Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
Notas sobre reacções redox nos seres vivos
Quando, para facilitar a aprendizagem, se classificam as reacções químicas em grupos, um dos
grandes grupos é o das reacções de oxi-redução.
A importância das reacções de oxi-redução nos seres vivos, e particularmente nos mamíferos,
fica evidenciada quando pensamos que uma grande parte do metabolismo diz respeito às
transformações que os nutrientes sofrem no organismo e que, globalmente, podemos entender estas
transformações como consistindo na oxidação dos nutrientes pelo oxigénio formando-se dióxido de
carbono e água. Por razões que se prendem com a organização das unidades curriculares de
Bioquímica daremos, aqui, particular atenção ao processo catabólico da glicose que leva à produção
de CO2 e H2O.
Índice
Notas sobre reacções redox nos seres vivos_______________________________________ 1
1-
Definição de reacções de oxi-redução _____________________________________ 1
2-
Na oxidação completa da glicose 24 electrões são transferidos para o O2 ________ 3
3-
O papel da cadeia respiratória na redução do O2 ____________________________ 5
4-
A relação entre diferença de potencial de eléctrodo e a razão Keq/QR ___________ 9
Anexo I – Oxi-redútases_____________________________________________________ 11
Anexo II – Reacções de oxi-redução não enzímicas com relevância biológica__________ 15
1 - Definição de reacções de oxi-redução
As reacções de oxi-redução costumam ser definidas como reacções em que um dos reagentes,
o oxidante, aceita electrões de um outro, o redutor. Um exemplo clássico é a oxidação do zinco
metálico pelo ião Cu2+ em que os electrões passam do zinco metálico para o ião cobre formando-se,
como produtos, cobre metálico e ião Zn2+. Uma outra definição faz apelo ao conceito de número de
oxidação (n.o.) dizendo que, nas reacções de oxi-redução, há variação do n.o. de um ou mais
elementos dos pares redox envolvidos na reacção. Assim, no exemplo em análise, o zinco metálico, ao
oxidar-se, aumenta o seu n.o. de zero para +2 enquanto o ião Cu2+, ao reduzir-se, diminui o seu n.o. de
+2 para zero. Uma forma de pôr em evidência a existência de uma reacção de oxi-redução é escrever
as semi-equações de eléctrodo relativas a cada um dos pares redox envolvidos. Para o caso da reacção
em análise a semi-equação de redução seria a equação 1 (relativa ao par redox Cu2+/Cu) e a semiequação de oxidação a 2 (relativa ao par redox Zn2+/Zn).
Cu2+ + 2e-  Cu
Zn  Zn2+ + 2e-
(1)
(2)
Em Bioquímica interessam-nos mais os compostos orgânicos que os inorgânicos e, aqui, o
conceito de n.o. dos elementos constituintes desses compostos orgânicos, nomeadamente o n.o. dos
carbonos, é, apesar de algo artificial, muito útil. Para determinar o n.o. de um elemento envolvido
numa ligação atribuem-se ao elemento mais electronegativo todos os electrões envolvidos nessa
ligação. (Tendo em conta os elementos que mais nos interessam alinhamos por ordem crescente de
electronegatividade: H<C<S<N<O). Um determinado átomo terá um n.o. negativo se, de acordo com a
regra acima definida, “recebe” electrões dos átomos vizinhos menos electronegativos: o valor
numérico corresponde ao número de electrões que “recebeu”. De forma simétrica, um determinado
Página 1 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
átomo terá um n.o. positivo se “perde” electrões para os átomos vizinhos mais electronegativos: o
valor numérico corresponde ao número de electrões que “perdeu”. Alguns exemplos destinados a
ilustrar esta ideia são apontados a seguir. No metano (CH4) o n.o. do carbono é –4 e o dos hidrogénios
é (como acontece na maioria dos compostos de que faz parte) +1. Nos casos do monóxido e do
dióxido de carbono o n.o. do oxigénio é (como acontece na maioria dos compostos de que faz parte) –
2 mas o do carbono é +2 no caso do monóxido e de +4 no caso do dióxido de carbono. O n.o. do
carbono do formol (ou metanal; H2CO) é zero: “perde” 2 electrões para o oxigénio mas “recebe” 2 dos
hidrogénios.
Quando um elemento de um determinado composto que reage aumenta o seu número de
oxidação dizemos que esse composto se oxida; dizemos que o composto se reduz na condição
contrária. Dizemos, por exemplo, que, na glicólise, a glicose se oxida a ácido pirúvico. O n.o. dos
oxigénios é –2 e o dos hidrogénios +1 em ambos os compostos, mas enquanto o n.o. médio dos
carbonos da glicose é zero, no caso do ácido pirúvico é +2/3 (Fig. 1).
Uma regra simples, aplicável à grande maioria dos compostos orgânicos, permite calcular o
n.o.
médio
dos
carbonos
conhecendo
apenas
a
sua
fórmula
molecular:
n.o. médio dos carbonos = [(O X 2) + (S X 2) + (N X 3) – H + carga da molécula] / C. No caso do
piruvato (C3O3H3-), por exemplo, o n.o. médio dos carbonos será [(3 X 2 – 3 – 1) / 3 = +2/3]. Notar
que, porque a carga eléctrica do anião piruvato é –1, o valor correspondente à carga assumiu um valor
negativo.
Nas
reacções
de
dissociação
(ou
associação)
protónica não há variação do
número de oxidação: as reacções
ácido-base não são reacções de
oxi-redução. Se tomarmos como
exemplo a dissociação de um
qualquer ácido carboxílico, vemos
que o electrão que “pertencia” ao
hidrogénio ligado ao oxigénio no
grupo carboxílico já estava
atribuído ao oxigénio onde se
Fig. 1: Número de oxidação dos carbonos em compostos
ligava antes da dissociação e que,
orgânicos.
quando o protão sai, o electrão
Cada uma das setas a vermelho representa um electrão ligante que,
que fica no anião continua
“pertencendo” ao átomo (na sua forma livre) de onde a seta parte ,
atribuído ao oxigénio. Ou seja o
foi atribuído, para efeitos de cálculo do número de oxidação, ao
elemento mais electronegativo.
n.o. do “hidrogénio” que se
dissocia é, em ambas as situações,
+1 e o do oxigénio é, também em ambas as situações, –2.
Fig. 2: Reacção catalisada pela enólase.
Nesta reacção ocorre variação do número de oxidação dos
carbonos 2 (aumenta de 0 para 1) e 3 (diminui de –1 para –2)
mas o número de oxidação médio mantêm-se.
Página 2 de 16
As reacções de hidrólise (AB +
H2O  AOH + BH), como as que
correspondem à acção das enzimas
digestivas, também não são reacções de
oxi-redução. Um exemplo é o caso da
hidrólise da maltose a glicose (maltose +
H2O  2 glicose). O n.o. médio dos
carbonos da maltose (C12H22O11) e da
glicose (C6H12O6) é zero nos dois casos; o
n.o. do oxigénio era –2 na H2O que reagiu
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
e continua a ser –2 na glicose que se formou; o n.o. do hidrogénio era +1 na H2O que reagiu e continua
a ser +1 na glicose que se formou.
Um exemplo que evidencia o carácter
convencional de uma qualquer classificação (em
que o caso das reacções de oxi-redução não é
excepção) é o caso das reacções de hidratação
(ou desidratação) como a que é catalisada pela
enólase (Fig. 2). Na glicólise, o 2-fosfoglicerato
transforma-se em fosfoenolpiruvato, libertandose água. O n.o. do carbono 2 do 2-fosfoglicerato
é zero e, no fosfoenolpiruvato, o n.o. do mesmo
carbono 2 é +1: quando atentamos no carbono 2
podemos considerar que o 2-fosfoglicerato se
oxidou. Contudo, se atentarmos no carbono 3
notaremos que o n.o. diminuiu de –1 para –2: de
acordo com isto consideraríamos, pelo contrário,
que o 2-fosfoglicerato se reduziu. Um terceiro
ponto de vista, que é o que é mais aceite, nota
Fig. 3: Processos oxidativos.
que o n.o. médio dos carbonos se manteve
Quando o etanol se oxida a acetaldeído e este a
invariante e que, portanto, a reacção catalisada
ácido acético, o no. de oxidação do carbono 1 passa
pela enólase não é uma reacção de oxi-redução.
de -1 a +1 e de +1 a +3. Quando o 2-propanol se
São exemplos de reacções de oxidação
oxida a acetona o n.o. do carbono 2 passa de 0 a +2.
Quando o succinato se oxida a fumarato os n.o. dos
os processos de conversão de álcoois em
carbonos 2 e 3 passam de -2 a -1. Quando 2
aldeídos ou cetonas. É o caso da conversão do
cisteínas se oxidam a cistina o n.o. dos átomos de
etanol (CH3CH2OH) em etanal (CH3CHO;
enxofre passam de -2 a -1. A perda de átomos de
também designado de acetaldeído; ver Fig. 3) ou
hidrogénio ou o ganho de átomos de oxigénio são
exemplos de oxidações.
do lactato (CH3CHOHCOOH) em piruvato
(CH3COCOOH). A conversão inversa de um
grupo aldeído ou cetona num grupo hidroxilo é, obviamente, uma redução.
Também são exemplos de processos oxidativos a conversão de um grupo aldeído num grupo
carboxílico (como acontece na conversão do etanal em ácido acético), a formação de ligações duplas e
a formação de grupos disulfureto a partir de grupos tiol (ver Fig. 2).
No Anexo I (ver página 11) são mostrados exemplos de reacções redox catalisadas por
enzimas (designadas de oxi-redútases) e no Anexo II (ver página 15) exemplos de reacções redox que
não são catalisadas por enzimas. Desses exemplos se poderá concluir que é frequente as reacções de
oxidação de compostos orgânicos poderem ser entendidas como correspondendo à perda de um ou
dois átomos de hidrogénio (um ou dois electrões e, o que é irrelevante no contexto, um ou dois
protões) ou ao ganho de um ou mais átomos de oxigénio.
Obviamente que, sempre que um composto se oxida há um outro que se reduz. O composto
que se reduz é o oxidante, ou seja, o que aceita os electrões. São exemplos de oxidantes com
relevância biológica o O2, o Fe3+, diversos dinucleotídeos (como o NAD+, o FAD e o NADP+) e o
mononucleotídeo de flavina (FMN).
2 - Na oxidação completa da glicose 24 electrões são transferidos para o O2
No metabolismo, a glicose e os outros nutrientes são oxidados levando à formação de CO2
sendo que o oxidante último, o aceitador final dos electrões, é o oxigénio. As equações 3 e 4 são,
respectivamente, as semi-equações de redução e de oxidação que correspondem à equação de oxidação
da glicose pelo oxigénio (a equação 5 é a equação soma):
Página 3 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
6 O2 + 24 e- + 24 H+  12 H2O
C6H12O6 + 6 H2O  6 CO2 + 24 e- + 24 H+
C6H12O6 + 6 O2  6 CO2 + 6 H2O
(3)
(4)
(5)
A diferença de potencial padrão (potencial redox, de eléctrodo ou de redução) entre os pares
redox O2/H2O e CO2/glicose é muito elevado (1,24 V). Isto significa que, em condições que se
definiram como padrão1, a forma oxidada do par com maior potencial (no caso, o O2) tem tendência a
oxidar a forma reduzida do par com menor potencial (no caso, a glicose). Se quisermos ser mais
precisos e atentarmos na equação de Nernst [Eº = (RT/nF) ln Keq ou Eº = (0,059 V/n) log Keq]2,
que relaciona a diferença de potencial padrão entre dois pares redox e a constante de equilíbrio para a
reacção acima referida, podemos calcular que a constante de equilíbrio para a reacção representada
pela equação 5 é da ordem de 10500 M-1, ou seja, a reacção tem tendência termodinâmica para evoluir
até ao esgotamento do reagente limitante. Este facto poderia levar-nos a pensar que a reacção de
oxidação da glicose poderia evoluir por transferência directa de 24 electrões da glicose para o
oxigénio. Embora tal processo seja termodinamicamente favorecido não o é em termos cinéticos:
podemos ter glicose em contacto directo com o oxigénio que, à temperatura de 37º, a reacção não
acontecerá. Nos seres vivos, como o comprova o facto de consumirmos glicose e oxigénio e
produzirmos CO2, a reacção acontece (no caso do homem, dependendo da dieta, à velocidade de 1 a 3
moles de glicose consumidas por dia) mas, porque não existe nenhuma enzima capaz de ligar
simultaneamente a glicose e o oxigénio e de catalisar a transferência directa de 24 electrões da glicose
para o oxigénio, o processo não é simples (ver Fig. 4).
A transferência de electrões da glicose para o oxigénio ocorre através de etapas sucessivas
(catalisadas por enzimas designadas genericamente de oxi-redútases – ver Anexo I) em que a glicose
vai cedendo electrões formando-se intermediários sucessivamente mais oxidados.
Ignorando (porque é quantitativamente menos importante) a via das pentoses-fosfato, nesse
processo, o NAD+ (dinucleotídeo de adenina e nicotinamida) e o FAD (dinucleotídeo de flavina e
adenina) desempenham um papel charneira interagindo com as enzimas que também ligam
directamente os intermediários do catabolismo da glicose3. Cada uma das enzimas que ligam estes
dinucleotídeos e estes intermediários catalisa a transferência de um par de electrões em que os
dinucleotídeos acima referidos funcionam como oxidantes (reduzindo-se a NADH e FADH2) e os
intermediários do processo catabólico como redutores. Ignorando, momentaneamente, a cadeia
respiratória, as enzimas dependentes do NAD+ envolvidas no processo de transferência de pares de
electrões de intermediários do metabolismo glicídico para o oxigénio são as que catalisam a oxidação
do gliceraldeído-3-P, do piruvato, do isocitrato, do -cetoglutarato e do malato; a que envolve o FAD
é a que catalisa a oxidação do succinato (Fig. 4). No total são seis enzimas (concretamente, seis
desidrogénases) que, tendo em conta a cisão que ocorre durante a glicólise (aldólase), explicam a
transferência dos 24 electrões acima referidos.
1
Essas condições são: 25 ºC; conc. de reagentes e produtos em solução com concentração de 1M ou 1 atm; pH 0
ou pH 7 (dependendo do contexto químico ou bioquímico, respectivamente).
2
R= constante dos gases perfeitos = 8,314 J K-1 mol-1; T= temperatura absoluta (K), n= número de moles de
electrões transferidos na reacção considerada; F= constante de Faraday (carga de um mole de electrões) = 96500
C mol-1. É de notar que a equação de Nernst (Eº = (0,059 V/n) log Keq  log Keq = Eº * n / 0,059 V) mostra
que o log da Keq é directamente proporcional ao valor de Eº e ao número de electrões trocados na reacção em
análise. Dada uma reacção oxi1 + red2  red1 + oxi2 os pares redox pertinentes são oxi1/red1 e oxi2/red2; o
Eº a usar para calcular a Keq da reacção esquematizada é a diferença entre o potencial redox padrão do par
oxi1/red1 e o potencial redox padrão de oxi2/red2; Eº=[Eº(oxi1/red1) - Eº(oxi2/red2)].
3
Nos casos do FAD e do FMN, a ligação entre estes compostos não proteicos e as enzimas a que se ligam é
permanente (embora não seja covalente) e faz sentido dizer que são elementos constituintes dessas enzimas.
Diz-se, por isso, que são grupos prostéticos dessas enzimas e, quando se quer evidenciar este facto, chama-se à
enzima como um todo, holoenzima, e à sua parte proteica, apoenzima.
Página 4 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
Fig. 4: Oxidação completa da glicose.
A oxidação da glicose envolve a perda de 24 electrões e ocorre através da acção de desidrogénases que, em
cada passo, catalisam a perda de um par de electrões. O aceitador de electrões é sempre o NAD+ excepto no
caso da desidrogénase do succinato. Nos passos piruvato  acetil-CoA, isocitrato  -cetoglutarato e cetoglutarato  succinil-CoA também ocorrem descarboxilações (saída de CO2) e as reacções referidas são,
frequentemente, designadas de oxidações descarboxilativas.
Dissemos que o NAD+ e o FAD são os oxidantes directos nos processos catalíticos referidos
no parágrafo anterior mas, tal como mostra a equação 3, o aceitador final dos electrões é o oxigénio.
No caminho que os electrões percorrem desde o NADH e o FADH2 (as formas reduzidas do NAD+ e
do FAD, respectivamente) até ao oxigénio estão envolvidos, como catalisadores, os complexos
enzímicos da cadeia respiratória.
3 - O papel da cadeia respiratória na redução do O2
Para compreendermos melhor este processo podemos começar por descrever o percurso dos
electrões desde o succinato (C4H4O42-; um intermediário do ciclo de Krebs) até ao oxigénio.
A enzima que catalisa a oxidação do succinato designa-se habitualmente por desidrogénase do
succinato e é a única enzima do ciclo de Krebs que, embora com o centro activo voltado para a matriz
da mitocôndria permitindo a ligação ao succinato, se situa na membrana mitocondrial interna. Um
outro nome que costuma ser usado para designar esta enzima é, porque contém várias sub-unidades
proteicas, o de complexo II. Quando se escreve a equação da reacção catalisada pela desidrogénase do
succinato costuma pôr-se em evidência o papel do FAD (um dos grupos prostéticos da enzima) como
o aceitador directo dos electrões do succinato: succinato + FAD  fumarato + FADH2 (Fig. 5). No
entanto, tendo em conta que o FADH2 permanece ligado à enzima e que esta pode ligar-se à
ubiquinona (também designada de coenzima Q - um composto exterior à enzima) para onde os
electrões, por acção catalítica da mesma desidrogénase do succinato, são transferidos, talvez fosse
mais adequado escrever a equação que descreve a actividade do complexo II desta maneira:
Página 5 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
succinato + ubiquinona ou Q  fumarato + ubiquinol ou QH2
(6)
Se atentarmos nas fórmulas moleculares
dos pares redox (forma oxidada/forma reduzida)
envolvidos nas reacções catalisadas pela
desidrogénase do succinato (fumarato/succinato;
FAD/FADH2; Q/QH2) notaremos que as formas
reduzidas, para além de conterem mais um par de
electrões que as formas oxidadas, também contêm
mais um par de protões. Significa isto que, a par da Fig. 5: Desidrogénase do succinato.
A desidrogénase do succinato contém como grupo
reacção de oxi-redução, também ocorreu uma prostético o FAD que, ao aceitar dois electrões (e
reacção ácido-base; a forma reduzida era uma base dois protões), se reduz. O succinato oxida-se a
e aceitou dois protões. Assim, também podemos fumarato perdendo esses dois electrões. Um grupo
interpretar os fenómenos reactivos em análise como prostético é, nas proteínas que o contêm, um dos
componentes da proteína em questão; a
uma transferência de dois átomos de hidrogénio
componente que não é a cadeia aminoacídica.. O
entre um substrato que se oxida (perdendo FAD é, a par com outros, um dos grupos
hidrogénios) e um outro que se reduz (aceitando prostéticos da desidrogénase do succinato.
hidrogénios)4. Tendo em conta o referido atrás a
propósito da baixa electronegatividade do
hidrogénio percebe-se que o n.o. dos carbonos do composto orgânico que recebeu os hidrogénios
diminua.
A transferência de
electrões entre o ubiquinol
(QH2)
e
o
oxigénio
molecular (Fig. 6) envolve a
acção catalítica de dois
complexos
enzímicos
(contendo múltiplas subunidades
proteicas)
existentes na membrana
interna da mitocôndria: o
complexo III (ou redútase
do citocromo c) e o
complexo IV (ou oxídase do
Fig. 6: O trajecto dos electrões entre o succinato e o oxigénio molecular.
citocromo c). O citocromo c
O aceitador último dos electrões é o oxigénio molecular (n.o.=0) que se
é uma proteína que contém
reduz formando água (n.o.=-2). O processo envolve a actividade de
como grupo prostético heme
complexos enzímicos que catalisam a transferência dos electrões do
de tipo c, uma estrutura
succinato para a coenzima Q, desta para o citocromo c e deste para o O2.
semelhante ao heme da
hemoglobina
e
da
mioglobina contendo um ião de ferro; na forma oxidada o citocromo c contém Fe3+ (ferro férrico) que,
quando aceita um electrão, passa a Fe2+ (ferro ferroso). A equação 7 descreve a reacção de oxi-redução
catalisada pelo complexo III.
QH2 + 2 citocromo c (Fe3+)  Q + 2 citocromo c (Fe2+) + 2H+
4
(7)
As oxi-redútases que catalisam reacções em que há transferência de hidrogénios (ou de iões hidreto H- como
veremos adiante) designam-se, geralmente, por desidrogénases ou, sem um critério rígido, às vezes, por
redútases.
Página 6 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
Embora o mecanismo enzímico seja muito complexo, podemos esquematizar a acção catalítica
do complexo III dizendo que dois electrões são transferidos do ubiquinol (QH2) para dois iões férricos
(componentes de dois citocromos c); ou seja, que o citocromo c na sua forma férrica oxida o
ubiquinol. É frequente, nos livros de bioquímica, que as equações de oxi-redução não estejam
acertadas e que a reacção envolva consumo ou libertação de protões, consumo ou formação de
moléculas de água que são ignorados na equação final; trata-se de uma opção que visa pôr em
evidência a reacção que se pretende destacar (a de oxi-redução) ignorando outros processos que, no
contexto, se consideram irrelevantes. A equação 7 está acertada (inscrevemos dois protões como
produtos) mas, no restante texto, optaremos algumas vezes por não fazer o acerto. No contexto da
discussão da actividade catalítica do complexo III os protões têm uma enorme importância, não
porque seja necessário inscrevê-los como produtos para acertar a equação, mas porque o complexo III
é, não apenas uma enzima, mas simultaneamente uma enzima e um transportador de protões.
Simultaneamente com a reacção de oxi-redução, o complexo III catalisa o transporte de protões que
ocorre de forma direccionada da matriz da mitocôndria para o espaço intermembranar (é uma bomba
de protões), sendo os dois processos indissociáveis. Assim, a equação que melhor descreve a
actividade catalítica do complexo III é a equação 8:
QH2 + 2 citocromo c (Fe3+) + 2H+ (matriz)  Q + 2 citocromo c (Fe2+) + 4H+ (fora)
(8)
O complexo III faz a acoplagem de um processo exergónico (a reacção de oxi-redução) com
um processo endergónico (o transporte de protões contra-gradiente) de um espaço mais alcalino (a
matriz) para um espaço mais ácido (o espaço intermembranar).
A actividade enzímica do complexo IV pode ser descrita pela equação 9: cada um dos átomos
de uma molécula de oxigénio aceita dois electrões da forma reduzida (Fe2+) do citocromo c,
originando H2O.
2 citocromo c (Fe2+) + ½ O2 + 2 H+  H2O + 2 citocromo c (Fe3+)
(9)
Tal como o complexo III, também o complexo IV é uma bomba de protões que contribui para
a criação do gradiente de protões entre a matriz e o espaço intermembranar; a equação que melhor
descreve a sua actividade é a equação 10:
2 citocromo c (Fe2+) + ½ O2 + 4H+ (matriz)  H2O + 2 citocromo c (Fe3+) + 2H+ (fora)
(10)
Ignorando o transporte de protões, o somatório das reacções catalisadas pelos complexos II, III
e IV é expresso pela equação 11.
succinato + ½ O2  fumarato + H2O
(11)
A diferença de potencial redox padrão entre os pares O2/H2O e succinato/fumarato é de 0,78 V
o que, tendo em conta a equação de Nernst, corresponde a uma Keq para a reacção representada pela
equação 11 de cerca de 1026 atm-1/2.
A equação 4 mostra que o produto final da oxidação da glicose é o CO2. Sendo que a glicose
contém 6 átomos de carbono, há, no catabolismo da glicose, 6 reacções de descarboxilação, ou seja, 6
reacções em que ocorre a libertação de CO2. De facto, porque ocorre uma cisão durante a acção da
aldólase, apenas estão envolvidas nos processos de descarboxilação 3 enzimas que, por coincidência,
também catalisam reacções de oxi-redução e que são, portanto, oxi-redútases: a desidrogénase do
Página 7 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
piruvato, a desidrogénase do isocitrato e a desidrogénase do -cetoglutarato (Fig. 4). As reacções
catalisadas por estas enzimas são as que as equações 12, 13 e 14 descrevem:
piruvato + NAD+ + coenzima A  acetil-CoA + NADH + CO2
isocitrato + NAD+  -cetoglutarato + NADH + CO2
-cetoglutarato + NAD+ + coenzima A  succinil-CoA + NADH + CO2
(12)
(13)
(14)
As reacções catalisadas pelas desidrogénases acima referidas são complexas. Embora se
designem de desidrogénases e sejam classificadas como oxi-redútases, as reacções por elas catalisadas
não são apenas de oxi-redução. Tomemos como exemplo o caso da reacção catalisada pela
desidrogénase do piruvato (Fig. 7). A desidrogénase do piruvato é um complexo com várias subunidades e tem um mecanismo enzímico muito complexo, envolvendo 3 grupos prostéticos. Contudo,
para melhor compreender a reacção catalisada por esta enzima, podemos fazer um exercício
conceptual e pensá-la como sendo constituída por (i) uma reacção de oxi-redução acoplada (ii) a uma
reacção de descarboxilação e (iii) a uma outra que pode ser entendida como o inverso da hidrólise da
acetil-CoA, um dos produtos formados (Fig. 7). O agente oxidante é o NAD+ que se reduz a NADH;
como acontece em todas as outras reacções que envolvem o NAD+, o processo de redução a NADH
pode ser entendido como resultando da aceitação de dois electrões e um protão, ou, dito de forma mais
curta, na aceitação de um ião hidreto (H-). A equação 15 representa a semi-equação de redução do
NAD+.
NAD+ + 2 e- + H+  NADH
(15)
Os n.o. dos carbonos 2 e 1 do piruvato (CH3COCOO-) são, respectivamente, +2 e +3. Na
acetil-CoA o carbono 1 do resíduo de acetato era o carbono 2 do piruvato e o seu n.o. é agora +3; o
carbono 1 do piruvato é agora o carbono do CO2 cujo n.o. é +4 (Fig. 7). A semi-equação que
representa a oxidação do piruvato a acetato e CO2 é a seguinte:
piruvato + H2O  acetato + CO2 + 2 e- + 2 H+
(16)
Para além do CO2 e do NADH, o outro produto da acção catalítica da desidrogénase do
piruvato é o acetil-CoA que pode ser conceptualmente entendida como resultando de uma reacção de
hidrólise inversa:
acetato + CoA  acetil-CoA + H2O
(17)
A soma das reacções 15, 16 e 17 é, como não podia deixar de ser, a reacção representada pela
equação 12 ou, se quisermos ser rigorosos, a equação 12 a que acrescentaríamos um protão, para
acerto, nos produtos.
Quer no metabolismo da glicose quer noutros metabolismos, os electrões do NADH acabam,
através da acção dos complexos da cadeia respiratória, por reduzir o oxigénio. A enzima da cadeia
respiratória que interage directamente com o NADH denomina-se desidrogénase do NADH, mas
também é conhecida como complexo I. Na reacção catalisada pelo complexo I, a ubiquinona (ou
coenzima Q) oxida o NADH a NAD+:
NADH + Q  NAD+ + QH2
(18)
O complexo I é constituído por algumas dezenas de sub-unidades e o mononucleotídeo de
flavina (FMN) é um dos seus grupos prostéticos. Durante o processo catalítico o FMN aceita dois
electrões do NADH passando a FMNH2 que, de seguida, se volta a oxidar a FMN. A ubiquinona (Q)
Página 8 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
interage com o complexo I, aceitando o par de electrões que pertenciam ao NADH e que lhe foram
transferidos via FMN. Também podemos pensar que o NADH cede um ião hidreto (dois electrões e
um protão) à ubiquinona, que se reduz a ubiquinol-1 e que o ubiquinol-1 funciona como uma base,
captando um protão do meio e gerando ubiquinol. Tal como acontecia no caso dos complexos III e
IV, também o complexo I é uma bomba
de protões e a equação que melhor
descreve a actividade do complexo I é a
equação 19.
NADH + Q + 4 H+ (matriz)  NAD+ +
QH2 + 4 H+ (fora)
Fig. 7: Esquema interpretativo da actividade da desidrogénase
do piruvato.
A desidrogénase do piruvato catalisa a oxidação do piruvato a
acetato e CO2 sendo o aceitador dos electrões o NAD+. O
acetato, numa reacção “inversa à de hidrólise”, reage com a
coenzima A formando acetil-CoA.
Como já referido acima, a
propósito da oxidação do succinato pelo
oxigénio, o ubiquinol acaba por ser
oxidado pelo oxigénio, via citocromo c,
através da acção catalítica dos complexos
III e IV. As equações 20 e 21 descrevem,
respectivamente, o somatório das
reacções de oxi-redução catalisadas pelos
complexos I, III e IV e a actividade
global (enzímica e de transporte de
protões) dos mesmos complexos:
NADH + ½ O2  NAD+ + H2O
NADH + ½ O2 + 10 H+ (matriz)  NAD+ + H2O + 10 H+ (fora)
(20)
(21)
A diferença de potencial padrão entre o par redox O2/H2O e o par NAD+/NADH é de 1,13 V, o
que corresponde a uma constante de equilíbrio para a reacção descrita pela equação 20 de cerca de
1038 atm-1/2.
A reacção de oxidação do NADH pelo oxigénio é exergónica; por cada par de electrões
transferidos, 10 protões são transportados da matriz para o espaço intermembranar, sendo este
transporte o componente endergónico do processo.
4 - A relação entre diferença de potencial de eléctrodo e a razão Keq/QR
A tabela I mostra os potenciais padrão de eléctrodo de uma série de pares redox relevantes
para o metabolismo dos seres vivos5. É frequente pensar-se que quando um par redox qualquer (seja
oxi1/red1) tem um potencial padrão de eléctrodo superior a outro (seja oxi2/red2) é forçoso deduzir
que a forma oxidada do par redox com potencial mais elevado (oxi1) oxida a forma reduzida do par
redox com potencial mais baixo (red2). Esta ideia tem a sua razão de ser porque, como já referido na
nota 2, o logaritmo da Keq é directamente proporcional ao Eº e, se o valor de Eº for muito elevado,
o valor da Keq será tão grande que a reacção só pode evoluir num sentido. Todas as reacções de oxiredução referidas até aqui, neste texto, enquadram-se nesta afirmação.
5
Ao contrário do que acontece no casos dos químicos, em que se considera que o pH é zero, no caso dos
bioquímicos é mais vulgar considerar que o pH é 7 e, por isso, na presente tabela, em vez de Eº está escrito Eº’.
Página 9 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
Tabela I: Semi-reacção
½ O2 + 2 e- + 2 H+  H2O
Cyt c (Fe3+) + e-  Cyt c (Fe2+)
Q + 2H+ + 2 e-  QH2
fumarato + 2 e- + 2 H+  succinato
Oxalacetato + 2H+ + 2 e-  malato
Piruvato + 2H+ + 2 e-  lactato
NAD+ + 2 e- + H+  NADH
6 CO2 + 24 e- + 24 H+  glicose + 6 H2O
Eº’ (Volt)
+ 0,815
+0,254
+0,045
+0,030
-0,166
-0,185
-0,315
-0,430
Contudo, em rigor, o que determina o sentido em que uma determinada reacção (qualquer
reacção) tende a evoluir não é a sua Keq, mas sim a razão entre a Keq e o quociente de reacção (QR)6.
Em condições padrão, as concentrações dos reagentes e dos produtos consideram-se unitárias (ver nota
1); por isso, em condições padrão, o valor do QR é 1 e o valor da razão Keq/QR = Keq. O potencial
real de uma pilha electroquímica depende da diferença de potencial padrão dos pares redox pertinentes
(equivalente à Keq), mas também das concentrações reais dos reagentes (o QR). O valor da diferença
de potencial real numa pilha electroquímica pode ser calculado usando a equação de Nernst escrita
desta maneira7:
E’ = (0,059 V/n) log (Keq/QR)
(22)
O valor de E’ só é positivo se Keq > QR e só nesta circunstância a reacção tem tendência
termodinâmica a evoluir no sentido em que a forma oxidada do par redox com potencial mais elevado
oxida a forma reduzida do par redox com potencial mais baixo. O potencial padrão do par redox
piruvato/lactato é superior ao do par NAD+/NADH [ver tabela I; Eº’= -0,185 – (-0,315) = +0,13]8 o
que poderia fazer-nos pensar que o sentido desta reacção (catalisada pela desidrogénase do lactato)
seria sempre aquela em que o piruvato funciona como oxidante e o NADH como redutor (equação 23):
piruvato + NADH  lactato + NAD+
(23)
O valor do QR de uma reacção A + B  P + Q é expresso pela razão ([P]  [Q]) / ([A]  [B]) em que [P] e [Q]
assim como [A] e [B] representam as concentrações dos produtos e dos reagentes num dado momento do
processo reactivo. No caso dos seres vivos, porque as concentrações dos intermediários dos processos reactivos
são “estacionárias”, os valores dos QR das diversas reacções variam entre limites estreitos.
7
Notar que a equação 22  E’= (0,059 V/n) log Keq - (0,059 V/n) log QR  E’= Eº’ - (0,059 V/n) log
QR.
8
Calculando a partir da equação de Nernst (log Keq = n Eº’ / 0,059 V), deduz-se que a constante de equilíbrio
da reacção expressa pela equação 23 é 104,4.
6
Página 10 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
De facto, a reacção catalisada
pela desidrogénase láctica encontra-se
sempre muito próximo do equilíbrio
químico no citoplasma das células
(Keq  QR  E’  0) evoluindo no
sentido da formação do lactato
(redução do piruvato pelo NADH) ou
no sentido inverso (oxidação do lactato
pelo NAD+) de acordo com a lei da
acção das massas. Nos eritrócitos, nos
tumores mal irrigados e nos músculos
(pelo menos quando o trabalho
muscular é feito em regime
“anaeróbio”) as concentrações dos
reagentes e produtos “empurram” a
reacção no sentido da formação do
lactato porque a Keq > QR ( E’ >
0) (ver Fig. 8). Mas, durante o recobro Fig. 8: Redução do piruvato a lactato em anaerobiose.
do exercício, quer nos músculos quer Em situações de anaerobiose aumenta a concentração de NADH e
+
no fígado (onde ocorre captação de desce a de NAD , o que força a reacção catalisada pela
lactato), a reacção evolui em sentido desidrogénase do lactato no sentido em que o NADH reduz o
piruvato.
inverso ao indicado na equação 23. Em
algumas fibras musculares esqueléticas durante o recobro, no coração normal e no fígado, à excepção
de curtos períodos durante o processo absortivo de glicídeos, as concentrações dos reagentes e
produtos “empurram” a reacção no sentido da formação do piruvato, ou seja, nestes casos a Keq < QR
( E’ < 0).
Anexo I – Oxi-redútases
Embora algumas reacções de oxi-redução não enzímicas possam ter importância na evolução
de certas doenças e no envelhecimento (nomeadamente as que envolvem as chamadas espécies
reactivas de oxigénio ou de azoto – ROS e RNS), a esmagadora maioria das reacções de oxi-redução
que ocorrem nos seres vivos são catalisadas por enzimas.
De acordo com a Comissão de Enzimas da União Internacional de Bioquímica, as enzimas que
catalisam reacções de oxi-redução agrupam-se num grande grupo e designam-se de oxi-redútases (ver
http://us.expasy.org/enzyme/enzyme-byclass.html).
As enzimas designam-se de acordo com a sua actividade, mas não existem normas rígidas que
permitam de forma previsível estabelecer uma relação entre uma actividade e um nome. Para cada
enzima existe um nome sistemático (que, na prática, é pouco usado) mas aceitam-se, como sinónimos,
muitos outros que, muitas vezes à revelia de todas as regras, se impuseram por tradição. O texto
abaixo destina-se a facilitar a aprendizagem da nomenclatura usada para denominar as oxi-redútases,
explicando o significado de algumas palavras usadas com frequência neste contexto.
A- Desidrogénases e redútases
Muitas reacções enzímicas de oxi-redução podem ser esquematizadas da seguinte maneira:
XH2 + NAD+ (ou NADP+, FAD, FMN)  X + NADH (ou NADPH, FADH2, FMNH2)
(A1)
Nestas reacções a enzima envolvida no processo catalisa uma reacção em que o NAD+, o
NADP , o FAD ou o FMN oxidam um substrato XH2. Nos casos em que o oxidante é o FAD ou o
+
Página 11 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
FMN, a reacção pode ser interpretada como a perda de dois hidrogénios pelo reagente que se oxida
(XH2) e a sua aceitação pelo FAD ou pelo FMN. Quando o oxidante é o NAD+ ou o NADP+, a reacção
pode ser interpretada como a transferência de um hidrogénio e dois electrões (ião hidreto) entre um
reagente que se oxida (XH2) e o NAD+ ou o NADP+. Nestes casos, a enzima que catalisa a reacção é,
frequentemente, denominada desidrogénase do XH2. Obviamente que a mesma enzima também pode
catalisar a reacção inversa, mas o nome adequado será desidrogénase do “composto orgânico que cede
o hidreto ou os hidrogénios ao NAD+, NADP+, FAD ou FMN”. São exemplos as desidrogénases do
lactato (equação A2), do piruvato (equação A3), da glicose-6-fosfato (equação A4) e do succinato
(equação A5).
lactato + NAD+  piruvato + NADH
piruvato + NAD+ + CoA  acetil-CoA + NADH + CO2
glicose-6-fosfato + NADP+  6-fosfogliconolactona + NADPH
succinato + FAD  fumarato + FADH2
(A2)9
(A3)
(A4)
(A5)
A desidrogénase do NADH também existe, mas não se refere a nenhuma das enzimas acima
referidas. De facto, lidas em sentido inverso, as reacções representadas pelas equações A2 e A3 podem
ser interpretadas como a perda de um ião hidreto pelo NADH, mas o nome desidrogénase do NADH
não se aplica às enzimas que catalisam aquelas reacções. A desidrogénase do NADH é uma enzima da
cadeia respiratória (também designada como complexo I) que catalisa a oxidação do NADH pela
coenzima Q (ubiquinona). O agente oxidante directo é o FMN (um grupo prostético do complexo I),
que se reduz a FMNH2 e acaba por ceder os hidrogénios à coenzima Q. A equação A6 representa a
primeira parte do processo catalisado pela desidrogénase do NADH.
NADH + FMN  NAD+ + FMNH2
(A6)
Com alguma frequência as oxi-redútases em que um dos substratos é o NADPH catalisam
reacções fisiologicamente irreversíveis em que o NADPH funciona como agente redutor. São reacções
do tipo:
NADPH + Y  NADP+ + YH2
(A7)
Nestas reacções o NADPH reduz o composto Y cedendo-lhe um ião hidreto. Com muita
frequência as enzimas que catalisam reacções deste tipo designam-se “redútase do Y”. São exemplos a
redútase das aldoses (equação A8 – uma das aldoses possíveis é a glicose que se reduz ao poli-alcool
correspondente), a redútase do hidroxi-metil-glutaril-CoA (equação A9) e a redútase do glutatião
(equação A10).
NADPH + glicose  NADP+ + sorbitol
2 NADPH + hidroxi-metil-glutaril-CoA  2 NADP+ + mevalonato + CoA
NADPH + GS-SG (dissulfureto do glutatião)  NADP+ + 2 GSH (glutatião)
(A8)
(A9)
(A10)
B- Oxídases e oxigénases
Nalgumas reacções enzímicas de oxi-redução o oxigénio molecular é um dos reagentes,
funcionando como oxidante de um outro substrato (um composto orgânico). Quando o O2 é um dos
reagentes as enzimas designam-se de oxídases ou de oxigénases.
9
Neste subcapítulo: as reacções A2 e A3 são habitualmente discutidas quando se estuda a glicólise e a
desidrogénase do piruvato; as reacções A5 e A6 a propósito do ciclo de Krebs e da fosforilação oxidativa; as
reacções A4, A7, e A10 a propósito da via das pentoses-fosfato; a reacção A8 a propósito do metabolismo da
frutose e a reacção A9 a propósito da síntese do colesterol.
Página 12 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
Embora haja excepções, o nome oxídase é usado quando, como resultado da redução do O2, se
forma H2O, peróxido de hidrogénio (H2O2) ou o ião superóxido (O2•-)10 e nenhum dos átomos de
oxigénio fica incorporado no composto orgânico que se oxida. São exemplos a oxídase do citocromo c
(equação B1), a oxídase do protoporfirinogénio III (equação B2) e a oxídase do NADPH (equação
B3).
2 citocromo c (Fe2+) + ½ O2 + 2 H+  2 citocromo c (Fe3+) + H2O
protoporfirinogénio III + 3O2  protoporfirina III + 3 H2O2
NADPH + 2 O2  NADP+ + H+ + 2 O2•-
(B1)11
(B2)
(B3)
O nome oxigénase é atribuído às enzimas em que, tal como no caso das oxídases, o oxigénio
molecular é o agente oxidante, mas em que pelo menos um dos átomos do oxigénio fica incorporado
no substrato orgânico que se oxida.
Dentro do grupo das oxigénases destaca-se um grande grupo designado de mono-oxigénases.
As reacções catalisadas pelas mono-oxigénases são particularmente complexas porque existem sempre
dois agentes redutores, quer dizer, há duas substâncias distintas (WH2 e VH) que são oxidadas durante
o processo catalítico. Em geral, as reacções catalisadas pelas mono-oxigénases podem ser
interpretadas pensando que um dos redutores (WH2) cede dois átomos de hidrogénio reduzindo um
dos átomos do O2 a H2O enquanto o outro (VH) aceita o outro átomo de oxigénio:
WH2 + O2 + VH  W + H2O + VOH
(B4)
Porque as mono-oxigénases oxidam simultaneamente duas substâncias distintas também se
designam como oxigénases de função mista. Porque uma dessas substâncias, o VH (que passa a VOH,
“hidroxilando-se”), sofre hidroxilação durante o processo, as mono-oxigénases deste tipo são, muitas
vezes, designadas de hidroxílases do VH. São exemplos a hidroxílase da fenilalanina (equação B5) e a
hidroxílase da tirosina (equação B6):
(B5)
fenilalanina + tetra-hidro-biopterina + O2  tirosina12 + di-hidro-biopterina + H2O
tirosina + tetra-hidro-biopterina + O2  di-hidroxi-fenilalanina13 + di-hidro-biopterina + H2O (B6)
Com frequência as hidroxílases são componentes de um sistema enzímico que, além da
hidroxílase, inclui uma redútase, a redútase do W. Nos dois exemplos acima referidos a tetra-hidrobiopterina (WH2) é oxidada a di-hidro-biopterina (W) por acção da hidroxílase, mas, para que o ciclo
catalítico possa continuar, tem de ser novamente reduzida a tetra-hidro-biopterina. O componente do
sistema enzímico que catalisa a redução da di-hidro-biopterina a tetra-hidro-biopterina é a redútase da
di-hidro-biopterina (equação B7).
NADPH + di-hidro-biopterina  NADP+ + tetra-hidro-biopterina
(B7)
Algumas hidroxílases contêm como grupo prostético um grupo heme que se liga ao O2 (o
agente oxidante nas mono-oxigénases) durante o processo catalítico. Muitas destas hidroxílases
10
De notar que o O2•- (-½), o H2O2 (-1) e a H2O (-2) contêm o elemento oxigénio com números de oxidação
menores (os indicados entre parêntesis) que o oxigénio molecular (zero).
11
Neste subcapítulo: a reacção B1 é habitualmente discutida quando se estuda a fosforilação oxidativa; a reacção
B2 a propósito da síntese do heme; as reacção B5, B6 e B7 a propósito do metabolismo dos aminoácidos e a
reacção B8 a propósito do metabolismo de xenobióticos.
12
De notar que a tirosina também se pode designar como p-hidroxi-fenilalanina.
13
A sigla comummente usada para designar a di-hidroxi-fenilalanina é L-DOPA.
Página 13 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
hemínicas designam-se de citocromos P45014. Os citocromos P450 estão envolvidos na hidroxilação
de compostos que são intermediários na síntese de corticosteróides e na metabolização de
xenobióticos15. Tal como as outras hidroxílases acima referidas, os citocromos P450 fazem parte de
sistemas enzímicas que incluem uma redútase, a redútase do citocromo P450. Tal como já acontecia
nos casos dos sistemas enzímicos que incluíam as hidroxílases da fenilalanina ou da tirosina, a
actividade dos sistemas enzímicos que incluem o citocromo P450 pode ser esquematizada como se
segue:
NADPH + O2 + VH  NADP+ + H2O + VOH
(B8)
De notar que a equação B8 é a que resulta da soma da equação B4 com a equação
correspondente à redução de W pelo NADPH. O composto VH é o composto que sofre hidroxilação e
pode ser um xenobiótico, por exemplo.
C- Peroxídases
As enzimas que catalisam a redução do oxigénio de peróxidos (que passa de -1 a -2)
designam-se de peroxídases. São exemplos a peroxídase do glutatião (equação C1) e a
mieloperoxídase (equação C2).
2 GSH + H2O2  GS-SG + 2 H2O
Cl- + H2O2  ClO- (hipoclorito) + H2O
(C1)16
(C2)
No caso da peroxídase do glutatião, o agente redutor é o glutatião: o n.o. do S do grupo tiol do
glutatião reduzido (GSH) é -2 aumentando para -1 no dissulfurero de glutatião (oxidado; GS-SG). A
reacção também pode ser interpretada como a aceitação pelo oxidante (o peróxido de hidrogénio) de
átomos de hidrogénio cedidos pelo glutatião (que sofre oxidação).
No caso da mieloperoxídase, o agente redutor é o ião Cl- (n.o. do cloro = -1) que se oxida a
hipoclorito (n.o. do cloro = +1). A reacção também pode ser interpretada como a transferência de um
átomo de oxigénio entre o oxidante (H2O2) e o redutor (Cl-).
D- Reacções enzímicas de dismutação
Designam-se como reacções de dismutação reacções de oxi-redução em que uma mesma
substância funciona, simultaneamente, como oxidante e como redutor. São exemplos as reacções
catalisadas pela dismútase do superóxido (equação D1) e pela catálase (equação D2).
2 O2•- + 2 H+  O2 + H2O2
2 H2O2  O2 + 2 H2O
(D1)17
(D2)
De notar que na reacção D1 uma das moléculas de superóxido (n.o. do oxigénio = -½ ; ver
nota 10) se oxida a O2 enquanto a outra se reduz a H2O2 (n.o. do oxigénio = -1; ver nota 10). De forma
14
A razão desta designação prende-se com o facto de, caracteristicamente, absorverem intensamente luz de
comprimento de onda de 450 nm quando, em determinadas condições experimentais, são complexadas com o
monóxido de carbono.
15
Xeno é um prefixo que quer dizer “estrangeiro”; designam-se de xenobióticos os fármacos e outros compostos
que não fazem parte do metabolismo normal do ser vivo em questão.
16
Neste subcapítulo: a reacção C1 é habitualmente discutida quando se estuda a via das pentoses-fosfato e a
reacção C2 a propósito de metabolismos específicos em células macrofágicas.
17
Neste subcapítulo: as reacções D1 e D2 são habitualmente discutidas quando se estuda a via das pentosesfosfato.
Página 14 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
semelhante, na reacção D2, enquanto uma das moléculas de H2O2 se oxida a O2 a outra reduz-se a
água.
Anexo II – Reacções de oxi-redução não enzímicas com relevância biológica
Entre as reacções redox não enzímicas com importância biológica destacaríamos a reacção de
Fenton. Nesta reacção é o ião Fe2+ livre que reduz o H2O2 originando o ião hidróxido (HO-) e o radical
hidroxilo18 (equação E1). De notar que o n.o. do ferro aumenta de +2 para +3 enquanto o n.o. de um
dos átomos de oxigénio do peróxido de hidrogénio diminui de -1 para -2: embora o n.o. do oxigénio
do radical hidroxilo (HO•) seja também -1, o n.o. do oxigénio do ião hidróxido é igual ao da água (-2).
No processo está envolvido apenas um electrão que é cedido pelo Fe2+ e é aceite por um dos oxigénios
do H2O2.
Fe2+ + H2O2  Fe3+ + HO- + HO•
(E1)
O ião Fe3+ formado durante a reacção de Fenton pode ser novamente reduzido a Fe2+ pelo ião
superóxido (O2•-); o agente redutor sofre, obviamente, uma oxidação: o n.o. dos átomos de oxigénio no
superóxido era -½ e passa a 0 no O2 (ver equação E2).
Fe3+ + O2•-  Fe2+ + O2
(E2)
O somatório das reacções E1 e E2 é o que se mostra na equação E3 e é conhecida como
reacção de Haber-Weiss. Nesta reacção o Fe desempenha um papel catalítico já que, transitando entre
a forma Fe3+ e a Fe2+ (e vice-versa), permite a conversão de superóxido e peróxido de hidrogénio em
ião hidróxido e radical hidroxilo.
H2O2 + O2•-  O2 + HO- + HO•
(E3)
O radical hidroxilo (formado nas reacções de Fenton e de Haber-Weiss) é extremamente
reactivo e pode oxidar compostos orgânicos que fazem parte da estrutura dos seres vivos (lipídeos das
membranas, DNA, proteínas, etc). O processo oxidativo envolve a formação de um radical alquilo, ou
seja, um composto orgânico que contém menos um hidrogénio que aquele que esteve na sua origem
(ver reacção E4). O n.o. do carbono que perdeu um átomo de hidrogénio aumentou de -2 para -1
enquanto o n.o. do oxigénio do radical hidroxilo, ao formar-se água, diminuiu de -1 para -2.
+ HO• 
+ H2O
(E4)
Por sua vez, o radical alquilo pode ser oxidado pelo O2 formando-se o radical alquilperoxilo:
no processo um dos átomos de oxigénio do radical alquilperoxilo (o que está directamente ligado ao
carbono) fica com n.o. -1 enquanto o n.o. do carbono que tinha n.o. -1 passou para 0 (ver equação E5).
Ou seja, o O2 oxidou o radical alquilo.
+ O2 
(E5)
18
Um radical é uma substância que tem pelo menos um electrão desemparelhado numa orbital da subcamada
mais exterior de um dos átomos constituintes.
Página 15 de 16
Rui Fontes - Notas sobre reacções redox nos seres vivos
O radical alquilperoxilo pode funcionar como oxidante do composto orgânico que esteve na
origem do processo formando-se, como produtos, um peróxido orgânico e um radical alquilo (ver
equação E6).
+

+
(E6)
Desde que haja O2 o radical alquilo formado pode novamente ser convertido em radical
alquilperoxilo (equação E5) originando-se um ciclo contínuo em que se formam peróxidos orgânicos:
o somatório das equações E5 e E6 é a equação E7.
+ O2 
(E7)
BIBLIOGRAFIA
1. Bertini, I., Gray, H. B., Lippard, S. J. & Valentine, J. S. (1994) Bioinorganic Chemistry, University Science Books, Mill
Valley.
2. Macarulla, J. M., Marino, A. & Macarulla, A. (1992) Bioquímica Cuantitativa, Reverté, S.A., Barcelona.
3. Nelson, D. L. & Cox, M. M. (2005) Lenhinger principles of biochemistry, 4ª edn, New York.
4. Degtyarenko, K. N. & Archakov, A. I. (1993) Molecular evolution of P450 superfamily and P450-containing
monooxygenase systems, FEBS Lett. 332, 1-8.
5. Hampton, M. B., Kettle, A. J. & Winterbourn, C. C. (1998) Inside the neutrophil phagosome: oxidants, myeloperoxidase,
and bacterial killing, Blood. 92, 3007-17.
6. Gladden, L. B. (2004) Lactate metabolism: a new paradigm for the third millennium, J Physiol. 558, 5-30.
7. Williamson, D. H., Lund, P. & Krebs, H. A. (1967) The redox state of free nicotinamide-adenine dinucleotide in the
cytoplasm and mitochondria of rat liver, Biochem J. 103, 514-27.
8. Sahlin, K., Katz, A. & Henriksson, J. (1987) Redox state and lactate accumulation in human skeletal muscle during
dynamic exercise, Biochem J. 245, 551-6.
Este texto foi escrito por Rui Fontes em Novembro de 2004 e foi sendo corrigido posteriormente. A última
correcção foi feita em Outubro de 2010. O autor agradece todas as críticas que queiram fazer no futuro e as que
já foram feitas pela professora Isabel Azevedo.
Página 16 de 16
Download

Notas sobre reacções redox nos seres vivos