PRECONCEITO RACIAL E O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA NA EDUCAÇÃO BÁSICA. FELIPE, Delton Aparecido Felipe/UEM/ [email protected] TERUYA, Teresa Kazuko,/UEM/ [email protected] EIXO: Educação e movimentos Sociais Agência Financiadora: sem financiamento RESUMO: Neste trabalho objetiva-se refletir acerca de um dos desafios que se apresenta neste início do século XXI aos profissionais da Educação Básica no Brasil, ou seja, o ensino de História da África e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas de nosso país, como também, expor algumas práticas pedagógicas possíveis para se pensar as relações étnico-raciais e a diversidade cultural do povo brasileiro. Para tanto, é importante o estudo da história da formação do povo e da sociedade brasileira, no sentido de compreender que este é fruto do encontro de etnias, oriundas de diferentes continentes, histórias e culturas. A história do povo brasileiro nos remete aos povos indígenas, aos colonizadores portugueses, aos africanos trazidos para o Brasil desde o período colonial e aos imigrantes que vieram para cá. A Lei 10.639, assinada em 09 de janeiro de 2003, pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, torna obrigatório o estudo da temática “História da África e cultura afro-brasileira” nas instituições de ensino no Brasil, dando visibilidade e uma reivindicação histórica do Movimento Negro, que desde o século passado luta pela cidadania dos ex-escravos e afrodescendentes. Palavras-chave: Educação Básica. Ensino de História. História da África e cultura afrobrasileira. Populações Africanas no Brasil Plantar cana, produzir açúcar, cultivar café, minerar ouro e diamante, trabalhar nos engenhos, nas fazendas e nas cidades, fazer ganho, vender comida, fabricar louça de barro, tecer pano, cestas e balaios, tudo isso traduz o ttrabalho, o conhecimento, as técnicas, as invenções e reinvenções de mais de 4 milhões de africanos que, por um largo período da história, co-formaram o Brasil (Raul Lody 2004, p. 43). Os europeus chegaram a América a partir do século XV, ao terem contato com o Novo Mundo procuraram explorar a riqueza humana, a fauna e a flora aqui existentes. Para empreenderem a política de colonização no continente americano exploraram as populações indígenas que aqui habitavam, submeteram estes povos à escravidão e desrespeitaram sua organização social e suas práticas culturais, impondo o eurocentrismo. Os portugueses ao efetivar a política de colonização trouxeram africanos de várias tribos da África para o Brasil, mas eles não eram considerados seres humanos, e sim, “mercadorias” a serem comercializadas e destinadas ao trabalho compulsório, submetidos ao regime de escravidão. A colonização portuguesa se efetivou no século XVI, principalmente após 1530. Assim, a coroa de Portugal estabeleceu o domínio sobre as terras brasileiras, antes que outra nação, movida pela ambição, o fizesse. Nesse processo de colonização, durante mais de trezentos anos, as populações africanas foram transformados em mão-de-obra compulsória para produzir a riqueza e o conforto dos senhores de escravos que compunha a classe dominante no Brasil. O tratamento dado pelos europeus às populações negras foi também pautado no eurocentrismo e etnocentrismo, que consideravam inferiores as múltiplas etnias constituídas pelos povos africanos, desrespeitando as práticas culturais e a história da África. Desde o período colonial, os africanos e os crioulos1 trabalharam em muitos espaços, tais como: nos engenhos, no interior das casas grandes, nas regiões de mineração e nos espaços urbanos das cidades. Eles desempenharam diversas atividades, tais como: a plantação da cana-de-açúcar ou outra atividade ligada ao processamento do açúcar, a mineração de ouro e diamantes, o plantio do café e cuidados com a lavoura do “ouro verde” brasileiro, entre outras atividades. Nas cidades, os africanos e os crioulos exerciam diferentes funções: serviam de carregadores; trabalhavam nos serviços domésticos, aprendiam ofícios e se tornavam carpinteiros, alfaiates, barbeiros, sapateiros e vendedores ambulantes e podiam ser também escravos da administração pública. “No século XIX, a maioria dos negros era levada para trabalhar nas plantações de café e para as cidades” (SOUZA, 2006, p. 89-90). Nas cidades haviam negros de ganho e canto. Os negros de ganho e canto eram comuns nas cidades do século XIX. Os negros de ganho trabalhavam ou prestavam serviços à sociedade, sendo uma atividade com remuneração. Eram atividades exercidas quase que exclusivamente por negros. “Eles faziam vendas de comidas, bebidas, animais, objetos artesanais; e além dos ofícios já citados, também eram carregadores de mercadorias e pessoas” (LODY, 2001, p. 19). O canto era determinação de atividade realizada por negros, em função de sua localização nas praças e ruas. Eles geralmente alugavam seus serviços como carregadores de mercadorias e pessoas. Quem era os negros de ganho e canto? Eram homens e mulheres africanos e crioulos, forros (libertos) ou alugados para prestação de serviços urbanos. “Os trabalhos realizados se revertiam em lucro para os senhores de escravos, que recebiam ganhos por dia de atividade pública” (LODY, 2001, p. 43). Os africanos e os crioulos contribuíram para a construção da sociedade e formação do povo brasileiro, juntamente com outras etnias, ao longo de várias 1 Negros nascidos no Brasil, podendo ser descendentes de africanos ou destes com outras etnias formadas pela miscigenação (SOUZA, 2006, p. 89–91) transformações do século XIX, tais como: a independência do Brasil em 1822; a organização do Estado nacional, que incentivou a política de imigração para o nosso país, e conseqüentemente, a substituição trabalho escravo pelo trabalho livre; a difusão da ideologia do branqueamento2, a abolição da escravidão em 1888; e o advento da República em 1889. Nestes acontecimentos históricos não foram incluídos os exescravos e afro-descendentes à sociedade, ao contrário, eles foram abandonados e excluídos socialmente. O sistema escravista acabou, mas a liberdade não propiciou as populações negras o acesso a terra, a moradia, a educação e aos bens materiais que circulam no país, para garantir uma vida digna. Os ex-escravos e afro-descendentes iniciaram uma nova luta para sobreviver às desigualdades sociais impostas e enfrentar o racismo na sociedade brasileira. Essa realidade determinou o surgimento do Movimento da Consciência Negra ao longo do século XX, com a finalidade de lutar pelos direitos da população negra e combater o racismo. Carneiro (1998, p. 56) salienta que desde 1910 já existia no Brasil uma pequena imprensa negra que se dedicava apenas a divulgar os acontecimentos sociais expressivos da comunidade negra. Entre os primeiros periódicos estavam o Bandeirante e Menelik. Somente após 1918 é que esses jornais assumiram uma atitude mais agressiva, passando para a fase de conscientização do negro, com denuncias das práticas de racismo3 no interior da sociedade, Dentre os movimentos organizados pela comunidade negra que surgiram no século passado, podemos destacar a Frente Negra Brasileira criada em 1931, como um grande movimento organizado do país; em 1978 surgiu o Movimento Unificado contra a Discriminação Racial, que em 1979 passou a ser denominado como Movimento da Consciência NegraUnificado; ambos lutam pela plena cidadania da população negra no Brasil (LODY, 2004). 2 Segundo Kanbegele Munakata (1999, p. 52) antropólogo e professor do departamento de antropologia da USP, a partir do fim do século XIX e meados do século XX, a ideologia elaborada pela elite brasileira tinha como fundamento as teorias raciais européias, acenando para possibilidade de branqueamento da população brasileira. Acreditava-se no nascimento de um povo genuinamente brasileiro, que resultaria da mestiçagem entre as três etnias. Um processo de mestiçagem que resultaria no desaparecimento diversidade étnica e cultural, ou seja, dos elementos não brancos. Assim, ocorreria uma homogeneização da sociedade brasileira, formando a predominância cultural e biológica branca. CASE AAS ASPAS 3 Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro (1998, p.06) professora do departamento de História da USP, o Racismo é muito mais que apenas discriminação ou preconceito racial, é uma doutrina que afirma haver relação entre as características raciais e culturais e que algumas raças são por natureza, superiores a outras. As principais noções teóricas do racismo moderno derivam das idéias desenvolvidas por Arthur de Gobineau. O racismo deforma o conceito cientifico de raça, utilizando-o para caracterizar diferenças religiosas, líguidticas e culturais. Um outro desafio que se impôs ao povo negro na luta pela sua emancipação política e cidadania foi o de combater à difusão da idéia de democracia racial em nosso país, ou seja, a teoria de que havia no Brasil um congraçamento racial, o que expressaria relações harmônicas entre as diferentes etnias que deram e dão origem ao povo brasileiro, sendo ausentes de racismo e discriminação racial4. Nesta perspectiva, “os negros não tinham do que reclamar” (AUTOR, ano, página). Vale ressaltar que o Movimento da Consciência Negra ganhou força após o processo de redemocratização do Brasil na década de 1980, quando vários segmentos repensavam uma nação democrática e o reconhecimento da diversidade étnica na constituição do povo brasileiro. “Um marco na história deste período foi a Constituição Federal de 1988, que tornou o crime de racismo inafiançável” (MALERBA & BERTONI, 2001, p. 61- 63). A constituição Federal de 1988 declara no 5º artigo – que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” . Ainda declara no parágrafo XLII do mesmo artigo – “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei”. Neste sentido, a história nos revela que vivemos em um país onde a democracia racial é um mito5. O preconceito racial sempre esteve camuflada na imagem de um Brasil cordial, caracterizado pela presença de um povo pacífico, sem preconceito de raça e religião. Durante os 500 anos da história brasileira foi alimentada a idéia de que vivemos uma verdadeira democracia racial, apesar das visíveis desigualdades materiais e limitadas oportunidades destinadas aos negros, mulatos, índios e ciganos. A luta pela plena cidadania, o combate ao racismo e as práticas de discriminação racial não é um problema apenas da população negra, do afro-descendente ou do Movimento da Consciência Negra. Essa luta é de todos que combatem a desigualdade e 4 O racismo é um comportamento de aversão, ás vezes, do ódio em relação as pessoas pertencentes a um grupo étnico, observáveis no individuo como a cor da pele, o tipo de cabelo, entre outras características. Este é um conjunto de idéias e imagens sobre os grupos humanos, estabelecendo as diferencias e afirmando a existência de “raças superiores e inferiores”. A discriminação racial significa distinguir, diferenciar ou discernir as pessoas baseadas em um conceito biológico, pondo em prática o preconceito e o racismo (GOMES, 2005, p. 52 e 54). 5 Representação deturpada de fatos ou personagens reais que repetida constantemente, leva elaborar uma interpretação falsa de um momento histórico ou de um grupo social. O mito induz a acreditar numa realidade que não é verdadeira (CARNEIRO, 1998, p. 05) exclusão social, para lutar por uma sociedade democrática fundada no respeito à diversidade étnica, cultural, social e econômica. Nessa luta contra o racismo e a favor de uma sociedade composta por diversas culturas, a formação de professores para atuar na educação escolar é imprescindível. A escola, em cada momento histórico, constitui-se uma expressão e uma resposta à sociedade na qual esta inserida. Nela reflete uma porta de entrada para construção de um Brasil, onde convivem as diversas influências que caracterizam a formação do nosso povo. Nesta perspectiva, a aprovação da lei 10.639 de 09 de Janeiro de 2003, assinada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, representa um grande passo para a construção de uma sociedade com base real calcada na democracia racial. A lei 10.639, o ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica Precisa o Brasil, país multi-étnico e pluricultural, de organizações escolares que todos se vejam incluídos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem ser obrigados a negar a si mesmos ao grupo étnico/racial a que pertencem e a adotar costumes, idéias e comportamentos que lhes são adversos. (Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial (SEEPIR). Brasília – DF, jun. 20056). A diversidade étnico-racial, cultural, social e econômica está presente na sociedade brasileira e manifesta-se nas escolas de nosso país, tanto nas públicas como nas privadas. Não se pode mais negar esta realidade nas salas de aulas das instituições de ensino. Essa realidade nos leva a fazer alguns questionamentos, os quais norteiam a reflexão acerca de nossa prática pedagógica: Qual é a prática pedagógica a ser elaborada para que a diversidade seja discutida, estudada e respeitada na escola? Quais as contribuições que os professores podem oferecer à formação de cidadãos conscientes de suas próprias histórias e das histórias das diferentes etnias que formaram e continuam a formar o povo brasileiro? Como trabalhar o ensino de história da população negra no Brasil, sem se limitar apenas em associá-la a escravidão? Como abordar a diversidade étnico-racial e cultural que há no Brasil e dar visibilidade ao ensino da história da África e a Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica? 6 Ver Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História África e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2005, p. 18). A lei 10.639, de 09 de janeiro de 2003, deu visibilidade a uma reivindicação histórica do Movimento da Consciência Negra no Brasil. O artigo 26 - declara que “nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino da História da África e cultura afro-brasileira”. O artigo 79–B “o calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’”7. Essa lei federal propiciou a ampliação da discussão e estudo sobre a História da África e cultura afro-brasileira nas instituições de ensino brasileiras. Isso significa repensarmos nossas práticas pedagógicas na sala de aula, e mais, repensarmos nossa história, para resgatar os ancestrais de origem africana, a fim de conhecermos melhor a história das populações africanas que ajudaram a construir a nossa sociedade. Além disso, a inclusão do dia 20 de novembro para compor o calendário escolar, data da morte do Zumbi do Quilombo dos Palmares, um dos ícones da resistência negra frente à dominação branca no período colonial, revela nos uma outra maneira de se pensar as relações étnico-raciais na escola para combater a educação eurocêntrica. Esta data já é comemorada pelo Movimento da Consciência Negra e comunidade negra, e alguns estados como o de São Paulo, no calendário escolar, com o intuito de valorizar a história de seus ancestrais. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História África e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2005, p. 18-20) orientam os professores na busca de referência às bases teóricas para promover: • Consciência política e histórica da diversidade; • Fortalecimento das identidades e de direitos; • Ações educativas de combate ao racismo e as discriminações. Para pôr em prática uma ação educativa com base nestes princípios é preciso repensar a nossa cultura e modificar a nossa visão sobre a cultura do outro. É preciso respeitar os costumes, as instituições e as tradições culturais dos diferentes grupos étnicos que formam a nossa sociedade. Por isso, estabelece que a temática de estudo destacada pela Lei 10.639 determina: • O ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, evitando-se as distorções, envolverá articulação entre passado, presente e futuro no 7 A Lei 10.639 altera a Lei 9.394 de 20 de Dezembro de 1996, para ler o texto completo da Lei 10.639 ver: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História África e Cultura Afro-Brasileira e Africana, BRASILIA – DF, 2005, p. 35. ensino escolar levando em consideração as experiências, as construções e os pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro. É um meio privilegiado para a educação das relações étnico-raciais e tem por objetivos o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura afro-brasileira, garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicoraciais e para o Ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira e Africana buscam elucidar os caminhos que se pode trilhar para repensar as práticas pedagógicas na Educação Básica, dando visibilidade no currículo escolar à história da África e das populações africana e afrodescendente no Brasil. A Educação Básica é formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio, que “tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. FONTE Não basta apenas rever o currículo escolar da Educação Básica. É preciso também que as instituições de Ensino Superior repensem suas práticas educativas, para que formem profissionais da Educação habilitados a trabalhar com a temática da História da África e Cultura Afro-Brasileira nas escolas. O que se percebe é que mesmo depois de quatro anos da aprovação da Lei 10.639 de 09 de Janeiro de 2003, a maioria das instituições de ensino superior de nosso país ainda não se conscientizou, e manifestam não perceber a relevância de formar profissionais capazes de trabalhar a diversidade étnico-cultural na sala de aula. Isso significa a urgência de se repensar as instituições de ensino de nosso país da Educação Básica ao Ensino Superior, caso contrário a Lei 10.639 se tornará letra morta, como alerta o artigo “A Lei fica no papel e a escola pública não ensina história da África” escrito por Beatriz Camargo em 22 de Novembro de 2006 que analisa uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Ceafro-UFBA) em parceria com Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e Movimento Interforuns de Educação Infantil do Brasil (Mieib). Ela afirma que as pesquisas realizadas em três capitais8 brasileiras sobre a formação de professores para o Ensino da História Afro-brasileira e africana continua ineficiente, em três anos após a aprovação da lei. Maria Luiza Passos, educadora do Ceafro9 que acompanhou a pesquisa em Salvador, ressalta que a maioria dos professores não teve acesso a um conteúdo aprofundado sobre África nas escolas e faculdades, fato que dificulta a aplicação do tema. Ela lembra que: "Até há pouco tempo, nós estudávamos Egito como se fosse fora da África. [...] Queremos uma formação de qualidade em todos os níveis, que traga a percepção de África enquanto berço civilizatório da humanidade. Não é só para falar do continente pela musicalidade e culinária, porque no Brasil isso vem sendo feito há quase 500 anos...”.( GOMES, 2005,p.41) A diversidade étnica e cultural na sala de aula Ainda que a escola sozinha não seja capaz de reverter anos de desqualificação da população negra e supervalorização da população branca, em longo prazo ela pode desempenhar um importante papel na construção de uma nova cultura, de novas relações que vão além do respeito às diferenças. Possibilitando que todas as vozes possam ecoar no espaço escolar, chegar-se à consciência de que é na diversidade que se constrói algo novo. (Isabel Aparecida dos Santos 2001, p. 102). Para a educadora Isabel Aparecida dos Santos (2001, p. 106-107), a escola pode favorecer ao educando o conhecimento de si mesmo e do outro, a partir da promoção de situações de discussão, de diálogo e de questionamento. Os professores devem romper com com “o silêncio a que foram relegados negros e índios na historiografia brasileira, para que possam construir uma imagem positiva de si mesmos”. Ela ainda expõe que o desafio apresentado aos profissionais da Educação é o de como trabalhar para a construção de uma teoria e de uma prática pedagógica que 8 A pesquisa foi aplicada em Salvador – BA, São Paulo – SP e Belo Horizonte – MG. A pesquisa está sendo finalizada e seu lançamento está previsto para março de 2007. Os objetivos são: abordar os pontos como a diferença entre as três capitais no tratamento da questão racial e analisar as possibilidades e os limites para a implementação da lei 10.639. 9 O Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO) é um órgão suplementar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA), criado em 1959 para o estudo, a pesquisa e ação comunitária na área dos estudos afro-brasileiros e das ações afirmativas em favor das populações afro-descendentes, bem como na área dos estudos das línguas e civilizações africanas e asiáticas. Sem sentido. permitam o estudo, a valorização e o respeito à diversidade étnica e cultural no cotidiano escolar (SANTOS, 2001, p. 112). Enfrentar esse desafio implica em rever a nossa mentalidade e nossas formas de pensar o eu e o outro, para iniciar o diálogo e discussão sobre o racismo, as práticas de preconceito racial, ou seja, as relações étnico-raciais no Brasil e no espaço escolar. Segundo Nilma Lino Gomes (2005, p. 54-55), o preconceito manifesto pelas pessoas não é inato. Ele é aprendido socialmente, pois nenhuma criança nasce preconceituosa. O preconceito é aprendido ao longo de sua trajetória de vida, podendo se manifestar em diferentes esferas da vida social, ou seja, na família, na vizinhança, na escola, na igreja, no círculo de amizades, nas instituições entre profissionais, nas comunidades e nos movimentos sociais e políticos. Desta maneira, todo profissional comprometido com uma Educação pautada na construção de uma sociedade democrática, livre de preconceitos raciais, deve contribuir para viabilizar uma ação pedagógica fundamentada no respeito e no conhecimento da história e da cultura de múltiplos grupos étnicos que formaram e formam o povo brasileiro. Para isso, é necessário combater veemente a concepção de mundo baseada no eurocentrismo e no etnocentrismo, porque são manifestações ideológicas que desvalorizam e inferiorizam a história e a cultura dos povos não brancos. A escola é um dos espaços de socialização do conhecimento e de sociabilidades entre as pessoas, portanto, uma das instituições que pode contribuir para a desconstruir o discurso racista e por meio de estudos focados na história e cultura de nossos ancestrais africanos. O diálogo, a discussão e o debate acerca das relações étnico-raciais no âmbito escolar mobiliza as relações que são estabelecidas entre o eu e o outro. Repensar a diversidade cultural das múltiplas etnias que convivem na sociedade brasileira exige uma reflexão sobre as diversas identidades que há em nosso país, para além da identidade nacional que associa o povo ao país do samba, carnaval e futebol. As múltiplas identidades juntamente com seus esteriótipos foram construídas socialmente ao longo do processo histórico, a partir da família e ancestrais, história e práticas culturais. Pensando nessa direção, sugerimos algumas atividades pedagógicas para serem desenvolvidas na Educação Básica, a fim de abordar a diversidade étnica e cultural que há no Brasil (e que está presente na sala de aula), no sentido de dar visibilidade à história das populações africana e afro-brasileira: 1. ATIVIDADE: Literatura brasileira: “Menina bonita do laço de fita” de Ana Maria Machado. • Contar a história aos alunos; • Destacar que a menina do livro de literatura tem origem africana, a tradição cultural de arrumar os cabelos com tranças e dos ornamentos do corpo; • Identificar no mapa Mundi ou no globo terrestre, o local onde vivemos (país/continente) e o continente da África; • Solicitar aos alunos que desenhem, falem ou escrevam (produção de texto) sobre a parte da história que mais gostaram; • Explicar aos alunos que os diferentes tipos de cabelo caracterizam a diversidade étnica que há em nosso país, e destacar os cuidados necessários para cada tipo de cabelo; • Levar uma trançadeira ou cabeleireira a escola para incentivar os alunos a cuidar dos cabelos; • Organizar desfile de penteados e vestimentas que representam a diversidade étnica do povo brasileiro, dando visibilidade à cultura afrobrasileira (selecionar músicas que represente cada grupo étnico e cultura apresentada). • Incentivar os alunos a pesquisar sobre as (os) bonecas (os) vendidas (os) nas lojas brasileiras, dando visibilidade à boneca negra; • Questionar os alunos: Será que as (os) bonecas (os) vendidas (os) nas lojas brasileiras representam a diversidade étnica do povo brasileiro?; • Confeccionar junto com os alunos, bonecas(os) de pano que representem a diversidade étnica do povo brasileiro (A escola poderia organizar uma brinquedoteca). 2. ATIVIDADE: Pesquisa sobre a origem da família dos alunos. • Depois de trabalhar o livro de literatura “Menina bonita do laço de fita”, solicitar aos alunos uma pesquisa sobre a origem de sua família; • Formular juntamente com os alunos as perguntas a serem feitas aos familiares sobre suas origens; não seria uma árvore genealógica; • Organizar o resultado da pesquisa sobre a origem da família dos alunos por meio da confecção de painel com desenhos ou fotos das famílias de cada aluno; • Destacar nas frases ou produções de textos (escritos pelos alunos) a origem familiar ou apresentá-lo por meio de seminário; • Solicitar aos alunos que organizem um livro (livreto) sobre a origem de sua família. • Destacar aos alunos que o povo brasileiro é fruto da diversidade étnica e cultural. 3. ATIVIDADE : Literatura brasileira: “Pretinha, eu” de Júlio Emílio Braz • Contar a história aos alunos ou incentivá-los a ler o livro todo (ou um capítulo que o professor selecionou para leitura e reflexão); • Promover um debate com os alunos sobre o racismo no Brasil e as múltiplas práticas de preconceito em nosso país; • Promover um debate com os alunos na sala de aula sobre o racismo e as múltiplas práticas de preconceito em nosso país; • Solicitar uma produção de texto sobre essa temática do debate realizado em sala de aula. Assim, as práticas pedagógicas sugeridas no âmbito escolar devem colaborar para o desenvolvimento da ação educativa na Educação Básica, que visem o incentivo ao estudo, a pesquisa e ao conhecimento das origens das famílias brasileiras, a fim de resgatar as histórias e práticas culturais de seus ancestrais e enriquecer o debate acerca do racismo no Brasil. Neste sentido, o trabalho docente é de extrema relevância. A elaboração de atividades com a literatura, a música, o cinema na sala de aula que evidencie a formação da sociedade brasileira pode se tornar profícua, assim como trabalhar com textos que têm como protagonistas personagens negros. Estas atividades possibilitam ampliar o debate sobre as relações étnico-raciais no Brasil e também destacar a tradição oral na cultura africana, tais como: falar sobre a origem da família de uma criança negra, que tem como ancestrais os povos africanos e incentivar o aluno a pesquisar sobre a origem de sua família, a fim de resgatar a memória social de seus ancestrais. Considerações finais A reflexão acerca do ensino de História, que aborda a temática da “História da África e cultura afro-brasileira” na Educação Básica, está em consonância com a preocupação em participar do debate relacionado a este novo desafio que se apresenta aos profissionais da Educação, e também apresentar algumas atividades pedagógicas que podem ser desenvolvidas na escola. Enfim, propor alguns caminhos para dar visibilidade à diversidade étnica e cultural da população brasileira, a história e cultura das populações africana e negra no Brasil, e, sobretudo, combater o racismo. A construção de um país democrático e livre do racismo não é tarefa apenas da escola, mas também da sociedade. Se quisermos por fim ao racismo, precisamos reeducar a nós mesmos, às nossas famílias e toda a comunidade escolar. Para isso, precisamos estudar, realizar pesquisas e compreender a história da África e da cultura afro-brasileira e, sobretudo, aprender a nos orgulhar da marcante, significante e respeitável ancestralidade africana no Brasil. Referências; BRAZ, Júlio Emílio. Pretinha, eu? São Paulo: Scipione, 1997. (Série Diálogo). CAMARGO, Beatriz. Lei fica no papel e a escola pública não ensina História da África. 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