Interpretação dos Registros de Auscultação das UHE’s Ilha Solteira e Engenheiro Souza Dias (Jupiá) Jhaber Dahsan Yacoub Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Ilha Solteira, Brasil, [email protected]. William Conte Consultor independente, Altinópolis, Brasil, [email protected]. Euclydes Cestari Júnior Companhia Energética de São Paulo – CESP, Ilha Solteira, Brasil, [email protected]. José Augusto de Lollo Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira, Ilha Solteira, Brasil, [email protected]. Fagner Alexandre Nunes de França Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil, [email protected]. RESUMO: Este trabalho teve por objetivo verificar a percolação de água por seções transversais representativas do maciço de terra das UHE Ilha Solteira e UHE Engenheiro Souza Dias utilizando os dados presentes no Sistema CESP de Segurança de Barragens (SICESP), bem como compará-los com os resultados obtidos por meio de análises computacionais, empregando-se o software SEEP/W do pacote GeoStudio. Há uma grande presença de instrumentos instalados nas seções analisadas (piezômetros, medidores de nível d’água, medidores de recalque, medidores triortogonais, células de tensão total e medidores de vazão). Entretanto, deu-se prioridade de análise aos instrumentos voltados à percolação de água no maciço das barragens (piezômetros, medidores de vazão e de nível d’água). Foi percebido que a localização dos aparelhos de auscultação, o período de precipitação e a proximidade com a montante do reservatório influenciaram diretamente nos resultados. A análise de percolação pelo maciço da UHE Engenheiro Souza Dias mostrou resultados discrepantes dos obtidos por meio computacional, pois o maciço de terra a jusante deveria ser, de acordo com a análise do software SEEP/W, completamente seco nos pontos onde estão instalados piezômetros. No entanto, esses pontos apresentaram carga hidráulica positiva. Por meio do software interpretou-se que, após o filtro chaminé, instalado sob a crista da barragem, não há percolação alguma, quando na realidade existe. Tal resultado demonstrou a importância do projeto e execução do filtro vertical, juntamente com o tapete drenante, utilizando materiais e espessuras diferentes, visando minimizar a percolação de água e trabalhar com o menor gradiente hidráulico possível de modo que não haja surgências e/ou erosões internas (piping). PALAVRAS-CHAVE: Auscultação de barragens, Percolação de água, UHE Ilha Solteira, UHE Engenheiro Souza Dias. 1 INTRODUÇÃO Barragens são utilizadas desde a antiguidade para armazenar água nos períodos chuvosos e utilizá-la nos períodos de seca. No nosso país a falta de água no Nordeste, a necessidade de desenvolvimento nacional e o potencial hídrico foram fatores determinantes para o grande número de barragens construídas desde o século XIX. No final do século XIX a navegação e a produção de energia elétrica tornaram-se objetivos adicionais, sendo construídas nas regiões Sul e Sudeste as primeiras usinas voltadas para geração de energia, com pequenas dimensões e cargas. Com o objetivo de promover melhorias no projeto, construção, manutenção e na operação de grandes barragens, foi aprovado na assembleia de Londres do Conselho Executivo da Conferência Mundial de Energia, unanimemente, o reconhecimento da Comissão Internacional de Grandes Barragens (CIGB), em 3 de outubro de 1928 (MELLO; PIASENTIN, 2011). Em 1936 tem início o Comitê Brasileiro de Grandes Barragens (CBGB) e posteriormente, em 1957 o Brasil ingressa na CIGB. No ano de 1961 o CBGB foi sucedido pelo atual Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB). A instrumentação de barragens ganhou impulso a partir da década de 1950, época que se passou a construir um grande número de usinas hidrelétricas, com reservatórios mais robustos, empregando diferentes métodos e materiais, e em locais de elevada complexidade geológicogeotécnica. Pelo aumento de tal complexidade, e visando melhorar o acompanhamento das condições das barragens, foram aplicados os equipamentos de auscultação, cuja função é auxiliar na observação do desempenho e permitir uma projeção do comportamento da barragem. O planejamento de uma instrumentação geotécnica não é simples, requer muito cuidado tanto na escolha dos equipamentos quanto da mão-de-obra. Ele deve ser feito por um grupo com especialistas em instrumentação geotécnica, lembrando que trata-se apenas de uma ferramenta e não uma solução, sendo seu uso indicado desde a fase de construção, para adaptação do projeto, até a fase de operação, indicando eventuais correções (SILVEIRA, 2006). 2 OBJETIVO Este artigo apresenta a interpretação dos registros dos aparelhos de auscultação instalados nas Usinas Hidrelétricas Ilha Solteira e Engenheiro Souza Dias (Jupiá), bem como a comparação com os resultados obtidos pelo software SEEP/W, por meio da análise de percolação de água proveniente do reservatório. 3 METODOLOGIA A metodologia consistiu em interpretar os dados existentes no Sistema CESP de Segurança de Barragens (SICESP), obtidos das leituras dos aparelhos de auscultação instalados nos maciços de montante, jusante e fundação das barragens, principalmente àqueles voltados à análise de percolação de água (piezômetros, medidores de vazão e medidores de nível d’água). As análises foram realizadas com a desconsideração do efeito da chuva, e da consequente infiltração de água no maciço da barragem, pois o objetivo do trabalho foi analisar a percolação de água, de montante a jusante, devido apenas ao reservatório. Além disso, acrescenta-se que não estavam disponíveis dados de infiltração e o decorrente efeito da chuva sobre o maciço da barragem. Com auxílio do software SEEP/W, que permite realizar desde simples simulações a complexas análises de percolação, avaliou-se a percolação teórica de água pelo maciço e pela fundação das barragens analisadas. Foram tomadas seções típicas para análise. Na Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira foi utilizada a seção 10+00 m, que se encontra no aterro da margem direita da barragem de terra. Essa seção mostra, de forma didática o comportamento da barragem, possuindo apenas dois instrumentos instalados, sendo um piezômetro de tubo aberto e um medidor de nível d’água. Para análise da Usina Hidrelétrica Engenheiro Souza Dias (Jupiá) foi utilizada a seção 62+04 m, que se encontra no aterro da barragem de terra da margem esquerda, possuindo oito instrumentos instalados, sendo sete piezômetros de tubo aberto e um medidor de nível d’água. Essa seção, por possuir vários instrumentos de análise de percolação, se mostrou compatível para análise e comparação com o software SEEP/W. Como condições de contorno, foram utilizados os materiais mostrados pela Tabela 1. Esses parâmetros foram assumidos com base na experiência local e na literatura. simulações em barragens muito mais complexas do que a versão estudantil pode oferecer. Ainda assim, os resultados das simulações computacionais possibilitaram a análise e comparação com o desempenho real das mesmas. Os resultados reais obtidos da análise dos gráficos gerados pelo SICESP foram confrontados com os valores teóricos, como mostrado no item 4. Tabela 1 – Materiais e suas características 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1 UHE Ilha Solteira Material Solo Maciço Permeabilidade (m/s) Filtro 10-4 Fundação 10-6 10-8 O SEEP/W faz algumas simplificações, por ser uma versão estudantil, a qual disponibiliza no máximo 500 elementos finitos e 3 materiais como condições de contorno para realizar as Na Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, foram analisados os gráficos de nível d’água a montante da barragem (Figura 1), piezômetro de tubo (Figura 2) pertencente à mesma estaca do nível d’água, bem como o hietograma mensal do período analisado (Figura 3). Figura 1. Variação do nível d’água a montante da UHE Ilha Solteira (CONTE, 2013). Figura 2. Variação temporal das leituras do piezômetro de montante da UHE Ilha Solteira (CONTE, 2013). Figura 3. Precipitação média mensal ao longo do período analisado (CONTE, 2013). Pode-se perceber que a sinuosidade observada na Figura 1 coincide com a sinuosidade da Figura 2, assim como o período de chuvas da região, ilustrada na Figura 3. Com exceção dos anos de 2001 e 2002, nos quais o grande período de escassez pluviométrica levou à necessidade de racionamento energético no país, esse comportamento é percebido em todo período de estudo. Deve-se ressaltar que, no gráfico do piezômetro mostrado na Figura 2, há um dado discrepante dos demais, muito provavelmente por uma leitura errada. Assim, a mesma foi desconsiderada dessa análise. 4.2 UHE Engenheiro Souza Dias Nesta barragem foram analisados os gráficos de piezômetros de jusante ao longo de uma mesma seção juntamente com as simulações do software SEEP/W. A Figura 4 ilustra a simulação computacional considerando a percolação somente pelo maciço de terra da barragem. A Figura 5 mostra o resultado da percolação considerando também o maciço de fundação da seção analisada. Figura 4. Análise de percolação d’água por meio do software SEEP/W, considerando somente o maciço. Figura 5. Análise de percolação d’água por meio do software SEEP/W, considerando o maciço de fundação Pela análise computacional, foi percebido que toda água a montante da barragem que penetrou no maciço foi percolada pelo filtro chaminé e em seguida pelo tapete drenante (Figura 4), assim como a água que penetrou no solo de fundação foi toda conduzida pelo filtro horizontal (Figura 5). Em ambos os casos o maciço situado à jusante da seção analisada permaneceu sem percolação de água. Portanto, os piezômetros situados no maciço deveriam apresentar-se sem leituras. Entretanto, há um histórico de leituras dos aparelhos situados à jusante, como ilustrado pelas Figuras 6 e 7. Figura 6. Variação temporal das leituras do piezômetro 631 a jusante da UHE Engenheiro Souza Dias. Figura 7. Variação temporal das leituras do piezômetro 635 a jusante da UHE Engenheiro Souza Dias. Os gráficos de piezometria demonstram que não há a mesma sinuosidade observada nos gráficos da UHE Ilha Solteira, possuindo valores próximos de leitura há vários anos. Tal fato pode estar associado à posição dos piezômetros à jusante, após o filtro vertical, além de possuírem influência menor da variação do nível d’água à montante, assim como das precipitações na região. Além disso, o filtro se mostra atuante, mesmo com instrumentos possuindo carga à jusante do mesmo, que varia pouco anualmente. A Figura 8 mostra a variação das leituras do piezômetro 635 em escala ampliada. Figura 8. Variação temporal das leituras do piezômetro 635, em escala ampliada. Pode-se perceber que a variação de leituras é pequena, em torno de 0,5 m de carga piezométrica, desconsiderando pontos isolados, provavelmente por leituras errôneas. Já os piezômetros situados na fundação da barragem, mostraram resultados próximos àqueles simulados em computador. A Figura 9 ilustra a variação da carga total em um piezômetro a montante do maciço de fundação. A Figura 10 mostra a variação de um piezômetro na jusante do maciço de fundação, da seção analisada. Figura 9. Variação temporal das leituras do piezômetro 627, situado a montante do maciço de fundação. Figura 10. Variação temporal das leituras do piezômetro 626, situado a jusante do maciço de fundação. Da análise dos gráficos anteriores, percebese que as leituras, além de variarem pouco, também apresentam valores próximos. Assim como pontos muito discrepantes dos demais, que devem ser descartados. A Tabela 2 mostra as leituras dos piezômetros pela simulação computacional e pela média das leituras no período, registradas no SICESP. Tabela 2. Simulação da carga piezométrica e valores reais da seção em análise. Carga Carga Piezométrica Piezométrica PZ SEEP/W (m) Real (m) 627 6,59 8,70 626 4,62 9,17 635 * 3,31 634 3,93 7,99 633 * 4,59 632 3,57 Seco/Obstruído 631 * (*) Não possuem carga piezométrica 1,45 As figuras a seguir ilustram como varia a carga total (Figura 11) e a poropressão (Figura 12) no maciço da barragem. PZ- 635 PZ- 633 PZ- 631 NA - 602 PZ- 627 PZ - 632 PZ- 634 PZ- 626 Figura 11. Variação da carga total no maciço de terra da barragem. PZ- 635 PZ- 633 PZ- 631 NA - 602 PZ- 627 PZ- 626 PZ- 634 PZ- 632 Figura 12. Variação da poropressão no maciço de terra da barragem. A Figura 11 demonstra como a carga total é aliviada de montante para jusante, assim como a poropressão é aliviada à medida que se aproxima da crista e se afasta da montante. Com as cargas piezométricas e a posição dos instrumentos, foi possível calcular e comparar os valores obtidos em simulação computacional com os reais, sendo o gradiente hidráulico definido como: ∆H i= L (1) onde ∆H é a variação da carga piezométrica entre dois pontos e L é a distancia entre eles. Os resultados obtidos pela simulação no SEEP/W e os valores reais são mostrados na Tabela 2. Tabela 2. Simulação dos gradientes hidráulicos da seção da barragem em análise e valores reais da mesma Gradiente Hidráulico Gradiente PZ SEEP/W Hidráulico Real 627 0,232 * 626 0,033 0,034 635 0,009 0,039 634 0,010 0,028 633 0,010 0,097 632 0,010 Seco/Obstruído 631 0,010 0,138 (*) Valor utilizado como referencial para o cálculo dos demais. Foi observado que o gradiente hidráulico real tende a aumentar em direção à jusante da barragem e que tanto em simulação quanto na realidade os valores obtidos são baixos, o que reduz o risco de surgências e erosões internas. Deve-se levar em conta o fato do software utilizado ser uma versão estudantil, desse modo, possui limitações quanto ao seu uso, por exemplo, a permisão de somente 500 elementos finitos para interpolação e de apenas 3 materiais distintos. Esses aspectos interferem diretamente nas simulações, pois a barragem possui grande quantidade de materiais utilizados, especialmente em sua fundação e devido a sua grande dimensão, um número maior de elementos finitos geraria resultados mais próximos da realidade. 5 CONCLUSÕES A interpretação dos registros de auscultação permitiu analisar como o período chuvoso influenciou a posição da linha freática. Verificou-se que além do período chuvoso a disposição dos instrumentos influenciaram os resultados obtidos. A partir de tais resultados foi possível analisar a percolação de água pelo maciço e fundação da barragem e compará-los com os resultados de percolação por análise computacional. Pode-se perceber que a sinuosidade observada nos gráficos de piezômetros da UHE Ilha Solteira coincide com o período de chuvas da região, a exceção dos anos de 2001 e 2002, onde devido à escassez de chuva no período houve necessidade de racionamento de energia no país. Além do período de precipitação, quando há aumento da água infiltrada na barragem com o consequente aumento da carga piezométrica, a localização dos aparelhos de auscultação, principalmente os de maior proximidade da montante do reservatório também influenciaram nos resultados, como demonstrado pela simulação do SEEP/W (Figura 11). Nota-se a proximidade dos valores de carga piezométrica encontrada nos gráficos de piezômetros a jusante da seção analisada na UHE Engenheiro Souza Dias. Os resultados obtidos por meio de simulação do software SEEP/W diferem dos reais, com proximidade dos obtidos com os piezômetros situados no maciço de fundação. Pode-se concluir que, por meio da simulação computacional, interpreta-se que à jusante do filtro chaminé não há percolação de água, e quando essa ocorre pela fundação é canalizada pelo tapete drenante, ou seja, não existiria água no maciço a jusante da barragem. Entretanto os gráficos de piezometria mostram o contrário. Tal fato mostra a importância do projeto e execução dos filtros e tapetes drenantes em barragens de terra e enrocamento, com diferentes granulometrias e espessuras, visando diminuir a permeabilidade e drenar a água que penetra no maciço e na fundação da barragem. Desse modo não ocorram elevados gradientes hidráulicos, que poderiam colocar em risco a estrutura da barragem. Os gradientes hidráulicos mostraram-se baixos, tanto na simulação, quanto na realidade. Tal fato ilustra que, mesmo onde não deveria haver percolação de água, quando esta ocorre em baixos gradientes, o risco de surgências e/ou erosões internas (piping) é muito baixo, mantendo a barragem em níveis seguros. Deve-se levar em conta o fato de que a UHE Engenheiro Souza Dias foi inaugurada no final da década de 1960, época em que o conhecimento geotécnico e as técnicas utilizadas eram limitados em relação às técnicas atuais. Isso se reflete em resultados diferentes dos simulados em computador, além disso, o software utilizado é uma versão estudantil, que limita as análises em 500 elementos finitos e somente três materiais Essas restrições dificultam a simulação de barragens de geometria mais complexa, como as UHE’s estudadas nesta pesquisa. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Companhia Energética de São Paulo (CESP) pelo apoio técnico e fornecimento dos dados empregados nesta pesquisa. REFERÊNCIAS Conte, W. (2013) Interpretação dos Registros dos Aparelhos de Auscultação da UHE Ilha Solteira, Trabalho de Conclusão de Curso, Departamento de Engenharia Civil, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Ilha Solteira, 87 p. Silveira, J.F.A. (2006) Instrumentação e Segurança de Barragens de Terra e Enrocamento, Oficina de Textos, São Paulo, SP, Brasil, 376 p. Mello, F. M. De; Piasentin, C. (2011). A História das Barragens no Brasil, Séculos XIX, XX E XXI: Cinquenta Anos do Comitê Brasileiro de Barragens, CBDB, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 524 p.