza pelo julgamento dos conflitos entre os cidadãos ou entre estes e o próprio Estado, ou pela remoção de obstáculos postos pela própria ordem jurídica envolvendo interesses das pessoas, como terceiro desinteressado (imparcial) e em caráter substitutivo. 3. DO ADVOGADO Assim, sendo vedada a autotutela e inexistindo possibilidade de compor amigavelmente o conflito, existirá a necessidade de se pedir “ao órgão judicial que tome determinada providência: declare a existência ou a inexistência de uma relação jurídica, anule este ou aquele ato jurídico, condene o réu a pagar tal ou qual importância, a praticar ou a deixar de praticar certo ato etc.”13. Importa lembrar, com base no que dispõe o art. 2º do Código de Processo Civil brasileiro, que “a atividade jurisdicional contenciosa exige, para ser exercida pelo Estado, a provocação do interessado”14. Em regra, todavia, aquele que se vê envolvido em um conflito não pode pleitear diretamente ao órgão judicial a adoção de uma das providências mencionadas acima. O Código de Processo Civil brasileiro, em seu art. 36, dispõe que “a parte será representada em juízo por advogado legalmente habilitado [...]”. A lei, portanto, exige “que a parte esteja representada em juízo por quem tenha capacidade postulatória”, conforme comentário de 9 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil: processo de conhecimento. v.2. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2008, p. 33. 10 SILVA, Ovídio A Baptista da. Teoria Geral do Processo Civil/ Ovídio A Baptista da Silva e Fábio Gomes. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 34. 11 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 2ª edição. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 43. 12 SOUZA, Wilson Alves de. Sentença civil imotivada: Caracterização da Sentença Civil Imotivada no Direito Brasileiro. Salvador: Editora JusPODIVM, 2008, p. 35. 13 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 20. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 10. 14 SILVA, Ovídio A Baptista da. Teoria Geral do Processo Civil/ Ovídio A Baptista da Silva e Fábio Gomes. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 238. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery ao referido artigo 36 do CPC. Quanto à dispensa da capacidade postulatória, esclarecem esses autores15: Nas causas de valor até vinte salários mínimos, não é exigida a capacidade postulatória nos juizados especiais cíveis (LJE 9º, caput), sendo necessária a presença do advogado apenas nas causas de vinte a quarenta salários mínimos e para interpor ou responder eventual recurso (LJE 41 §2º). Na justiça do trabalho o empregado pode reclamar pessoalmente, sem a necessidade de advogado (CLT 791 caput). Também não se exige a capacidade postulatória para a impetração de HC (CPP 654, caput, EOAB 1º. §1º). Para opor exceção no processo penal, há necessidade de capacidade postulatória (EOAB 1º I) restando derrogado parcialmente o CPP 98. Entendemos, a propósito, plenamente aceitável a exigência legal a respeito da assistência da parte por profissional especializado para poder pleitear em juízo. Embora a ninguém seja dado desconhecer a lei, conforme dispõe o artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, ordinariamente o senso comum a respeito da mesma não é suficiente para aplacar as inquietações que determinadas situações da vida causam em muitos de nós. Nada mais natural. Afinal, não bastasse a quantidade de leis existentes nas três esferas de governo e, ainda, a incessante produção legislativa16, por vezes não basta conhecer a letra fria da lei, sendo necessário interpretá-la adequadamente ou saber como os diversos tribunais a interpretam à luz dos fatos da vida. Lembra Eros Grau17 que não se interpreta a norma, mas apenas o texto normativo. As normas seriam o resultado da interpretação. Diz ele: A interpretação é, portanto, atividade que se presta a transformar textos – disposições, preceitos, enunciados – em normas. Daí, como as normas resultam da interpretação, o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto é, um conjunto de normas. Assim, não é recomendável que à parte seja permitido postular providência judicial sem a necessária assistência por advogado, inclusive para que o direito em foco seja adequadamente defendido, evitando-se o seu perecimento em razão da utilização indevida dos mecanismos jurídicos necessários à sua defesa. 15 NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação processual em vigor. 4ª edição. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 397. 16 É o que nos lembra, apenas no que diz respeito à Constituição da República, Fábio Periandro de Almeida Hirsch: “Mas a realidade normativa do País é que nossa Carta já possui mais de 300 artigos, dentre integrantes do corpo principal e componentes das Disposições Transitórias (que vêm sendo constantemente fomentadas pela adição de mais regras passageiras, que acabam por se perenizar diante das vicissitudes políticas de momento), sob o manto de 52 emendas constitucionais já efetivadas”. HIRSCH, Fábio Periandro de Almeida. O Poder Judiciário Brasileiro e a reforma pela Emenda n. 45/2004: Uma análise pelos olhos de Konrad Hesse e Ferdinand Lassale. In: DIDIER JR., Fredie, BRITO, Edvaldo e Bahia, Saulo José Casali (Coord.). A Reforma do Judiciário de acordo com EC n. 45/2004. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 104. 17 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobra a interpretação/aplicação do direito. 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. Página 23. Tanto isso é certo que muitas vezes os próprios operadores do direito, advogados inclusive, sentem necessidade de buscar orientação específica com um outro colega quando se vêem envolvidos em situações que demandem a intervenção do Poder Judiciário. Com efeito, tal como ocorre em outras profissões, apenas quem detém conhecimentos técnicos específicos mostra-se capaz de transmitir a necessária tranqüilidade para o encaminhamento de possíveis soluções para determinados problemas. Daí a necessidade de buscar orientação profissional específica. O advogado, no entanto, por mais que acredite na verdade do seu cliente e por mais que se mantenha “adequadamente atualizado da lei, da doutrina e da jurisprudência”18, certamente necessitará proceder a uma pesquisa que o auxilie a postular a solução que melhor atenda aos interesses do seu constituinte. 4. MÉTODO PARA ELABORAÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL Segundo José Carlos Barbosa Moreira, “instrumento da demanda, no sistema do Código, é a petição inicial, em que o autor formula por escrito o pedido”19. Para tanto, vale dizer, para dar início à elaboração da petição inicial e formular o pedido de providência judicial, entendemos que o profissional da advocacia deve adotar comportamento que o conduza à certeza de que aspecto algum irá ficar de fora do encaminhamento da solução do problema do seu cliente. Mas que aspectos abordar? Como saber que se esgotou o assunto? Qual o ponto de partida da pesquisa e qual o seu ponto final? Quando, finalmente, dar-se por satisfeito? È certo, a essa altura, que algum conhecimento o profissional contratado terá acerca das possíveis soluções jurídicas para o problema que lhe foi apresentado pelo cliente. A só postura de levar a causa ao judiciário é sinal disso. Trata-se de um técnico que deve dispor de conhecimento ao menos superficial sobre a matéria. E ainda bem que é assim. Afinal, tal como afirma Mario Bunge20, não é possível formular uma pergunta sem um certo conhecimento sobre o perguntado. Só sabendo algo a respeito é 18 DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance. São Paulo: LTr Editora, 1999, p. 34. 19 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 20. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1999, 10 20 BUNGE, Mario. La investigación científica. Barcelona: Ariel, 1985, p. 19. possível perceber que ainda falta algo. A mesma idéia é defendida por Merleau-Ponty, que afirma ser necessário saber o que procuramos, “sem o que não o procuraríamos”21. É então exatamente esse conhecimento prévio que permite ao profissional encarregado de elaborar a petição inicial, ir em busca de mais conhecimento para atacar, não podemos esquecer, o problema cuja solução ele se encarregou de pleitear junto ao Judiciário. Essa busca por mais conhecimento para solução do problema trata-se, em nosso sentir, de sintoma da “tensão entre conhecimento e ignorância” de que nos fala Karl Popper. Entende este autor que existe uma “tensão entre conhecimento e ignorância”, e que quanto mais conhecemos mais discernimento temos de que realmente nada conhecemos22. Isto dá uma nova virada na idéia socrática de ignorância. A cada passo adiante, a cada problema que resolvemos, não só descobrimos problemas novos e não solucionados, porém, também, descobrimos que aonde acreditávamos pisar em solo firme e seguro, todas as coisas são, na verdade, inseguras e em estado de alteração contínua.23 Para Popper, o conhecimento começa em razão de problemas. Para ele, não há conhecimento sem problemas, sendo que problemas práticos conduzem a especulações e, portanto, a problemas teóricos24, que, por sua vez, segundo entendemos, é o que vai permitir o encaminhamento das soluções possíveis. É o que nos ensina Popper: [...] Portanto, o método da ciência consiste em tentativas experimentais para resolver nossos problemas por conjecturas que são controladas por severa crítica. [...] A assim chamada objetividade da ciência repousa na objetividade do método crítico. Isto significa, acima de tudo, que nenhuma teoria está isenta do ataque da crítica; e, mais ainda, que o instrumento principal da crítica lógica – a contradição lógica – é objetivo. [...] A tensão ente conhecimento e ignorância conduz a problemas e a soluções experimentais. Contudo, a tensão nunca é superada, pois revela que nosso conhecimento sempre consiste, meramente, de sugestões para soluções experimentais. Assim, a própria idéia de conhecimento envolve, em princípio, a possibilidade de que revelar-se-á ter sido um erro e, portanto, um caso de ignorância. E a única forma de “justificar” nosso conhecimento é, ela própria, meramente provisória, porque consiste em crítica ou, mais precisamente, no apelo ao fato de que até aqui nossas 25 soluções tentadas parecem contrariar até nossas mais severas tentativas de crítica. Assim, entendemos que na pesquisa voltada à elaboração da petição inicial, deverá o advogado sujeitar eventual solução encontrada à severa crítica. Deverá confrontá-la com todas as outras de modo a certificar-se ser ela a adequada, a ponto de resistir à critica das demais soluções possíveis. 21 MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 56. 22 POPPER, KARL. Lógica das Ciências Sociais, op. cit., p. 14. 23 Ibidem. p. 13. 24 Ibidem. p 14/15. 25 Ibidem. p. 16. Mas como proceder para encontrar as soluções possíveis? Qual o método de pesquisa que o profissional da advocacia poderá adotar para ter certeza de que nada lhe escapará no universo na matéria em estudo? O método traçado por René Descartes26 “para alcançar o conhecimento de todas as coisas das quais” o seu “espírito fosse capaz”, amparado, basicamente, nas regras ou preceitos a seguir expostos, nos oferece uma idéia do caminho a seguir: O primeiro consistia em nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que eu não conhecesse evidentemente como tal, isto é, em evitar, com todo cuidado, a precipitação e a prevenção, só incluindo nos meus juízos o que se apresentasse de modo tão claro e distinto ao meu espírito, que eu não tivesse ocasião alguma para dele duvidar. O segundo, em dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possível e necessários para resolvê-las. O terceiro, em conduzir por ordem os meus pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para chegar aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo também, naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros. E o quarto, em fazer, para cada caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a certeza de não ter omitido nada. Quem nos aponta caminho semelhante é Mario Bunge. Este autor entende método como um procedimento para tratar um conjunto de problemas. Para ele, cada classe de problemas requer um conjunto de métodos ou técnicas especiais27. Entende também, o referido autor, que um procedimento padrão pode ser comum a toda investigação, com o que apresenta uma série ordenada de operações a serem empreendidas pelo cientista, as quais, em uma tradução livre, são as seguintes: enunciar perguntas bem formuladas; arbitrar conjecturas, fundadas e contrastáveis com a experiência, para contestar as perguntas; derivar conseqüências lógicas das conjecturas; arbitrar técnicas para submeter as conjecturas à contraste ou confrontação; submeter à confrontação essas técnicas para comprovar sua relevância e a fé que elas merecem; concluir a confrontação e interpretar seus resultados; estimar a pretensão de verdade das conjecturas e a fidelidade das técnicas; determinar os domínios em que valem as conjecturas e as técnicas, e formular novos problemas originados pela investigação28. Nessa linha, Mario Bunge ensina que o método de investigação, para ser considerado científico, deve contar com determinadas regras básicas, as quais podem ser expostas da 26 DESCARTES, René. “Discurso do Método” e “Regras para a Direção do Espírito”. Tradução Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000, p. 31-32. 27 BUNGE, Mario. La investigación científica. Barcelona: Ariel, 1985, p. 24. 28 Ibidem. Op. cit., p. 25/26. seguinte forma (novamente em uma tradução livre): 1-formular o problema com precisão e, a princípio, especificamente; 2-propor conjecturas bem definidas e fundadas de algum modo; 3submeter as hipóteses a contrastes fortes; 4-não declarar verdadeira uma hipótese como satisfatoriamente confirmada; antes dizê-la parcialmente verdadeira; 5-perguntar-se porque a resposta é como é e não de outra maneira29. Certo de que deve possuir um método para enfrentar a tarefa a que se propôs, melhor que o advogado adote as regras básicas expostas acima, pois somente assim ele poderá ter certeza de que as etapas necessárias ao esgotamento da matéria foram cumpridas em sua integralidade. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS É enorme a responsabilidade do profissional encarregado de defender direitos e interesses de outrem em juízo. De um lado, e ainda bem que é assim, em regra a parte não pode fazer justiça com as próprias mãos. O Estado veda-lhe a autotutela e a obriga pleitear solução judicial do conflito. De outro lado, não pode a parte pleitear diretamente a órgão judicial a providência que necessita. Obrigada a buscar assistência junto a um profissional da advocacia, a parte confiará a este o encaminhamento da solução dos seus problemas, acreditando que o advogado fará tudo o que estiver ao seu alcance para lograr êxito. Segundo entendemos, pois, o advogado só fará tudo o que estiver ao seu alcance se adotar postura que o leve a elaborar a petição inicial de modo a não deixar escapar aspecto algum que importe à solução do litígio. Além de uma adequada compreensão dos fatos expostos pelo cliente, e de uma completa colheita de elementos que permitirão provar as alegações, o advogado deverá cercar-se de tudo quanto em doutrina foi escrito a respeito do assunto em foco. Deverá comparar as diversas teses a respeito do problema e saber os pontos fracos e fortes de cada uma delas, sabendo, se possível e sem prejuízo da argumentação, mesclar os aspectos positivos de umas e outras. Não poderá, outrossim, deixar de pesquisar a fundo a jurisprudência dos diversos tribunais a respeito da matéria. 29 Ibidem. p. 26-27. Por fim, convencido de que esgotou tudo quanto havia de ser pesquisado em doutrina e jurisprudência em torno do assunto, o advogado deverá sistematizar as idéias para poder expor, de forma ordenada, os argumentos que servirão ao convencimento do julgador. 6. REFERÊNCIAS BUNGE, Mario. La investigación científica. Barcelona: Ariel, 1985. CALAMANDREI, Piero. Eles, os juízes, vistos por um advogado. [tradução Eduardo Brandão]. São Paulo: Martins Fontes, 1995. DESCARTES, René. Discurso do Método e Regras para a Direção do Espírito. Tradução Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2000. DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance. São Paulo: LTr Editora, 1999. DIDIER JR., Fredie. BRITO, Edvaldo. BAHIA, Saulo José Casali (Coord.). A Reforma do Judiciário de acordo com EC n. 45/2004. São Paulo: Saraiva, 2006. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v.1. 6 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. GRAU, Eros Roberto. 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