Artigo de pós-doutoramento
Contribuições à compreensão diagnóstica em Gestalt-terapia: o uso do ciclo de contato
como base para uma tipologia gestáltica em diálogo com o DSM-IV-TR, eixo II
Autor: Ênio Brito Pinto
Supervisora: Marília Ancona-Lopez
Local de desenvolvimento:
Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia
Clínica da PUCSP
2012
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Contribuições à compreensão diagnóstica em Gestalt-terapia: o uso do ciclo de contato
como base para uma tipologia gestáltica em diálogo com o DSM-IV-TR, eixo IIi
Ênio Brito Pinto
Resumo
Propõe-se a utilização do ciclo de contato, adaptado do modelo proposto por Ribeiro
(2007), como um dos elementos de base da compreensão diagnóstica em Gestalt-terapia.
Constrói-se, a partir das descontinuações descritas neste ciclo de contato, um referencial
tipológico para a terapia gestáltica. Propõe-se um diálogo desta tipologia com o eixo II do
DSM-IV-TR
Sumary
The proposal is the utilization of the contact cycle, adapted from the model proposed
by Ribeiro (2007), as one of the basic elements of the diagnostic comprehension in Gestalttherapy. From the discontinuations described in this contact cycle, a typological referential
for the Gestalt-therapy is built. A dialogue of this typology with the axis II of the DSM-IVTR is proposed.
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Introdução
O panorama teórico que norteia este artigo é a discussão e a ampliação do trabalho,
sugerido já por Perls, que, em suas obras (1969, 1977a, 1977b, 1977c, 1997, 2002), utiliza o
ciclo de contato, aqui adaptado do modelo proposto por Ribeiro (2007), como um dos
elementos de base da compreensão diagnóstica. Levanto a possibilidade do uso do ciclo de
contato como um fundamento para a construção de um referencial tipológico, como parte da
compreensão diagnóstica. Defendo também a importância dessa compreensão diagnóstica
como norteadora do trabalho psicoterapêutico. Por fim, mas não menos importante, discuto
como uma tipologia gestáltica pode dialogar com o eixo II do DSM-IV-TR, uma referência
universal.
A compreensão diagnóstica em Gestalt-terapia ainda é um tema que demanda mais
estudos, pois um maior número de discussões e de teorizações sobre esse assunto seria
importante na formação de novos terapeutas e na atuação de inúmeros profissionais, os quais,
pela falta de debates, correm o risco de não explorar adequadamente as potencialidades da
compreensão diagnóstica como norteadora na ajuda a seus clientes, uma vez que toda a
estratégia terapêutica e todo o trabalho psicoterapêutico dependem e derivam da compreensão
diagnóstica alcançada. Meu trabalho pretende cobrir, em parte, essa lacuna.
Parece-me importante realçar que essa minha proposta representa, de certa forma,
uma novidade nos estudos sobre o diagnóstico nas psicologias fenomenológicas, uma vez que
se trata de um olhar que abre a possibilidade de discussão sobre uma possibilidade humana
pouquíssimo explorada com clareza dentro dessa abordagem, a existência, naturalmente
limitada, de estilos de personalidade que podem servir de referência para uma compreensão
diagnóstica.
A compreensão diagnóstica
A relação psicoterapêutica tem como um de seus fundamentos a necessidade de que o
psicoterapeuta faça uma compreensão diagnóstica de seu cliente, o que inclui, além de
considerações acerca do que é ou está saudável ou patológico no cliente, as peculiaridades da
pessoa em questão, da sua situação existencial e da maneira como compõe o sentido do que
vive. Ao menos parte desse diagnóstico pode ser fundamentada na concepção gestáltica do
ciclo de contato.
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Essa compreensão diagnóstica é um indicador de caminhos, um mapa
indispensável, pois, do meu ponto de vista, não é possível um trabalho terapêutico sem uma
adequada compreensão diagnóstica que lhe dê suporte e norte1. No trabalho psicoterapêutico
faço uma compreensão diagnóstica baseada em quatro pontos fundamentais: a) o fundo, ou
seja, o estilo de personalidade, uma característica humana integrante da estrutura da
personalidade, que dá sustentação à queixa e que subsidia, igualmente, a tecelagem de
sentidos feita pelo cliente; b) a figura trazida pelo cliente, sua dor, sua queixa, seu sintoma
identificado; c) a situação terapêutica a cada sessão; d) o campo existencial do cliente. Essa
compreensão diagnóstica, aliada a outras questões, favorece delimitar a possibilidade e, em
caso positivo, a estratégia básica da psicoterapia a ser desenvolvida.
Dadas essas quatro linhas focais a serem verificadas em um processo de compreensão
diagnóstica em Gestalt-terapia, é hora de fazer uma importante delimitação. Neste artigo
privilegiarei a primeira linha, a que afirma a possibilidade da existência de estilos de
personalidade pois entendo que, assim fazendo, poderei trazer à comunidade gestáltica algo
que ainda é pouco explorado e que é de enorme eficácia em um processo psicoterapêutico
fenomenológico: a possibilidade do uso de uma tipologia como ferramenta de compreensão
do cliente e até do próprio terapeuta. Friso que, de forma alguma, a compreensão diagnóstica
pode ser reduzida à compreensão do estilo de personalidade do cliente, mas que este é, sim,
um passo facilitador da tarefa psicoterapêutica, em meio aos outros passos necessários.
Ao cuidar para que a compreensão diagnóstica siga esse caminho não-reducionista,
estarei, ao mesmo tempo, cuidando para que o cliente não precise aprofundar as suas defesas,
defendendo-se também do diagnóstico para manter sua singularidade, mas, ao contrário,
possa, junto com o terapeuta, fazer da compreensão diagnóstica uma ferramenta de
crescimento e de autoconhecimento.
Embora eu vá tratar neste artigo prioritariamente de uma compreensão tipológica,
tenho claro que esta compreensão tipológica é parte (e não o todo) da compreensão
diagnóstica; é uma ferramenta a ser usada a serviço do cliente, pois, como bem lembra Perls
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Mesmo os psicoterapeutas que dizem não fazer diagnóstico em seus atendimentos, na prática não
deixam de fazê-lo. A grande maioria daqueles que afirmam não diagnosticar faria melhor se afirmasse que não
diagnostica segundo determinados parâmetros, como os psiquiátricos, por exemplo, mas, sim, que tem
parâmetros outros, os quais lhe possibilitam desenvolver, para fundamentar a compreensão de cada cliente, um
conceito de saúde e uma teoria sobre a personalidade, dentre outros aspectos da estratégia e da postura
terapêuticas adotadas a cada trabalho com seus clientes.
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(1977a, p. 98), “a Gestalt-terapia é uma abordagem existencial, o que significa que
não nos ocupamos somente em lidar com os sintomas ou estrutura de caráter, mas com a
existência total da pessoa” (grifos meus).
Singularidades e pluralidades
Um processo terapêutico começa pela possibilidade de que o terapeuta interaja com e
valorize em seu cliente a pessoa singular que ele é, com sua história singular, com seu
momento único, com suas dores e suas conquistas características, com seu campo singular.
Um terapeuta chega a uma compreensão melhor da singularidade de seu cliente se não se
prende
apenas
ao
singular
que
seu
cliente
é.
Como
afirmam
Kluckhohn
e Murray (citados por Pervin, 1978, p. 01), "todo homem é, sob certos aspectos, a) como todo
homem; b) como certos homens; c) como nenhum outro homem". Penso que é útil dar,
durante o processo de compreensão diagnóstica, e no processo terapêutico como um todo,
atenção aos itens a) e b) como forma de realçar e compreender ainda melhor o item c).
A compreensão diagnóstica em psicoterapia se refere àquela pessoa que está à frente
do terapeuta e se fundamenta também em uma generalização. A compreensão diagnóstica
parte do vivido e relatado por aquela pessoa e caminha em direção ao que há nela de comum
com os outros seres humanos, para depois voltar novamente àquela pessoa na tentativa de
compreendê-la e de facilitar a ela que se compreenda: “toda lei científica, todo sistema
filosófico, toda generalização, baseia-se na busca do denominador comum, do fato idêntico a
várias coisas. Em resumo, da “gestalt” comum a diversos fenômenos” (Perls, 2002, p. 104).
A compreensão diagnóstica ajuda a
encontrar melhor a singularidade em meio ao
genérico; destaca melhor o que é único e destaca melhor o que há de “positivo”, de potencial
a ser desenvolvido. Assim, a compreensão diagnóstica, tal como a proponho, não é
massificação, antes pelo contrário. Na compreensão diagnóstica, é importante se ter à mão o
geral para facilitar a compreensão do particular do e pelo cliente, assim como é importante o
cuidado para que não se use esse geral como uma cama de Procusto onde colocar cada cliente.
Ao fazer a compreensão diagnóstica, o terapeuta tem o intuito de compreender como
essa pessoa age, sente, pensa, como ela se movimenta, enfim, pelos caminhos da vida.
Procura também, e isso é igualmente importante, vislumbrar possíveis prognósticos, possíveis
caminhos por onde o seu cliente poderá desentravar seu desenvolvimento.
Como hipótese, a compreensão diagnóstica em psicoterapia nunca pode ser estática:
ela é um processo derivado do que Frazão (1991, p. 41) chama de pensamento diagnóstico
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processual, o que quer dizer que a compreensão diagnóstica tem que ser
cotidianamente refeita e repensada, obrigando o terapeuta a permanecer atento a cada nova
configuração que o cliente fizer em sua vida.
Uma vez estabelecidas a necessidade e a utilidade da compreensão diagnóstica em um
processo psicoterapêutico, é hora de verificarmos um dos caminhos possíveis para se fazer
essa compreensão.
A compreensão diagnóstica e a personalidade
Como já vimos, a compreensão diagnóstica parte de, mas não se limita a uma
compreensão da personalidade do cliente. Como nesse artigo me concentro especialmente no
aspecto da compreensão diagnóstica da personalidade, é necessário que eu deixe o mais claro
possível como se pode compreender a personalidade humana a partir de uma ótica gestáltica.
Podemos compreender o ser humano como um ser animobiopsicocultural, ou seja,
composto por três níveis articulados, o corporal, o psíquico e o espiritual, vivendo em uma
cultura, a qual é configurada social, geográfica e historicamente; esta cultura compõe um
campo que configura o ser humano, embora não o determine. Com isso, estou dizendo que há
alguns dados que são estruturais na personalidade de cada pessoa, dados esses que são
entrelaçados pela intencionalidade na composição do sujeito humano. Fazem parte da
estrutura da personalidade humana, dentre outros aspectos, a sexualidade, as disposições
genéticas, a possibilidade da emoção, do sentimento e do senso de identidade, a possibilidade
da reflexão profunda sobre si, sobre a existência e sobre o mundo, a possibilidade da
hierarquização dos valores. Nesse modo de pensar, a corporeidade está especialmente
representada pelas disposições genéticas e pela sexualidade, compondo, com a
intencionalidade, o corpo vivido; o psiquismo está especialmente presente na possibilidade de
se lidar com as emoções e os sentimentos, compondo a apropriação da realidade e o senso de
identidade; a espiritualidade está especialmente presente na possibilidade da hierarquização
dos valores, nas decisões, na reflexão profunda sobre a existência e, fundamentalmente, na
possibilidade – eu diria até na necessidade – que tem o ser humano de tecer um sentido para
a sua vida, de ter um bom motivo para continuar vivendo. (cf Bello, 2006; Pinto, 2009b)
Minha experiência como psicoterapeuta me fez ver que, ao lado do que se pode
chamar de estruturas naturais da personalidade humana, há o que Laura Perls (1992, p. 138)
chama de “uma segunda natureza”: o estilo de personalidade (caráter, na linguagem da
época), o qual se constrói a partir da combinação da natureza dada com a existência vivida,
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especialmente nos primeiros anos de vida, compondo um jeito de ser, que não é
necessariamente patológico, e que se mantém praticamente inalterado em seus fundamentos
ao longo da vida.
Então, entendo o estilo de personalidade como uma estrutura que é desenvolvida ao
longo da vida através de ajustamentos criativos que permitem lidar melhor com os estímulos
internos e externos vividos pela pessoa. O estilo de personalidade, que se desenha a partir da
herança genética e, especialmente, das múltiplas relações ao longo do desenvolvimento
pessoal, especialmente nos primeiros anos da vida, tem como função facilitar a lida com a
realidade, através de uma certa forma padronizada de ser e agir. Somente sob circunstâncias
muito ameaçadoras esse estilo pode cristalizar-se, gerando vivências psicopatológicas.
Só idealmente podemos conceber uma pessoa tão flexível que não tivesse um estilo de
personalidade. Na lida cotidiana dos processos psicoterapêuticos, o que encontramos são
pessoas que, principalmente, precisam flexibilizar seu estilo de personalidade. Ajudá-las nessa
flexibilização é, no meu modo de ver, o limite da psicoterapia.
Conhecer e integrar o próprio estilo de personalidade significa experimentar limites e
possibilidades de maneira a que a pessoa possa se tornar confiante nas previsões que faz de si,
ao mesmo tempo em que se mantém aberta a se surpreender consigo mesma. Além disso,
requer a busca de um autoconhecimento tal que permita ter uma ideia suficientemente apurada
das repetições às quais se propende, de modo a poder, a partir desse conhecimento,
transformá-las em escolhas, isto é, em vez de ter as possíveis repetições como acidentes ou
inevitabilidades, ou, ainda, compulsões, saber delas e escolher, a cada momento, ceder a elas,
ou não. Desse autoconhecimento e da integração do estilo de personalidade depende a
posterior aceitação do estilo, matriz da ampliação da possibilidade de flexibilização.
Quando falo em aceitação do próprio estilo de personalidade, não quero dar ideia de
uma certa passividade, no sentido de que a aceitação possa ser algo semelhante ao
conformismo, pois não há o que fazer. Longe disso! Aceitar o próprio estilo de personalidade
significa aceitar que há lutas que se apresentarão por toda a vida, exigindo cuidados especiais
e atenção crítica para que o infinito processo de auto-atualização seja sempre o mais pleno
possível, para que as mudanças alcançadas sejam frutíferas e duradouras, para que os
obstáculos inerentes ao estilo de personalidade sejam enfrentados e as sabedorias inerentes ao
estilo de personalidade sejam desenvolvidas e colocadas a serviço da vida.
Embora tenha um estilo preponderante, cada pessoa guarda em si a possibilidade de se
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apoiar em todos os estilos de personalidade existentes, pois se um deles é mais
desenvolvido e caracteriza o jeito de ser da pessoa, isso não quer dizer que as outras
possibilidades estejam impedidas. Quando se trabalha com a ideia de estilo de personalidade é
importante ter em mente que o desenvolvimento de determinado estilo de personalidade como
principal não impede o desenvolvimento dos outros, antes pelo contrário. O que temos é um
expoente, um estilo de personalidade que se torna preponderante, deixando os outros como
secundários. O que se torna proeminente é o que caracteriza a pessoa, mas, em tese, nada
impede que a pessoa se apóie em outros estilos de personalidade a depender da situação e por
determinado tempo. Na tipologia que estudo aqui, baseada no ciclo de contato, há, para cada
pessoa, um estilo de personalidade que é o principal e que caracteriza aquela pessoa, ficando
as outras sete possibilidades como estados, acessíveis, cada um a seu tempo, quando a
situação exige e a flexibilidade da pessoa permite.
A flexibilização do estilo de personalidade pode se dar, basicamente, em duas direções
igualmente importantes e não excludentes. Numa, a flexibilização significa lutar contra as
cristalizações, quer dizer, lutar para que preferências não se tornem obrigatoriedades; lutar
para que as escolhas sejam feitas segundo a situação, não a partir de um hábito anterior; lutar
para que a tradição seja referência, não compulsão. Na segunda direção, temos a possibilidade
de construir apoios nos estilos de personalidade secundários quando a situação assim o exige,
de modo que a pessoa se entrega ao estilo de personalidade solicitado pela situação, tendo a
confiança de que, no momento adequado, o caminho de volta será encontrado. Nesse segundo
caso, o apoio em estilos de personalidade secundários, estou tratando da descontinuação como
estado, o que explicarei mais adiante, mas é preciso deixar claro desde já que esse apoio nos
estilos de personalidades secundários é saudável quando o caminho de volta está aberto e
disponível, e é patológico quando o caminho de volta fica trancado, constituindo uma outra
forma de cristalização.
A compreensão diagnóstica do estilo de personalidade
Num processo diagnóstico a compreensão do fundo, quer dizer, do estilo de
personalidade que fundamenta os estilos de relação e que dá sustentação ao sintoma, auxilia
sobremaneira o terapeuta. Uma tipologia eficaz ajuda a compreender as pessoas com a
utilização de certos padrões universais, a partir dos quais se organiza a singularidade de cada
pessoa. Uma tipologia, ao auxiliar um diagnóstico, é uma referência, pois nunca
encontraremos um estilo de personalidade puro e, além disso, duas pessoas com o mesmo
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estilo de personalidade podem ser muito diferentes em amplos aspectos da vida.
Assim, a tipologia é uma redução, mas não pode ser um reducionismo. Não se pode dizer que
se conhece alguém porque essa pessoa é de determinado tipo, segundo determinada tipologia,
mas seguramente se pode afirmar que a compreensão de uma pessoa pode ser aprofundada se
o terapeuta consegue considerar, com a devida seriedade, a estrutura que fundamenta a
individualidade de seu cliente.
Uma tipologia bastante utilizada em Gestalt-terapia é o eneagrama (cf Naranjo, 1997 e
2004 e Luca, 2006), uma abordagem que descreve nove tipos de personalidade; outros gestaltterapeutas, dentre os quais já me incluí, utilizam-se de uma outra tipologia, baseada no uso do
DSM-IV-TR, eixo II (cf Delisle, 1988, 1999 e 2005; Greenberg, 1998; e Vinacour 1999). O
DSM é um manual de diagnóstico desenvolvido pela APA, a Associação de Psiquiatria NorteAmericana. Hoje ele é referência mundial na classificação e na compreensão dos sofrimentos
psíquicos, servindo especialmente para criar uma linguagem comum entre os profissionais da
área, de maneira a que eles possam se comunicar com clareza, independentemente de suas
abordagens teóricas. O DSM, criado sob uma perspectiva da psicopatologia fenomenológica
(Andreasen, 2007), propõe um roteiro multiaxial, fundado em cinco eixos. O eixo II, o qual
trata dos transtornos e dos traços de personalidade, pode ser utilizado como uma tipologia da
personalidade.
O diálogo que tento estabelecer, através do ciclo de contato, entre a Gestalt-terapia e o
DSM-IV-TR, eixo II, como referências de estilos de personalidade encontra sentido em meu
trabalho a partir de algumas reflexões, das quais quero destacar o cunho descritivo do DSMIV-TR, o que facilita um olhar fenomenológico para ele e permite que se estabeleça um
diálogo com a visão gestáltica sobre o estilo de personalidade e a psicoterapia.
O que desenvolvo aqui, então, é, com base no ciclo de contato, uma tipologia
gestáltica, a qual fundamentará o diálogo com os estilos de personalidade de que trata o DSMIV-TR em seu eixo II. Farei um diálogo entre os estilos de personalidades que encontramos na
abordagem gestáltica e aqueles descritos no DSM-IV-TR, eixo II, de modo a que o gestaltista
possa compreender, a partir de seu próprio referencial, o que o DSM-IV-TR, eixo II, descreve.
Discutirei também a importância e a utilidade da compreensão do estilo de personalidade para
o psicoterapeuta e ampliarei a descrição dos estilos de personalidade do ponto de vista
gestáltico, enfatizando a maneira como se pode lidar com os diversos estilos de personalidade
na psicoterapia, visando torná-la mais útil e mais rápida ainda para os clientes.
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Para que possamos continuar a linha de raciocínio seguida até aqui, vou fazer
um pequeno resumo do ciclo de contato, para que fique mais claro como me utilizo deste
conceito no trabalho terapêutico e na confecção da compreensão diagnóstica do estilo de
personalidade que proponho aqui.
O ciclo de contato
O conceito de contato é um dos mais importantes na Gestalt-terapia. Contato é
necessário para que se formem gestalten e se refere à natureza e à qualidade da forma como
nos damos conta de nós mesmos, de nosso ambiente e dos processos a ele relacionados. PHG
(1997, p. 45) esclarecem que: “contato, o trabalho que resulta em assimilação e crescimento é
a formação de uma figura de interesse contra um fundo ou contexto de campo
organismo/ambiente.” Para Polster e Polster (1979, p. 104), “a fronteira de contato é o ponto
em que a pessoa experiencia o ‘eu’ em relação àquilo que não é ‘eu’ e, através desse contato,
ambos são experienciados de uma forma mais clara. (...) O risco da perda da identidade ou de
separação é inerente ao contato. Nisto reside a aventura e a arte do contato.” Polster e Polster
(1979, p. 105) também colocam como função da psicoterapia “guiar as pessoas a uma
recuperação das suas funções de contato”, o que deixa claro que podemos correlacionar saúde
e atualização com boa capacidade de contato. Para Perls, (1977b, p. 85), bom contato significa
que os indivíduos possam “ver a si mesmos como partes do campo total e daí relacionar-se
tanto consigo quanto como o mundo.” Além disso, contato saudável é móvel, não fixo e
depende do suporte ambiental e do autossuporte que a pessoa tenha a cada momento.
Como forma de compreender melhor como se dá o contato humano, desenvolveu-se
em Gestalt-terapia o conceito de ciclo (ou espiral) de contato. Segundo Ginger e Ginger
(1995, p. 255) o ciclo de contato é uma
noção básica em Gestalt, desenvolvida por Goodman, em sua teoria do self: ele
distingue quatro fases principais em qualquer ação: o pré-contato, o contato
(contacting), o contato pleno (final contact), o pós-contato (ou retração). Este ciclo foi
retomado, com variações, em especial por Zinker, Polster, Katzeff etc. Este último
distingue sete fases: sensação, tomada de consciência (awareness), excitação, ação,
contato, realização, retração.
Como fica claro a partir da observação de Ginger e Ginger, ao longo da história da
Gestalt-terapia foram propostos variações e aperfeiçoamentos para o conceito de ciclo de
contato, de forma que é necessário que eu deixe claro como estou concebendo este construto
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neste artigo. Assim é que neste trabalho adotarei uma destas compreensões, a de
Ribeiro (2007), com uma adaptação, para sustentar minhas ponderações. Ribeiro considera
em seu modelo de ciclo de contato nove etapas, das quais retiro aqui a primeira, a
fluidez/fixação, por entender que o ser vivo está sempre aberto ao contato, mesmo quando sua
fluidez está muito reduzida.
Então, apoiado nessa adaptação do ciclo de contato proposto por Ribeiro (2007),
considerarei oito etapas para o contato a partir do momento em que a pessoa está aberta,
fluida para novos contatos: a sensação, ou percepção corporal de alguma necessidade; a
conscientização dessa necessidade; a mobilização para atender essa necessidade; a ação
proveniente dessa mobilização; a interação que essa ação provoca; o contato final movido
pela necessidade; o fechamento proveniente desse contato final; e, fechando o ciclo, a
retirada, para que novo ciclo se inicie, num processo sem fim por toda a vida.
Obviamente, no dia a dia não encontramos essa linearidade toda que o conceito pode
dar a entender. Esse é um conceito amplo, necessariamente vago, para que tenhamos uma
ideia sobre como é o movimento de uma pessoa diante das necessidades que tem no contato
com o campo. Como bem afirma Ciornai (2005, p. 05), “não deixamos de ter sensações ao
entrar na fase de awareness, nem de ter awareness na fase de contato e assim por diante.” A
autora propõe, então, que se compreenda o ciclo de contato como “uma configuração em que
todos os fatores estão presentes, mas que, em termos de relação figura-fundo, muda de ‘foco’
a cada etapa, ou seja, em diferentes momentos muda o que fica predominantemente como
figura em nossa experiência”.
Em termos de compreensão diagnóstica, além de compreendermos, a partir desse
modelo de ciclo de contato, como se dá o contato, podemos compreender também como se
dão as descontinuações desse contato, também chamados de bloqueios de contato ou de
resistências. Prefiro o termo “descontinuação” porque me parece que ele descreve melhor o
que acontece na experiência das pessoas, uma vez que o contato não deixa de existir e,
portanto, não fica bloqueado, mas fica descontinuado, com seu ritmo quebrado e sua plenitude
reduzida.
Para cada etapa do contato há uma maneira de se o descontinuar, ainda segundo
Ribeiro (2007). Assim, a descontinuação para a sensação é a dessensibilização; a
descontinuação para a conscientização é a deflexão; a descontinuação para a mobilização é a
introjeção; a descontinuação para a ação proveniente da mobilização é a projeção; a
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descontinuação para a interação é a proflexão; a descontinuação para o contato final
é a retroflexão; a descontinuação para o fechamento proveniente desse contato final é o
egotismo; finalmente, a descontinuação para a retirada é a confluência.
A qualidade da descontinuação sempre será avaliada levando-se em conta a situação e
a história da pessoa, pois o desejável é que, em cada situação em que uma defesa seja
necessária, a pessoa se utilize da descontinuação mais adequada para a situação, não
necessariamente daquela na qual ela tem mais habilidade.
Entendo que cada descontinuação pode aparecer em, basicamente, três formas, não
necessariamente excludentes. A descontinuação pode ser um ato, um estado ou um estilo de
personalidade. Nas três formas ela pode ser saudável ou não, a depender das circunstâncias.
Uma descontinuação é um ato quando episódica, esporádica, apenas um momento, não
uma repetição: é o caso, por exemplo, de quando, em determinada situação, retrofletimos para
evitar uma discussão improdutiva com um superior hierárquico. Nesses casos, em que não há
repetições, não há a necessidade de intervenções psicoterapêuticas.
Uma descontinuação constitui um estado quando a pessoa se apóia na descontinuação
em função de exigência situacional, quer dizer, em determinada situação, por um determinado
tempo, a pessoa se vale de sua capacidade de flexibilizar seu estilo de personalidade e vive
aquela situação praticamente como se tivesse um outro estilo de personalidade, ou, como
referi anteriormente, apoiando-se em um estilo de personalidade secundário. Essa vivência é
possível apenas por um determinado período e em determinada situação, e logo a pessoa
precisará voltar a se apoiar em seu estilo de personalidade de base. Quando esse movimento é
saudável, essa porta de passagem entre o estilo de personalidade e a descontinuação como
estado permanece aberta e disponível para novas incursões quando a situação vivida exigir.
Quando essa porta fica truncada, o apoio em um estilo de personalidade secundário pode se
repetir de maneira cristalizada, constituindo uma situação patológica. De maneira geral, a
cristalização em um estado tem uma causa histórica detectável; o estilo de personalidade, por
seu turno, não é causado por um evento especial repetido, mas construído já no início da vida
a partir do herdado e do vivido. Assim, por exemplo, um estado egotista cristalizado pode ter
como evento propiciador um pai e/ou uma mãe sedutores; um estado defletor cristalizado
pode ter origem, por exemplo, em um pai muito severo que não permite ao filho um confronto
de olhares; um estado confluente cristalizado pode ser gerado por um impedimento familiar à
autonomia dos filhos, etc.
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Uma outra maneira de a cristalização aparecer é quando uma descontinuação
não está acessível como estado, de modo que a pessoa fica impedida de usar a defesa mais
desejável e eficaz em algumas situações. Outra maneira ainda de percebermos a
descontinuação como estado cristalizado é quando ela aparece com freqüência apenas em uma
ou outra área da vida da pessoa, como, por exemplo, é o caso daquela pessoa que, na área da
sexualidade, tem um discurso e uma prática cheios de introjeções, mas que em outras áreas da
vida não se utiliza predominantemente da introjeção como descontinuação.
Nos casos em que a descontinuação é estado cristalizado, a psicoterapia pode ter efeito
curativo, ajudando a pessoa a abandonar esse tipo de defesa patológica cristalizada,
recuperando a capacidade de ter essa defesa à mão somente nas situações em que ela é
adequada.
Uma descontinuação constitui um estilo de personalidade quando se configura como
estrutura da personalidade, modo peculiar e habitual de estar no mundo. Nesses casos, uma
intervenção terapêutica deve visar o conhecimento, a compreensão, a flexibilização e a
aceitação dessa estrutura, na medida em que ela, uma vez estabelecida, não poderá, salvo por
milagre, ser intrinsecamente modificada pelo resto da vida. É importante que eu faça dois
esclarecimentos aqui: primeiro é o fato de que todos nós nos modificamos ao longo da vida,
nos tornamos pessoas diferentes e mais amadurecidas dentro do possível, sem mudarmos de
estilo de personalidade, quer dizer, as mudanças pelas quais passamos pela vida nos tornam
diferentes dentro da permanência; segundo, quando digo que determinada pessoa tem um
estilo de personalidade, quer dizer, uma jeito preferencial de estar no mundo, não estou
dizendo que esse é o jeito único de ela estar no mundo, mas que é o jeito preferencial, pois,
caso contrário, fugiríamos da premissa da psicologia fenomenológica de que o ser humano é
um ser aberto. Entendo que ser aberto não é ser ilimitado, antes pelo contrário, de modo que,
assim como temos nossas limitações corporais, genéticas, etárias, de época, de cultura e de
campo, temos também nossas limitações em termos de personalidade. Nos termos em que
penso essa tipologia que discuto aqui, toda pessoa, enquanto ser de abertura, tem a
possibilidade de se apoiar em todos os estilos de personalidade, embora haja um que é
predominante. Além disso, como discutirei mais adiante, quanto mais atualizada está uma
pessoa, mais facilidade ela tem para acessar, quando a situação assim o exige, algum estado
diferente daquele que constitui a estrutura de sua personalidade, combinado-o com seu estilo
prevalente. Neste artigo, estou tratando do estilo de personalidade, de maneira semelhante ao
modo que o DSM-IV-TR conceitua, em seu Eixo II, os estilos de personalidade. É o que eu
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chamo de compreensão diagnóstica do fundo, pois entendo que o estilo de
personalidade é o tonalizador do fundo das vivências humanas.
As descontinuações
Vou fazer agora uma descrição, necessariamente sumária, de como se pode
compreender teoricamente cada uma dessas
descontinuações, lembrando que elas tanto
podem ser saudáveis quanto patológicas, a depender de como são acessadas.
A dessensibilização, como o próprio termo já diz, é um processo através do qual a
pessoa se esfria, se atonia, diminui sua percepção sensorial como forma de descontinuar um
contato vivido como arriscado ou perturbador. Quando saudável, permite exercer uma
seletividade do que é percebido; quando patológica, torna os contatos distantes e
aparentemente frios.
A deflexão é a capacidade de sair pela tangente, desviando-se do perigoso ou do muito
frustrante de maneira indireta, de modo a evitar um confronto mais franco ou profundo.
Quando saudável, possibilita manter superficiais os contatos que podem ser mais tóxicos se
aprofundados; quando patológica, impede o aprofundamento do contato.
A introjeção aparece quando a pessoa incorpora normas, atitudes, modos de agir e
pensar que não são, a princípio, verdadeiramente dela. É a maneira mais usual que temos para
aprender qualquer lição ou atividade, pois, quando saudável, a introjeção é seguida pela
assimilação, quer dizer, aquilo que estava introjetado é perpassado por uma atividade crítica e
agressiva, a qual aceita algumas partes e rejeita outras partes do aprendido, até que há uma
incorporação e a parte assimilada se torna parte integrante daquela pessoa. Quando
patológica, não se dá a assimilação e a pessoa vive em si o que é do outro sem se dar conta
disso e responsabilizando-se pelo que não é exatamente seu.
Na projeção há uma confusão entre o que é de fato da pessoa, de modo que ela atribui
ao externo algo que é na verdade dela, ou, como dizem os Ginger (1995, p. 135), a pessoa
“transborda e invade o mundo externo”. A arte pode ser um bom exemplo de boa projeção.
Outra forma de boa projeção é o amor, quando vejo no outro o belo que em verdade sinto
entre nós, enquanto que a projeção patológica, se estilo de caracteriza pela falta de percepção
e de aceitação da responsabilidade por desejos, atitudes, valores, os quais são, por isso,
atribuídos ao outro: a pessoa “visualiza no mundo exterior aquelas partes de sua própria
personalidade com as quais se recusa a se identificar” (Perls, 2002, p. 231).
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A proflexão, de uma certa forma, é uma união entre a projeção e a
retroflexão, compondo um meio de defesa pelo qual a pessoa faz para o outro aquilo que
gostaria que este outro fizesse para ela. Essa descontinuação se caracteriza por um fluxo
energético voltado para fora do organismo. Dessa forma, quando a proflexão é patológica, a
pessoa pode até, em um limite, passar a existir no outro, passar a ter sua identidade
dependente do outro, praticamente substituindo o autossuporte pelo suporte externo, o que
acaba por gerar sentimentos de isolamento e de abandono, além de vivência de
comportamentos impulsivos derivados da insuficiência de um senso de identidade ancorado
na realidade.
A retroflexão é a capacidade de fazer voltar-se para dentro a energia que
potencialmente deveria ir para o exterior. É um autocontrole através da vontade. É um fazer a
si o que gostaria que os outros fizessem, como, por exemplo, na masturbação. Na retroflexão,
é comum uma luta interna, uma divisão e um conflito entre entregar-se às situações ou
manter-se atento e autocontrolado: “uma retroflexão genuína está sempre baseada nessa cisão
da personalidade e é composta de uma parte ativa e uma parte passiva” (Perls, 2002, p. 309).
O egotismo pode ser descrito como a forma pela qual a pessoa desenvolve um eu tão
controlado e auto-suficiente que traz o risco de anular o contato com os sentimentos e seu
potencial transformador. A hipertrofia do eu e as condutas narcísicas têm relação com o
egotismo.
A confluência é a capacidade de união com o outro. Possibilita a empatia, quando
saudável, ou o fanatismo ou a dependência mórbida, quando patológica. Caracteriza-se,
basicamente, pela capacidade de compor o “nós” que se contrapõe ao “eu”.
A personalidade: estrutura
Quando penso em estrutura de personalidade, penso em algo plástico, flexível, em
constante reorganização e atualização, elementos novos se misturando a elementos antigos, de
modo a que a pessoa possa mudar ao longo da vida, permanecendo a mesma. Se há um certo
padrão de comportamento configurado pela estrutura, isso não quer dizer rigidez, mas
constância; não quer dizer fixação, mas referência; não quer dizer alienação, mas limitação.
Cada um de nós desenvolve, ao longo da vida e especialmente nos primeiros anos
dela, um modo peculiar de ser, uma identidade, a qual, mesmo permanecendo a mesma, muda
ao longo da vida. Esse é o paradoxo da estrutura, pois só podemos mudar se houver algo que
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permanece, de modo que é a estrutura que possibilita a plasticidade e o crescimento.
Quanto
mais
saudável
e
atualizada
é
uma
pessoa,
menos
previsível
comportamentalmente ela é, mas alguma previsibilidade é necessária, minimamente que seja,
para garantir que há uma continuidade, que há uma história. Desse modo, quanto mais
saudável e atualizada é uma pessoa, mais difícil é identificar-se qual é seu estilo de
personalidade preponderante, mas, seguramente, sempre há um estilo de personalidade que se
impõe no cotidiano.
Ao pensar, com Terêncio, que “nada do que é humano me é estranho”, é preciso que
eu destaque novamente que toda pessoa tem possibilidade de viver cada um dos estilos de
personalidade existentes, a depender da situação. Mas, embora possamos, potencialmente, ter
à mão cada um dos estilos de personalidade, há um que se impõe e que exige nossa volta a
ele, sob pena de intenso sofrimento e inautenticidade. Assim, a pessoa saudável é aquela que
vive com ampla aceitação o estilo de personalidade que lhe exige a situação, mas que fica
confortável mesmo é quando a situação exige o estilo de personalidade que é predominante.
O que quero dizer é que cada um de nós tem um jeito de ser que se repete, com maior
ou menor plasticidade, desde a mais tenra existência até a morte. Isso é o que caracterizo
como estilo de personalidade, uma parte da estrutura da personalidade humana. Essa estrutura
não é necessariamente patológica, antes pelo contrário, embora possa, eventualmente, estar
adoecida, quer dizer, rígida, cristalizada, de maneira que, em vez de servir de suporte para
mudanças, serve de barreira e estagnação.
Podemos, em um processo psicoterapêutico, dissolver as descontinuações do contato
que são estado cristalizado, mas não podemos fazer uma pessoa deixar de viver o estilo de
personalidade que é. Nesse último caso, o trabalho realmente terapêutico é aquele que facilita
a autoaceitação, a possibilidade de mudar permanecendo o mesmo, a possibilidade de
conhecer-se permanecendo aberto para surpreender-se consigo mesmo, a flexibilidade
existencial. Ao mesmo tempo, este trabalho terapêutico possibilita ao cliente conhecer os
outros estilos de personalidade que têm em si como estados e, conhecendo-os, poder lançar
mão deles nas situações que assim exigirem, sabendo que isso não o tornará
preponderantemente esse outro estilo de personalidade. O outro estilo de personalidade tornase um recurso, uma roupa que se coloca para determinada ocasião e que pode até ser muito
confortável, adequada e bonita, mas que não tem o mesmo sabor da nudez na intimidade.
Como todo instrumento psicológico, também uma tipologia baseada no ciclo de
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contato não me permite esgotar a compreensão do meu cliente, o que me obriga a
constantemente refazer a compreensão diagnóstica, mantendo uma postura de nunca deixar de
dar atenção ao aspecto processual da psicoterapia e do próprio ser do cliente, de modo a ter
sempre presente que a experiência do cliente é maior que qualquer diagnóstico que se possa
fazer dele. Além disso, o ciclo de contato é um instrumento, um recurso do qual me utilizo
para facilitar a compreensão de meu cliente, um instrumento que se coloca a serviço da
relação dialógica, esta sim o coração do trabalho terapêutico.
Ao fazer essa análise da personalidade do cliente, não estou particularmente
interessado na determinação da presença ou da ausência de uma enfermidade, mas, antes, em
compreender um jeito de ser, um estilo de lidar com as relações, de lidar com a vida e com as
questões existenciais, um estilo de fazer contato. Nesse processo, procuro antes olhar para a
saúde que para a doença, para o que o cliente traz de criativo mais do que para o que o cliente
traz de problemático, visando, assim, ampliar o sentido de cooperação necessário no processo
terapêutico.
Os estilos de personalidade
Descreverei, a partir de traços de personalidade que elegerei como mais facilitadores
para o psicoterapeuta, como os estilos de personalidade podem ser compreendidos a partir do
referencial gestáltico, com o uso do ciclo de contato e suas descontinuações.
Como pretendo facilitar um diálogo com o DSM-IV-TR, eixo II, é importante lembrar
que ali estão estudados os seguintes dez tipos de transtorno de personalidade, os quais
entenderei, como já expliquei, como derivados de estilos de personalidade. Assim, temos o
transtorno associado à personalidade paranoide;
à esquizoide;
à esquizotípica;
à
personalidade borderline; à histriônica; à narcisista; à antissocial; à personalidade esquiva; à
dependente; à obsessivo-compulsiva.
Quando digo que determinado estilo de personalidade do ponto de vista gestáltico se
assemelha a um estilo de personalidade descrito no DSM-IV-TR, eixo II, não estou tentando
trazer a perspectiva do DSM-IV-TR, eixo II, para a Gestalt-terapia, mas, ao contrário, minha
intenção é possibilitar ao gestaltista a compreensão do DSM-IV-TR, eixo II, em seus próprios
termos, de modo a que possa se comunicar melhor com os profissionais da área. Como em
toda tentativa de diálogo entre referenciais diferentes, é importante que se tenha em mente que
semelhança não quer dizer igualdade, que o que faço aqui é uma analogia, e que para o
gestaltista deve prevalecer sua própria compreensão dos estilos de personalidade, como
16
desenvolverei adiante.
Cada um desses estilos de personalidade ilumina, dentre outros aspectos, um propósito
amplo para o processo terapêutico, o que, por sua vez, orienta o terapeuta em seu trabalho.
Além desse propósito amplo, cada um desses estilos de personalidade exigirá do terapeuta um
cuidado específico no que diz respeito à comunicação (verbal e não-verbal), ao tato, ao
acolhimento e à confrontação, dentre outros aspectos.
No que diz respeito ao propósito amplo da psicoterapia para cada tipo de estilo de
personalidade, isso quer dizer que cada um deles tenderá a demandar um tipo de mudança,
uma rota no caminho da flexibilização, um norte (cf Delisle, 1988, 1999, 2005). Assim, o
norte para as pessoas dessensibilizadas passa por uma reapropriação corporal; para o
introjetor, a ampliação da capacidade crítica e da agressividade; para o estilo de personalidade
defletor, o norte é a possibilidade de se aprofundar mais; para o estilo de personalidade
projetor, busca-se a possibilidade de um maior distanciamento entre os aspectos emocionais e
os cognitivos, de modo a ampliar a crítica ao vivido e o tempo de reação a cada emoção
percebida; para o estilo de personalidade proflexivo, o norte é a ampliação do
autoconhecimento como forma de se diferenciar do outro e de buscar guiar-se mais por si;
para o retrofletor, o norte são a liberdade e a soltura; para o estilo de personalidade egotista, o
norte é a ampliação da capacidade de empatia e de humildade; para o estilo de personalidade
confluente, é a possibilidade de ampliação da autonomia. Embora cada um desses nortes sirva
para todas as pessoas, o que afirmo aqui é que há, para cada estilo de personalidade, um
sobressair das finalidades apontadas acima.
Quando digo que para cada tipo de personalidade há um trajeto já esboçado (e apenas
esboçado), isso obriga a prestar ainda mais atenção nas diferenças individuais. O apontar de
caminhos que se pode depreender do estilo de personalidade de cada cliente é feito grosso
modo, devendo ser especificado cuidadosa e continuamente para cada cliente em cada
momento do processo terapêutico. Cabe ainda repetir que não existe alguém que possa ser
enquadrado em um estilo “puro” de personalidade, mas que sempre há um estilo que
prevalece no cotidiano da pessoa.
Para descrevermos um estilo de personalidade precisamos definir traços, ou seja,
categorias para a descrição e o estudo ordenados do comportamentos de pessoas, pois o
conceito de tipo ou estilo de personalidade refere-se ao aglomerado de vários traços
diferentes. Como meu propósito mais importante neste artigo é voltado para a psicoterapia,
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descreverei muito sumariamente cada estilo de personalidade tendo por base traços
que têm relação mais próxima com a psicoterapia. Não custa reafirmar que o todo é diferente
da soma de suas partes, o que quer dizer que a simples reunião desses traços que descreverei
não constitui o estilo de personalidade, mas, sim, a configuração deles. Essa configuração
pode ser percebida no contato próximo com o cliente que a psicoterapia proporciona, um
contato que se dá e se aprimora ao longo de diversas sessões e que se fundamenta fortemente,
mas não somente, na intersubjetividade e na intuição do terapeuta.
Para descrever sumariamente cada estilo de personalidade, vou me apoiar nos
seguintes traços, não necessariamente nesta ordem para cada um: palavra-chave e o mote;
corporeidade; cognição; contato; sociabilidade; afetividade; sabedorias; religiosidade;
especificidades na psicoterapia. Nas descrições que seguem dialogo com Delisle (1988, 1999,
2005).
As palavras-chave e os motes que uso para cada estilo de personalidade são maneiras
de realçar as características mais comuns em pessoas de cada estilo de personalidade. Por
corporeidade entendo a maneira como a pessoa tende a vivenciar o próprio corpo. Cognição
se refere ao modo como tende a organizar seus pensamentos e suas reflexões. Quando falo
aqui em contato quero me referir especialmente ao ritmo mais comum de alternância entre
contato interno e contato externo, além da maneira mais peculiar de cada estilo de
personalidade fazer contatos, especialmente contatos interpessoais, os quais, dada sua
importância, aparecem também na categoria sociabilidade, embora aqui com as
peculiaridades na participação em grupos. Por afetividade quero descrever a maneira
predominante como cada estilo de personalidade tende a lidar com os sentimentos. As
sabedorias são aquelas questões para as quais a pessoa tende a ter mais habilidades em função
de seu jeito de ser. A religiosidade vem se tornando uma característica humana cada vez mais
levada em conta na psicoterapia, dentre outros motivos porque a maneira como cada pessoa
vivencia sua religiosidade e se relaciona com a divindade traz informações muito relevantes
sobre como ela lida com sua espiritualidade, isto é, com sua capacidade de criar valores, ter
horizontes, dar sentido a suas vivências. As especificidades na psicoterapia dizem respeito à
relação e à situação terapêuticas, com ênfase nos cuidados que cada estilo de personalidade
tende a necessitar do terapeuta.
O estilo de personalidade dessensibilizado
O primeiro estilo de personalidade que compete estudar agora é o das pessoas
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dessensibilizadas, quer dizer, aquelas pessoas que manifestam descontinuações mais
comumente no início do ciclo. Assemelham-se, nos critérios do DSM-IV-TR, eixo II, às
personalidades esquizoide e esquizotípica, nas quais é flagrante a base da dessensibilização. A
especificidade mais marcante dessas pessoas é uma certa tendência à solidão, até mesmo uma
necessidade de solidão para que possam se sentir bem. Por isso, a palavra-chave aqui é
“solidão”. O mote para essas pessoas poderia ser resumido na expressão “o mínimo possível”,
pois dão a impressão de que podem se contentar com o mínimo possível nas diversas áreas da
vida.
O contato corporal tende a ser pouco desenvolvido, de modo que essas pessoas
parecem não ter grandes apetites ou grande abertura para os prazeres, respondendo de maneira
fraca ou desajeitada às tentativas dos outros de proximidade afetiva ou corporal. Parecem
pessoas um tanto desligadas, o que é motivo comum de queixas de quem convive com elas.
Paradoxalmente, a maneira mais comum como perturbam o ambiente é não se perturbando,
quer dizer, esfriando-se.
No que diz respeito, ainda, ao corpo, essas pessoas têm uma tendência a uma certa
negação do corpo, um tônus corporal fraco, pouca energização corporal e uma dificuldade,
por causa disso, de manifestar intensamente as emoções e de mostrar graciosidade em seus
movimentos. Não são, no entanto, pessoas com pouca capacidade afetiva: o que lhes é difícil
é mobilizarem-se pelos afetos, de modo que acabam dando a impressão de serem pessoas frias
sem que, de fato, o sejam. Sexualmente, tendem a manter, sempre que possível, sua
sexualidade escondida, como que prescindível.
No que diz respeito à cognição, tendem a ser mais concretos. A maneira mais comum
de essas pessoas se relacionarem com a divindade é através do isolamento, da negação do
corpo ou de sua imolação, da mágica.
Não é incomum encontrarmos nessas pessoas, especialmente quando deprimidas, um
intenso senso de ironia, um humor ferino que, não raro, os isola ainda mais. Tendem a
encontrar um melhor destino profissional nas atividades que não exigem muito contato
interpessoal ou que não exigem contato profissional muito aprofundado. Essa característica
também se manifesta nos passatempos preferidos.
Tendem a ter uma rede social pequena e/ou de pouca vinculação afetiva. Parecem não
cuidar das vestimentas que usam, como se não lhes importasse fazer esforços para serem bem
vistos. Se pensarmos que cada estilo de personalidade traz sabedorias especiais, as sabedorias
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mais marcantes das pessoas dessensibilizadas são sua capacidade de distanciamento,
a qual lhes possibilita agir sem impulsividades e manter uma atitude de observação e crítica
ao cotidiano cultural.
Em terapia, tendem a ser pessoas, de certa forma, refratárias ao toque, embora não
sejam formais. Têm uma expressão verbal empobrecida, usando poucos verbos ativos e pouca
emocionalidade nas descrições do vivido. Demoram-se muito, quando conseguem, para se
vincular ao terapeuta, o que vai exigir do profissional muita paciência e muito cuidado para
não invadir o cliente, pois sob a crosta de aparenta frieza há um coração frágil e delicado, que
teme muito não ser compreendido. Esse cliente, em função disso, faz todos os esforços para se
sentir independente do terapeuta. A reação mais comum que essas pessoas provocam no
terapeuta é uma certa frieza. O que essas pessoas mais precisam desenvolver é um melhor
contato corporal para que possam se sensibilizar melhor. Paralelamente a isso, a capacidade
para ampliar e aprofundar os contatos interpessoais pode ser incentivada, também com
delicadeza, bem como se pode ajudar o cliente a ampliar sua capacidade de ter uma vida mais
ativa, tentando ir um pouco além do mínimo possível nessas áreas.
Como paradigmas na arte para este estilo de personalidade, sugiro a leitura dos livros
“Barthelby”, de Herman Melville, e “O Videota”, de Jerzy Kosinski. No cinema, “Muito
Além do Jardim”, com Peter Sellers, filme baseado na obra de Kosinski, além de inúmeros
faroestes americanos, que têm, como figura de herói, o cavaleiro solitário e aparentemente
imperturbável e pouco ambicioso. Na literatura brasileira temos como modelo emblemático
do estilo de personalidade dessensibilizado os “Severinos”, cantados em versos por João
Cabral de Mello Neto no poema “Morte e Vida Severina”
O estilo de personalidade defletor
O estilo de personalidade defletor descreve pessoas que têm uma tendência, de certa
forma, a serem sensibilizadas fortemente com relação ao ambiente. Assemelham-se, nos
critérios do DSM-IV-TR, eixo II, à personalidade histriônica, na qual é flagrante a base de
intensa socialização e horizontalidade. A especificidade mais marcante dessas pessoas é uma
certa dificuldade para a vivência da solidão ou da quietude. Por isso, as palavras-chave aqui
são “superficialidade” e “sexualização”, uma vez que é comum entre essas pessoas o uso da
sexualidade como maneira de buscar atenção e afeto. O mote para essas pessoas poderia ser
resumido na expressão “abundância e brevidade”, pois dão a impressão de que só podem se
contentar com o máximo possível nas diversas áreas da vida, desde que de maneira fugaz,
20
embora eventualmente essa intensidade possa estar disfarçada defensivamente por
vivências de timidez.
O contato corporal tende a ser bem desenvolvido, podendo a pessoa responder de
maneira intensa, às vezes até exagerada, às tentativas dos outros de proximidade afetiva ou
corporal. A maneira mais comum através da qual perturbam o ambiente é pela necessidade de
atenção e cuidado.
Apresentam uma tendência a uma percepção corporal mais acentuada, um tônus
corporal bastante energizado, e, comumente, uma facilidade, por causa disso, para manifestar
intensa e brevemente as emoções. Sexualmente, tendem a parecer muito interessados e
interessantes, mantendo, sempre que possível, sua sexualidade como uma das ferramentas de
comunicação e de contato.
No que diz respeito à cognição, tendem a desvalorizar os aspectos cognitivos e a
introspecção, prestando mais atenção aos eventos externos, mesmo os mais comuns.
Costumam ter uma vivência mística mais severa, festiva e ritualística. A maneira mais comum
de essas pessoas se relacionarem com a divindade é através dos grupos de pertinência, da
organização de eventos religiosos, do cuidado com os rituais e com os coirmãos.
Tendem a encontrar um melhor destino profissional nas atividades que exigem muito
contato interpessoal, desde que não muito aprofundado, especialmente de ajuda aos outros.
Essa característica também se manifesta nos passatempos preferidos.
Tendem a ter uma rede social ampla e bastante horizontalizada. A questão das
vestimentas é, de maneira geral, muito importante para essas pessoas: esmeram-se em parecer
bem, mesmo que eventualmente com alguns exageros.
As sabedorias mais marcantes das pessoas defletoras são sua capacidade de
aproximação e acolhimento, a qual lhes possibilita agir a serviço dos outros e a manter uma
atitude de participação e de intervenção no cotidiano cultural.
Em terapia tendem a ser pessoas com quem o toque é sempre perigoso, pois pode ser
subitamente erotizado. Na maioria das vezes, sua queixa inicial está ligada às relações
interpessoais, a uma sensação de serem mal compreendidos pelo ambiente. Têm uma
expressão verbal às vezes meio empolada, uma tendência a usar poucos verbos ativos e muita
emocionalidade nas descrições do vivido. Tendem a narrar a própria história de maneira um
tanto dramática, interessante, com poucos detalhes. Com esses clientes é preciso um cuidado
21
firme com respeito à sedução sexual, bastante comum na terapia dessas pessoas; diz
Delisle (1999, p. 102):
é preciso cuidado para a compreensão das tentativas de sedução por parte do cliente:
usar a técnica do ‘obrigado, não, por que’. Obrigado: compreender a sedução como
meio para alcançar intimidade; dizer não de maneira compreensiva e continente;
explorar com o cliente o significado dessas tentativas.
A vinculação com o terapeuta será sempre imprevisível e pouco confiável. Muito
comum é a percepção, por parte do terapeuta, de que está sentindo raiva de seu cliente.
Como o que essas pessoas mais precisam desenvolver é uma ampliação da capacidade
de mudar e uma ampliação da capacidade de intimidade e de aprofundamento em sua vida e
em suas relações, é bom que na terapia se trabalhe, lenta e pacientemente, uma ampliação da
capacidade dessa pessoa de se centrar mais em si do que no ambiente, diminuindo a centração
no outro. Paralelamente a isso, a capacidade para aprofundar os contatos interpessoais pode
ser incentivada e experimentada também na relação terapêutica.
Como paradigmas na arte para este estilo de personalidade sugiro a leitura dos livros
de Jorge Amado, um narrador praticamente especializado em figuras defletoras,
especialmente, mas não somente, as femininas. No cinema, como também no livro do qual
deriva o filme, um exemplo interessante de estilo de personalidade defletor é Alice, de “Alice
no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll.
O estilo de personalidade introjetor
O estilo de personalidade introjetor é o das pessoas que manifestam descontinuações
mais comumente na etapa da mobilização, imediatamente antes da ação. Assemelha-se, nos
critérios do DSM-IV-TR, eixo II, à personalidade esquiva, nas quais é flagrante a base da
introjeção e da ansiedade (e eventual paralisação) inerente à introjeção. A especificidade mais
marcante dessas pessoas é uma certa tendência à sensação de humilhação, o que provoca uma
busca de solidão como forma de proteção, mas com um sentido bem diferente daquele da
solidão das pessoas dessensibilizadas, pois aqui a solidão é buscada como fuga. Por isso, a
palavra-chave aqui é ”retirada” no sentido de ser uma pessoa que se retira, que diminui seus
contatos como forma de evitar a possibilidade da humilhação. Outra palavra-chave pode ser
”hesitação”. O mote para essas pessoas pode ser resumido na expressão “tudo sempre pode
piorar”, pois essas pessoas dão a impressão de que sempre esperam por algo ruim. É
interessante ressaltar que não é raro essa pessoa localizar em algum aspecto corporal o foco da
22
rejeição, sempre de maneira plausível, quer dizer, para todas as pessoas há, de fato,
algo no corpo que foge ao comum ou à norma da cultura; o introjetor, via de regra, coloca
nessa diferença o motivo da rejeição ou da humilhação.
O contato corporal tende a ser desenvolvido especialmente na percepção de situações
aversivas ou de perigo, possibilitando um estado de alerta perene, e aqui é preciso fazer uma
distinção com relação às pessoas projetivas: o introjetor fica em alerta pelo medo de ser
rejeitado, ao passo que o projetor fica em alerta por desconfiar do outro. O introjetor, por
causa desse alerta constante, acaba dando mais atenção à dor que ao prazer.
Tendem a ter contatos fugidios, mais ariscos. Parecem pessoas um tanto assustadas ou
pessimistas, o que dificulta a convivência com quem quer se aproximar. A maneira mais
comum como perturbam o ambiente é pelo pessimismo e pelo embaraço, ainda que
aparentemente disfarçado, ante as situações mais comuns para a maioria.
No que diz respeito aos sentimentos, essas pessoas vivem especialmente o medo e sua
derivação, a ansiedade, os quais fundamentam a introjeção como tentativa de adequação ao
ambiente através da obediência às expectativas que a pessoa imagina que o ambiente tenha.
Tendem a ser ativos, uma vez que a fuga é um processo ativo. Têm sua afetividade
subordinada aos medos. O toque tende a ser rápido, fugaz, pouco atraente ao outro. Também
com relação à sexualidade é comum viverem o medo da rejeição e do ridículo. Não é raro
encontrarmos nessas pessoas a tartamudez e uma recorrência de problemas respiratórios.
No que diz respeito à cognição, tendem a pensar no comportamento dos outros a partir
do prisma de suas preocupações, sempre esperando pelo pior. Tendem a se valorizar pouco e
também tendem a valorizar pouco o outro, resultando daí uma importante dificuldade de
manter amizades ou relações mais longas, a não ser aquelas obrigatórias, da família de
origem. Tendem a ter uma rede social pequena, de pouca confiabilidade e pouca intimidade,
na qual tendem mais a pedir que a dar. Parecem cuidar das vestimentas que usam no sentido
de não chamarem a atenção. Na linguagem, tendem a usar muitas generalizações e,
comumente, têm dificuldades em dizer não. A timidez é muito comum.
A maneira mais usual de essas pessoas se relacionarem com a divindade é através de
um distanciamento, até uma certa persecutoriedade. No desenvolvimento profissional tendem
a preferir profissões de pouco contato interpessoal, pelo medo da rejeição. Essa característica
também se manifesta nos passatempos preferidos. Uma de suas maiores sabedorias está no
reconhecimento das situações de risco e nas estratégias para se minimizarem os riscos.
23
Tendem a ter também uma vida imaginativa muito rica, maneira compensatória de
evitar o contato ameaçador.
Em terapia são pessoas que temem tocar e ser tocadas. Sua queixa inicial geralmente
está ligada à ansiedade e ao medo da rejeição e do ridículo. É preciso que o terapeuta esteja
atento ao medo que esses clientes têm de que o terapeuta os rejeite. Esse medo pode gerar,
basicamente, dois caminhos ruins para o cliente: num, ele tenta ser adequado e não se expõe;
noutro, quando se sente aceito, ele pode achar que só o terapeuta o entende, o que gera uma
certa dependência que pode ser iatrogênica. A reação mais comum que esses estilos de
personalidade provocam no terapeuta é um desejo de encorajar o cliente, um desejo que tem
que ser contrabalançado pelo cuidado em perceber a ansiedade do cliente e não incentivá-lo a
condutas que para ele podem ser temerárias para agradar o terapeuta. Cognitivamente, quando
a terapia consegue auxiliá-los a ter uma postura mais crítica quanto às introjeções, podem
alcançar valiosas autoafirmações.
Como paradigmas na arte para este estilo de personalidade temos, no cinema, os
personagens principais de “O Fabuloso Destino de Amélie Polain”, com Audrey Tautou, e
“O Discurso do Rei”, cujo personagem principal é vivido por Colin Firth. Na literatura e no
cinema temos o estilo de personalidade introjetor bastante explorado nas comédias,
especialmente aquelas que retratam situações repetidas de ridicularização a que essas pessoas
podem estar sujeitadas.
O estilo de personalidade projetor
O estilo de personalidade projetor é o das pessoas que manifestam descontinuações
mais comumente na etapa da ação. Assemelha-se, nos critérios do DSM-IV-TR, eixo II, à
personalidade paranoide, nas quais é flagrante a base da projeção e da desconfiança. A
especificidade mais marcante dessas pessoas é uma certa rigidez, fruto de uma atitude de
desconfiança com relação ao mundo. Por isso, a palavra-chave aqui é ”vigilância”, ou
“suspeita”, no sentido de serem pessoas que se colocam em permanente estado de atenção
ante um mundo vivido predominantemente como hostil e perigoso. O mote para essas pessoas
pode ser resumido na expressão “sempre alerta”, utilizada num sentido defensivo, pois essas
pessoas dão a impressão de que sempre estão prontas para enfrentar uma hostilidade
repentina, vinda de qualquer lugar. O projetor, via de regra, coloca nessa atitude desconfiada
toda a energia de que dispõe e associa isso a uma crença desmesurada sobre a própria
importância, tendendo a sentir-se como referência, especialmente para atos danosos ou
24
maledicentes. Essa atitude de suspeita não quebra o contato com a realidade,
embora traga à realidade um colorido bem típico, tonalizado pela ameaça e pela consequente
necessidade de atenta defesa.
O corpo, energizado, está sempre pronto para reagir. É comum também uma postura
mais retaliadora com relação aos outros e ao mundo. Como tem dificuldade para relaxar,
tende a ter contatos praticamente sem afetos, fundados apenas na cognição. É raro
encontrarmos contato com grupos, a não ser aqueles estritamente necessários, como, por
exemplo, os profissionais. Mesmo nesses contatos podemos encontrar amiúde momentos de
hostilidade e de ambiguidade, muitas vezes incompreensíveis para as outras pessoas.
A maneira mais comum como perturbam o ambiente é através dessa ambiguidade e da
hostilidade, além, é claro, da atitude de desconfiança e de vigilância que permeia todos os
seus contatos cotidianos. Tendem a compreender uma possível proximidade com outras
pessoas como perigo, pois a projeção mais encontradiça é aquela que coloca nos outros as
partes inaceitáveis de si. No que diz respeito aos sentimentos, essas pessoas não vivem
exatamente o medo, mas a desconfiança, o que é bem diferente. Tendem a ser ativos,
vigilantes e provocadores.
Como estão em estado de vigilância, não provocam desejo de se os tocar, nem
mostram desejo de tocar as outras pessoas. Também com relação à sexualidade é comum
relações sem afeto, praticamente cognitivas, sem qualquer significado mais importante, com
pouco cuidado ou culpas. Vivem um sexo sem coração e com raras sensações de prazer.
No que diz respeito à cognição, tendem a ter nela seu principal suporte. Na linguagem,
tendem a não gostar de responder perguntas, ao mesmo tempo em que se colocam como
inquisidores. Têm dificuldades em dizer “sim”, especialmente os afetivos.
A maneira mais comum de essas pessoas se relacionarem com a divindade é através de
uma marcante desconfiança, não raro um ateísmo belicoso e irascível. No desenvolvimento
profissional, tendem a preferir profissões nas quais a postura vigilante seja valiosa, como nas
funções militares, de polícia, do direito, do mundo das finanças. Essa característica também se
manifesta nos passatempos preferidos.
Tendem a ter uma rede social muito pequena, sem intimidade, na qual tentam se
mostrar como impassíveis, mas tendem a ser vistos como irritáveis, invejosos e ciumentos.
Aos pensarmos nas sabedorias especiais das pessoas projetivas, uma de suas maiores
habilidades está no reconhecimento do e na lida com o perigo, especialmente quando adotam
25
profissões voltadas para a proteção de pessoas ou de valores.
Embora a projeção como ato e como estado sejam relativamente comuns em terapia,
como estrutura é muito rara. As pessoas projetivas, por sua natural desconfiança, têm muita
dificuldade de se utilizarem de intervenções psicoterapêuticas, as quais são, inerentemente,
baseadas na confiança mútua. Ainda assim, quando procuram terapia, geralmente quase que
forçados por alguma pessoa importante para eles, tendem a ser clientes muito difíceis, uma
vez que é comum se colocarem muito na defensiva, interpretando cada gesto do terapeuta,
mesmo o mais anódino, como possível manobra estratégica. Têm uma expressão verbal
inquisitória, confrontadora, com grande investimento cognitivo buscando o controle da
situação terapêutica. Tendem a narrar a própria história de maneira ambígua e enigmática,
suspeitando mesmo do terapeuta, o qual deve se colocar como um bom parceiro para, com
muita paciência, deixar que lentamente a confiança possa ter espaço na situação terapêutica. A
reação mais comum do terapeuta ante essas pessoas é de um certo desconforto, quase uma
paranoia; o terapeuta acaba mais consciente de seus gestos e mais controlado e cuidadoso do
que de costume.
Como paradigma na arte para este estilo de personalidade, sugiro o filme “Teoria da
Conspiração”, estrelado por mel Gibson. Na literatura, o personagem clássico para a estrutura
projetiva é “Dom Casmurro”, de Machado de Assis.
O estilo de personalidade profletor
O estilo de personalidade profletor é aquele das pessoas que manifestam
descontinuações mais comumente na etapa da interação. Assemelha-se, nos critérios do DSMIV-TR, eixo II à personalidade borderline, nas quais é flagrante a impulsividade, além de uma
certa labilidade emocional, derivadas de problemas ligados ao estabelecimento e à
manutenção da identidade. Por isso, as palavras-chave aqui são ”impulsividade”,
”irritabilidade” e ”temeridade”. Tendem a ser tomadas por impulsos que não conseguem ou
têm dificuldades para controlar e, por isso, apresentam, muito mais do que a média das
pessoas, comportamentos temerários que podem chegar a causar danos significativos para ela
ou para os próximos. O mote para essas pessoas poderia ser resumido na expressão “se desejo,
posso”, utilizada num sentido que tendem a ser tomadas por um imediatismo que as incita a
certos comportamentos dos quais, via de regra, se arrependem profundamente depois, quando
há depois. É preciso notar, no entanto, que essa impulsividade é o visível de um aspecto mais
importante neste tipo de personalidade, uma vivência de vazio, de uma certa falta de
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identidade que é a grande força motriz do jeito profletor de ser, pois é em função
desta sensação de vazio que a pessoa tende a se mover como se praticamente pudesse viver no
outro: “por exemplo, uma mulher que proflexa crê erroneamente que é o outro que tem a
chave de sua felicidade” (Crocker, 1981, p. 02)
O comportamento errático e imprevisível dessas pessoas aparece principalmente nos
grupos, trazendo, frequentemente, prejuízos para a pessoa profletora, porque os outros acabam
se cansando de sua instabilidade e de suas cobranças e se afastando, deixando-a muito
dolorida:
se o outro responde como o profletor deseja, a relação tende a ser estéril e
estereotipada. (...) Se o outro falha em responder ou a resposta não condiz com as
expectativas do profletor, isso gera ressentimentos, às vezes no profletor, às vezes em
ambos. (Crocker, 1981, p. 4)
Os profletores têm uma certa dificuldade para perceber e para lidar com suas
sensações, o que pode provocar uma certa ambiguidade com relação aos comportamentos
retroflexivos, ora muito retrofletora, ora incapaz de retrofletir. Episódios de violência ou de
automutilação são comuns nessas pessoas, geralmente seguidos de intensa culpa, mas com
dificuldade para aproveitar a reparação que a culpa deveria proporcionar. Falo aqui de uma
ampla gama de comportamentos, desde o hábito de roer unhas até que se machuque, até
comportamentos mais autodestrutivos na lida com dinheiro, com velocidade em automóveis,
abuso de substâncias, alimentação compulsiva, podendo chegar até o suicídio.
A maneira mais comum como perturbam o ambiente é através da ambiguidade
derivada da instabilidade de seus afetos e comportamentos, o que acaba por gerar relações
marcadas pela culpa e pelo ressentimento de lado a lado.
Tendem a ter alguma dificuldade com o toque, ora vivido como desejável, ora como
invasor. Com relação à sexualidade, assim como com a vivência dos prazeres e das dores, a
intensidade é a marca mais comum. Dores lancinantes e prazeres indescritíveis não são raros.
Podem viver um sexo intenso e prazeroso, apaixonado, para depois cair no descaso e na falta
de interesse.
A cognição tende a não ser um suporte confiável, vencida que costuma ser por
impulsos e caprichos e queixas. Na linguagem, tendem à mesma imprevisibilidade, podendo,
se num momento patológico, numa mesma frase mudar de norte a sul seus afetos.
No que diz respeito à religiosidade, muitas vezes a adesão a alguma religião tende a
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ajudar essas pessoas a lidar com a difícil questão da retroflexão saudável. Tanto a
religião quanto a terapia são meios através dos quais a pessoa profletora pode ser ajudada a
retrofletir melhor, a conter-se, a lidar de maneira menos impetuosa com seus impulsos.
No desenvolvimento profissional, tendem a se sentir melhor em profissões ligadas à
arte, meio ótimo para transformar impulsividade em criatividade. Como lazer, dificilmente
saberemos qual a preferência dessa pessoa: ora a mais animada balada, ora o mais sossegado
parque, ora o mais profundo e regressivo dos sonos.
Aos pensarmos nas sabedorias especiais das pessoas profletoras, volto à questão das
artes e da criação, pois muitas das melhores obras artísticas de nossa civilização devemos a
pessoas profletoras.
É bastante comum este estilo de personalidade procurar terapia. O trabalho terapêutico
com os profletores guarda peculiaridades significativas que exigiriam um estudo à parte.
Como fundamentos básicos, há algumas atitudes e cuidados por parte do terapeuta que são
imprescindíveis: o estilo de personalidade profletor precisa de um terapeuta estável; o
terapeuta deve estar muito autocentrado e muito amoroso. Se o terapeuta não pode fazer dessa
pessoa uma cliente especial, é melhor que não a atenda. Digo especial no sentido da dedicação
que será exigida do terapeuta e da confiança profunda que este deve ter de que não
abandonará seu cliente, por mais que ele o provoque para tanto.
Tendem a narrar a própria história de maneira muito dependente de como se sentem no
momento, mas com recorrentes sensações de vazio e de abandono.
Como paradigma na arte para este estilo de personalidade, sugiro a leitura de
biografias de grandes artistas, pois é enorme a probabilidade de se encontrarem ali pessoas
profletoras. No cinema, destaco três filmes: “Dona Flor e Seus dois Maridos”, no qual
Vadinho, o primeiro marido, vivido por José Wilker, é um personagem preponderantemente
profletor; “Piaf”, uma biografia de uma artista que mostra esse estilo de personalidade; além
de “Nosso Querido Bob”, no qual o personagem Bob, vivido por Bill Murray, exemplifica
bem a estrutura profletora de estilo de personalidade, inclusive na vivência que tem do
transtorno obsessivo-compulsivo, como descrito no eixo I do DSM-IV-TR.
O estilo de personalidade retrofletor
O estilo de personalidade retrofletor é o das pessoas que manifestam descontinuações
mais comumente na etapa do contato final. Assemelha-se, nos critérios do DSM-IV-TR, eixo
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II, à personalidade obsessivo-compulsiva, nas quais é flagrante a contenção e a
divisão que impedem ou atrapalham o caminho para o fechamento do contato. A
especificidade mais marcante dessas pessoas é uma capacidade de se conter para se adequar
ao ambiente, o que inclui um controle emocional e ético. Por isso, as palavras-chave aqui são
“conscienciosidade“, “perfeccionismo“ e “previsibilidade“. A pessoa com este estilo de
personalidade tende a pensar muito, podendo chegar à ruminação de ideias; luta muito
consigo mesmo para alcançar sempre o seu melhor a cada situação, o que acaba por resultar
numa certa dificuldade para relaxar, pois “sempre poderei fazer melhor”, o que é, aliás, seu
mote.
Por causa da contenção e da propensão à ruminação, tendem a ser pessoas com pouca
energia, com problemas na percepção corporal e sujeitados a problemas psicossomáticos.
Percebem-se como leais e disciplinados e valorizam isso. Tendem a não prestar muita atenção
aos outros, motivo de muitas das queixas que recebe. Também a procrastinação aparece com
bastante frequência. Nos grupos, essas pessoas tendem a se tornarem a referência ética,
exercendo, não raro, uma liderança por debaixo dos panos, como uma eminência parda.
Tendem a ter longas amizades, às quais são leais. No que diz respeito ao contato com
novas ideias ou com mudanças, a princípio, tendem a ser refratários a novas ideias, mas,
dependendo das circunstâncias, podem se tornar entusiastas delas, líderes e referências na
defesa de mudanças, especialmente no que diz respeito a questões éticas.
As maneiras mais comuns como perturbam o ambiente são através da previsibilidade,
da repetição de comportamentos e de preferências, do perfeccionismo e das exigência
perfeccionistas que fazem para si e, mais veladamente, para os outros. Tanto nas relações
informais quanto nas profissionais, tendem a se esforçar além da conta, a se responsabilizar
além da conta, com dificuldade para delegar responsabilidades. Outra forma como perturbam
o ambiente é, a postergação de conflitos, através de um enorme autocontrole, da evitação de
confrontos, especialmente com o uso de longas e inteligentes digressões procrastinadoras, nas
quais seu racionalismo se torna flagrante.
Como são, de certa forma, mais formais e previsíveis, têm alguma dificuldade com o
toque, comumente vivido como invasor e desejado secretamente. Com relação à sexualidade,
assim como com a vivência dos prazeres e das dores, a contenção é a marca, geralmente com
tons moralistas. Vivem um sexo rotineiro, tenso, de pouca entrega e grande autocontrole e
preocupação com o desempenho adequado.
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A cognição tende a ser um suporte confiável, fonte da maioria das
retroflexões, sempre em busca da adequação ou da perfeição.
É muito comum aparecerem em terapia alusões à religiosidade do cliente,
especialmente no que diz respeito à moralidade, mas também no sentido de esperança de
libertação.
No desenvolvimento profissional, tendem a se sentir melhor em profissões ligadas a
questões legais, morais ou éticas, com predominância daquelas atividades nas quais o
autocontrole seja importante. Como lazer, a preferência dessas pessoas será amiúde por
atividades nas quais a contenção seja a tônica, de modo que preferirão um concerto a uma
corrida de rua. Jogos de palavras ou que exijam raciocínio matemático são bem degustados.
Ao pensar nas sabedorias especiais das pessoas retrofletoras, volto à questão da
conscienciosidade e da ética, pois muitas das melhores viradas éticas de nossa civilização
devemos a essas pessoas. Sua capacidade de ficar, sempre que necessário, atrás dos panos,
como eminência parda, também tem profundo valor.
É bastante comum este estilo de personalidade procurar terapia. O trabalho terapêutico
com essas pessoas tem peculiaridades interessantes, das quais quero destacar três. Primeiro,
no início esse cliente testará muito o terapeuta para ver se pode se arriscar no trabalho. A
segunda peculiaridade é uma tendência que essas pessoas têm a provocar sono no terapeuta. A
terceira é a imensa via terapêutica que, com o tempo, se abre através das atividades corporais,
especialmente úteis para ampliar a ousadia e a capacidade de improvisação.
Os retrofletores têm uma expressão verbal que, muitas vezes, demonstra uma
linguagem bastante correta, não raro com o gosto pelo uso de palavras ou expressões eruditas.
Este tipo de estilo de personalidade é bastante explorado nas artes. Na literatura, por
exemplo, temos, dentre muitos outros, o personagem Teodoro, o segundo marido de Flor em
“Dona Flor e seus dois Maridos”, de Jorge Amado. Também Hércule Poirot, o admirável
detetive de Agatha Christie. No cinema esse estilo de personalidade é bem ilustrado, por
exemplo, no filme argentino “Um Conto Chinês”, cujo personagem principal, vivido por
Ricardo Darin, é um retrofletor; outro exemplo é o personagem principal de “Sociedade dos
Poetas Mortos”, vivido por Robin Williams.
O estilo de personalidade egotista
O estilo de personalidade egotista é o das pessoas que manifestam descontinuações
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mais comumente na etapa do fechamento do contato. Assemelha-se, nos critérios do
DSM-IV-TR, eixo II, às personalidades narcisista e antissocial, nas quais é flagrante a
dificuldade para vivenciar sentimentos, especialmente aqueles ligados à empatia e à culpa. A
especificidade mais marcante das pessoas de estilo de personalidade egotista é uma
capacidade de se dominar de maneira intensa, como forma de vivência de potência. São
pessoas mais ligadas à imagem que ao corpo. Tendem a ser pessoas empreendedoras, podendo
chegar a ser intensamente competitivos na tentativa de controle das situações e do outro. Por
isso, as palavras-chave aqui são “vaidade“, “orgulho“, “imagem“, “competitividade“,
“rivalidade”. Tendem a buscar estar sempre ligadas, geralmente em relações assimétricas, a
outras pessoas, sobre quem exercem liderança ou com quem rivalizam. Pode-se compreender
a pessoa egotista como aquela que oscila entre a grandiosidade e a arrogância, a depender do
grau de atualização que consegue. O mote aqui é “os fins justificam os meios”.
São conservadores na luta pela manutenção do poder, utilizando-se para isso dos
meios disponíveis no ambiente, mas com uma preferência pelo empreendedorismo. Vivem em
constante rivalidade, o que as faz muito atentas a como estão sendo vistas. Esse
comportamento competitivo pode trazer especificidades marcantes na participação em grupos,
pois tendem a buscar uma posição de liderança.
As maneiras mais comuns como perturbam o ambiente são através de uma rivalidade e
de uma competitividade constantes, de um exacerbado senso de poder sobre os outros, uma
insaciável necessidade de liderança. Perturbam também pela dificuldade de vivências íntimas.
Por causa da rivalidade, tendem a buscar relações assimétricas.
Não são pessoas que gostem de toques ou que sejam agradáveis de se tocar, a não ser
com os olhos. Preferem ser admirados a serem acariciados. De tendência hedonista, na vida
sexual, no entanto, tendem a estar mais atentos à performance que ao prazer. A sexualidade
das pessoas de estilo de personalidade egotista tende a ser mais baseada nos truques que nas
trocas. Relacionam-se mais através da imagem que do corpo.
A cognição é a ferramenta preferida quando se trata de reduzir tensões internas e/ou de
competir. Recupera-se muito rapidamente de frustrações através da cognição. A religiosidade
desses clientes, quando não deprimidos, é marcada por frieza e distanciamento, ou por uma
adequação da imagem; aderem bem à teologia da prosperidade.
No desenvolvimento profissional, tendem a se sentir melhor em profissões ligadas ao
poder, com predominância daquelas atividades nas quais a competitividade seja importante.
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Como lazer, a preferência dessas pessoas será amiúde por atividades nas quais a
competição seja a tônica.
Aos pensar nas sabedorias especiais das pessoas egotistas, volto à questão da
competição, pois ela é a mola que impulsiona condutas empreendedoras e inovadoras.
Quando atualizadas, as pessoas egotistas tendem a ser aquelas que puxam o desenvolvimento
e a exploração de novas fronteiras nas mais diversas áreas da vida, semeando progresso e
ampliando o bem-estar através de condutas ousadas e, muitas vezes, desbravadoras.
É bastante raro este estilo de personalidade procurar terapia, e, amiúde, quando o faz é
por indicação ou imposição de alguém. É comum abandonarem precocemente a terapia. O
cliente testará para ver se o terapeuta está à sua altura, de modo que é muito relevante que o
terapeuta tenha uma autoestima e uma confiança profissional solidamente plantadas. É bom
que o profissional só aceite pessoas com esse estilo de personalidade se puder admirar de fato
aquela pessoa que está à sua frente. Mais do que de amor a pessoa egotista necessita de
admiração e estará sempre sensível para perceber se essa admiração é verdadeira, ou não.
As pessoas egotistas tendem a provocar nos outros uma certa sensação de
inadequação, de menos poder, de menos-valia, enfim, e o terapeuta não está imune a essa
sensação, devendo não lutar contra ela, mas, ao contrário, colocá-la a serviço do cliente de
maneira criativa.
Para esses clientes a terapia deve ter um papel de auxílio na ampliação da empatia, na
abertura de possibilidades de perdão e de cooperação, devendo também ajudar os clientes a se
tornarem menos suscetíveis a provocações competitivas e mais tolerantes com os inevitáveis
fracassos e com as necessárias perdas inerentes à vida e ao viver.
Tendem também a usar muitos verbos na forma ativa, tendem a falar muito o pronome
“eu” e a se elogiar com muita facilidade. Tendem a ter um tom de uma certa autossuficiência,
uma sensação de que a vida é uma batalha a ser vencida.
Como exemplos de personagens com esse estilo de personalidade, temos, no cinema, a
personagem principal do filme “O Diabo Veste Prada”, vivida por Merryl Streep, além do
personagem de Leonardo de Caprio em “O Aviador”. Na literatura, temos, dentre muitos
outros, o personagem central do livro, que também virou filme, “O Perfume”, de Patrick
Süskind.
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O estilo de personalidade confluente
O estilo de personalidade confluente é o das pessoas que manifestam descontinuações
mais comumente na etapa da retirada do contato. Assemelha-se, nos critérios do DSM-IV-TR,
eixo II à personalidade dependente, nas quais é flagrante a devoção e o apego que impedem
ou atrapalham a retirada do contato. A especificidade mais marcante dessas pessoas é uma
capacidade de se doar aos outros de maneira intensa, com uma subsequente cobrança na
mesma intensidade. Tendem a ser pessoas conservadoras, podendo chegar a ser moralistas na
tentativa de controle do outro. Por isso, as palavras-chave aqui são “devoção” “controle (sobre
os outros)”; “ingenuidade”. O mote para as pessoas de estilo de personalidade confluente é
“juntos venceremos”.
Lidam mal com mudanças ambientais e relacionais, reagindo a elas com ansiedade,
muitas vezes com pânico. Vivem muito constantemente uma sensação de não estarem à altura
das situações, das tarefas, das exigências que a vida traz. Esse comportamento mais devotado
ou controlador pode trazer especificidades marcantes na participação em grupos, pois essas
pessoas tendem a se tornar a referência de cuidado e de poder nesses grupos, embora aqui se
trate de um poder vicário, pois há sempre uma pessoa em posição superior a quem o
confluente recorre.
As maneiras mais comuns como perturbam o ambiente são através de uma devoção
extremada, de controle, de um exacerbado senso de dever que pode gerar no confluente maus
humores e cenho fechados ou condutas subservientes, sendo capazes de fazer grandes
sacrifícios em prol dos outros, mesmo em situações em que os outros não precisariam de (ou
não desejariam) tanta dedicação. Esse tipo de comportamento acaba por manipular o outro,
mantendo-o também confluente, por causa da culpa que lhe é gerada por tanta dedicação e
cuidado. Outra forma como perturbam o ambiente é através de uma certa dificuldade de
manterem relações simétricas. São fiéis e tendem a manter-se em relações já fracassadas
mesmo quando reconhecem que o melhor seria uma retirada.
Têm facilidade e gosto nos toques, dificilmente sexualizando as expressões afetivas.
Com relação à sexualidade, a doação é a marca, geralmente com tons devotados. Preferem,
comumente, um sexo romantizado, tenro, de muita entrega afetiva e grande controle sobre o
outro.
A cognição tende a não ser um suporte confiável, e é até comum essas pessoas terem
comportamentos ingênuos e tolos. Demonstram fragilidades quando têm que lidar com
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questões muito racionais ou matematicamente lógicas, recorrendo a outros nos quais
confiam.
A religiosidade desses clientes é marcada por devoção e ritualização, podendo ser
vivida com pouca crítica e entrega piedosa a instituições ou pessoas. Podem ser obreiras ou se
tornarem responsáveis por áreas pastorais em que podem exercer sua dedicação e seu
controle. Quando não manifestam a religiosidade publicamente, vivem-na veladamente,
relacionando-se com um deus muito poderoso e temido.
No desenvolvimento profissional, tendem a se sentir melhor em profissões ligadas ao
cuidado, à docência e à administração de pessoas, com predominância daquelas atividades nas
quais o controle seja importante. Como lazer, a preferência dessa pessoa será amiúde por
atividades nas quais a participação de outros seja a tônica.
Ao pensar nas sabedorias especiais das pessoas confluentes, volto à questão do
cuidado e do controle, o que facilita para essa pessoas colocarem-se, quando cuidadosas,
como promotoras de crescimentos das outras pessoas, e, quando controladoras, mantenedoras
do bom andamento de trabalhos e até de instituições. Tendem a ter um bom senso estético e a
se manterem vinculadas a outras pessoas ou instituições por longo tempo, fielmente.
É bastante comum este estilo de personalidade procurar terapia. O trabalho terapêutico
com essas pessoas será sempre longo, mesmo quando for curto. Isso porque se entram na
relação terapêutica ela tenderá a durar a vida inteira, mesmo quando a terapia propriamente
dita tenha acabado. Para esses clientes, a terapia deve ter um papel de auxílio na ampliação da
autonomia, na abertura de possibilidades de desapego.
Ao contar sua história, as pessoas confluentes tendem a encher a sala de atendimento,
trazendo, simbolicamente, toda a família para se tratar. Tendem a ter um tom de autopiedade,
uma sensação de que a vida lhes exige mais do que podem dar. Ressentem-se consigo
mesmos por dar muito mais do que recebem.
Como exemplos de personagens com esse estilo de personalidade, temos, no cinema, a
personagem principal do filme “Pães e Tulipas”, vivida por Licia Maglietta, além da
personagem de Kathy Bathes em “Tomates Verdes Fritos”, e também a personagem de Vivien
Leigh em “E o Vento Levou”. Na literatura, temos, dentre muitos outros, o personagem
Sancho Pança, fiel seguidor de D. Quixote.
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Comentários finais
Quero terminar este artigo com três comentários curtos, praticamente três lembretes.
O primeiro e mais importante deles é que uma tipologia não busca o patológico, mas a
compreensão do jeito de ser, da maneira como cada pessoa se relaciona consigo mesma e com
o mundo, levando na mais cuidadosa conta que não se pode jamais reduzir a pessoa a seu
estilo de personalidade. Decorre daí, é óbvio mas precisa ser apontado, que uma compreensão
diagnóstica em Gestalt-terapia não busca identificar doenças, mas compreender como o
cliente é, como está vivendo sua vida, como se dá a demanda por terapia, além de apontar
possíveis prognósticos e norte para o trabalho terapêutico.
O segundo comentário, também quase desnecessário por óbvio, é que não tentei fazer
aqui um “Gestalt e”, mas uma sistematização de uma tipologia gestáltica que encontramos na
prática de imensa gama de gestaltistas. A aproximação com o eixo II do DSM-IV-TR não
trata de Gestalt e DSM, mas de como uma tipologia gestáltica pode se aproximar de uma
tipologia mais ampla na comunidade psi, o DSM, buscando facilitar o contato do gestaltterapeuta com seus colegas de outras abordagens ou áreas.
O terceiro lembrete diz respeito ao fato de que, por questão de espaço, dentre outros
motivos, a descrição sumária de cada estilo de personalidade que fiz aqui não dá conta de
descrever como seria desejável cada estilo de personalidade, mesmo quando temos em vista
que nenhuma descrição tipológica dá conta de descrever ou mesmo compreender uma pessoa,
na medida que essa descrição é um mapa, apenas um mapa. Assim, o que desenhei aqui é um
instrumento terapêutico, um facilitador e auxiliar do trabalho que terapeuta e cliente têm na
psicoterapia. Uma tipologia deve ser associada a uma série de outros instrumentos e atitudes
que o terapeuta possa colocar à disposição de seu cliente quando lhe propõe a complexa tarefa
de buscar tornar-se mais e mais aquela pessoa que é.
EBP/2012
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i
Agradeço as leituras atentas de minha orientadora, Marília Ancona-Lopez, e do amigos gestaltistas
Jorge Ponciano Ribeiro, Selma Ciornai e Teresinha Mello da Silveira, cujas críticas e sugestões foram
importantíssimas para minhas reflexões e para a confecção deste artigo.
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Artigo de pós-doutoramento Contribuições à compreensão