9 UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA MESTRADO EM HISTÓRIA ALAN DE CARVALHO SOUZA Desordem senhorial no Vale Paraíba fluminense na primeira metade do século XIX. Paty do Alferes/Vassouras: terras e escravos. Vassouras / RJ 10 2011 UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA MESTRADO EM HISTÓRIA Desordem senhorial no Vale Paraíba fluminense na primeira metade do século XIX. Paty do Alferes/Vassouras: terras e escravos. ALAN DE CARVALHO SOUZA Dissertação apresentada ao Programa de Pós graduação em História da Universidade Severino como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História. Orientadora: Cláudia Regina. Co-orientador: Eduardo Cruz. Vassouras 11 2011. Alan de Carvalho Souza Desordem senhorial no Vale Paraíba fluminense na primeira metade do século XIX. Paty do Alferes/Vassouras: terras e escravos. Dissertação apresentada ao Programa de Pós graduação em História da Universidade Severino como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em História. Banca Examinadora: __________________________________ Profª Drª. Cláudia Regina - Orientadora __________________________________ Profº. Drº. Eduardo Cruz – Co-orientador __________________________________ Profº. Drº. Carlos Engemann __________________________________ Profª. Drª Ana Moura. 12 Para Ana Paula Souza 13 Resumo O presente trabalho apresenta a desordem da classe senhorial através do víeis metodológico da microhistória. Abordando assuntos distintos, mas ligado diretamente a disputa intraelite, foi possível refletir sobre a “homogeneidade” deste grupo que se mostrou defensor dos seus interesses particulares em detrimento da melhoria e progresso da extinta vila de Paty do Alferes. Abstract The present work shows the mess of the landpeople class throughout the methodological sequence from microhistory. Approaching distinct subjects, but concerned directly to the competition intraelite it was possible to reflect on the “homogeneity” of this group that seemed defenders of their particular interests in favor of improvement and progress of thr extinct villa from Paty do Alferes. 14 Agradecimentos A todos que participaram desta caminhada, incentivando ou não. A Deus, por estar presente em minha vida e consequentemente em meu coração. Jorge F.Corrêa de Souza e Lucimary de Carvalho Souza, meus pais, que me proporcionaram a realização dos meus estudos e por ter me ensinado o sentido e significado de uma família. Mery Cristhiane e Mere Ana, minhas irmãs, pela paciência e apoio neste desafio. Arthur, meu sobrinho. Ana Paula, por tudo que você representa em minha vida e principalmente por acreditar em mim... Devo-lhe mais esta... 15 ÍNDICE: Introdução 9 Capítulo 1 Paty do Alferes – da ocupação à vila – o desabrochar da desordem senhorial. 12 A insurreição de 1838. 12 Paty do Alferes: a ocupação e o início da tensão senhorial.. 17 Solicitação para elevação do povoado em vila. O aflorar da desordem senhorial. 22. A criação da vila 29 A vila: estagnação e mudança . 35 Capítulo 2 As famílias senhoriais num invólucro de desordem. 48 A desordem senhorial apropriando-se da ordem pública 48 A realização dos batismos de escravos refletindo a desordem senhorial. 52 Reflexos de uma desordem na disputa territorial. 61 Capítulo 3 Transformações políticas e instabilidades 70 Juiz de paz e guarda nacional: parcialidade na apuração dos fatos. 70 Uma fissura no costume. 74 Análise da comunicação da insurreição dos escravos. 80 Repercussão da insurreição. 90 O Julgamento. 96 Conclusão. 111 Anexo. 114 Fontes. 117 Referências Bibliográficas. 118 16 Introdução Nesta pesquisa utilizamos a micro-história que, segundo Giovanni Levi, é uma metodologia pautada na redução da escala de observação e em um estudo intenso dos documentos1. O autor afirma ainda que: “o princípio unificador de toda pesquisa micro-histórica é a crença em que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados”2. Tendo como ponto de partida metodológico esse referencial, buscamos uma melhor compreensão da classe senhorial na principal vila produtora de café da província fluminense. Durante a investigação, deparamo-nos com a existência de disputas intraelites responsáveis por diversos desdobramentos políticos, como a transferência do título de vila de Paty do Alferes para Vassouras. Essa porfia, que aqui apresentamos, se fez presente durante toda a primeira metade do século XIX, período de rápidas e importantes transformações para a excolônia, elevada à categoria de Reino Unido de Portugal. Essas modificações, tanto políticas quanto econômicas, refletiram-se diretamente nas pequenas localidades do Vale Paraíba fluminense, transformado-as em polo de produção de gêneros de subsistência. Por meio do estudo da classe senhorial da vila de Paty do Alferes/Vassouras, alcançamos o entendimento não só da extinção de Paty do Alferes em 1833 enquanto sede administrativa, como também de alguns acontecimentos que marcaram a história da província do Rio de Janeiro. A insurreição de 1838 é um desses eventos. Todavia, a abordagem não se limitou a recontar uma história meramente local. Possibilitou sim, a compreensão de alguns aspectos importantes da história social e política do período, entre eles: a heterogeneidade da classe senhorial, a criação do cargo de juiz de paz; as discussões em torno do federalismo e da centralização. Dessa maneira, alcançamos o entendimento das mudanças ocorridas com o processo de interiorização da metrópole, pós-vinda da Corte em 1808 e analisamos os interesses senhoriais na busca e/ou manutenção pelo status de grande proprietário rural e de obtenção de títulos de nobreza. Assim, para obtermos um conhecimento mais profundo sobre a classe senhorial da extinta vila, realizamos um levantamento no Arquivo Público do Estado 1 LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora UNESP, 1992. p. 136. 2 Ibidem, p. 139. 17 do Rio de Janeiro (APERJ) com a finalidade de encontrarmos a solicitação para a criação da vila de Paty do Alferes em 1816, posteriormente fundada em 1820, conforme seu Alvará de Criação.3 Logo no primeiro capítulo, focalizamo-nos no período que vai da fundação da vila de Paty do Alferes até sua transferência, objetivando o entendimento de toda a sua efêmera existência de exatos 13 anos. Nesse contexto, além dos conflitos no seio da classe senhorial e, consequentemente, sua heterogeneidade, observamos a predominância dos interesses particulares agindo diretamente sobre a vida política da vila, que ocasionou sua mudança em 1833. Na busca dos motivos que levaram aos conflitos dentro da classe senhorial, utilizamos as obras de vários memorialistas que abordaram o nascimento de Paty do Alferes enquanto vila e sede administrativa. Por meio da transcrição de documentos apresentados nesses livros, notamos que a “desordem senhorial” nasceu em torno da disputa pela manutenção de suas propriedades. Utilizando-se das transcrições realizadas pelos memorialistas como possíveis fontes4, buscamos o entendimento da querela intraelite em que esteve inserida a vila de Paty do Alferes,e constatamos que tal embate existia antes mesmo da solicitação de elevar o então povoado à condição de vila. Todavia, somente a partir do pedido para a criação da vila, em 1816, que se verificou o afunilamento das disputas senhoriais. Por meio das obras de Matoso Maia Forte, frei Aurélio, Ignácio Raposo, Alberto Lamego, entre outros, penetramos nesse universo de desordem em que se encontrava a localidade, assim como todo o Vale Paraíba fluminense, que apesar de suas particularidades, refletiam o novo momento político do Brasil. Com questões envolvendo os proprietários locais, foi possível observar como os senhores atuaram para não ter suas propriedades fracionadas com a determinação do local que abrigaria a sede da vila a ser fundada. No segundo capitulo, ainda analisando o mesmo período, mais precisamente o interregno de 1825 a 1833 e chegando até o ano de 1840, apresentamos os desdobramentos das disputas senhorias em assuntos não políticos. 3 Alvará de Criação da vila de Paty do Alferes, 1820. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: Fundos PP; notação 0138; maço 07; caixa 0049. 4 Infelizmente, os livros utilizados não informam o tipo de documentação. No entanto, em função da linguagem utilizada, que diverge da apresentada no texto, e do destaque dado pelos autores, sabemos que se trata de documentos da época. 18 A realização dos batismos escravos nos surpreendeu por apresentar consequências da disputa senhorial. Em relação ao rito sacramental, verificamos que um dos envolvidos se diferenciava quase que totalmente dos outros senhores quando batizava seus cativos. Além disso, o início da década de 1830 apresentou uma contenda judicial em torno de um terreno, que nos forneceu mais indícios da influência da desordem senhorial. Por meio desta questão, trouxemos um exemplo concreto de disputa pela terra com a expansão da lavoura do café que demonstra o quanto o interesse político/particular agia numa esfera (jurídica) onde a neutralidade e a observância dos dados e fatos deveriam ser os norteadores. Por fim, no terceiro capítulo analisamos a insurreição de 1838, utilizando-se dos processos crimes (homicídio e insurreição) resultantes da sublevação, com o objetivo de perceber o que levou os escravos a se rebelarem e como se processou toda a mobilização de captura, monopolizada pela família Werneck, envolvida diretamente na disputa senhorial, sem deixar de lado o momento político e as suas transformações. Para esse exame, utilizamos, basicamente, dois tipos de documentos existentes: as comunicações das autoridades envolvidas na captura dos cativos e o relatório do presidente de Província. Cap. I. Paty do Alferes – da ocupação à vila – o desabrochar da desordem senhorial. 1 A insurreição de 1838 19 Neste momento me participa o capitão-mor Manuel Francisco Xavier que, na noite do dia 6 do corrente, lhe fugiram oitenta e tantos escravos, e que, na seguinte noite, tornaram à fazenda da Maravilha, e tornaram a conduzir uma porção de escravos, fazendo hoje um número de cento e tantos escravos fugidos, sendo a maior parte deles armados. Os primeiros que fugiram arrombaram diversas casas, de onde roubaram mantimentos e vários outros objetos, e na seguinte (noite) foram então à fazenda da Maravilha, onde quizeram matar o capataz, que escapou no telhado da casa, e, tendo espancado outro preto, trataram de arrombar as casas, de onde tiraram feijão, milho, farinha e açúcar, e bem assim capados que se achavam na seva, e continuam nas suas excursões; e suponho, segundo os pormenores que tenho, que o seu fim é ir reunir força, e depois lançar mão de outros meios que a Vossa Senhoria e a mim não são ocultos, e como seja urgente precisão cortar em princípio seus danados fins, rogo a Vossa Senhoria que mande pôr a minha disposição a força da Guarda Nacional que Vossa Senhoria puder arranjar, a qual se deverá achar no dia 10 do corrente, às quatro da tarde, no lugar do Pati à minha disposição, os quais deverão vir armados e os que não trouxerem munição lhes será por mim fornecida.5 De acordo com a citação, na noite de 6 de novembro de 1838, escravos pertencentes ao capitão-mor Manoel Francisco Xavier sublevaram-se saindo da fazenda da Freguesia e, formando um grupo de mais ou menos oitenta cativos, seguiram em direção à fazenda de morada do capitão para arrebanhar mais revoltosos. Após um dia de caminhada nas matas de Santa Catarina, o grupo inicial chegou à fazenda da Maravilha, onde realizaram saques de mantimentos, ferramentas e reuniram mais escravos para participarem da insurreição, como algumas mulheres que se encontravam dormindo na cozinha da casa grande. Por fim, tentaram um acerto de contas com o feitor Zeferino que escapou pelo telhado. 6 Após a chegada na fazenda Maravilha, o grupo passou a ser composto por mais de uma centena que seguiu em direção à mata para se encontrar com outros escravos liderados pelo feitor do sítio dos Encantos, Epifâneo Moçambique, propriedade de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar. Mas a comunicação informando o ocorrido só aconteceu dois dias após o início da insurreição. A correspondência do capitão-mor Manoel Francisco Xavier, datada de 8 de novembro, levou ao conhecimento do juiz de paz o evento ocorrido na fazenda da Freguesia e Maravilha. Depois disso, houve o encaminhamento da comunicação ao chefe da Guarda Nacional. Nela, o juiz de paz José Pinheiro de 5 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. O efêmero quilombo de Pati do Alferes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, n. 295, p. 42, 1972. 6 Idem. 20 Souza Werneck descrevia os pormenores da insurreição ao seu primo Francisco Peixoto de Lacerda Werneck (futuro barão de Pati do Alferes). Essa comunicação remetida pelo juiz de paz não fez menção aos escravos liderados pelo cativo Epifâneo, o que gerou o nosso questionamento a respeito desse silêncio. Será que Paulo Gomes Ribeiro de Avelar não informou sobre a sublevação de seus escravos ao juiz de paz? Sendo a resposta afirmativa, por que o silêncio? Tendo em vista que a família Werneck era uma ramificação da Ribeiro de Avelar,7 talvez esse silêncio se explique por essa proximidade e afinidade entre os senhores envolvidos. Mas voltando à insurreição, o juiz de paz informou que os escravos arrombaram diversas casas, das quais levaram mantimentos e vários objetos, e comunicou que em sua maioria os insurrectos estavam armados. 8 Ao analisar os processos crimes9 dos cativos presos, não encontramos nenhum outro arrombamento, a não ser o verificado na fazenda de morada do capitão-mor Manoel Francisco Xavier. Desse arrombamento, temos a informação de que foram levados: feijão, milho, farinha, açúcar e capados (animais criados para o consumo). A insurreição gerou um grande medo ou assim quis demonstrar o juiz de paz na solicitação enviada à Guarda Nacional. Nela, requeria a presença da guarda em Paty do Alferes no dia 10 de novembro, às quatro horas da tarde, e justificava sua atitude com o receio de que aumentasse o mal.10 O temor era de que a insurreição atingisse outras fazendas e se alastrasse a sublevação em toda a localidade. O medo de uma insurreição geral na região era alimentado pelas referências à revolta haitiana ocorrida no final do século XVIII. Este grande exemplo de insurreição escrava perturbava as Américas e atormentava os pensamentos dos proprietários que dependiam da mão-de-obra cativa em suas plantations. 7 A família teve sua origem na região do Pilar, por intermédio de Antônia Ribeira, casada com Manuel de Azevedo Matos. Antônia é uma das duas filhas que com outros quatro filhos são a prole resultante do casamento de João Bernerk (Verneck ou Werneck) com Isabel de Souza, filha ilegítima, mas reconhecida de Francisco Gomes Ribeiro, primeiro representante da família que se tornou conhecida como Ribeiro de Avelar. 8 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 42. 9 Processos crimes: Insurreição e homicídio (1838). Centro de Documentação Histórica (CDH), Universidade Severino Sombra (USS). 10 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 42. 21 Além desse fantasma, o período pós-independência do Brasil apresentou um aumento de fugas escravas.11 Além disso, várias outras insurreições estavam presentes no imaginário senhorial da época e vinham a alimentar o “grande” medo. Relembremos os malês. Considerada a mais importante rebelião ocorrida na Bahia, contou, em sua formação, apenas com africanos de mesma origem que, segundo Eduardo Silva e João José Reis, teria permitido a formação de uma cultura escrava mais definida. Sem entrar no mérito das discussões sobre a participação de livres nessa insurreição que possibilitou várias interpretações a respeito, podemos ponderar no sentido de homogeneidade desses escravos a partir da origem africana. Diferente foi a revolta ocorrida em Carranca, localizada na comarca do Rio das Mortes, em Minas Gerais, que se iniciou em 1833 com três escravos: Ventura, Domingos e Julião. Estes mataram o filho do senhor Gabriel Francisco Junqueira, proprietário dos cativos, que após o assassinato do “senhorzinho” se juntaram a outros cativos e se dirigiram à sede de outra fazenda, onde mataram todos os brancos que encontraram.12 A revolta de Carrancas apresenta alguns pontos em comum com as informações contidas no abaixo assinado de 105 assinaturas de fazendeiros e moradores da freguesia de Nossa Senhora da Glória da Villa de Valença, datado de 12 de julho de 1831.13 Nesse documento, era solicitada a substituição do juiz de paz à majestade Imperial, devido à parcialidade daquele na apuração da conjuração dos escravos. Marcada para acontecer em julho de 1831, 14 a conjuração foi delatada por um escravo ao senhor Manoel do Nascimento no dia 29 de junho. Os escravos pertencentes aos senhores Manoel do Nascimento, Manoel Pereira Terra, Francisco Martins, Joaquim Pinheiro e marquês de Baependy tinham como objetivo assassinar 11 SILVA, Eduardo; REIS, João. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhias das Letras, 1989. p. 10. 12 FARIA, Sheila de Castro. Identidade e comunidade escrava: um ensaio. Tempo. Revista do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, v. 11, n. 22, p. 122146, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tem/v11n22/v11n22a07.pdf. Acesso em: 9 de janeiro de 2010. 13 O documento analisado é um abaixo-assinado da vila de Valença impresso pela Tipografia de Torres no Rio de Janeiro no ano de 1831. O Documento foi gentilmente cedido por Antonio Carlos, mestre em história. Ver anexo I. 14 Idem. 22 todos os homens brancos e livres que se encontravam no caminho até a vila de Valença em prol da liberdade. A exceção era destinada às mulheres que serviriam de esposas. Segundo a informação das autoridades, era “[...] para delles desfrutarem, as fazendas, gozar lhes das Esposas [...]”. 15 Descoberta a trama, o fazendeiro Joaquim Pinheiro de Souza escreveu uma carta a João Baptista Reis Motta solicitando a comunicação do intento às autoridades. Ausentes o juiz de paz e seu suplente, o escrivão encarregado de tomar as providências convocou os oficiais de quarteirão, milicianos, ordenanças da vila e o “povo”. A força chegou a oitenta e poucas pessoas que no mesmo dia, por volta das oito horas da noite, seguiram em direção às fazendas de Francisco Martins e Joaquim Pinheiro, duas das quatro envolvidas, onde prenderam mais de setenta escravos. Após a prisão, na noite de 29 de junho de 1831, os cativos foram castigados com açoites e confessaram o dia marcado para a revolta, 4 de julho. Ainda nas confissões, informaram que já tinham seu “Imperador”, um escravo pertencente ao marquês de Baependy, e que os “negros” desse marquês foram os responsáveis pela tentativa de revolta. Assim, apresentaram nove nomes de cativos apontados como mentores.16 No dia 1º de julho, já com a presença do juiz de paz, foram presos os escravos de Manoel do Nascimento. Esses novos presos chegaram à vila e confirmaram suas participações após serem açoitados. 17 Nesse ínterim, os cativos gritaram que os culpados eram os “negros do Sr. Marquez”, o que ocasionou a solicitação do povo18 para a prisão e castigo dos escravos do marquês de Baependy. Além do fantasma do Haiti e, posteriormente dos malês, esses acontecimentos estavam muito mais próximos geograficamente dos senhores da extinta vila de Paty do Alferes e, consequentemente, muito mais vivo no imaginário. Talvez, por isso, todo o alarde por parte das autoridades na insurreição de 1838. O temor inicial do juiz de paz de uma insubordinação geral não se materializou, pois os escravos só atacaram a fazenda da Maravilha, propriedade do capitão-mor Manoel Francisco Xavier, se encontrando posteriormente com os outros 15 Idem. 16 O abaixo-assinado não informa os nomes desses escravos. 17 Não foi informado o número de cativos presos de Manoel do Nascimento. 18 O documento informa que foi a população da vila que fez a solicitação. 23 cativos que já estavam na mata. E, dessa maneira, seguiram adiante levando todo o possível para o estabelecimento de uma nova fazenda.19 Mesmo assim, no dia 10 de novembro, a Guarda Nacional, sob o comando do coronel Francisco Peixoto Lacerda Werneck, chegou a Paty do Alferes com uma força composta por mais de 160 homens, dentre guardas e cidadãos. A solicitação da presença da guarda foi prontamente atendida, não respeitando a determinação do decreto de 6 de julho de 1836, que exigia a autorização do presidente da província para a movimentação de uma força superior a vinte homens. Antes da chegada da guarda, no dia 8 de novembro, às duas horas da tarde, o coronel da Guarda Nacional, Francisco Peixoto Lacerda Werneck, recebeu o ofício do juiz de paz de Paty do Alferes. Após a leitura do documento, encaminhou ao presidente da província uma cópia do referido, acrescentando que o ocorrido na propriedade do capitão-mor preocupava há tempos a autoridade local pela forma como o próprio lidava com a sua escravatura. Em seu relatório, o coronel deu sua versão para a explosão da insurreição: Há muito tempo que se receava o que hoje acontece, por fatos que se têm observado entre esta escravatura. Há pouco mais de um mês que mataram um parceiro a tiros, e foi, por ordem do capitão mor, sepultado no maior segredo, e só se soube pela boca pequena que tal crime se havia perpetrado. 20 O coronel apresentou a situação da escravaria do capitão-mor Manoel Francisco Xavier envolvida na insurreição, associando-a a uma certa falta de governo dentro das fazendas. Ao dizer “há muito tempo”, o coronel se referia a acontecimentos ocorridos quatro anos antes que, segundo ele, deixaram os fazendeiros da região em estado de cautela. O modo como os escravos viviam dentro das fazendas do capitão-mor era o principal motivo de temor, na visão do coronel Francisco Peixoto Lacerda Werneck. A pretensa ingovernabilidade estava associada a certos atos dos escravos do capitão-mor como ferimentos a homens brancos e espancamentos mortais de capatazes. 21 Dessa maneira, o coronel indicava ao presidente da província o ambiente das fazendas da Freguesia e Maravilha que, segundo sua opinião, comprometia a tranquilidade pública. 19 SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 51. 20 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 43. 21 Idem. 24 Sem minimizar a importância da insurreição, e considerando a referência à desordem pública, como explicar a ausência de ataques a outras fazendas? Apesar de não ter havido novos ataques, a insurreição parecia ameaçar diretamente as autoridades, o que, talvez, explique a ação rápida sem o cumprimento das determinações do decreto de 6 de julho de 1836. As medidas tomadas para conter a insurreição também podem ser entendidas como uma oportunidade para pôr fim à disputa intraelite, iniciada antes mesmo da fundação da vila de Paty do Alferes em 1820. Ao analisar as obras Histórias de quilombolas22 e Insurreição negra e Justiça,23 uma informação gerou nossa indagação sobre este levante de escravos. A primeira obra salienta a existência de conflitos entre os senhores que teriam influenciado na apuração e nos julgamentos dos cativos presos. A segunda obra afirma que a instauração dos processos não passou de “vestimenta”, dada a uma decisão anteriormente tomada.24 A partir dessa leitura, buscamos dados que pudessem comprovar tais afirmações. Para alcançarmos nosso objetivo realizamos um estudo em períodos anteriores à insurreição de 1838, focando nossos esforços na época da ocupação da região da vila de Paty do Alferes. 1.1 Paty do Alferes: a ocupação e o início da tensão senhorial Nos anos finais do século XVII, Garcia Rodrigues Pais iniciou a abertura do Caminho Novo, que ligaria a região de Minas Gerais à cidade de São Sebastião, atual Rio de Janeiro. No ano de 1700, Garcia chegou à roça do alferes Leonardo Cardoso da Silva, ao vencer o morro São Paulo.25 Posteriormente ao ano de 1705, quando finalmente o Caminho Novo começou a ser transitável, 26 a região começou a sofrer 22 GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro – Século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 23 PINAUD, João Luiz Duboc et al. Insurreição negra e Justiça. Rio de Janeiro: Ed. Expressão e Cultura – Exped Ltda., 1987. 24 Ibidem, p. 27. 25 STULZER, Aurélio (frei). Notas para a história da Villa de Pati do Alferes. Dezembro de 1944, p.5. 26 Informação retirada da obra de MAGALHÃES, Basilio. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 84. Apud. MAIA FORTE, José Mattoso. Memória da fundação de Vassouras. Rio de Janeiro: Ed. O Globo, 1933. p. 6. 25 uma ocupação mais sistemática pelos transeuntes que utilizavam a nova rota de escoamento da produção aurífera. Mas, antes mesmo da chegada de Garcia Rodrigues, a região já apresentava seus primeiros sesmeiros: o alferes Leonardo e o capitão Francisco Tavares, 27 proprietários das mais antigas sesmarias da localidade. 28* Com o aumento da utilização da nova “via”, muitos outros foram ocupando as margens e construindo ranchos para pouso dos viajantes e pequenos comércios. Assim, ao redor dessas sesmarias, foram se estabelecendo outros moradores. Alguns desses vizinhos receberam doações de sesmarias, como Valério Francisco da Costa que obteve sua carta em 8 de janeiro de 1750. 29 Com o crescimento do número de habitantes, as autoridades espirituais identificaram a necessidade de um “pasto espiritual”. Dessa forma, frei Francisco de S. Jeronymo, bispo de São Sebastião, permitiu que o oratório da fazenda do capitão Tavares passasse a servir de capela curada.30* [...] pareceu conveniente ao bispo D. Francisco de S. Jerônimo providenciar tanta necessidade, permitindo o uso e privilégio de capela curada ao oratório do capitão de ordenanças Francisco Tavares, enquanto se descobriu, pela cultura das terras, sítio proporcionado à fundação de um templo. 31 Em função da prosperidade da localidade e, novamente, do aumento demográfico, os próprios moradores solicitaram uma nova igreja. Mas, antes da 27 O nome do capitão Tavares era: Jose Francisco Tavares que antes de se tornar capitão fora alferes. 28 Informação retirada do Arquivo público Nacional. Coleção 60, Lº 18 fs 139. Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 8. *Segundo o Instituto de Arqueologia Histórica do Médio Paraíba, os Sesmeiros mais antigos são: Francisco Tavares, Martins Correa Vasques e marcos da Costa da Fonseca Branco. 29 Ibidem, p. 14. 30 Idem. *Capela Curada: ministrada, em caráter permanente, por um pároco ou cura, é igualada à paróquia. 31 Informação retirada da declaração realizada pelo Bispo Fr. João da Cruz em 8 de junho de 1742. In: Apud ARAÚJO, Joze de Souza Azevedo Pizarro e. Memórias históricas do Rio de Janeiro. In: BRAGA, Greenhalgh H. Faria. De Vassouras: histórias, fatos, gente. Rio de Janeiro: Ultra set Ed., 1978. p. 16. 26 edificação deste templo, o capitão Tavares doou, em 13 de março de 1739, cem mil réis e hipotecou a esta quantia meia légua de terras 32 para patrimônio desta igreja.33 Posteriormente, na década de 1780, com o contínuo crescimento da localidade, além da igreja apresentar sérios problemas em função da ação do tempo, passou a não comportar o grande número de fiéis. Durante uma missão religiosa, por exemplo, não comportou todos os devotos, deixando-os expostos ao sol, ocasionando a solicitação do missionário para a construção de um novo templo. Para isso, os senhores José Ribeiro da Cruz e José de Oliveira Ribeiro doaram seiscentos mil réis cada um.34 Após muito rogo dos moradores e, também, em função da obrigação contida no registro de doação para patrimônio da igreja realizado pelo capitão Tavares, José de Oliveira Ribeiro doou uma pequena área para a nova construção. José de Oliveira era o proprietário da fazenda Freguesia, sucessor do capitão Tavares. Por conseguinte, tinha a obrigação de cumprir com a doação realizada pelo seu antecessor. [...] faz doação para patrimônio da quantia de cem mil reis em dinheiro cuja quantia toma ele, [...] sobre si a razão de juros de seis e um quarto por cento em cada ano, cujo juros se obriga ele, [...] a dar conta ou em dinheiro, ou em despesas para a dita capela [...] e especialmente hipoteca a esta quantia de cem mil reis deste patrimônio a dita meia légua de terras com as ditas fazendas em sua vida, e por sua morte, dele, outorgante a seus herdeiros, ou a quem os possuir que será sempre com essa obrigação [...].35 Tirando proveito de sua obrigação e da doação de seiscentos mil réis, José de Oliveira Ribeiro impôs ao seu cunhado a construção da nova igreja. 36 Mas Inácio 32 “[...] Escritura de doação para patrimônio de uma capela que fez o cap. Francisco Tavares e obrigação de hipoteca [...] tem ele uma capela ornada e paramentada de todo o necessário de invocação Nossa Senhora da Conceição, que levantou e fabricou, ele outorgante a sua custa, e para conservação dela e se poder dizer missa e servir de freguesia lhe faz doação para patrimônio da quantia de cem mil reis em dinheiro cuja quantia toma ele, [...] sobre si a razão de juros de seis e um quarto por cento em cada ano, cujo juros se obriga ele, [...] a dar conta ou em dinheiro, ou em despesas para a dita capela [...] e especialmente hipoteca a esta quantia de cem mil reis deste patrimônio a dita meia légua de terras com as ditas fazendas em sua vida, e por sua morte, dele, outorgante a seus herdeiros, ou a quem os possuir que será sempre com essa obrigação [...]” Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 9-10. 33 A igreja foi benzida pelo rev. Manuel da Costa em 26 de abril de 1739. Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 11-12. 34 35 Ibidem, p. 32. Transcrição do documento de doação realizado pelo capitão Tavares, mas o autor não cita a fonte utilizada. Ibidem, p. 9-10 (grifo do autor). 27 de Souza Werneck tinha se apresentado para edificá-la. 37 Assim sendo, foram apresentados dois orçamentos idênticos, salvo por algumas especificidades. Mesmo assim, José de Oliveira Ribeiro afirmou que o seu cunhado, José de Souza Vieira, seria quem a construiria. Para forçar a aceitação do seu desejo, só permitiria a retirada de madeira de sua mata para a obra da igreja se a mesma estivesse sendo erguida por José de Souza.38 A construção terminou, sendo acertada com José de Souza Vieira no valor de quatro contos de réis. O primeiro pagamento foi feito ao iniciar a obra e o segundo com toda a cobertura pronta e a última ao término. 39 Não sabemos o porquê desta imposição. Talvez, uma forma de reaver o dinheiro doado pela família? E, por que Inácio de Souza Werneck se apresentou como construtor? Sabemos que Inácio Werneck fora um religioso e, após o falecimento de sua esposa, tornou-se vigário num momento em que a coroa buscava transformar os sacerdotes em funcionários reais 40. Mas isso não explica sua apresentação como construtor da igreja. Durante o andamento da construção, José de Souza Vieira não recebeu o segundo pagamento, pois não realizou toda a obra restando as varandas e a sacristia.41 Em função do não recebimento, José de Souza Vieira abandonou a obra obrigando o vigário, José Pereira Furtado, juntamente com Luis Gomes Ribeiro a contratarem um novo construtor. Inácio Ferreira Pinto, após o recebimento de setecentos mil réis, retirou-se para a Corte,42 deixando a obra a cargo de dois outros funcionários. 36 A forma escrita no livro nos leva a acreditar que foi retirada de algum documento, mas não há a citação da fonte. Ibidem, p. 32. 37 Mais uma vez o autor não informa fonte. Ibidem, p. 31. 38 Idem. 39 Ibidem, p. 32. 40 Para saber mais ver: NEVES, Guilherme Pereira. A religião do Império e a igreja. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). O Brasil Imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. 1 vol. 41 Informação contida na obra de Aurélio Stulzer, mas não cita a documentação. Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 33. 42 Idem. 28 Posteriormente, a obra foi paralisada, possivelmente em função da imposição de José de Oliveira Ribeiro. Por isso, Francisco Lacerda Peixoto afirmou que José de Oliveira Ribeiro “é mau homem, falta caridade e religião”. 43 Além disso, alegou-se que a não finalização da obra se deu à má vontade da família de José de Oliveira Ribeiro44 e que a família desejava isolar as suas terras dos outros fazendeiros locais. Para este fim, teria realizado diversas compras para deslocar os seus vizinhos. Esse anseio ficou mais explícito com a proibição para a construção de casas para aforamentos.45* Com base nas informações encontradas, nota-se inicialmente uma resistência dos proprietários da fazenda Freguesia (capitão Tavares e José de Oliveira Ribeiro) em doar parte de suas terras, o que sugere uma disputa pela manutenção territorial da propriedade. Esse desejo de isolar a propriedade parece se conformar a uma prática comum da época. Segundo Márcia Motta, Nas fronteiras do poder, ser senhor de terras representava “a capacidade de exercer o domínio sobre suas terras e sobre os homens que ali cultivavam”. 46 A atitude de José de Oliveira, ao desalojar os ocupantes, demonstra uma das faces do que estava em jogo. A questão do domínio e da expansão da propriedade parecem ser centrais no contexto da compra de terras de seus vizinhos. Soma-se a isso, a intenção de estar distante de outros proprietários para assim exercer em total plenitude o seu poder. A compra de terras dos vizinhos ocorreu na segunda metade do século XVIII, período de intensa ocupação em toda região do Vale do Paraíba e de intensas disputas pelo acesso à terra,47 o que, de certa maneira, pode ajudar a explicar a resistência em fazer doações para a edificação da igreja. O período ainda trouxe 43 Ibidem, p. 34. 44 Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 33. Informação possivelmente retirada de algum documento, esta ponderação é plausível pela forma de escrita que difere da do texto. 45 “Nunca permitiu se fizessem casas para aforamento, como era o uso, para servir aos de fora, por ocasião de missas e festas, e quando quis faze-lo, não querendo, trombeteava que cobraria 320 réis a braça - um absurdo para aqueles tempos!”. Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 33. *Casa para repouso dos viajantes. 46 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. 2. ed. Niterói, RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense (EdUFF), 2008. p. 44. 47 Ibidem, p. 196. 29 várias solicitações para demarcações das sesmarias e, de acordo com Márcia Motta, em quase todos os pedidos existiam pendências em relação aos confrontantes. 48 Até aqui, observamos o posicionamento de José de Oliveira Ribeiro frente à doação do terreno e sua imposição para que o seu cunhado, José de Souza Vieira, construísse a igreja. Essa atitude gerou um descontentamento do povoado, agravada pelo abandono da construção da igreja. O resultado foi a avaliação, em 1817, das ruínas da igreja em trezentos mil réis.49 Tal fato ocasionou uma tensão na classe senhorial, que apresentou desdobramentos no contexto da fundação da vila de Paty do Alferes. 1.2 Solicitação para elevação do povoado em vila. O aflorar da desordem senhorial Antes de abordarmos as questões relativas à elevação de Paty do Alferes à categoria de vila, conforme solicitação em 1816, nos deteremos, por um breve momento, num acontecimento ocorrido no final do século XVIII. Em 1793, faleceu José de Oliveira Ribeiro, deixando uma filha de nome Francisca Xavier das Chagas sob a guarda de sua esposa, então viúva, Maria Victória. 50 Em 4 de fevereiro de 1798, a viúva Maria Victória casou-se pela segunda vez com José Francisco Xavier, oriundo do Açores e considerado pelo bispo do Rio de Janeiro, Dom José Caetano, um homem temente a Deus: “[...] duas vezes procurei o vizinho senhor Jose Francisco Xavier, ilhéu, tagarela, mas capaz de um desempenho e amigo da igreja [...]”.51 José Francisco Xavier tem papel de destaque no que consideramos a “desordem senhorial”, sendo uma das figuras centrais na porfia que se envolveu a freguesia de Paty do Alferes com a solicitação de sua transformação em vila. Ao analisarmos a certidão de casamento de José Francisco Xavier, encontramos uma particularidade quanto à realização da cerimônia. O horário marcado para a celebração dos laços matrimoniais não era o habitual. Vejamos: 48 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Direito à terra no Brasil: a gestação do conflito, 1795-1824. São Paulo: Alameda, 2009. p. 195. 49 Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 33. 50 Transcrição da certidão de óbito de José de Oliveira Ribeiro. Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 12. 51 Transcrição do relatório da visita de dom José Caetano a freguesia de Paty do Alferes em agosto de 1813. Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 37. 30 Aos quatro dias do mês de fevereiro de mil setecentos e noventa e oito, nesta paroquial igreja do Alferes, às nove para às dez horas da noite por me apresentarem despacho, digo, provisão de Sua Excelência para serem recebidos à noite, feitas as denunciações do Sagrado Concílio Tridentino, por provisão que me apresentaram do ver. Cônego José Rodrigues de Carvalho que serviu de vigário geral, em minha presença, e das testemunhas Antônio Gomes da Cruz, e Antônio da Cunha Godoi, se casaram em face da Igreja, por palavras de presente, José Francisco Xavier, filho legítimo de Felipe José Xavier e de Mariana Rosa, natural da Ilha de Santa Catarina do Faial, bispado de Angra, com Maria Vitória da Conceição, viúva de José de Oliveira Ribeiro, natural da freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Alferes, e lhe dei as bênçãos por lhe serem devidas, de que para constar fiz este assunto que assinei. João Álvares de Barros, vigário (Grifo nosso). 52 Possivelmente, o casamento foi realizado às “escondidas” em função da determinação do testamento do primeiro marido de Maria Victória. [...] Nomeio a mesma minha mulher, pela sua capacidade que tenho experimentado e faço do meritíssimo juiz de órfão, caso ela mande continuar os termos do inventário e partilhas, para ela reger e governar a pessoa do mesmo menor e a sua legítima, aplicando-se rendimento da mesma para sua subsistência, e ainda pela sua meação; não passando a segundas núpcias como é trivial neste caso (grifo do autor).53 Já no século XIX, mais especificamente no ano de 1817, o momento político era de rápidas transformações. Todavia, ao observarmos a freguesia de Paty do Alferes, encontramos indícios da permanência da tensão senhorial. Nesse período, conforme apresentado anteriormente, temos a informação de que a igreja não tinha sido construída totalmente, encontrando-se a obra paralisada 54 e avaliada em trezentos mil réis, ou como informa frei Aurélio “[...] as ruínas desta 2ª matriz inacabada, em trezentos mil réis”.55 Mas um ano antes, em 20 de abril de 1816, era solicitada a criação da vila de Paty do Alferes56. Segundo a solicitação, a criação da vila serviria para cuidar melhor dos interesses da ordem civil, já que os moradores poderiam resolver seus assuntos na própria vila, sem a necessidade de deslocamento até a Corte. 52 Transcrição da certidão de casamento de José Francisco Xavier com Maria Vitória da Conceição. Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 17. (grifo do autor). 53 Testamento de Jose de Oliveira Ribeiro. Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 15. (grifo do autor). 54 A obra fora iniciada antes de 1784, ou seja, já durava mais de 33 anos. 55 Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 33. 56 A solicitação foi encaminhada pelo ouvidor do Rio de Janeiro a Mesa de Desembargo. 31 No que diz respeito à solicitação, José Francisco Xavier se posicionou contrário. Lembremos que este senhor estava, nesse momento, defendendo o interesse de sua esposa, Maria Victória, proprietária da fazenda Freguesia. Esta propriedade tinha pertencido anteriormente a José de Oliveira Ribeiro, envolvido nas questões em torno da construção da igreja. Ao se posicionar dessa forma, José Francisco Xavier não estava se colocando contra a criação da vila, mas, sim, defendendo a unidade territorial da sua propriedade, pois o local escolhido para abrigar a sede encontrava-se dentro dos limites da fazenda Freguesia, da mesma forma que a solicitação anterior, referente à construção da igreja, em função da doação registrada em cartório. Dessa maneira, ele buscava se libertar da obrigação de doar parte de suas terras para a construção da sede. Essa obrigação de doar terrenos para construções públicas existia para toda propriedade obtida por meio de concessão do título de sesmaria. Notamos mais uma vez o interesse desses proprietários em manter suas propriedades intocadas. Assim, em busca dessa conservação, José Francisco Xavier realizou uma petição junto à Corte alegando que o terreno demarcado para a sede estava a 42 braças de seu engenho e que o local era impróprio por se encontrar entre morros.57 Em função dessa alegação, indicou a localidade de Sacra Família, pela sua planície e estrutura “com casa de vigário, particulares e de negócios”.58 Não diferente do ocorrido na freguesia de Paty do Alferes, Sacra Família também apresentou um proprietário que se posicionou contrário à construção da sede em suas propriedades. A petição de José Francisco Xavier não foi aceita pelo ouvidor que considerou a localidade indicada como “excêntrica”. 59 Juntamente com a negação, o ouvidor solicitou a José Francisco Xavier alguns esclarecimentos sobre o estado de ruína da igreja e sobre o motivo de ter sido construída em local deserto. Além disso, pediu a apresentação da carta de sesmaria. Segundo o ouvidor, a ruína da igreja teria sido causada pelo próprio José Francisco Xavier e disso era prova a carta do capitão Francisco Peixoto de Lacerda. No entanto, neste momento em que José Francisco Xavier sofreu a acusação, 57 Petição encaminha a Corte por José Francisco Xavier. Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 22. 58 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 22. 59 Idem. 32 surgiu seu irmão Manoel Francisco Xavier como novo proprietário da fazenda Freguesia, após casar-se com a filha de Maria Victória, Francisca Xavier das Chagas. O casamento ocorreu em 4 de setembro de 1804. A partir desta data, Francisca passou a assinar como Francisca Eliza Xavier. Aos quatro dias do mês de setembro de mil oitocentos e quatro anos nesta paroquial igreja de Nossa Senhora da Conceição do Alferes, às dez horas da manhã, em virtude de sua provisão que me apresentaram do muito reverendo doutor juiz dos casamentos Francisco Gomes Vilasboas, recebi matrimonialmente, por palavras de presente, sem impedimento, in face ecclesiae, na forma do Sagrado Concílio Tridentino e constituição, a Manuel Francisco Xavier, filho legítimo de Felipe José Xavier e de Mariana Rosa da Trindade, natural e batizado na freguezia de Santa Catarina, bispado de Angra; e Francisca Xavier das Chagas, filha legítima de José de Oliveira Ribeiro e de Maria Vitória da Conceição, natural e batizada nesta freguezia da Nossa Senhora da Conceição do Alferes, e logo lhes dei as bênçãos nupciais; foram testemunhas presentes o Alferes José Francisco Xavier e Antônio Gomes da Cruz todos desta freguezia, de que fiz este assunto. 60 O vig. Joaquim José Pereira Furtado. Dessa forma, a propriedade de José de Oliveira Ribeiro passou a pertencer a Manoel Francisco Xavier. Nesta aliança, notamos a preocupação em manter o patrimônio dentro do núcleo familiar formado. Aliás, havia uma determinação testamentária, no caso de um segundo casamento de Maria Victória, da perda do domínio dos bens existentes. Não diferente do irmão, Manoel Francisco Xavier apresentou um requerimento impugnando a criação da vila. Alegou a existência em sua fazenda de uma capela particular que atendia à família e aos vizinhos. 61 E, assim como os proprietários anteriores, posicionou-se em favor da unidade territorial da sua propriedade. Lembremos esses senhores: 1º Proprietário Capitão Tavares 60 2º Proprietário 3º Proprietário 4º Proprietário Certidão de casamento de Manoel Francisco Xavier com Francisca Eliza. Apud STULZER, Aurélio (frei). cit., p.17. JoséOp. Oliveira Ribeiro Manoel Francisco Maria Victória e e Xavier e Francisca JoséFrancisco Francisco Requerimento apresentado por Manoel Xavier ao procurador da Coroa. Apud MAIA Eliza Xavier FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 23. Xavier Maria Victória 61 33 Para este novo personagem, a criação da vila se restringia inicialmente à presença da igreja. Como a fazenda possuía uma capela que servia à comunidade, a presença administrativa não se faria necessária. Ainda na argumentação apresentada, ressaltava-se que a fazenda contribuía com os direitos para o erário régio. 62 Manoel Francisco Xavier informou que não era contra a fundação da vila, só não queria a mesma dentro de sua propriedade, pois prejudicaria o progresso da fazenda e, assim, ofereceu um terreno em uma das extremidades da fazenda e um conto de réis para a realização das obras. 63 Com a argumentação do cumprimento da obrigação, o proprietário Manoel Francisco Xavier deixou transparecer que suas terras eram legalizadas e, talvez por isso, não fez referência ao cultivo do solo que era uma das exigências para ter o título de proprietário reconhecido. Em sua alegação, notamos também o conflito existente entre a classe senhorial e a Coroa 64 que encontrou forte restrição por parte dos fazendeiros para ter suas determinações cumpridas. Ainda sobre o cumprimento da obrigação com o erário régio, notamos que sua citação visava o não questionamento sobre a legalização de sua propriedade. Dessa maneira, estava se protegendo de uma “nova” demarcação de seus limites e consequente comprovação da posse ou, ainda, a obrigatoriedade de algum documento de áreas agregadas à extensão da propriedade. Conforme as Ordenações Fillipinas: Porém se os administradores se oferecerem provar dentro de trinta dias, como por si e seus antecessores estão em posse da administração por tanto tempo que a memória dos homens não é contrário, sem saberem parte da instituição, e que sempre cumpriram os encargos, que seus antecessores sempre cumpriram. Ser-lhes-á recebida tal razão e não serão tirados da posse [...]. 65 62 Ibidem, p. 24. 63 Idem. 64 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Op. cit., 2008, p. 44. 65 Ibidem, p. 107. 34 Em função desta resistência da família Xavier, o procurador da Coroa solicitou ao ouvidor a opinião da “nobreza” e do povo para a melhor localização da sede e também o valor da antiga igreja que se achava em ruína.66* Dessa forma, um segundo ouvidor, dr. José Joaquim de Queiroz, examinou a propriedade dos Xavier e informou não encontrar um local próprio para a sede. Segundo José Joaquim Queiroz, a melhor região seria a denominada de Paty ou Patys, onde se achavam estabelecidos muitos moradores formando uma espécie de arraial.67 Mas onde se encontrava tal localidade? Após três anos da solicitação de 1816 para a fundação da vila, um novo local foi escolhido. Este se encontrava dentro da propriedade de Antonio Luiz Machado que se posicionou contrário à nova indicação. Antônio era proprietário do sítio dos Patys68 e, como tal, era o responsável por arcar com certas obrigações de detentores do título de proprietário de sesmaria. 69 Segundo o jornal Vassourense,70 Antonio Luiz Machado era morador da freguesia de Sacra Família, o que confirmava a primeira indicação realizada por José Francisco Xavier. Sacra Família foi elevada à Freguesia no ano de 1755. Sua criação destinavase a atender as necessidades espirituais dos moradores, obrigados a grandes deslocamentos para participarem dos rituais católicos. 71 Antes de receber o título de freguesia e seus benefícios, como a construção de uma igreja, os moradores eram obrigados a se deslocarem até a localidade da Roça do Alferes. Local esse que já contava com uma capela curada para atender os rituais católicos. A escolha entre as propriedades de Antonio Luiz Machado e Manoel Francisco Xavier, para implantação da vila, apresentou vários desdobramentos. Machado informou ao ouvidor que a fazenda do Xavier era muito maior e por isso 66 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit.. p. 24. *Conforme informado anteriormente, a igreja foi avaliada em 300$000 (trezentos mil réis). 67 Relatório do dr. José Joaquim de Queiroz de 8 de junho de 1819. Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 25. 68 LAMEGO, Alberto Ribeiro. O homem e a Serra. 2. ed. Rio de Janeiro: IHGB, 1963. p. 139. Ao ser escolhida a localidade para edificação da sede da vila e, se a mesma encontrava-se dentro dos limites de uma sesmaria, o proprietário era obrigado a doar parte do território. Por sua vez, a população arcava com toda doação para a construção dos prédios públicos. 69 70 Jornal Vassourense de 31 de dezembro de 1893. Museu Casa da Era, Vassouras, Rio de Janeiro. 71 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p.54. 35 poderia arcar com a fundação. Além disso, argumentou que os Xavier eram herdeiros e sucessores de José de Oliveira Ribeiro e esposa, responsáveis pela doação de um terreno para construção da igreja e duzentos mil réis. Por fim, alegou que muitos fazendeiros, como Luiz Gomes, se obrigaram, por escritura, a doar o que faltasse para a conclusão da igreja 72 e que o arraial considerado pela autoridade para a instalação da sede não passava de “[...] seis moradores, dois dos quaes eram possuidores de terras desmembradas da mesma fazenda, sendo os demais agregados desta e tão miseráveis que viviam em pequenos ranchos de palha”. 73 O ouvidor Queiroz, em resposta ao apresentado pelo sr. Antonio Luiz Machado, argumentou da seguinte maneira: o próprio sr. Antonio não informou nenhum outro local para a fundação e ainda defendeu tacitamente que o local onde se encontravam as ruínas da igreja não era apropriado. Quanto ao sítio dos Patys, era uma várzea com grande extensão que contava com 26 moradores, rios e cruzamento de estradas das freguesias.74 Ao final do confronto das argumentações, o ouvidor Queiroz provou ser verdade a informação quanto ao número de habitantes, pois as pessoas que assinaram o auto de vistoria reconheceram tais dados. Por fim, Queiroz foi favorável à fundação da vila nas terras de Antonio Luiz Machado, afirmando que o mesmo encontraria recompensa na afluência de moradores. Finalmente, no dia 29 de maio de 1820, a Mesa do Desembargo opinou a favor do auto realizado pelo ouvidor Queiroz pela fundação da vila no sítio denominado Patys 75 em Sacra Família. Notamos que o interesse senhorial em manter a unidade territorial da propriedade foi o principal foco das argumentações para se ter a sede da vila longe das propriedades envolvidas. Além disso, estava em questão o poder de um senhor de terras que se expressava através do domínio de determinado espaço, bem como a sujeição dos homens que ali trabalhavam. 76 Portanto, uma vitória frente à determinação da Coroa para a demarcação do terreno não só sustentava a posição 72 Informação contida no livro de Maia Forte, mas infelizmente a fonte não é citada. Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 27. 73 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 28. 74 Idem. 75 76 Ibidem, p. 29. MOTTA, Márcia Maria Menendes. Op. cit., 2008, p. 44. 36 de mando desse senhor, como proporcionava um aumento da autoridade desse proprietário. 1.3 A criação da vila Nesse cenário, no qual os interesses dos senhores falavam mais alto que os interesses comunitários, chegou o ano de 1820 que trouxe consigo a fundação da vila ocorrida em 4 de setembro: Alvará de creação: - Eu El Rei faço saber aos que este alvará com força de ley virem, que, sendo-me presente em conselho da mês do meo desembargo do Paço a necessidade que há de se criar huma Villa na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Alferes do Termo desta cidade, afim de facilitar aos seos habitantes, que passão de oito mil, a mais pronpta administração da Justiça e aliviar-lhes os grandes incômodos e prejuízos, que experimentão em virem freguentemente a esta Corte demonstrar os seos recursos, na destancia de vinte e cinco a trintra léguas: e verificando-se pelas informações do actual Ouvidor da Comarca, a vestoria, e averiguações legais, a que elle procedeo, não haver outro local dentro daquela Freguesia mais adeguado para erigir a dita Villa, do que ofereceo citio denominado Paty, não só por ser o mais plano e mais centrau, e crusarem ali as estradas das outras Freguesias vizinhas, que devem construir o destricto da mesma Villa; mas também por se acharem n’elle já estabelecidas muitas habitações que formão huma espécie de Arraial, com capacidade e proporções vantajosas para novos edeficios, sendo por isso o mais próprio para o assento da igreja matriz, e consequentemente para mais oportuna e fácil administração dos Sacramentos [...] (Grifo nosso). 77 O alvará demonstra que a fundação foi em conformidade com a vistoria realizada pelo ouvidor e, assim, o sítio Paty foi o local escolhido para a sede da vila. A escolha se deu pela centralidade com cruzamentos de estradas e por existir uma espécie de arraial; todas essas informações contidas no alvará estavam presentes no laudo de vistoria tão refutado pelo proprietário Antonio Luiz Machado. Além dos posicionamentos em favor da manutenção da propriedade, o contexto da fundação da vila apresentou, ao mesmo tempo, uma resistência quanto ao estabelecimento do poder administrativo na localidade. Possivelmente, esses senhores pensavam que tal proximidade prejudicaria a direção de suas propriedades, pois estavam acostumados a viver longe do olhar fiscalizador de um poder superior. Ainda analisando o alvará, pode-se concluir que Manoel Francisco Xavier, além de conseguir retirar de sua terra a fundação da vila, também transferiu, mesmo 77 Alvará de Criação da vila de Paty do Alferes, 1820. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: Fundos PP; notação 0138; maço 07; caixa 0049 (grifo nosso). 37 que provisoriamente,78 a construção da igreja para o sítio dos Patys: “[...] com capacidade e proporções vantajosas para novos edeficios, sendo por isso o mais próprio para o assento da igreja matriz, e conseqüentemente para mais oportuna e fácil administração dos Sacramentos”.79 Logo, constatamos que a escolha do local para a criação da vila de Paty do Alferes se deu por suas “[...] proporções vantajosas que o mesmo lugar offerecia”. 80 Entretanto, num período de menos de dez anos, encontramos a criação de três vilas na região do Vale do Paraíba Fluminense. A vila de São Pedro de Cantagallo em 1816, Paty do Alferes em 1820 e a vila de Valença em 1823. 81 O que estaria representando a elevação dessas localidades em vila? Com a vinda da Corte, em 1808, para o Rio de Janeiro, além de provocar uma ruptura no aspecto político, ocasionou ainda a acentuação dos conflitos internos entre os portugueses (de Portugal) e os da nova Corte. 82 Além disso, podemos salientar alguns aspectos do enraizamento do Estado no Centro Sul da antiga colônia, conforme nos apresenta Maria Odila.83 Esse enraizamento seu deu por meio das construções, compras de terras e até pelo estabelecimento de firmas.84 Assim, com a instalação da Corte, o mercado do Rio de Janeiro passou a conviver com a escassez de alimentos para suprir sua alta demanda. Tal situação obrigou o então regente d. João a incentivar a produção de alimentos para prover essa necessidade. Em 1815, tomava a decisão de promover a produção e o comércio na região onde se encontraria a vila de Valença.85 78 Provisoriamente, porque, em 1840, Francisca Eliza Xavier iniciou a construção da igreja que foi entregue a população em 1844. 79 Alvará de Criação da vila de Paty do Alferes, 1820. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro: Fundos PP; notação 0138; maço 07; caixa 0049 (grifo nosso). 80 Apud MAIA FORTE, José Matoso. Op. cit., p. 21. 81 SILVA, S. P. História regional: ocupação e formação da vila de Valença, Província do Rio de Janeiro (1823). Saber digital: Revista Eletrônica do CESVA, Valença, v. 1, n. 1, março/agosto de 2008, p. 8. Disponível em: http://www.faa.edu.br/revista/v1_n1_art08.pdf. Acesso em: 20 de julho de 2009. 82 DIAS, Maria Odila Leite da Silva. A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005. p. 12. 83 Ibidem, p. 18. 84 Ibidem, p. 20-21. 85 LENHARO, Alcir. As tropas da moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil – 1808-1842. 2. ed. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, 1992. p. 23. 38 Uma das atitudes foi a abertura de estradas que visava facilitar o comércio e a chegada de alimentos ao Rio de Janeiro. Dessa maneira, a colonização do Vale do Paraíba Fluminense se difundiu a partir da produção de alimentos de subsistência 86 e não como resultado do esforço de transformá-lo em núcleo de apoio à extração mineral, conforme apresenta Mapurunga quando aborda a criação da vila de Paty do Alferes.87 Tendo como principal núcleo abastecedor de alimentos o Sul de Minas, o governo se utilizou do caminho que anteriormente abastecia as minas, ou seja, o Caminho Novo, para suprir a necessidade após a instalação da Corte. Observamos nesse momento o sentido inverso, a região que antes era abastecida em função da crise do ouro começou a prover a demanda de alimentos da Corte. Assim, identificamos que o caminho passou a ser utilizado para “descer” gado, porcos, galinhas, carneiros toucinhos e queijos, além de outros alimentos. 88 Com a crescente necessidade de alimentos de subsistência em função do aumento da população, a Junta do Comércio iniciou em 1812 a construção da estrada do Comércio que passaria na então vila de Paty do Alferes. Paralelamente, era construída a estrada da Polícia que seguiria o roteiro da do Comércio até a região do Iguaçú, onde tomaria o rumo de Sacra Família, Vassouras até atingir Valença.89 Além de facilitar o escoamento de produtos agrícolas, ambas as estradas, valorizaram as terras e provocaram o povoamento do Vale do Paraíba Fluminense. 90 Retornando para o período da criação da vila de Paty do Alferes, observa-se a necessidade de se constituir a primeira Câmara de Vereadores que, nessa época, era composta por: dois juízes ordinários, três vereadores, um procurador do conselho, dois almotacés, dois tabeliães do público, alcaide e escrivão. Na eleição para os primeiros vereadores da vila de Paty do Alferes, os cargos foram preenchidos pela “nobreza da terra”, segundo o postulado vigente no reino de Portugal.91 A casa de Câmara foi composta pelos seguintes membros: juízes ordinários: Manoel Francisco Xavier e o capitão Francisco das Chagas Werneck. 86 Idem. 87 MAPURUNGA, Marta Cursino. Paty do Alferes: progresso e estagnação. Dissertação de Mestrado (Mestre em História) – Universidade Severino Sombra, USS, Vassouras, Rio de Janeiro, 2002, p. 19. 88 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 48. 89 Ibidem, p. 49-50. 90 Ibidem, p. 50. 39 Vereadores: Antônio Gomes da Cruz, Manoel João Goulart e o capitão José Lopes de Pontes ou José Luiz França. 92 A câmara poderia ainda ser composta por um juiz de fora, caso fosse nomeado pelo rei,93 o que não se apresentou. Após aprovação da eleição dos vereadores pelo ouvidor geral e corregedor da Comarca, estabeleceu-se o dia para instalação da vila, 14 de março de 1821. Sendo a data de 21 de fevereiro do mesmo ano, dia da posse de Manoel Francisco Xavier como capitão-mor94 dia em que prestou juramento ao desembargador Joaquim José de Queiroz.95 • O título de capitão-mor, durante o período colonial, delegava poderes parecidos com os de delegado, com jurisdição sobre o colono português ou estrangeiro96 e, além disso, era responsável pela segurança e proteção dos habitantes.97 Como o título significava ser um representante do rei em terras distantes, cuja monarquia tinha como religião oficial o catolicismo, necessariamente o candidato à manifestação de honra deveria ser católico. Para ser católico era necessário realizar todos os ritos religiosos e respeitar os dias considerados santos. Retornando à Câmara, sua primeira reunião aconteceu em 21 de fevereiro de 1821, com o objetivo de empossar os vereadores. Nessa primeira sessão foram empossados: Antônio Gomes da Cruz, Manoel João Goulart, capitão José Lopes 91 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs). O antigo regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 203. 92 Segundo observação na ata consta a assinatura de José Lopes de Pontes. In: MARTINS, Antonio. Vereadores de Vassouras do Império à Nova República. Vassouras, 1993. p. 14. 93 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Op. cit., p. 191. 94 (ver Ignácio Raposo, p. 21 nota-se divergência na data, aqui 23 de fevereiro). RAPOSO, Ignácio. História de Vassouras. Niterói: Seec, 1978. 95 RAPOSO, Ignácio. Op. cit.. p. 21. “O capitão mor era quem regia a localidade, obrigado a mante-la em paz prevenindo os crimes ou prendendo os criminosos. Podia mandar e tinha de ser obedecido em tudo quanto lhe parecesse ou constava ser útil a ordem publica e ao socego da população. Podia prender correcionalmente os perturbadores, expellir da terra o vagabundo e forasteiros suspeitos, prohibir as reuniões em publico, permitir ou negar licença para divertimentos e festas da rua. Se o capitão se limitasse a esse e outros deveres do officio, quanto mais enérgico e austero, tanto era estimado. Valla, em suma, um autocrata, que só ao capitão general dava contas”. Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 35. 96 DINIZ, Mônica. Sesmarias e posse de terras: política fundiária para assegurar a colonização brasileira.,Revista On Line do Arquivo Público de São Paulo, São Paulo, n. 2, p. 3, 2005. Disponível: http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao02/materia03/. Acesso em: 24 de outubro de 2009. 97 URICOECHEA, Fernando. O minotauro Imperial. Rio de Janeiro: Difel, 1978. p. 34. 40 França. Procurador: Alferes José de Souza Vieira. Juízes Ordinários: Manoel Francisco Xavier (presidente da Câmara) e capitão Francisco das Chagas Werneck.98 Ainda nesta primeira reunião, os juízes ordinários resolveram: “nomear juízes Almocatés no resto do mês e nos três meses seguintes: João dos Santos de Araujo e Antônio Borges de Carvalho, elegeram juízes de Sesmaria: 1º lugar, Antônio Luiz Machado, 2º lugar, Antônio Gomes da Cruz e 3º lugar, Antonio José da Silva Semmedo, para o triênio 1821/1823”.99 Notamos que os adversários, quanto ao local para o estabelecimento da vila, foram agraciados com títulos: Manoel Francisco Xavier recebeu a honraria de capitão-mor e juiz ordinário da Câmara e Antônio Luiz Machado foi nomeado para o cargo de juiz de sesmarias. Portanto, mesmo se colocando contrários à doação de parte da propriedade para edificar a sede, ambos assumiram importantes cargos na primeira formação da administração da vila.100 Consequentemente, já em sua primeira formação, a Câmara apresentava uma forte divisão. O grupo político formado pelos grandes proprietários locais e futuros produtores de café apresentou senhores que traziam consigo algumas tensões de momentos anteriores. Para exemplificá-las citamos a presença de Francisco das Chagas Wernerck (filho de Inácio de Souza Werneck) e do já mencionado Antonio Luiz Machado. Situando a composição da Câmara em relação ao momento político, observamos que coincide com o período em que a coroa portuguesa tentava conter o avanço republicano no território do Reino Unido em função do exemplo vivenciado nos países vizinhos na América Sul. Segundo Magnoli, a condição de Reino Unido a 98 MARTINS, Antonio. Op. cit., p.15. 99 Idem. As atribuições dos vereadores durante o período se restringiam a: “tratar em suas vereações dos bens e obras do conselho (município), do governo econômico e policial da terra; cuidar de saber o estado em que se achavam os bens e obras municipais, para reivindicarem os que achassem alheados contra a determinação das Leis; fazer repor, no estado anterior, as servidões, e caminhos públicos, não consentindo de maneira alguma que proprietários dos prédios usurpassem, tapassem, estreitassem, ou mudassem as estradas a seu arbítrio; guardar as rendas, multas e demais coisas que pertencessem à Câmara, bem assim documentos de eleições, escrituras e demais papéis que formavam o Arquivo da Câmara; ter a seu cargo, enfim, tudo quanto dissesse respeito à polícia, economia das povoações e seus termos, pelo que tomavam deliberações e proviam, por meio de posturas, sobre os assuntos de interesses locais, conforme extenso dispositivo da mencionada Lei de 1º de outubro de 1828”. MARTINS, Antonio. Op. cit., p. 7. 100 “[...] para os dois cargos de maior relevo são justamente nomeados os que mais haviam contrariado a sua formação: Manuel Francisco Xavier é o seu primeiro capitão mor e Antônio Luís Machado o primeiro juiz de sesmarias, numa época de contínuas questões de terras, pelas contínuas concessões em mata virgem. Além do mais, eram ambos inimigos, por dissenções recentes, cada qual querendo que a vila fosse erigida em terras do outro”. LAMEGO, Alberto Ribeiro. Op. cit., p. 140. 41 que foi elevado “[...] estava destinado a defender a presença da Europa restauracionista no Novo Mundo”.101 Além disso, a composição da Câmara nos trouxe uma indagação em função da afirmação de Fânia Fridman, de que “[...] apesar de sentir-se inicialmente prejudicado [Antonio Luiz Machado] foi compensado com o título de juiz de sesmarias e o direito de aforar lotes circundantes ao núcleo. Outros privilégios foram concedidos: Manoel Francisco Xavier [...], vários membros das famílias Werneck e Gomes Ribeiro receberam cargos públicos”.102 O questionamento diz respeito à afirmação: “privilégios foram concedidos”. Sabemos que a única que poderia oferecer qualquer tipo de vantagem era a coroa. Então, ao agraciar dois senhores que se tornaram inimigos em função da demarcação do lugar para sediar a vila, estaria a coroa evitando algum tipo de monopólio que poderia ser exercido por algum desses proprietários? Temos o conhecimento de que no período colonial, para evitar o monopólio administrativo, a coroa realizava vendas e doações de serventias a grupos rivais. Mas e nessa época? De acordo com a análise feita por Maria Fernanda Baptista Bicalho, os únicos cargos vendidos pela coroa nesse momento eram os de escrivão do judicial e juiz de órfãos. 103 Por sua vez, Manoel Hespanha afirma que a reintrodução do leilão de serventias dos ofícios de justiça em 1799 continuava em uso.104 Essas informações contraditórias sobre o mesmo período nos deixa com dúvidas sobre o processo de composição da Câmara de Vereadores da vila de Paty do Alferes e de seus cargos. Dessa maneira, com a existência ou não das vendas de cargos, trabalhamos aqui com a hipótese do fortalecimento da coroa enquanto mediadora que se beneficiaria dos conflitos internos para se assegurar como centro político. 1.4 A vila: estagnação e mudança 101 MAGNOLI, Demétrio. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (18081912). São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista: Moderna, 1997. p. 83. 102 FRIDMAN, Fania. As cidades e o café. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional. Taubaté, SP, v. 4, n. 3 (4), p. 33, agosto de 2008. Disponível em: http://www.forumrio.uerj.br/documentos/revista_18-19/Cap-6-Fania_Fridman.pdf. Acesso em: 10 de dezembro de 2010. 103 BICALHO, Maria Fernanda Baptista. Op. cit., p. 192. 104 HESPANHA, Antonio Manoel. Op. cit., p. 185. 42 Com a vila fundada e a necessidade de construção do prédio da Câmara, iniciou-se uma nova etapa de disputa entre os senhores. Até esse momento, apesar de já definido o local onde seria edificada a sua sede, ainda havia uma resistência em edificá-la no sítio Paty. Assim, ressurge um “novo” protagonista, Ignácio Werneck, responsável por um dos orçamentos para a construção da igreja. Em suas palavras “o local mais próprio para fundação da vila era o local da antiga matriz, ou então outro qualquer dali até o Pau Grande”.105 O local da antiga matriz, como já exposto, ficava exatamente dentro da propriedade de Manoel Francisco Xavier, isto é, dentro da fazenda da Freguesia. O posicionamento do então proprietário, contrário à edificação da sede da vila dentro de sua propriedade, foi justificado pela perda de toda a estrutura que a envolvia, como os engenhos. Iniciou-se então um afunilamento da tensão existente, transformando-se em disputa que acarretou várias consequências para a curta vida da vila de Paty do Alferes como sede administrativa. Portanto, após a fundação e com a existência de disputas entre os senhores locais que não aceitavam dividir suas terras para beneficiar a vila, verificou-se o descumprimento de algumas obrigações para promover “um maior povoamento e desenvolvimento da recém criada vila”. Sendo que uma dessas obrigações era a construção da cadeia pública concluída somente em 1832. No entanto, as fazendas desses mesmos proprietários responsáveis pelo atraso da vila passavam por momento inteiramente inverso, conforme apresentado nesta passagem: As fazendas do município cresciam prosperamente [...] as da Freguesia e da Maravilha, pertencentes ao capitão-mor Manoel Francisco Xavier, e algumas outras que, pela sua quantidade de terras cultiváveis e cultivadas, pelas suas numerosas escravaturas, que constituíam verdadeiros exércitos, indicavam grandes ou formidáveis riquezas.106 Neste momento, observamos também o desvio da estrada geral por caminhos “escabrosos”,107 em função da disputa em que se encontravam esses senhores. Esse acontecimento é resultado da preponderância do interesse particular de Manoel Francisco Xavier, então presidente da Câmara, que proibiu o tráfego na melhor estrada da vila. Todavia, tal proibição representava exatamente o oposto de 105 Apud STULZER, Aurélio (frei). Op. cit., p. 31. 106 Apud RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 23-24. 107 Apud LAMEGO, Op. cit., p. 140. 43 uma das obrigações de um vereador que era “fazer repor, no estado anterior, as servidões, e caminhos públicos, não consentindo de maneira alguma que proprietários dos prédios usurpassem, tapassem, estreitassem, ou mudassem as estradas a seu arbítrio”.108 Assim, em meio a questões como esta, o ano de 1822 foi marcado por intensas disputas que acarretaram várias consequências para o progresso e desenvolvimento da vila. Destarte, em função da tensão intraelite, um período de apatia se abateu sobre a recém criada vila, que chegou a gastar “um dia para enterrar uma simples estaca no solo ou para remover de uma estrada uma pedra de maiores proporções”.109 Neste mesmo ano, a Câmara recebeu uma petição do Senado, solicitando que o povo de Paty pedisse uma Assembleia Constituinte para o reino do Brasil. 110 Mesmo atendendo ao que foi solicitado, os vereadores-fazendeiros não deixaram de lado a disputa em que estavam envolvidos. A preocupação maior desses senhores era a manutenção dos seus grandes latifúndios monocultores, sem apresentar em nenhum momento uma homogeneidade que talvez tenha sido demonstrada somente quanto à manutenção da escravidão e/ou na ambição de se tornarem senhores de engenho.111 Ao observar o desenrolar da vida política da vila, notamos que enquanto o capitão-mor Manoel Francisco Xavier esteve envolvido na administração da recém criada vila, participando diretamente ou indiretamente,* a vida política da vila demonstrou-se completamente envolvida em disputas entre os seus grandes 108 Apud MARTINS, Antonio. Op. cit., p. 7. 109 Apud DEISTER, Sebastião. Op. cit., p. 245. 110 Apud RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 22. 111 “A posse de um engenho confere aos lavradores dos arredores do Rio de Janeiro uma espécie de nobreza. Só se fala com consideração de um senhor de engenho, e vir a sê-lo é a ambição de todos. Um senhor de engenho tem geralmente uma aspecto que prova que se nutre bem e trabalha pouco. Quando está com inferiores, e mesmo com pessoas da mesma categoria, impertiga-se, mantém a cabeça erguida e fala com essa voz imperioso que indica o homem acostumado a mandar em grande número de escravos”. SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Apud MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema: a formação do Estado Imperial. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 50. *Manoel Francisco Xavier ocupou a presidência da Câmara de vereadores em sua primeira formação e posteriormente no ano de 1824 e 1831. Apud Jornal Vassourense de 31 de maio de 1836. Museu Casa da Hera, Vassouras, Rio de Janeiro e RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 25. 44 proprietários. A porfia envolvendo-os ganhou mais força quando Antonio Luiz Machado obteve o apoio de Inácio de Souza Werneck e aliados. 112 Logo, envolta em diferenças intraelite e mais preocupada com seus interesses particulares, a vila, por meio dos seus senhores, deixou de lado qualquer tipo de melhoria que poderia ter sido realizada. Como consequência dessa desordem senhorial, não foi construído o prédio da sede administrativa. Consequentemente, observamos a decomposição da vila em ambientes diferentes, se utilizarmos aqui a afirmação, apresentada por Marc Bloch, de que raramente uma sociedade é uma. 113 Já no ano de 1832, a estagnação da vila foi identificada. A alternativa encontrada para resolver tal situação foi a criação da Sociedade Promotora da Civilização e da Indústria, cujo objetivo era impulsionar o progresso. Mesmo com a fundação da Sociedade, o seu maior entusiasta e fundador, Francisco das Chagas Werneck, afirmaria mais tarde: “O Pati do Alferes estava fatalmente condenado a ser o que ainda é hoje, apesar da excelência de seu clima, da feracidade de suas terras, das suas possantes quedas d’água e da proverbial hospitalidade de seus filhos”. 114 A partir da criação da sociedade, imaginou-se mais um veículo para ajudar não só no desenvolvimento da vila, como também na construção da sede administrativa. Assim, Francisco das Chagas Werneck, tendo como exemplo a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, fundou uma versão na vila de Paty do Alferes. Enfim, com a informação sobre a criação da Sociedade em Paty do Alferes buscamos mais dados sobre o modelo que influenciou sua fundação, e, baseando nossa análise no estudo de José Murilo de Carvalho, parece que este modelo – Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional – produzido no Império, propunha um centro de estudo, sem significar inutilidade política. 115 O fato final é que na vila de Paty do Alferes a sociedade não alcançou o que se imaginava, o desenvolvimento da região, se tal foi o seu objetivo. A constatação do “fracasso” da sociedade patyense é verificada no ano de 1833 com a transferência da efêmera vila. A mudança se tornou possível em função 112 Informação encontrada em: Apud MAIA FORTE, José Matoso. Op. cit., p. 45. 113 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p. 151. 114 115 Apud RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 22. CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 52. 45 da apresentação de uma proposta sugerida e enviada pelo ministro da Justiça, Hónorio Hermeto Leão,116 que se transformou em um questionário com perguntas pertinentes ao desenvolvimento da vila. Nesse questionamento, era perguntado: qual a melhor divisão do termo município? Quais os melhoramentos de que necessitava o Município? Onde melhor conviria estabelecer a cabeça da vila? E, segundo o relato encontrado em Matoso Maia Forte: O vereador Vasconcellos discutiu todos os quesitos com notável bom senso, e, quanto ao terceiro, opinou pela mudança da Vila para Vassouras, não só pela prosperidade sempre crescente do lugar, comodidade resultante aos povos de Sacra Família, cujo eleitorado era de sete eleitores e ser mais próximo de Vassouras, ao passo que Paty do Alferes continuava com as quatro casas, além da falta absoluta de recursos. Esta decisão foi aprovada unanimente, achando-se presentes os Vereadores Correa e Castro (Laureano), Francisco das Chagas Werneck, Joaquim Ribeiro de Avellar, Pacheco de Mello e Vasconcellos.117 Tendo em vista essa proposta apresentada, surgiram para nós algumas ponderações. Por que a escolha de um novo lugar? Se a pergunta anterior se referia aos melhoramentos de que necessitava a vila? Todavia, nos parece que essa opção de mudança sugerida pelo ministro da Justiça era o que esperava a Câmara, diante da decisão unânime pela transferência. Esses votos pertenceram aos vereadores Laureano Correa e Castro, Francisco das Chagas Werneck, Joaquim Ribeiro de Avelar, Pacheco de Mello e Vasconcellos,118 sendo que Francisco Jose Teixeira Leite não esteve presente, justificando sua ausência em função da longa distância a ser percorrida. Teixeira Leite não tomou parte dessa reunião. Sendo convocado para ir a uma das sessões em Paty, escusou em ofício o seu comparecimento, alegando a distância que o separava da sede, oito léguas, o que o obrigava a ir de véspera e pedir pousada a um fazendeiro próximo – e este ficava a uma légua da Câmara.119 116 Vindouro marquês do Paraná e oriundo de família proprietária de extensas terras no Vale do Paraíba. Era proprietário da fazenda Lordello em Sapucaia e genro de João Netto Carneiro Leme, sendo este, comerciante estabelecido no Rio de Janeiro que revendia escravos africanos para o interior da Província do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mais tarde o ministro se transformou em líder do partido conservador na província fluminense. Apud SALLES, Ricardo. E o Vale era escravo: Vassouras, século XIX – senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 142. 117 Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 91. 118 Ibidem, p. 92. 119 Idem. 46 A justificativa pode ser entendida de duas maneiras: a primeira como uma simples explicação pela ausência; a segunda e mais interessante é uma ausência programada e pensada com o intuito de fazer pesar ainda mais a transferência para Vassouras, talvez um boicote. Se analisarmos as justificativas apresentadas para a transferência da vila, notaremos que a comodidade aos eleitores de Sacra Família foi uns dois principais motivos: [...] finalmente a mudança da sede do Município para Vassouras, tanto pela prosperidade do lugar como pela comodidade para a população de Sacra Família que já contava sete eleitores e era mais próxima de Vassouras que o Pati do Alferes que continuava com quatro casas e absoluta falta de recursos.120 Possivelmente, com o conhecimento prévio do assunto em pauta marcado para a sessão, Francisco Teixeira Leite demonstrou, por intermédio de sua ausência, a insatisfação em ter que se deslocar até a localidade onde funcionava a Câmara. Então, qual outra explicação teria para faltar à sessão que decidiu os rumos da vila? Francisco José Teixeira Leite era, talvez, o principal interessado pela mudança proposta pelo ministro da Justiça, pois logo após a decisão unânime, prontamente doou um terreno para edificar a nova sede da vila, por onde passavam a estrada da Polícia e a estrada do Comércio.121 Essa hipótese de ser o principal interessado e articulador da transferência da vila se tornou possível após verificarmos essas informações: Foi Vassouras pouso até 1833, anno em que os esforços e instancias do [futuro] barão [Vassouras] se tornou a sede removida de Paty. Foi seu fundador. Voto da Câmara e esforços de Teixeira Leite foram ouvidos pela Regência. 122 Francisco José Teixeira Leite era filho de Francisco José Teixeira, que por meio do comércio e transação financeira adquiriu uma próspera situação econômica.123 Segundo as informações encontradas no artigo escrito por Affonso de E. Taunay, era considerado chefe liberal em Minas Gerais e, por diversos anos, foi 120 121 Apud RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 27. FRIDMAN, Fania. Op. cit., p. 33. 122 Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 93. 123 TAUNAY, Affonso de E. Os Teixeira Leite. In: BRAGA, Greenhalgh H. Faria. Op. cit., p. 138. 47 presidente da Câmara de Vereadores de São João Del Rei. Mais tarde, no ano de 1846, seria agraciado com o título de barão de Itambé.124 Francisco José Teixeira Leite chegou à vila de Paty do Alferes no ano de sua fundação, em 1820, acompanhado de seu tio Custódio Ferreira Leite. 125 Fixou moradia na localidade de Sacra Família e, após sete anos de sua chegada, em 1827, já tinha sua própria lavoura.126 A influência de vereadores de Sacra Família na Câmara da vila de Paty do Alferes é verificada desde sua primeira formação com a presença de Manoel João Goulart e Antonio Luiz Machado. 127 A novidade no ano de 1833 restringiu-se ao questionamento enviado pelo ministro, após todos esses anos de disputas intraelite. Com a real possibilidade de mudança que se apresentou, houve uma movimentação pela transferência. Esta pode ser comprovada não só pela votação unânime, como também pela atitude tomada logo em seguida à decisão com a doação de Francisco José Teixeira Leite do terreno para edificar a vila. A família Teixeira Leite ficaria conhecida, não pela doação e nem pelas lavouras e, sim, pelas operações de créditos. Após a chegada de alguns dos irmãos de Francisco José Teixeira Leite na região (João Evangelista, José Eugênio e Antonio Carlos) e do próprio pai acompanhado de dois genros (Francisco José Teixeira e Souza e Luciano Leite Ribeiro), 128 começaram a agir em conjunto realizando grandes operações de créditos. Diante da questão territorial que envolvia a antiga sede e, por ser Francisco José Teixeira Leite mais credor do que senhor de terras, Vassouras já contava no momento de sua fundação com o terreno doado por Francisco J. T. Leite, uma vez que o próprio foi o articulador da mudança. Caso contrário, como explicaria o questionamento enviado pelo Ministro da Justiça com perguntas relacionadas ao desenvolvimento da vila e de uma possível mudança? Assim, com a definição do lugar onde seria edificada a vila, a questão da perda de parte da propriedade não se fez presente. Em Vassouras, a doação foi uma das maneiras encontradas para não ocorrer o que se verificou na antiga sede, 124 Idem. 125 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 92. 126 TAUNAY, Affonso de E. Op. cit., p. 139. 127 Jornal Vassourense de 31 de dezembro de 1893. Museu Casa da Era, Vassouras, Rio de Janeiro. 128 TAUNAY, Affonso de E. Op. cit., p. 139. 48 pois desde a elevação do povoado de Paty à freguesia, a disputa pela manutenção territorial se apresentava como o principal problema. Retornando à votação, uma questão deve ser destacada. Manoel Francisco Xavier era membro da recém formada Câmara do ano de 1833 129 e foi substituído por Francisco das Chagas Werneck. Por quê? Como será apresentado mais adiante, Francisco das Chagas Werneck era considerado pelo próprio Manoel Francisco Xavier um inimigo inconciliável, filho de Inácio de Souza Werneck, o mesmo do orçamento da igreja e que apoiou Antonio Luiz Machado na disputa em torno da escolha do local para edificar a vila. Essa substituição na sessão que decidiu o futuro da vila, somada à forma como os Wernecks relataram o estado de suas fazendas no momento da rebelião – anárquicas sem nenhum tipo de controle –, indicava algo mais do que uma simples substituição. Possivelmente, temos aqui o momento da cisão no seio dessa classe senhorial. Num trecho da comunicação do chefe da Guarda Nacional, Francisco Peixoto Lacerda Werneck, encaminhada ao presidente da Província, Paulino José Soares, durante a insurreição de 1838, indica-se que os problemas na fazenda de Manoel Francisco Xavier teriam começado logo após a transferência da vila de Paty do Alferes em 1833: Em outra ocasião tem sido feridos homens brancos e espancados mortalmente capatazes desta grande fazenda [Freguesia]; fatos que o mesmo capitão-mor [ Manoel Francisco Xavier] trata de capear e esconder [...] Tantos fatos sucedidos ultimamente, por espaço, de quatro anos, tem posto em cautela os demais fazendeiros desta freguesia de Pati do Alferes, receosos de que se contamine a insubordinação que lavra naquela freguesia e que pode acarretar funestíssimas conseqüencias.130 A intenção dessa comunicação era justificar a insurreição e subjugar o capitão-mor perante a Justiça com a indicação de instabilidade dentro das fazendas. Mas ao mesmo tempo, ela também pode ser vista como uma tentativa de justificar a transferência da vila para Vassouras, pois durante a curta trajetória de Paty do Alferes como cabeça da vila, Manoel Francisco Xavier foi o seu principal político e ainda capitão-mor. 129 MARTINS, Antonio. Op. cit., p. 19. 130 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 43 (grifo nosso). 49 Uma das justificativas utilizadas na votação que decidiu pela transferência da vila foi a prosperidade crescente do lugar, e por ser mais cômodo ao “povo” de Sacra Família, que nesse momento contava com sete eleitores e era mais próxima de Vassouras. Ao mesmo tempo em que favorecia o “povo” da localidade citada, possivelmente não tinha o apoio da maioria da população da vila. Conforme apresentamos, nota-se que a mudança fora concedida pelas “vantagens” apresentadas e não pelo atraso de Paty. Para compreendê-las, voltemos ao alvará de fundação da vila de Paty do Alferes em 1820, mais especificamente para a localidade escolhida para abrigar a sede. Nele observamos que o local designado foi o sítio denominado Paty, propriedade de Antonio Luiz Machado, morador de Sacra Família. Segundo a informação trazida por Mattoso Maia Forte, a escolha se deu pelo fato da localidade apresentar certa estrutura como casa de vigário, de particulares e de negócios. 131 Todavia, ressaltamos que o sítio Paty nunca abrigou a sede da vila e, de acordo com o jornal Vassourense, a Câmara funcionou numa casa alugada de propriedade de José de Souza Machado, que ali se reuniu durante os treze anos da vila de Paty do Alferes. 132 Tudo indica que essa propriedade ficava ao redor da fazenda Freguesia, pois na manhã do dia 14 de março de 1821, data da instalação da vila, encontramos informações que os convidados vieram das estradas de Sacra Família, Sant’Ana e Pau Grande. Assim, se tivesse sido respeitada a determinação do Alvará de criação da vila, encontraríamos os convidados se dirigindo para a localidade de Sacra Família e não afluindo da mesma. Então, se a mudança da vila em 1833 foi realizada para facilitar os eleitores de Sacra Família, por que não ter cumprindo com a determinação do alvará de 1820? O não cumprimento dessa determinação de edificar a vila nas terras de Antonio Luiz Machado demonstra ainda que, mesmo após a independência, a queda de braços entre fazendeiros e a Coroa se mantinha. Essa relação de conflito se apresentava, por exemplo, quando se pretendia o reconhecimento do título de proprietário de uma sesmaria, conforme apresenta Motta. 133 No caso da fundação da 131 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 22. 132 O aluguel no valor de trinta e quatro mil reis anual. Jornal Vassourense 31 de dezembro de 1893. Museu Casa da Hera, Vassouras, Rio de Janeiro. 133 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Op. cit., 2009, p. 94 50 vila, essa relação ultrapassou o perímetro das obrigações para a obtenção do título de propriedade. A nosso ver, essa conflituosa relação se estendia por vários outros campos, principalmente quando as determinações da Coroa iam contra os interesses desses fazendeiros que, no entanto, haviam recebido da própria Coroa, em muitos casos, a terra que ocupavam. Voltando ao motivo da mudança, e aceitando a afirmação de que Paty não passava de quatro casas e ainda sofria com a absoluta falta de recursos, 134 é preciso admitir que a localidade escolhida, Vassouras, não era muito diferente da antiga vila. Nas palavras de Antônio Martins, verifica-se que a futura vila não tinha ainda nome, e sua localidade só tinha a vantagem de se encontrar no cerne de terras de primeira ordem e à margem da estrada aberta por Custódio (responsável pela construção) para o tráfego de quase totalidade do comércio entre Minas e Rio de Janeiro. Mas se verificarmos o motivo para a criação da vila de Paty, encontraremos essa mesma argumentação. Um dos fatores para a criação foi exatamente por se encontrar em um ponto de convergência de várias estradas de outras freguesias. Ainda em relação a Vassouras, “foi Vassouras pouco até 1833, ano em que com esforço e instâncias do Barão se tornou a sede, removida de Paty”. 135 A transferência escondia talvez outros interesses, uma vez sendo Vassouras, ainda em 1833, “[...] uma lagoa, e seus dezoito ou vinte tetos se ocultavam, modestos no meio das capoeiras”.136 Lamego alega que Vassouras foi fruto da união da nobreza rural: “Em Vassouras, distanciada da costa, veremos num milagre de coesão cultural, toda a sua nobreza agrária unir-se para criação de um grande centro urbano”, 137 uma vez que sua localização e sua posição econômica não podiam explicar a escolha: “Vassouras, é a única importante cidade a levantar-se fora das grandes vias de comunicação e sem qualquer amparo oficial ou motivos geográficos a indicarem a sua fundação”.138 134 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 27. 135 Apud MARTINS, Antonio. Op. cit., p. 20. 136 Apud LAMEGO, Alberto Ribeiro. Op. cit., p. 157. 137 Ibidem, p. 136. 138 Ibidem, p. 137. *A família Correa e Castro é oriunda da região de Mariana, Minas Gerais, segundo informação trazida pelo jornal Vassourense, no qual afirma a presença de Laureano juntamente com seus irmãos Pedro, 51 Acreditamos, contrariamente a Lamego, que a fundação da vila em Vassouras ocorreu em razão de disputas intraelite e não pela coesão de sua “nobreza”. Um dos motivos foi a questão fundiária, responsável pela divisão dos senhores. Quanto ao amparo oficial para a mudança, tido pelo autor como ausente no processo, é no mínino relativo, pois foi através de um questionamento formulado pelo ministro Hermeto Leão que a subjugação da antiga vila se solidificou. No entanto, após ter tido Vassouras como sede por um ano, a antiga sede, Paty do Alferes, solicitou sua anexação ao recém criado município de Paraíba do Sul. A princípio, o requerimento fora acatado por Joaquim Ribeiro de Avelar, mas não obteve o mesmo êxito com Francisco José Teixeira Leite. Deste modo, o assunto foi à pauta da reunião da Câmara da sessão de 14 de julho de 1834, quando: “[...] o vereador Francisco das Chagas Werneck combateu tenazmente o parecer favorável, e foi acompanhado na votação pelos vereadores Laureano Correa e Castro, [...] e Francisco José Teixeira Leite”. 139 Contrariamente a estes, Ribeiro de Avelar, Antônio Delfim da Silva, Pacheco de Melo e Avelar 140 foram a favor da anexação. Assim sendo, apesar da divisão da Casa, decidiu-se a favor da solicitação. Mas a vitória do grupo liderado pelo vereador Ribeiro de Avelar foi de apenas um mês. Exatamente no dia 19 de agosto, chegava uma portaria da Secretaria do Estado dos Negócios do Império dizendo “que não podia se realizar a passagem dos reclamantes para a Paraíba do Sul”, 141 o que proporcionou a Vassouras “um alívio e muita satisfação”. A intervenção do governo Imperial foi “recebida em Vassouras com as mais inequívocas provas de reconhecimento ao governo imperial”. 142 A vitória do projeto de anexação de Paty do Alferes a Paraíba do Sul na Câmara de Vassouras, mesmo que tenha sido revogada, demonstrou um novo Jose e Antonio Correa como agregados da fazenda Pau Grande, de onde saíram e construíram toda a riqueza da família Correa e Castro. Jornal Vassourense de 2 de agosto de 1896. Museu Casa da Hera, Vassouras, Rio de Janeiro. 139 Apud RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 35. 140 Idem. 141 Idem. 142 Idem. *Como sugere a obra de Ricardo Salles. SALLES, Ricardo. Op. cit. 52 interesse do vereador Joaquim Ribeiro de Avelar, após ter votado a favor da criação de Vassouras. Esse posicionamento pode ser entendido como uma tentativa de corte com qualquer tipo de vínculo administrativo com a antiga sede e, consequentemente, com a sua principal força política, o capitão-mor Manoel Francisco Xavier. A articulação liderada na Câmara por Ribeiro de Avelar contou também com o voto de Pacheco de Melo, outro que foi favorável pela mudança em 1833. O ocorrido demonstrou mais uma vez a heterogeneidade do grupo que em pouco tempo tornou-se representante do coração do Império,* em função da produção do café.143 Acreditamos que Joaquim Ribeiro de Avelar tenha identificado nesse episódio a possibilidade de monopolizar as oportunidades de poder e utilizá-las para marginalizar e estigmatizar membros do próprio grupo. 144 Nota-se que esse senhor tentou uma articulação para retirar de vez a antiga sede Paty e o seu principal representante, Manoel Francisco Xavier, da vida administrativa da vila de Vassouras. Cremos que o não desenvolvimento da vila de Paty do Alferes esteve diretamente ligado à disputa intraelite em razão dos interesses particulares. Além disso, destacamos o mando de Manoel Francisco Xavier na Câmara que enquanto esteve sob sua influência foi um obstáculo ao desenvolvimento. Durante esse período da administração da vila, Manoel Francisco quando não exercia diretamente algum cargo na Câmara, contava com aliados na Casa para realizar seus desejos. A disputa pela defesa do interesse individual e familiar apresentou várias consequências, mas segundo a informação encontrada em Lamego: “A discórdia entre os proprietários rurais devido a prepotência do capitão mor que desviara de suas fazendas para outras a estrada geral, traçando-a por lugares escabrosos, aumentou o descontentamento”.145 Essa passagem demonstra a opinião do autor sobre o ocorrido. Mas seria esse o único fator responsável por toda essa discórdia? Logicamente, o poder que detinha e as atitudes do capitão-mor causaram muitos 143 O café alcançou a primeira colocação na lista de produtos de exportação no ano de 1835. Apud FAZOLI FILHO, Arnaldo. O período regencial. São Paulo: Ática, 1990. p. 31. Série Princípios. 144 ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000. p. 13. 145 LAMEGO, Alberto Ribeiro. Op. cit., p. 140. 53 descontentamentos a outros senhores, mas não estariam também esses senhores defendendo o que melhor lhes convinha? Lembremos que, conforme o alvará, a vila deveria ter sido erigida nos limites do sítio Patys, propriedade de Antonio Luiz Machado e aliado da família Werneck. Então, seria o capitão-mor o responsável por toda a disputa? Nossa argumentação se estrutura em torno da ideia de que os interesses particulares desses senhores foram os responsáveis pela desordem senhorial e não apenas o posicionamento de um único senhor. Portanto, não existe uma responsabilidade individual, mas uma estrutura de poder na qual a disputa e a concorrência eram elementos essenciais. Logo, em função dos interesses senhoriais a vila pouco se desenvolveu, contrariando a expectativa de sua inauguração em 1820. A transferência no ano de 1833, apoiada pelos vereadores, exceto Manoel Francisco Xavier, colocou fim à divergência que prejudicou o processo de ampliação da vila, mas não eliminou a disputa senhorial. Assim, o momento final dessa querela só chegaria bem mais tarde, com a insurreição dos escravos no ano de 1838. Os fatos apresentados até aqui demonstram vários momentos em que os interesses senhoriais estiveram à frente do coletivo. Dessa forma, analisando as atitudes dos proprietários locais, consideramos que a classe social desses senhores estava bem distante de uma homogeneidade. Ora, se durante a curta vida da vila de Paty do Alferes observamos vários acontecimentos nos quais os interesses particulares foram responsáveis pela porfia intraelite, logo essa classe senhorial era heterogênea. Observando essa heterogeneidade, demonstraremos no próximo capítulo que a disputa senhorial, consequentemente sua desordem, se fez presente na realização dos batismos de escravos e, também, em dois processos nos quais Manoel Francisco Xavier solicitava o embargo de Manoel Vieira dos Anjos por ter invadido um terreno de sua propriedade. 54 Cap. II. As famílias senhoriais num invólucro de desordem 1 A desordem senhorial apropriando-se da ordem pública No capítulo anterior, focalizamos nossa abordagem nos momentos que a classe senhorial da vila de Paty do Alferes se mostrou em conflito. Assim, antes mesmo de sua fundação em 1820, buscamos analisar os primeiros indícios da disputa senhorial que nos levou ao período de ocupação da região. Dessa maneira, realizamos uma análise cronológica dos acontecimentos até a transferência da vila no ano de 1833. Neste capítulo, realizaremos em recuo temporal, ou seja, não continuaremos a partir do ano de 1833. Iniciaremos nossa análise no ano da independência do Brasil, período em que a vila apresentava sua porfia em torno da proibição do tráfego em sua principal estrada. Nos debates que ocorreram para a liberação da estrada, a utilização do termo “bem público” nos chamou a atenção, logo a análise se fez necessária. Após esse primeiro momento, o objeto de nossa abordagem serão os batismos de escravos de três famílias envolvidas na querela. A partir de 1825, identificamos e analisamos a realização desse sacramento pelas famílias Xavier, Werneck e Ribeiro de Avelar. Finalmente, a análise recai sobre dois processos de embargos, nos quais buscamos, juntamente com os batismos, desdobramentos da disputa e laços senhoriais existentes na conturbada vila de Paty do Alferes. A recém criada Câmara de Vereadores de Paty do Alferes, deixando um pouco de lado suas questões locais, realizou solenidades para marcar os acontecimentos relacionados ao processo de independência do Brasil. Foram realizadas sessões solenes para o movimento da Câmara do Rio de Janeiro para a convocação de uma Constituinte em 22 de junho de 1822, para a aclamação de d. 55 Pedro I (12 de outubro de 1822), como também para o juramento à nova Constituição do Império, de 1824.146 No entanto, no ano da independência nos chamou a atenção a proibição do tráfego na principal estrada da vila de Paty do Alferes. A alegação do capitão-mor Manoel Francisco Xavier apresenta algo bem peculiar para a época: [...] alegando [va] que a pretensão de Chagas 147 não se inspirava no bem público, mas em ódios e inveja e em brigas particulares contra elle, movidos por Ignácio de Souza Werneck, cuja família, esperando desde muito o comando da vila, não pudera ter ficado satisfeita [...]. 148 Considerando o período, primeira metade do século XIX, identificamos normalmente a correspondência entre ambos (público/privado). Mas se os envolvidos tinham essa percepção de público e privado, tentaremos seguir, com bastante cuidado, essa tênue linha divisória para entendermos a utilização desse termo. Nas argumentações para a liberação da estrada foi apresentada a seguinte alegação: “Ao bem publico disseram os reclamantes, se oppunha o bem particular do capitão-mor e de seus sequazes, que exerciam empregos públicos para delles se servirem em benefício próprio”.149 Existe aí a constituição de um campo de disputa que se estrutura a partir da apropriação da noção público/privado. Assim, com a existência das disputas entre os senhores pela manutenção territorial, notamos que os cargos públicos eram utilizados em benefícios próprios. Observamos, anteriormente, que a manutenção territorial das propriedades foi um dos motivos da disputa intraelite, por conseguinte, da desordem senhorial por nós observada na vila de Paty do Alferes. Neste momento (1822), a terra, além de delegar poder e status quando reconhecida sua propriedade, era o elemento estruturador e hierarquizador da sociedade. 150 A partir dessa informação é possível 146 MAIA FORTE, José Mattoso. Memória da fundação de Vassouras. Rio de Janeiro: Ed. O Globo, 1933. p. 77. 147 Francisco das Chagas Werneck era juiz ordinário da Câmara de Vereadores e filho de Ignácio de Souza Werneck. 148 Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 47 (grifo nosso). Não é informada a fonte. 149 Ibidem, p. 46. 150 MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira. O Império do retrato: família, riqueza e representação social no Brasil oitocentista (1840-1889). Tese de Doutorado (Doutor em História) – Departamento de 56 explicar o posicionamento dos senhores envolvidos na desordem senhorial e, ainda, a mutação de comerciantes em senhores de terra após o enriquecimento. Esta transformação se explica pela busca de status e títulos de nobreza que, em sua maioria, era destinado aos senhores rurais. Dessa forma, a vila de Paty do Alferes também apresentava o seu exemplo através da família Ribeiro de Avelar, fundadora da fazenda Pau Grande 151 e oriunda do comércio na cidade do Rio de Janeiro. Logo, a disputa pela manutenção da unidade territorial significava mais do que manter a integridade física da propriedade. Em caso de derrota, representava além do fracionamento do domínio, a perda da autoridade enquanto senhor de terras, e uma desvantagem na disputa pelos títulos de nobreza. Nesse processo, em que a terra viabilizava a obtenção de títulos, observamos na transformação de um senhor em senhor de terras que os interesses particulares causavam tensões nessa classe. Manoel Francisco Xavier ao se tornar proprietário da fazenda Freguesia, além de se posicionar em favor da unidade do território da propriedade, conseguiu, de certo modo, monopolizar as ações políticas e administrativas após a criação da vila, a qual tanto lutou para que fosse criada longe de suas terras. Mesmo com a existência do conflito intraelite que já se arrastava desde a apresentação do orçamento para a construção da igreja, esse novo momento de transformação possibilitou a “revolta” dos que se sentiram prejudicados com o novo cenário político e administrativo da recém criada vila. Assim, os senhores que sentiram esse processo de monopolização realizaram um procedimento de remonopolização das ações152 visando apenas os seus próprios interesses. De uma forma ou de outra, o poder inicialmente adquirido através da acumulação de oportunidades em lutas privadas tende, a partir de um ponto assinalado pelo tamanho ótimo das posses, a escorregar das mãos dos governantes monopolistas para as mãos dos dependentes, tais como a administração monopolista.153 História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006. p. 52. 151 Para saber mais sobre a fazenda. MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira. Op. cit. 152 ELIAS. Nobert. O processo civilizador. Tradução Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993. p. 99. 2 vol. 153 Ibidem, p. 101. 57 É o que se observa na atitude do capitão-mor Manoel Francisco Xavier de proibir a circulação na principal estrada. Com a proibição, os moradores tentaram um diálogo com o capitão-mor Manoel Francisco Xavier, o qual alegou que o caminho prejudicava suas plantações. 154 Contudo, acionaram uma única vez a Câmara de Vereadores por meio de uma petição solicitando o pronto restabelecimento da estrada que não foi atendida em função do domínio exercido pelo capitão-mor Manoel Francisco na Casa. Essa questão apresentou ainda um outro episódio. Como não foi respeitada a petição, Francisco das Chagas Werneck, no uso da atribuição do seu cargo de juiz ordinário, tentou embargar uma obra que Manoel Francisco Xavier realizava em uma de suas senzalas. O intuito do embargo era fazer com que o capitão-mor recuasse, o que não ocorreu.155 A saída então encontrada foi a realização de um apelo junto à Coroa que, através do ouvidor da comarca, determinou o pronto restabelecimento da estrada. Por sua vez, Manoel Francisco argumentou, através de seu procurador, que Francisco das Chagas Werneck tornara-se seu inimigo inconciliável: [...] por antecedentes e rivalidades talvez a este pouco decorosas, e como Chagas fosse também juiz ordinário da Villa, lançara mão da autoridade do seu cargo para menoscabal-o, suscitando-lhe quantas pertubações podia imaginar seu gênio, por natureza inquietador, e, por geração, ambicioso de governar. 156 Após a ordem da mesa do Desembargo para restabelecer o fluxo na estrada, Manoel Francisco Xavier alegou que a petição feita por Francisco das Chagas Werneck não era baseada no bem público e sim em ódios e disputas particulares movidas por Ignácio de Souza Werneck, pai de Francisco das Chagas Werneck, que queria o comando da vila nas mãos da família. 157 Nota-se que nesse episódio ocorreu a apropriação do bem público pelo interesse privado, algo bastante comum na história do século XIX. Mas o que nos chamou a atenção foi o posicionamento do capitão-mor Manoel Francisco Xavier. Neste ano de 1822, a vila já havia sido criada e já se conhecia a propriedade que 154 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 46. Não é informada a fonte pelo autor. 155 Idem. 156 Documento apresentado pelo procurador de Manoel Francisco Xavier. Ibidem, p. 46-47. 157 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 47. 58 abrigaria a sede, mesmo assim a postura de Manoel Francisco continuava a mesma. Por quê? A alegação apresentada pelo capitão-mor de que Francisco das Chagas Werneck tornara seu inimigo, nos traz indícios sobre a sua motivação ao proibir a estrada. Ao falar de “antecedentes e rivalidades”, possivelmente estava se referindo a toda história em torno da construção da igreja, que estava diretamente ligada ao pai de Francisco das Chagas, Inácio de Souza Werneck. Porém a apropriação do bem público (estrada) ocorreu em função da desordem senhorial em que se encontrava a vila; a proibição foi uma forma de prejudicar um inimigo que se utilizava desse caminho para escoar sua produção, ou seja, verificamos nesse episódio uma retaliação que não só afetou um desafeto como também a todos os moradores. Destarte, buscamos mais desdobramentos dessa desordem senhorial. Consideramos como possível objeto de análise a realização de batismos de escravos. 1.1 A realização dos batismos de escravos refletindo a desordem senhorial O batismo é considerado a porta de entrada para a Igreja católica, mas durante o século XIX, mesmo mantendo sua proposta de arrebanhar mais adeptos ao catolicismo, é possível observarmos nas relações de compadrios vários tipos de interesses. Em muitos casos, o rito religioso tinha a função de sancionar formalmente uma aliança anteriormente concebida 158 e, ao mesmo tempo, fixar responsabilidade pública exercida na esfera privada. 159 Entretanto, o batismo ligava o escravo a pessoas de níveis sociais distintos, como, por exemplo, forros, libertos, livres e senhores proprietários. O rito cerimonial indicava, ainda, a existência de uma sociabilidade entre cativos de fazendas distintas, observadas no apadrinhamento dos filhos de escravos por outros cativos. Além disso, demonstra os vínculos entre os proprietários que escolhiam padrinhos para seus escravos entre as pessoas de sua esfera social e política, 158 159 ENGEMANN, Carlos. De laços e de nós. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. p. 107. COSTA, Suely Gomes. Sociabilidade políticas e relações de gênero: ritos domésticos e religiosos no Rio de Janeiro do século XIX. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 27, n. 54, p. 40, dezembro de 2007. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/pdf/263/26305406.pdf. Acesso em: 30 de janeiro de 2009. 59 exprimindo assim uma organização de “bandos”,160 cujos membros se protegiam e tentavam manter e/ou ampliar o domínio sobre outros setores da população. Contudo, o batismo funcionou também como um controle de comprovação da propriedade do escravo durante todo o período da escravidão. Em diversas ocasiões, foi usado para a obtenção de um registro que comprovasse o domínio do cativo nascido dentro das fazendas. Nesses casos, os padrinhos tornavam-se testemunhas “legítimas” das informações trazidas à pia batismal: Quando um escravo era comprado, havia uma matrícula que servia como “comprovante” da posse. Porém o inocente nascido de uma escrava não era matriculado, já que não tinha ocorrido uma transação comercial. Dessa maneira o registro de batismo era a única forma de que dispunha o proprietário para comprovar que alguns, dos escravos, nascidos em seus plantéis, eram efetivamente seus.161 Independente de ser livre ou cativo, ao se tornar padrinho de um escravo, automaticamente tornava legal o direito de propriedade do senhor. Mas o rito sacramental não só atendia ao interesse do senhor de escravo em ter mais uma peça de sua escravaria reconhecida, como também era utilizado como parte de um “projeto” pelas pessoas livres e sem influência política, objetivando o apoio de um grande senhor. Na realização do batismo, podemos observar ainda as redes de sociabilidades entre os cativos e a busca por diversas formas de interesses. O escravo buscando por proteção e possibilidade de alforrias, 162 através da escolha de padrinhos livres ou filhos (a) de seus proprietários e até articulações políticas entre os senhores por meio de apoio e favores. O registro batismal também nos fornece dados importantíssimos sobre as relações entre o proprietário e a sua escravaria. A escolha dos padrinhos pode indicar certos padrões de alianças por parte dos senhores de escravos. É importante procurar compreender os interesses em jogo em cada tipo de escolha. 160 FRAGOSO, João. A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII. Algumas notas de pesquisa. Tempo. Revista do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, v. 8, n. 15, p. 11-35, 2003. 161 NEVES, Maria de Fátima Rodrigues das. Ampliando a família escrava: o compadrio de escravos em São Paulo no século XIX. Apud FREIRE, Jonis. Compadrio em uma freguesia escravista: Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG-1838-1888). In: XIV ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, Caxambú, 2004, p. 5. Disponível em: http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_543.pdf. Acesso em: 30 de janeiro de 2009. 162 COSTA, Suely Gomes. Op. cit., p. 45. 60 No caso dos padrinhos escravos ou ex-escravos, a possibilidade de terem sido escolhidos pelos pais escravos é bastante alta, devido à existência necessária de vivências comuns. No entanto, quando o cativo tinha como padrinhos pessoas de classe social distinta, como as que pertenciam à classe dos grandes proprietários, a probabilidade de terem sido escolhidos pelo senhor também se torna considerável. Nossa análise refere-se aos batismos de escravos pertencentes a três famílias proprietárias de grandes plantéis 163 que estavam envolvidas na desordem senhorial. Talvez, por isso, as conclusões a respeito dos padrões de batismo verificados não possam ser aplicadas aos pequenos proprietários de escravos. A escolha dessas famílias se deu em função do ponto de partida da nossa pesquisa que foi a insurreição de 1838. Dessa forma, o estudo realizado nos livros de batismo de escravos (1825 a 1830) da vila de Paty do Alferes levantou 235 assentos. 164 Desses dados, foram retirados os batismos de cativos pertencentes à família Xavier e ao núcleo familiar Ribeiro de Avelar/Werneck. A primeira família realizou 23 batismos, a Ribeiro de Avelar 14, enquanto a Werneck realizou 15, representando as três famílias, 21,70% do total de batismo na localidade. A família Xavier foi responsável por 9,8%, os Wernecks representaram 6,4% e os Ribeiros de Avelar 5,9 %. 163 Para realizar a base de batismo para o estudo foram considerados apenas as pessoas que apresentaram sobrenomes Lacerda,Werneck, Ribeiro de Avelar e Xavier. 164 Livro de batismos de escravos da vila de Paty do Alferes. Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Paty do Alferes. Base de dados cedida gentilmente pelo graduado José da Silva Oliveira. Não foram encontrados os registros anteriores. 61 Gráfico I Fonte: livro de Batismo de escravos, Paty do Alferes. A família Xavier levou à pia batismal 23 inocentes. Deste número, apenas três não tiveram como padrinhos pessoas livres, 165 o que representa 13,04% do seu total. Mas qual a implicação desses dados? Como esses escravos apresentaram 86,96% de padrinhos livres, foi possível estabelecer comparações com o estudo realizado por Tarcílio Botelho 166 para a freguesia de Montes Claros (MG). Verificou-se nesse estudo uma porcentagem de 80% de pessoas livres como padrinhos, o que difere do estudo de Ana Lugão que apresentou um equilíbrio entre livres e escravos na região de Paraíba do Sul (RJ) durante o século XIX ao indicar que 48,6% dos padrinhos eram cativos. 167 Os dados trabalhados por Ana Lugão, numa região fronteiriça a Paty do Alferes, evidenciam que o tratamento dispensado pelos Xavier aos seus cativos, no caso dos batismos, pode ser considerado fora do padrão, já que apenas três 165 166 Pessoas livres ou portadoras de sobrenome que o sugeriam. Foi a forma utilizada na análise. BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Família e escravarias: demografia e família escrava no norte de Minas Gerais no século. XIX. Dissertação de Mestrado (Mestre em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. Apud FREIRE, Jonis. Compadrio em uma freguesia escravista: Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG-1838-1888). In: XIV ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, Caxambú, 2004, p. 8. 167 RIOS, Ana Lugão. Família e transição. Dissertação de Mestrado (Mestre em História) – Departamento de História da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1990, p. 9. Apud FREIRE, Jonis. Compadrio em uma freguesia escravista: Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG-1838-1888). In: XIV ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, Caxambú, 2004, p. 8. 62 batizados não tiveram padrinhos livres. Esses três padrinhos constam como pardos sem indicação sobre a sua condição de livre ou escravo. José Roberto Góes, no seu estudo sobre a freguesia de Inhaúma no Rio de Janeiro durante a primeira metade do século XIX, no mesmo período dos batismos realizados em Paty do Alferes, observou que 66,6% dos pais e mães escolhiam cativos para serem padrinhos,168 indicando um alto índice de sociabilidade entre a comunidade cativa. Se considerarmos a participação de ex-escravos no rito batismal, a porcentagem chega a 90,6% dos padrinhos. 169 A família Werneck apresentou, no mesmo período, um padrão diferente da família Xavier frente à pia batismal. Dos quinze inocentes levados ao batismo, apenas dois tiveram como padrinhos pessoas livres (13,33%), enquanto treze escravos tiveram cativos e pardos como protetores. A forma como a família Werneck se posicionava estava mais de acordo com o padrão encontrado por Góes quando encontrou um número superior de padrinhos escravos. A família Werneck por sua vez, apresentou a porcentagem de (86,67%) de padrinhos escravos e pardos batizando os inocentes, praticamente o inverso da família Xavier. Diferenciando-se um pouco, mas não muito, do padrão da família Werneck, os Ribeiro de Avelar apresentaram a seguinte porcentagem: 71,43% dos batismos tiveram como padrinhos escravos e pardos, sendo o restante, 28,57%, de batismos com padrinhos livres. Já na análise de Jonis Freire170 realizada na freguesia do Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG) durante o século XIX, indicou uma superioridade de padrinhos livres em relação aos escravos e forros (69,2% livres, 30,6% escravos e 0,2% de forros). Essas informações confrontadas com as das famílias aqui pesquisadas ficam mais próximas da situação encontrada dentro das propriedades da família Xavier. Então temos: Gráfico II 168 GÓES, José Roberto. O cativeiro imperfeito: um estudo sobre a escravidão no Rio de Janeiro da primeira metade do século XIX. Vitória: Lineart, 1993. p. 168. Apud FREIRE, Jonis. Compadrio em uma freguesia escravista: Senhor Bom Jesus do Rio Pardo (MG-1838-1888). In: XIV ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, Caxambú, 2004, p. 8-9. 169 Idem. 170 FREIRE, Jonis. Op. cit., p. 16. 63 Escravos sendo batizados por padrinhos livres (1825 a 1830). Mas qual a implicação desses dados? O período da realização dos batismos (1825 a 1830) é o mesmo em que houve o acirramento das disputas intraelite. Esse momento coincide com a implantação da sede administrativa da vila de Paty do Alferes e, também, com o momento anterior à transferência da vila para Vassouras, ocorrida em 1833. Quanto às implicações da divisão intraelite e suas relações com a prática do batismo, é interessante enfatizar certas questões. A análise dos batismos, nesse período em Paty do Alferes, além de gerar um melhor entendimento das relações desses proprietários com suas escravarias, nos permite apresentar a hipótese de que uma dessas famílias se utilizou do batismo para fortalecer seus laços com as pessoas livres. A família Xavier realizou nesse período 23 batismos, dos quais vinte tiveram como padrinhos pessoas livres. Ainda mais interessante, é a quantidade de padrinhos pertencentes à elite local. Dos vinte batizados, seis tiveram como padrinho o senhor Luiz França ou de França, um dos procuradores da família que foi acompanhado uma vez de sua filha e os restantes de sua esposa. Outro que também figurou como padrinho dos escravos, foi Gil Francisco Xavier,171 filho adotivo de Manoel Francisco Xavier e herdeiro de suas duas fazendas 171 Foi batizado em 11 de maio de 1824, casou-se em 13 de fevereiro de 1851 com Enídia Francisca Feijó. Tornou-se comandante da Guarda Nacional da cidade de Vassouras e tinha a fama de ser muito garboso, e também era viciado em jogo, vício pelo qual hipotecou e perdeu a fazenda da Freguesia para o dr. Joaquim Teixeira de Castro, vindouro visconde de Arcozelo. Gil Francisco 64 (Maravilha e Freguesia).172 Essas informações mostram a participação de pessoas ligadas ou pertencentes à família no apadrinhamento dos escravos. Além desses já citados, figuraram ainda coronel Joaquim Alberto de Souza da Silveira, Vicente Borges de Carvalho, tenente Bento Borges de Carvalho (talvez irmão de Vicente), José Porcino Pereira, Severino Jose de França, Felisberto Jozé da Silveira, Manoel da Costa e Luiz José de França. Essa rede de pessoas livres interligadas pela prática do compadrio reflete a precaução da família Xavier em fortalecer a sua zona de influência – procedimento não utilizado pelas famílias Ribeiro de Avelar/Werneck. Também analisamos o livro II 173 que apresentou um total de 667 batismos de escravos, compreendendo os anos de 1833 a 1840. 174 Novamente, as três famílias foram separadas e estudadas individualmente. A família Werneck batizou 81 inocentes. Desse total, 55 tiveram como padrinhos escravos ou pardos, representando 67,90%, enquanto os padrinhos livres batizaram 26 inocentes, perfazendo 32,10% dos batismos da família. Mais uma vez a família apresentou uma maior quantidade de padrinhos escravos. Por sua vez, a família Ribeiro de Avelar apresentou 39 batismos, sendo 31 batizados por padrinhos escravos (79,50%) e oito por pessoas livres (20,50). Comparando com a análise realizada no período de 1825 a 1830, notamos certo equilíbrio: 76,93% e 23,07%, respectivamente. Já a família Xavier manteve o padrão de batizar seus escravos com padrinhos livres. Mas a análise ficou restrita aos anos de 1833 e 1834 com dezesseis batismos. Desse total, 81,25% foram batizados por padrinhos livres (13), sendo apenas três batizados com padrinhos escravos, o que representa 18,75%. Em relação aos padrinhos livres dos escravos da família Xavier, notamos que pertenciam ou tinham acesso à elite local. Nessa amostragem dos dezesseis batismos, não se verificou padrinhos forros ou libertos. Gráfico III acabou falecendo muito pobre ainda relativamente novo aos 53 anos em 19 de novembro de 1880. STULZER, Aurélio (frei). Notas para a história da Villa de Pati do Alferes. Dezembro 1944, p. 59. 172 Idem 173 Livro de Batismo escravo. Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Paty do Alferes, Rio de Janeiro. 174 Não foi encontrado livro algum com os batismos entre 1831 e 1832. 65 Escravos sendo batizados por padrinhos livres (1833 a 1840). Porém o fato mais importante a ser registrado, é que nenhum batismo de escravo da família Xavier foi realizado após o ano de 1834 até o ano de 1840. O capitão-mor Manoel Francisco Xavier faleceu em 1840 e, só após a sua morte a família Xavier, voltou a realizar o batismo de seus cativos, apresentando 11 neste mesmo ano. Enfim, durante os anos de 1835 a 1839, não foi realizado um único batismo. A partir dessa ausência, é possível identificar uma mudança de atitude do capitão-mor Manoel Francisco Xavier após a transferência da sede da vila de Paty do Alferes para Vassouras. Com a existência das disputas intraelite e a extinção da vila de Paty do Alferes, Manoel Francisco passou a não exteriorizar os seus assuntos, não mais os levando ao conhecimento das autoridades civis e/ou religiosas. Possivelmente, em razão dessa nova maneira de proceder, a referência de seus adversários à falta de governo de suas fazendas para explicar o motivo da insurreição escrava de 1838. Essa “falta” de governo nas propriedades da família Xavier, considerada pelo juiz de paz José Pinheiro,175 parece não se comprovar. Na análise dos batismos que aqui apresentamos, nota-se que o núcleo familiar Ribeiro de Avelar/Werneck realizou, durante os anos de 1833 e 1834, um total de 25 batismos. Neles encontramos doze filhos legítimos (presença de pai e mãe) e treze filhos naturais (só 175 SOUZA, José Antonio Soares de. O efêmero quilombo de Pati do Alferes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, n. 295, p. 43, 1972. 66 com a presença da mãe). Por sua vez, a família Xavier apresentou dezesseis batismos, todos de filhos legítimos. Mas qual o significado desse dado? A principal observação é a presença de famílias nas senzalas de propriedade dos Xavier. Segundo Manolo Florentino e José Roberto Góes: Organizado a vida no cativeiro, a família amainava os enfrentamentos entre cativos [...] A pacificação e a organização parental eram importantes também ao próprio sistema sem se constituir em instrumento direto de controle senhorial, a família escrava funcionava como elemento de estabilização social, ao permitir ao senhor auferir uma renda política. 176 Os escravos organizados em famílias estariam menos dispostos a prepararem insurreições. Outra observação referente à constituição da família escrava é a conquista de seu espaço dentro da própria senzala. Quando existe o reconhecimento da família, normalmente observa-se um espaço diferente dentro da senzala. Se levarmos em conta apenas esse dado referente à formação de famílias, poderíamos argumentar que havia maior predisposição dos escravos do núcleo familiar Ribeiro de Avelar/Werneck ao motim do que os cativos da família Xavier. Considerando-se apenas os dados referentes às famílias escravas, é possível estabelecer o mesmo tipo de raciocínio em relação ao período de 1825 a 1830. Dos 29 inocentes levados à pia batismal pelos Werneck, apenas seis eram legítimos, enquanto na família Xavier, dos 23 inocentes levados ao batismo, apenas quatro eram naturais. Nesse caso, as informações confirmam a formação de famílias dentro da senzala dos Xavier, o que segundo alguns estudos sobre a questão, é um dado importante na estabilização das senzalas. Certamente, não é possível estabelecer nenhuma relação de causa e efeito tão simplificadora entre formação de famílias e ausência de motins. No entanto, esses dados podem nos ajudar a contextualizar as afirmações da família Werneck sobre a “falta de governo” das fazendas dos Xavier que parecem estar menos relacionadas à desorganização das senzalas do que à decisão do capitão-mor de resolver as suas questões internamente, sem levá-las à esfera pública. 176 FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico atlântico. Rio de Janeiro, 1790-1850. Apud MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: negros, pardos e brancos na produção da hierarquia social do Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. p. 105. 67 Esse segundo período analisado forneceu alguns elementos que possibilitaram um melhor entendimento do fato de Manoel Francisco Xavier ter sido considerado como um “mal” senhor pelo núcleo familiar rival. Em outra ocasião tem sido feridos homens brancos e espancados mortalmente capatazes desta grande fazenda; fatos que o mesmo capitão-mor trata de capear e esconder, e só se sabe por seus fâmulos ou escravos, que dizem debaixo do maior segredo. Tantos fatos tem sucedidos ultimamente, por espaço de quatro anos [...].177 Observando a citação, nota-se que a propriedade do capitão-mor Manoel Francisco Xavier era considerada sem governo com a ocorrência de espancamentos e até assassinatos. Por conseguinte, esperávamos a abertura de alguns processos para a apuração desses crimes cometidos, o que não encontramos nesse período. O único assassinato registrado nos limites das propriedades da família foi o do escravo Camilo; crime cometido pelo feitor Jacques, crioulo no ano de 1838. O levantamento desses dados possibilitou também observar as consequências da desordem senhorial que culminou na extinção da vila de Paty do Alferes e na criação de Vassouras. Na realização dos batismos de escravos, a consequência foi a abdicação da realização do sacramento pelo capitão-mor Manoel Francisco Xavier. Em função deste posicionamento, partimos em busca de mais indícios que demonstrassem outras consequências da desordem senhorial ou circunstâncias que apresentassem outros acontecimentos, no qual a disputa senhorial pudesse ser apreciada. Por se apresentar como um dos protagonistas e também pela condenação de seus escravos na insurreição de 1838, pesquisamos processos em que figurasse o capitão-mor Manoel Francisco Xavier. 2 Reflexos de uma desordem na disputa territorial Um pouco antes da transferência da sede da vila para Vassouras, mais precisamente em 6 de setembro de 1831, Manoel Vieira dos Anjos e sua esposa eram citados na Justiça por invadir um terreno pertencente a Manoel Francisco Xavier.178 Manoel Vieira dos Anjos era acusado de realizar na propriedade um 177 178 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 43. Documento 103664145001. Centro de Documentação Histórica (CDH), Universidade Severino Sombra (USS). 68 roçado. A propriedade em questão era um terreno que Manoel Francisco Xavier havia adquirido de Antonio Joze Evangelista e Maximiniana Roza Angelica, localizado no lugar denominado Camohã (Camoão) com 400 braças de testada e ¼ de légua de fundo, conforme documento apresentado. A alegação, por parte dos autores Manoel Francisco Xavier e sua esposa, foi que os réus não respeitaram o direito de propriedade ao invadir o terreno. Representados no processo inicialmente por Luis de França e, posteriormente, por Eleutério Delfim Silva, a família Xavier buscava a reintegração da posse e, ainda, a reposição do terreno, prejuízos, danos e mais as custas processuais triplicada. Ao ser intimado pela primeira vez, em 12 de setembro do mesmo ano, Manoel Vieira dos Anjos não compareceu, sendo lançada a revelia. 179 Em uma segunda audiência pública, em 28 do mesmo mês, o réu compareceu e, após ouvir a solicitação contida nos autos, utilizou-se de diversos argumentos dizendo que não conciliava com os autores. A partir desse momento, Manoel Vieira dos Anjos passou uma procuração a Thimothio Vitorino de Oliveira para representá-lo no processo. Assim, não se restringindo apenas às colocações verbais, o procurador apresentou um documento no qual constava que os antigos “proprietários” nunca poderiam ter realizado a venda do terreno em litígio, já que este nunca estivera em posse deles. Segundo o procurador, a propriedade já pertencia aos réus “há muitos anos” e, consequentemente, os autores da ação não poderiam ter realizado a transação do terreno com a família Xavier, pois não eram herdeiros de Felipe Roiz dos Santos (considerado como primeiro proprietário do terreno em litígio). Dessa maneira, o procurador de Manoel Vieira dos Anjos, Thimótio Vitorino de Oliveira, julgava improcedente a ação, solicitava a absolvição dos réus e a condenação dos autores em prejuízos, danos e mais as custas do processo. Assim sendo, foi solicitada a determinação da Lei Ordinária L 4 TT 58 =ibi=. Se alguma forçar, ou esbulhar outra da posse de alguma caza ou herdade ou de outra posseção não tendo primeiro citado ou ouviso com sua justiça, forçado perca o direito, q tiver na cauza forçada de q esbulhou o possuidor, o qual direito será adquirido, e aplicado ao esbulhado, e lhe seja logo restituída a posse della. E se forçador não tiver direito na caza em q fez a força pagara ao forçado outro tanto, quanto a caza valer, e mais toda as perdas, e dannos, q na força, ou cauza della em qualquer modo receber. E posto q alguém q he Senhor da caza ou lhe pertencer ter nella algum direito, não lhe seja recebido tal razão, mais sem embargo della seja logo constrangido, restituila, a q 179 Revelia é quando o ato processual é dado como nulo. 69 apossua asseca todo o direito, q nella tinha, pelo fazer sua própria força e sem authoridade de justiça.180 Ao solicitar a ação judicial contra Manoel Vieira dos Anjos e esposa, os requerentes não contavam com a articulação do procurador Thimótio Vitorino de Oliveira que além de contestar a veracidade do título de propriedade, solicitou o cumprimento da lei, julgando improcedente a ação movida e, consequentemente, o pagamento das custas processuais. Os autores da ação passaram a apresentar argumentos e documentos para que não fossem surpreendidos com uma sentença contrária à requerida e, por conseguinte, penalizados. Em busca da absolvição dos réus, o procurador Thimótio Vitorino de Oliveira requeria a improcedência da ação por não ter sido o terreno comprado dos “verdadeiros” donos, buscando com isso a anulação do processo. Assim, após a alegação do procurador de Manoel Vieira dos Anjos, a confirmação das informações ficou condicionada à apresentação de duas ou três testemunhas. 181 A comprovação da propriedade pelos réus foi realizada com a apresentação das testemunhas que foram solicitadas pela Justiça. Diante disso, o procurador solicitou a absolvição dos réus e a condenação dos autores em prejuízos, danos e mais as custas do processo.182 Na sessão ocorrida em 21 de julho de 1832, foi solicitado ao juiz ordinário e de órfãos, Francisco Ignacio Pacheco de Mello, uma nova audiência para que os autores assinassem o fim do processo e que fosse pronunciada a sentença. Todavia, a ação não terminaria ainda. É bem provável que essa disputa estivesse relacionada à expansão da lavoura do café na região, que em menos de quatro anos assumiria a posição de principal produto exportado. Segundo Stanley, essa expansão gerou uma intensificação das disputas por terras,183 tornando o tipo de processo em questão bastante frequente. 180 Documento 103664145001. CDH, USS. 181 Por se encontrar incompleto o processo, não foi possível a verificação dos nomes das testemunhas. 182 183 Processo 103664145001, fls. 27. CDH, USS. STEIN, Stanley. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900. Tradução Vera Bloch Wrobel. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p. 37. 70 Outro aspecto que devemos salientar quando se buscava o reconhecimento de propriedade de uma área de terras era a obrigatoriedade do cultivo do solo. A origem dessa obrigação era a lei de sesmaria. Essa mesma obrigação era cobrada na obtenção de concessão de terras. 184 Assim, ao realizar o roçado, possivelmente Manoel Vieira dos Anjos e esposa tentavam buscar o reconhecimento de proprietários, demonstrando que estavam cumprindo com uma das obrigações. Já quanto ao andamento do processo, é notório que a apelação apresentada pelos réus obtivesse sucesso pelo menos até o momento em que o juiz ordinário e de órfãos, Francisco Ignacio Pacheco de Mello, 185 conduzia a ação. O juiz em questão é o mesmo que em 1833, fazendo parte da Câmara de Vereadores da vila de Paty do Alferes, optou pela transferência da vila. O terreno disputado tinha uma dimensão de 400 braças de testada e ¼ de légua de fundo, informação que vai ao encontro da argumentação de Márcia Motta, quando afirma que as disputas por terras podiam ocorrer em função de uma pequena parcela que pouco acrescentaria na extensão da propriedade. 186 É preciso destacar o fato de que os envolvidos no litígio eram dois grandes fazendeiros, algo raro. Segundo Márcia Motta, as acusações, quando existentes, partiam sempre “do pressuposto de que o senhor e possuidor das terras em litígio não havia dado consentimento para que o outro roçasse [...]”. 187 Ao mesmo tempo em que corria essa ação, em 5 de novembro de 1831, em um processo paralelo, era curado o embargo movido por Manoel Francisco Xavier contra Manoel Vieira dos Anjos.188 O que levou os Xavier a abrirem uma nova ação judicial? Seria a forma como foi encaminhado o primeiro processo pelo juiz Francisco Ignacio Pacheco de Mello? Possivelmente. Lembremos que existiam disputas senhoriais motivadas por interesses particulares, sendo o juiz em questão um dos envolvidos. 184 Ibidem, p. 36. 185 Francisco Ignacio Pacheco e Mello era oriundo de Minas Gerais e sobrinho do padre Pedro, dono da fazenda da Divisa em Paty do Alferes. In: Vassourense de 2 de agosto de 1896. Museu casa da Hera, Vassouras, Rio de Janeiro. 186 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas fronteiras do poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. 2. ed. Niterói, RJ: Editora da Universidade Federal Fluminense (EdUFF), 2008. p. 44. 187 Ibidem, p. 82. 188 Processo 103664051007. CDH, USS. 71 Assim, a análise do segundo processo pode nos fornecer outros indícios dessa questão. O juiz responsável pela abertura dessa nova ação fora o sargento-mor Joze Maria de Guadalupe que, por intermédio do procurador do capitão-mor Manoel Francisco Xavier, reestabeleceu o pedido de embargo aos réus. Posteriormente, Manoel Vieira dos Anjos compareceu e pediu vista do processo. Após verificarmos essas primeiras informações da ação, nos deparamos com a ausência de diversas folhas. Sendo a página na sequência a treze, na qual se encontra a parte conclusiva, datada de 1º de junho de 1832: “Os embargos a f10 Recebo e Julgo aprovado e julgo provados por sua materia aos autos despacoes de Direto com que me enformo em vista de nulidade com q foi feito o Embargº f2 q achei procedente e pague os Embargados as Custas”. 189 Este despacho não foi realizado pelo mesmo juiz que iniciou essa nova ação. Neste momento, quem despachava aprovando a solicitação de embargo era o juiz Francisco Ignacio Pacheco de Mello. Mas, no primeiro processo, esse mesmo juiz acataria em 21 de julho de 1832 a solicitação do procurador dos réus por uma nova audiência para os autores assinarem o fim do processo. Em um período de pouco mais de um mês, observamos dois posicionamentos distintos do juiz Francisco Ignacio Pacheco de Mello sobre a mesma questão. Relembremos, no processo inicial despachava em 21 de julho de 1832 solicitando uma audiência para finalizá-lo. E, anteriormente, em 1º de junho, despachou condenando os réus e determinando o pagamento das custas. Possivelmente, em função desse posicionamento do Juiz Francisco Ignácio Pacheco de Melo e da disputa intraelite, Manoel Francisco Xavier tenha atuado pela troca do juiz. Logo, um novo magistrado, Antonio Delfim Silva, assumiria o andamento da ação. Mas antes da substituição do juiz e da declaração da sentença final, solicitava-se no segundo processo a anulação da primeira ação. Mesmo com a saída do juiz Francisco Ignácio Pacheco de Melo, o procurador de Manoel Francisco Xavier, Eleutério Delfim Silva, fundamentava no segundo processo a anulação da ação. Em seu pedido argumentava a incompetência do 189 Documento 103664051007. CDH, USS. 72 foro190 se dirigindo ao novo juiz, Antonio Delfim Silva que antes de dar continuidade na ação se declarou suspeito, conforme informa as folhas 11 do processo. 191 Porquanto me tenho declarado suspeito entre estas partes por despacho proferido em authos que convem estas partes sobre o mesmo objeto, ficando por isso suspeito o juiz Parceiro, na conformidade da Ord’ L°3°f°21°SS19°, deve-se remeter o presente processo aos juízes do anno passado [...]. 192 Deste modo, em 20 de novembro de 1832, Antonio Delfim Silva despachou nos dois processos sua decisão de encaminhar a solicitação de embargo aos juízes do ano anterior para julgar sobre seus termos, conforme a lei Ord’ Lº 3º Fº 21º SS19º. Ao buscarmos o entendimento da declaração de suspeito do juiz Antonio Delfim, notamos que este apresentava o mesmo sobrenome do procurador Eleutério Delfim Silva, portanto, a hipótese de serem pai e filho foi comprovada pelas informações contidas no jornal Vassourense de 28 de junho de 1896. Neste, há um artigo que conta a história da criação da vila de Paty do Alferes e traz a informação de que Antonio Delfim Silva foi proprietário da fazenda do Monte Alegre e que, entre os seus filhos, encontrava-se Eleutério Delfim Silva. 193 Também chama a atenção a informação de ter sido proprietário da fazenda Monte Alegre, mesma propriedade do futuro barão de Pati do Alferes, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck. Desse modo, somos levados a pensar na existência de vínculos entre Antonio Delfim e Francisco Peixoto que possivelmente apoiou os Wernecks no momento da escolha do lugar para abrigar a sede da vila e que, consequentemente, ficou do lado de Antonio Luiz Machado. 194 Com mais esse dado, algumas interrogações foram formuladas: a declaração seria apenas por ser pai do procurador de uma das partes ou essa declaração seria por algum outro motivo? 190 Documento 103664051007. CDH, USS. 191 Documento 103664051007. CDH, USS. 192 Documento 103664145001. CDH, USS. 193 Jornal Vassourense de 28 de junho de 1896. Museu Casa da Hera, Vassouras, Rio de Janeiro. 194 MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 45. 73 Infelizmente, não obtivemos respostas para essas questões. No entanto, é possível esboçar certas explicações a partir de outros estudos que também enfatizam a classe senhorial. João Fragoso, no artigo “A nobreza vive em bandos”, 195 identifica e analisa as várias formas de alianças entre os ditos nobres. Essas alianças eram criadas entre as famílias e também com outros grupos sociais. O objetivo da formação desses laços era a manutenção e/ou a hegemonia política. Assim, com a formação de “bandos”, principalmente com outros grupos sociais, as famílias governantes adquiriam a cumplicidade de mais uma parcela da sociedade. Segundo o historiador, a formação de bandos resultava dos conflitos entre as facções nobres, cuja origem desse tipo de experiência está ligada à história medieval portuguesa. A nossa análise sobre a desordem senhorial abre várias questões. Em primeiro lugar, é preciso indicar que o posicionamento de Antonio Delfim Silva, que durante a fundação da vila apoiou Antonio Luiz Machado, não impossibilitou sua aproximação com a família do capitão-mor Manoel Francisco Xavier. Mas no momento em que poderia beneficiar seu aliado, se afastou do processo. Essa mudança de posicionamento pode ser explicada em função do jogo de interesses e da necessidade de Manoel Francisco Xavier em alargar sua rede de alianças no momento posterior à fundação da vila de Paty do Alferes. Dessa forma, podemos ponderar sobre a expansão de sua rede de relações e/ou de alianças políticas. Portanto, a ligação com Eleutério Delfim Silva e, consequentemente, com o seu pai é melhor compreendida. No entanto, a busca por novas alianças pode ter sido motivada também pela criação do cargo de juiz de paz em 1827 que ocasionou um forte abalo no poder do capitão-mor. Até este momento, o título de capitão-mor era o mais importante de uma localidade, sendo a função comparada a de um delegado de polícia. Era o capitão-mor quem devia manter a ordem e mandar prender os criminosos. Podia expulsar os vagabundos e os forasteiros considerados “suspeitos”, proibir reuniões públicas, conceder ou não licença para festas nos logradouros públicos. 196 Mas, a partir de 1827, toda paróquia ou freguesia foi obrigada a ter um juiz de paz que, além de várias outras funções, tinha a responsabilidade de manter a ordem 195 FRAGOSO, João. A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII). Topoi. Revista de História do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 1, p. 45-122, 2000. 196 Apud MAIA FORTE, José Mattoso. Op. cit., p. 35. 74 pública, pôr em custódia os bêbados, levar para a prisão os considerados criminosos. Além dessas funções que nos lembram as de um capitão-mor, também competia ao juiz de paz processar e julgar as causas cíveis, cujo valor não ultrapassasse a 16 mil réis, resolver as contendas sobre caminhos particulares, etc.197 Com a criação do cargo de juiz de paz, as atribuições do capitão-mor foram diminuídas, restando quase apenas a imponência do título. Além de ter absorvido as atribuições de capitão-mor, o juiz de paz acumulou também as funções do juiz de almotacés. Além dessas funções, o cargo agregou, em 1831, a responsabilidade pelos processos em ex officio de crimes públicos até a pronúncia.198 Concluímos que além das disputas vivenciadas na fundação da vila, Paty do Alferes apresentou ainda vários desdobramentos dessas mesmas disputas. A desordem senhorial refletiu diretamente na realização dos batismos dos escravos, fazendo com que o capitão-mor Manoel Francisco Xavier procurasse fortalecer suas ligações ao batizar seus cativos com padrinhos de sua esfera social. Enquanto Manoel Francisco Xavier se posicionava dessa maneira, o núcleo familiar Ribeiro de Avelar/Werneck realizava o rito religioso com a maioria dos inocentes sendo batizado pelos próprios escravos. Por sua vez, Manoel Francisco Xavier, no momento seguinte à transferência da vila, deixou de realizar os batismos de seus cativos. Possivelmente, verifica-se uma tentativa de se afastar dos assuntos que ligavam suas propriedades à administração da então vila de Vassouras. 197 RODYCZ, Wilson Carlos. O juiz de paz imperial: uma experiência de magistratura leiga e eletiva no Brasil. Revista Justiça e História, v. 3, n. 5, p. 7, 2003. Disponível em: http://www.googleacademico.com.br. Acesso em: 4 de julho de 2009. Atribuições de um juiz de paz: ao juiz de paz competia conciliar as partes antes da demanda, processar e julgar as causas cíveis cujo valor não excedesse a dezesseis mil-réis; manter a ordem nos ajuntamentos (reuniões públicas), dissolvendo-os no caso de desordem; pôr em custódia os bêbados durante a bebedice; corrigi-los por vício e turbulência e as prostitutas escandalosas, obrigando-os a assinar termo de bem viver, com a cominação de penas; fazer destruir os quilombos; fazer autos de corpo de delito; interrogar os delinquentes, prendê-los e remetê-los ao juiz competente; ter uma relação dos criminosos para fazer prendê-los; fazer observar as posturas policiais das câmaras; informar o juiz de órfãos sobre incapazes desamparados e acautelar suas pessoas e bens, enquanto aquele não providenciasse; vigiar sobre a conservação das matas públicas e obstar nas particulares ao corte de madeiras reservadas por lei; participar ao presidente da província quaisquer descobertas úteis que se fizessem no seu distrito (minas); procurar a composição das contendas e dúvidas sobre caminhos particulares, atravessadouros e passagens de rios ou ribeiros, sobre uso das águas empregadas na agricultura ou na mineração, dos pastos, pescas e caçadas, sobre limites, tapagens e cercados das fazendas e campos, e sobre os danos feitos por familiares ou escravos; dividir o distrito em quarteirões que não contivessem mais de 25 fogos. 198 Ibidem, p. 8. 75 Não se restringindo apenas ao posicionamento de um dos envolvidos, a desordem senhorial mostrou sua interferência num campo ainda não explorado – o Judiciário. Nos dois processos analisados demonstramos que os senhores envolvidos utilizavam-se de suas áreas de influências para subjugar um desafeto particular. O exemplo do juiz Francisco Ignácio Pacheco Melo, que esteve envolvido diretamente na transferência da vila, demonstra bem o quanto o interesse particular agia e se manifestava em momentos em que a neutralidade deveria ser observada. Assim, em função da disputa senhorial em que estava envolvido, o juiz realizou despachos contraditórios levando-o ao afastamento dos processos. Portanto, não se restringindo aos assuntos ligados e/ou relacionados à fundação e transferência da vila de Paty do Alferes, a disputa senhorial invadiu outros campos. Mas ainda nos falta analisar um último, no qual o interesse de subjugar um inimigo político se posicionou acima dos procedimentos obrigatórios de apuração de uma insurreição, quando a mesma ocorria. No próximo capítulo, analisaremos a insurreição escrava de 1838 à luz das informações sobre as disputas senhorias apresentadas nesses dois primeiros capítulos. 76 Cap. III. Transformações políticas e instabilidades 1 Juiz de paz e guarda nacional: parcialidade na apuração dos fatos Com a criação do cargo de juiz de paz, por meio da lei de 15 de outubro de 1827, foi dado o primeiro passo do que se considerou a primeira grande reforma do sistema judicial. Tendendo aos propósitos liberais, representava assim o desejo de descentralização após o fechamento da Assembleia Constituinte que havia gerado o receio de um absolutismo. Para ocupar e exercer a função era necessária uma eleição e o candidato não precisava ser formado em direito. O modo eletivo foi considerado um avanço, pois dessa forma, o poder da escolha não emanava do imperador e sim do “povo”, 199 o que trouxe o apoio da imprensa. A classe dos ocupantes do cargo de juiz de paz, principalmente das zonas rurais, era oriunda das grandes famílias proprietárias que se utilizavam de a função para benefícios próprios. Assim, em meados da década de 1830, a função começou a ser criticada por estar sendo utilizada como veículo de perseguição política. Relembremos o abaixo assinado da conjuração escrava de Valença. Nele, era solicitada a substituição do juiz de paz após sua parcialidade na apuração dos fatos. Após a confissão dos cativos presos de que, os “negros do senhor Marquez” eram os mentores e “verdadeiros” culpados, houve uma solicitação da população para a prisão e castigo desses últimos. Embora o juiz tenha atendido ao solicitado 199 De acordo com a Constituição de 1824, capítulo VI, artigo 92 e inciso V era necessária uma renda líquida anual no valor de cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego para se tornar eleitor. 77 com o envio de um ofício ao marquês de Baependy, este se recusou a enviar os escravos denunciados. Tal atitude causou a reação da “população”, 200 que insistiu na prisão destes cativos afirmando que a lei é igual para todos. E, por fim, o abaixo-assinado informava que era de conhecimento de todos que alguns escravos do marquês andavam armados pela fazenda.201 Com a recusa do marquês de Baependy e, posteriormente, com um novo apelo da população, o juiz de paz encaminhou pela segunda vez o ofício solicitando o envio dos cativos denunciados. Por fim, estes foram enviados. Mas ao contrário dos outros escravos que chegaram todos amarrados, vieram soltos e conduzidos pelo feitor da fazenda. Esse procedimento destinado aos outros participantes da conjuração e a forma como foi realizada a audição desses escravos gerou nas pessoas que assinaram o abaixo-assinado um descontentamento. Com a apresentação dos escravos do Marquês, “finalmente Augustissimo sr Juiz de Paz lhe comette juramento, se sim, ou não tem parte na conjuração: elles dizem que não” e, assim, todos voltaram para a fazenda de seu senhor. Nota-se que não se verificou o mesmo tratamento destinado aos cativos de Baependy para com os outros envolvidos na conjuração. Estes, antes de serem interrogados, foram açoitados e somente após o castigo informaram a finalidade da conspiração. Ao tomar conhecimento da atitude do juiz de paz, os responsáveis pelo abaixo-assinado de Valença se indignaram e solicitaram justiça, argumentando que por muito menos vários escravos foram presos, como também homens livres frequentaram a prisão até terem provadas suas inocências. Por conseguinte, em função do que se observou na apuração dos fatos, a população encaminhou o abaixo assinado a “Majestade Imperial e Constitucional” solicitando a substituição do juiz de paz. Inserida no contexto regencial que apresentou diversas insurreições, a conjuração de Valença era mais um exemplo da instabilidade do período, além de apresentar uma das questões que moveram as discussões em torno do juiz de paz 200 201 O abaixo-assinado não informa os nomes dos assinantes, apenas o número de 120 assinaturas. Abaixo-assinado com 120 assinaturas dos moradores da vila de Valença. Tipografia Torres 1831. Documento gentilmente cedido pelo mestre Antônio Carlos, formado pela Universidade Severino Sombra. 78 durante o debate sobre o federalismo e a centralização. Em outras palavras, a parcialidade no exercício da função. Mesmo apresentando discussões sobre a forma como agiam os juízes de paz, consolidou-se a estrutura judicial em torno da função com a promulgação do Código do Processo Criminal em 1832. Contudo, a criação do ofício de juiz de paz é um elemento importante na reforma do sistema judicial e, fez parte do processo de descentralização observada na regência. Segundo Thomas Flory, sua criação tinha o objetivo de reduzir o poder do Imperador após o fechamento da Assembleia Constituinte. 202 O exercício da função não era remunerado e muitos aspirantes políticos preencheram a função nas capitais. Já nas zonas rurais as famílias proprietárias de terras ocuparam o cargo. O ano de 1831 vivenciou, em 7 de abril, a abdicação de d. Pedro I e, consequentemente, o fim do primeiro reinado. Em julho, Valença apresentaria sua conjuração escrava e no dia 18 de agosto seria criada a Guarda Nacional. Apesar de estar vivendo um novo momento político de sua história, o Império do Brasil continuava reproduzindo alguns modelos da época da Colônia. A forma patrimonial ainda era a base. Fixada em dois grupos, senhores de terra e militares que no fim formavam um único grupo, observamos o papel desempenhado pela terra que era distribuída em muitos casos, em troca de favor real. Com a criação da Guarda Nacional, verificamos em sua hierarquização a transposição da hierarquia social. Além dessa reprodução, a guarda foi um exemplo da militarização de grande parte da sociedade, transformando senhores de terras em “paramilitares”. Ainda sobre a Guarda Nacional, nota-se sua contribuição para a estabilização política, ao agregar hierarquicamente indivíduos de diferentes regiões em torno da ordem institucional.203 Os cargos de oficiais eram exercidos pelos senhores, enquanto a tropa era formada pelos “de cor e membros das classes trabalhadoras”. 204 Além disso, a guarda era subordinada ao juiz de paz. 202 RODYCZ, Wilson Carlos. O juiz de paz imperial: uma experiência de magistratura leiga e eletiva no Brasil. Revista Justiça e História, v. 3, n. 5, 2003, p. 10. 203 GOUVÊA, Maria de Fátima Silva. O império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 24. 204 URICOECHEA, Fernando. O minotauro Imperial. Rio de Janeiro: Difel, 1978. p. 69. 79 Igualmente ao restante do território do Império, a extinta vila de Paty do Alferes apresentava instabilidade, principalmente no período regencial. Neste contexto, os projetos federalistas e descentralizadores ganharam mais forças ocasionando grandes discussões. Nesse debate, o juiz de paz foi utilizado tanto como exemplo positivo quanto negativo. Defensores da centralização o criticavam enquanto os federalistas o defendiam. A criação da função de juiz de paz representou, num certo sentido, uma resposta a esse anseio federalista, num movimento no sentido da descentralização do poder Judiciário. O cargo trazia algumas novidades, desde a sua forma de eleição até as suas atribuições. A sua forma eletiva foi bem vista por não estar diretamente ligada ao poder Judiciário, uma vez que qualquer eleitor podia se candidatar sem ter a obrigatoriedade da formação em direito. O juiz de paz, além de substituir o juiz ordinário dos tempos da Colônia, também agregou um aumento de sua autoridade perante às ações penais. Assim, com a promulgação do Código do Processo em 1832, as funções do juiz de paz superaram as do juiz ordinário. 205 Anterior e posteriormente à criação do cargo de juiz de paz, muitos políticos se posicionaram a favor e contra a função. Alguns, como os liberais exaltados, eram a favor em razão da possibilidade de maior acesso ao poder Judiciário. Outros, como os moderados, temiam que o cargo fosse ocupado por qualquer pessoa. O receio quanto à ocupação do cargo era bem relativa, até porque para se candidatar era necessário ser eleitor e existiam alguns impedimentos, como, a necessidade de uma renda líquida anual no valor de 100 mil réis por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego, conforme capítulo VI, artigo 92 e inciso V 206 da Constituição de 1824. Dessa forma, verificaram-se monopólios exercidos pelas famílias mais ricas na ocupação da função. A utilização de alianças para eleger um juiz de paz era corriqueira, pois as famílias se utilizavam de o cargo para lançar alguns de seus membros objetivando maior expressão política. Logo, por meio de uniões, as grandes famílias se revezavam no exercício da função, manipulando muitas das ações em benefício próprio ou do “bando” do qual participava, visto que era assim 205 COSER, Ivo. Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil 1823-1866. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008. p. 66. 206 Constituição de 1824. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 18 de março de 2008. 80 realizada a “cabala”.207 Para Evaristo da Veiga208 esse “acordo” marcaria o processo de eleição para a ocupação da função de juiz de paz. 209 Na obra, Visconde do Uruguai: centralização e federalismo no Brasil, Ivo Coser tem como objeto o pensamento político de Paulino José Soares de Souza. O caminho escolhido é a análise do posicionamento do político frente aos debates em torno das principais leis e códigos discutidos na regência. Na sua análise, o historiador tenta entender o uso dos termos civilização e sertão utilizados por Paulino José. A civilização era o litoral e as grandes cidades como polo irradiadores do bom exemplo de viver em sociedade; o sertão representava a barbárie, além de estar associado às disputas locais. Dentro desse contexto, o juiz de paz sofreu duras críticas do político que tinha como objetivo a centralização do poder para a obtenção de o controle total da justiça,210 pois muitas localidades encontravam-se divididas em disputas entre grandes famílias que se utilizavam da autoridade do cargo de juiz de paz para resolver questões particulares. Segundo Ivo Coser, o federalismo do período regencial era pensado a partir do município,211 sendo o juiz de paz peça fundamental em todo esse processo de descentralização. As críticas de Paulino José Soares de Souza procuravam demonstrar a fragilidade do projeto federalista. Como muitos juízes de paz eram parciais, as críticas salientavam a deficiência de um dos principais pontos do projeto federalista. Por sua vez, o federalista Evaristo da Veiga defendia a ideia de que o cidadão não deveria deixar que uma pessoa enviada por um poder ausente tomasse as rédeas de seus assuntos.212 Para ele, os interesses individuais eram a forma de mobilizar a população para o federalismo. Na insurreição de 1838, ocorrida na extinta vila de Paty do Alferes, o debate em torno da função do juiz de paz assumirá novos contornos. 207 Arranjo de votos maquinado por um grupo objetivando a eleição de um candidato. Apud COSER, Ivo. Op. cit., p. 78. 208 Político e proprietário do jornal Aurora Fluminense. 209 COSER, Ivo. Op. cit., p. 78. 210 Ibidem, p. 259. 211 Idem. 212 COSER, Ivo. Op. cit., p. 85. 81 2 Uma fissura no costume A quebra de um costume, uma fissura no silêncio 213 da escravidão? O que teria motivado a insurreição do dia 6 de novembro? Formação de quilombos, insurreição, revoltas, fugas e tantas outras maneiras de se sublevar aconteceram em muitos momentos quando os escravos percebiam que a elite senhorial estava dividida. 214 Tal percepção só era possível por ser o proprietário um dos mais fortes conectores da vida cativa com o mundo exterior à fazenda,215 o que demonstra uma ligação direta do mundo da casa grande com o mundo da senzala, no qual cada um vivia sob a influência do outro. O efeito desta influência pode ser percebido diretamente nas revoltas – mesmo quando sufocadas, deixavam uma espécie de “recado” subentendido aos senhores. O receio de uma nova revolta se fazia presente na vida da casa grande, possibilitando momentos favoráveis às negociações dos escravos com os proprietários, os quais viviam apreensivos com a segurança de sua vida e de sua família.216 O medo de novas revoltas gerou, logo após a insurreição de 6 de novembro, a criação da comissão permanente de fazendeiros da vila de Vassouras, 217 que funcionou durante toda a década de 1840. Com a proibição do comércio transatlântico em 1850 e, consequente, o abastecimento de mão-de-obra escrava oriunda do nordeste do Império, a comissão publicou, em 1854, um manual. Os escravos do nordeste traziam em seu “currículo” algumas revoltas que abalaram o Império, basta citarmos a revolta dos Malês ocorrida em 1835, na Bahia, quando cativos africanos e mulçumanos provocaram medo em toda classe senhorial. Mas vários outros motivos impulsionaram a sublevação dos escravos durante o período Colonial e Imperial do Brasil, entre eles: separação de familiares, abusos 213 ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. História: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007. (Coleção História). 214 SILVA, Eduardo; REIS, João José. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 10. 215 216 217 ENGEMANN, Carlos. De laços e de nós. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. p. 149. SILVA, Eduardo; REIS, João José. Op. cit., p. 33. Instruções para a comissão permanente nomeada pelos fazendeiros. In: BRAGA, Greenhalgh H. Faria. De Vassouras: história, fatos, gente. Rio de Janeiro: Ultra-set Ed., 1978. p. 59. 82 físicos, desrespeito aos dias santos, (por serem dias destinados ao cuidado de sua roça ou ao culto de seus santos), etc. Durante o período posterior à transferência da sede administrativa da vila de Paty do Alferes para Vassouras, por mais ou menos quatro anos, os escravos do capitão-mor Manoel Francisco Xavier viviam, segundo o chefe da Guarda Nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, numa espécie de atropelo da ordem senhorial.218 A “anarquia reinou” nos limites da propriedade da Maravilha que, de acordo com a comunicação do chefe da Guarda Nacional ao presidente da Província, estava presenciando espancamentos e mortes de capatazes e outros tantos fatos durante esse espaço temporal.219 Esse período é um momento de instabilidade senhorial e, consequentemente, de instabilidade política, basta salientar que um dos senhores, Joaquim Ribeiro de Avelar, que votou a favor da mudança da sede para Vassouras, um ano depois, apareceu solicitando a anexação de Paty do Alferes ao município de Paraíba do Sul.220 Após a transferência da sede, o isolamento do capitão-mor Manoel Francisco Xavier frente aos outros senhores, indicada na sua decisão de não batizar seus escravos, ocasionou a adjetivação de suas propriedades pelos Wernecks como anárquicas. Mas teria sido esse o motivo da insurreição? No processo de homicídio movido contra o escravo Manoel Congo pela morte dos dois pedestres no confronto com a Guarda Nacional, lhe é perguntado o motivo de terem fugido. Ele apresenta como principal motivação o assassinato de Camilo sapateiro, efetuado por Jacques Crioulo: [...] perguntado porque tinha fugido para o mato, respondeo que em casa de seo senhor houvera huma morte, em hum de seos parceiros, por nome Camilo sapateiro, prespetrada pelo escravo do mesmo senhor, por nome Jacques crioulo, é que sabe que ora o dito Jacques que matara o dito Camilo por este mesmo diser antes de morrer: e que em conseqüência desta morte elle reo e outros sahirão da fazenda da Freguesia e forão para a outra fazenda da Maravilha partici digo, da Maravilha onde se achava seo senhor e lhe participarão o acontecimento, e eu seo senhor respondera que daria as providencias e que fugirão [...].221 218 Comunicação do chefe da guarda nacional ao presidente de província do Rio de janeiro. In: SOUZA, José Antonio Soares de. O efêmero quilombo de Pati do Alferes. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro, n. 295, p. 43, 1972. 219 220 Idem. RAPOSO, Ignácio. História de Vassouras. Niterói: Seec, 1978. p. 35. 83 De acordo com o depoimento de Manoel Congo, logo após comunicarem ao senhor o assassinato de Camilo, o mesmo, por sua vez, ficou de tomar as devidas providências, o que não aconteceu. E, assim, aproveitaram os escravos para fugirem. Mas se ficarmos apenas restritos a esta versão, acabamos por limitar o entendimento sobre a insurreição. A sublevação ocorreu somente após um mês e meio ou dois do assassinato,222 o que demonstra que os cativos aguardaram uma punição do assassino, não ocorrida. Só após verificar que Jacques Crioulo continuava impune foi que a insurreição ocorreu. Ao analisarmos a comunicação do chefe da Guarda Nacional ao presidente de Província durante a insurreição, em 8 de novembro de 1838, é comentada a morte de um escravo ocorrida no mês anterior. Esta informação demonstra que a insurreição não ocorreu em decorrência da notificação do assassinato e, sim, após um período de espera para o cumprimento da promessa. “Há pouco mais de um mês que mataram um parceiro a tiros, e foi, por ordem do capitão-mor, sepultado no maior segredo, e só se soube pela boca pequena que tal crime se havia perpetrado”.223 Ainda sobre essa comunicação é “revelado” que o capitão-mor Manoel Francisco Xavier tratou de “consertar” tudo dentro do maior segredo, sem que fosse levado ao conhecimento das autoridades o assassinato. Assim, ao tentar resolver internamente e sem conseguir atender ou atingir o que esperavam os seus escravos, terminou ocasionando a realização da migração destes cativos, quebrando ou ferindo um costume. Francis Bacon considera que o costume é uma conduta inercial, habitual e induzida,224 enquanto para E. P. Thompson vigora num contexto de normas e tolerâncias sociológicas.225 221 Processo-crime de insurreição, fls 19. Centro de Documentação Histórica (CDH), Universidade Severino Sombra (USS). 222 Comunicação do chefe da guarda nacional ao presidente de província do Rio de janeiro. In: SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 43. 223 Ibidem, p. 45. 224 THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. Tradução Rosaura Eichemberg. 3. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 14. 225 Ibidem, p. 89. 84 O poder de um senhor perante seus escravos poderia correr perigo com a quebra de um costume, quando este abusava dos direitos, ferindo e enfurecendo 226 sua escravaria. O abuso fora o assassinato de Camilo, um afrontamento do costume, entendido como lugar de conflito de interesses. No momento do assassinato, os cativos não só o comunicaram ao capitãomor Manoel Francisco Xavier, como, também, solicitaram medidas que punissem o assassino. A ausência desta ação para amenizar a morte do escravo Camilo provocou na escravaria uma reação. Considerando que a informação provoca reação, podemos considerar a hipótese dos cativos do capitão-mor se utilizarem de o conhecimento do momento político vivido pelo seu senhor para realizar a insurreição. Em vários momentos, o conhecimento enquanto “verdade” é manipulado com o intuito de manter a ignorância do sujeito explorado das coisas alheias à sua rotina para melhor suportar, sem se revoltar, as fadigas e dificuldades de sua vida. 227 Para que não houvesse uma reação em momentos adversos, neste caso tomando a adversidade como o período de isolamento político do capitão-mor após a transferência da sede administrativa, era necessária a ignorância da população 228, que só seria alcançada por meio do controle do discurso “verdadeiro”, 229 cujo objetivo é sempre a exclusão da maior parcela da população da real intenção daquilo que pode ser dito, conhecido ou vivido. No entanto, no processo da insurreição, esse conceito acabou por se mostrar ineficaz. A eficácia não aguardada pelos escravos e executada durante a insurreição foi a reação rápida e articulada das autoridades para capturá-los. Escravos e autoridades, conhecedores dos desdobramentos políticos vivenciados na freguesia de Paty do Alferes, após a transferência da vila, se aproveitaram, cada um à sua maneira, das circunstâncias para alcançarem seus objetivos. Com tal cisão da elite local, é possível que os escravos tenham pensado que os representantes da justiça não acolheriam de imediato o pedido de socorro do capitão-mor 226 Ibidem, p. 96. 227 Ibidem, p. 15. 228 Idem. 229 Manoel Francisco Xavier, em função de estarem rompidos FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. Tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio. 3. ed. São Paulo: Edições Vozes, 1972. 85 politicamente. E, ainda, por defenderem posicionamentos distintos frente a seus escravos. Porém, as autoridades, representadas pelo núcleo familiar Ribeiro de Avelar/Werneck, enxergaram na insurreição a possibilidade de colocar um ponto final nas questões que se arrastavam desde antes da fundação da vila de Paty do Alferes em 1820. Retornando ao que consideramos como quebra do costume, nota-se que para viver em liberdade, caso o sucesso absoluto fosse alcançado, os cativos teriam que viver fora das disciplinas da escravidão. Assim, viveriam de forma contrária aos costumes adquiridos no dia-a-dia da vida escrava. Logo, os insurretos se encontrariam lutando, também no interior de sua própria subjetividade, contra o processo de escravização que sofreram durante a vida. As senzalas funcionavam como um tipo “arcaico” de quartel, no qual todos os escravos dividiam o mesmo espaço acordando na mesma hora, coordenados pelo feitor e se recolhendo no mesmo horário após o dia de trabalho. A escravização se utiliza de vários métodos e um deles é o cumprimento do horário. O escravo começava sua jornada às 5h da manhã, almoçava às 8h, jantava às 13h e ceava às 21 h. 230 Mas antes de começarem a trabalhar, acontecia a divisão dos destinados a cuidar da roça, casa, sem contar com os especializados como os ferreiros, carpinteiros, etc. Essa distribuição mantinha um melhor controle das atividades, sem que ocorresse perda de tempo, e quando acontecia, o escravo era castigado justificando a essência de todos os sistemas disciplinares, 231 que tem no castigo a função de diminuir os desvios.232 Desta forma, o escravo castigado teoricamente não voltaria a cometer o delito que o levou à punição e ainda serviria de exemplo aos demais. Vários foram os exemplos de castigo fornecidos pela escravidão aplicados ao cativo quando infligia alguma regra ou quebrava alguma norma. A utilização do castigo físico disciplinava o considerado “indisciplinado”. Um exemplo dentre muitos é o caso do escravo Januário que durante um dia de serviço demorou-se um pouco mais na senzala e acabou sendo castigado pelo 230 Carta do barão de Pati ao filho. In: BRAGA, Greenhalgh H. Faria. Op. cit., p. 38. 231 FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 149. 232 Ibidem, p. 150. 86 feitor.233 O exemplo do escravo citado demonstra o uso do exercício da violência, que necessita de meios de coerção visíveis para a manutenção do poder 234 e para a continuidade da obediência. O capitão-mor Manoel Francisco Xavier quando castigava demais seus escravos extrapolava no uso da coerção, o que acabou provocando indignação em toda senzala, e assim possibilitando, talvez, uma desordem dentro de suas fazendas em comparação com as outras da localidade. Esse modo de lidar ocasionou o uso do termo “anarquia” por parte das autoridades para descrever o convívio e a situação de sua escravaria e também por ter se voltado internamente para as questões referentes aos seus cativos como a ausência de batismo entre 1835 até o seu falecimento em 1840.235 A insurreição migratória demonstrou uma fissura na disciplina aplicada durante a escravidão, uma descontinuidade da vida diária dos escravos que buscaram a liberdade dentro de um modelo rígido que não possibilitava tamanha insubordinação. Mas ao mesmo tempo em que se buscou essa liberdade longe dos mandos e desmandos de um senhor, em nenhum momento se apresentou uma proposta para a quebra do sistema escravista. Nota-se uma disposição de coabitar dentro desse mesmo modelo com as suas próprias “leis” e com suas liberdades adquiridas por meio da insurreição. A experiência vivida pelos escravos do capitão-mor foi possível em função de o próprio ter quebrado um costume quando prometeu tomar providência após a morte do escravo Camilo e não a cumpriu. 2.1 Análise da comunicação da insurreição dos escravos No momento da insurreição escrava, o presidente da província do Rio de Janeiro, Paulino José Soares de Souza, se encontrava em Vassouras e, dirigia-se à Piraí para participar da comemoração de sua inauguração enquanto vila, marcada para o dia 11 de novembro de 1838. Por meio de um comunicado do chefe da Guarda Nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, datado em 8 do novembro, 233 Processo crime de ofensas físicas; réus: Círio, Antonio Moçambique e outros escravos de Marcelino José d’Avelar. Apud GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro – Século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. 234 FOUCAULT, Michel. Op. cit., p. 143. 235 Livro de Batismo de escravos 2. Paróquia Nossa Senhora da Conceição de Paty do Alferes, Rio de Janeiro. 87 recebia o presidente a informação do ocorrido. Neste documento, encontrava-se, em anexo, a comunicação do juiz de paz de Paty do Alferes, José Pinheiro de Sousa Werneck, recebida anteriormente. Esse anexo trazia a notícia do dia do ocorrido e a quantidade de escravos envolvidos. Além disso, era informado que os escravos insurretos pertenciam ao capitão-mor Manoel Francisco Xavier, proprietário das fazendas da Maravilha e Freguesia, estimando-se um participação de “cento e poucos” escravos. O juiz de paz informava que a fazenda da Maravilha se encontrava “[...] da mais completa anarquia, com muita vivacidade [...]”, 236 o que considerou como o motivo da insurreição. Por sua vez, o chefe da Guarda Nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, utilizou da morte de um escravo para explicar a insurreição: “Há pouco mais de um mês que mataram um parceiro a tiros, e foi, por ordem do capitão-mor, sepultado no maior segredo [...]”. 237 Ainda, na busca de um motivo que justificasse a fuga, citou alguns acontecimentos vivenciados dentro das propriedades do capitão-mor Manoel Francisco Xavier. Em outra ocasião têm sido feridos homens brancos e espancados mortalmente capatazes desta grande fazenda; fatos que o mesmo capitão-mor trata de capear e esconder, e só se sabe por seus fâmulos ou escravos [...]. Tantos fatos sucedidos ultimamente, por espaço de quatro anos [...]. 238 Detendo-se um pouco mais na comunicação das autoridades envolvidas, notamos que o presidente de Província, Paulino Jose Soares de Souza, recebeu a comunicação sobre a insurreição no dia 10 de novembro e, no mesmo dia, enviou uma resposta ao chefe da Guarda Nacional e ao juiz de direito e ao juiz de paz para que tomassem providências quanto ao ocorrido. Logo após, solicitou ao corpo policial localizado em Niterói que enviasse uma força ao local da fuga, “mas não devia de ser muita”.239 Pouco depois de expedir as ordens soube pelos próprios de Vassouras que “[...] a sublevação não inspirava o cuidado que, de início, infundira ás autoridades locais”.240 Assim sendo, o presidente seguiu de volta para a capital, onde comunicou 236 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 43. 237 Ibidem, p. 45. 238 Ibidem, p.43. 239 Ibidem, p. 45. 240 Idem. 88 e justificou ao ministro da Justiça, Bernardo Pereira de Vasconcelos, o seu retorno, após ter recebido notícias satisfatórias em relação à insurreição, considerada por ele “[...] não era negócio que pudesse produzir mui graves receios [...]”. 241 Por fim, no dia 16 do novembro recebeu o comunicado do juiz de direito interino de Vassouras sobre o fim da insurreição. Ambas as autoridades, juiz de paz e chefe da Guarda Nacional, eram taxativas que tal ocorrido só fora possível em função da “anarquia” existente nas fazendas do capitão-mor, a qual durava mais ou menos quatro anos. Portanto, a insurreição era algo já esperado. Mas, no ofício encaminhado pelo chefe da Guarda Nacional ao presidente de Província, nota-se que além da “anarquia” apresentada como responsável pela insurreição dos escravos, o modo como o capitão-mor lidava com seus cativos também foi considerado como causa: “Há pouco mais de um mês que mataram um parceiro a tiros, e foi, por ordem do capitão-mor, sepultado no maior segredo e só se soube pela boca pequena que tal crime se havia perpetrado”. 242 A passagem indica ainda que, esse mesmo senhor, capitão-mor Manoel Francisco Xavier, não comunicava às autoridades os acontecimentos das suas propriedades. Mesmo se encontrando obrigado a informar a insurreição de seus escravos, só a comunicou às autoridades após dois dias do seu início. Essa atitude demonstra o “afastamento” social de Manoel Francisco Xavier, principalmente, após a transferência da vila de Paty do Alferes para Vassouras. Outro dado importante foi a intenção do chefe da Guarda Nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, de provocar uma maior preocupação no presidente de Província, Paulino José Soares de Souza. Baseamos nossa afirmação na seguinte passagem: “Devo previnir a Vossa Excelência que tem este proprietário 500 e tantos cativos; e que no círculo de uma légua existem as fazendas das Pindobas, Pau Grande, Guarabu e Anta, cada uma com mais de 300 [...]”. 243 Mas ao verificarmos as informações contidas na comunicação do juiz de paz, notamos que participaram da insurreição “cento e tantos escravos” 244 do capitão-mor Manoel Francisco Xavier. 241 Ibidem, p. 46. 242 Ibidem, p. 43. 243 Ibidem, p. 44. 244 Ibidem, p. 42. 89 Dessa maneira, podemos afirmar que a maioria dos cativos não participou da insurreição. Ainda analisando as informações do chefe da Guarda Nacional, observa-se a citação de diversas fazendas com grande número de cativos, que em nenhum momento foram alvos dos insurretos. Por meio desse conhecimento, ponderamos mais uma vez sobre a intenção do chefe da Guarda Nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, em alarmar o presidente de Província, Paulino José. Salientamos que a única fazenda “visitada” pelos insurretos fora a de morada do capitão-mor Manoel Francisco Xavier, a Maravilha. O que demonstra que a intenção dos insurretos não era tomar de assalto as outras propriedades. Uma vez que a intenção não era atacar as outras propriedades, então por que uma intensa movimentação das autoridades locais? Sendo que essa mesma insurreição não despertou maiores receios ou cuidados do presidente de Província, o que estaria em jogo? A “euforia” por parte do juiz de paz e do chefe da Guarda Nacional em pôr fim à insurreição se deve à participação dos escravos pertencentes ao capitão-mor Manoel Francisco Xavier. Esse senhor era inimigo político da família Werneck desde os tempos da fundação da vila de Paty do Alferes, quando se posicionou contrário ao desejo do patriarca dos Wernecks, Inácio de Souza Werneck, defensor da implantação da vila dentro dos limites da propriedade do capitão-mor Manoel F. Xavier. Com o surgimento dessa “oportunidade”, os Wernecks se utilizaram dos seus cargos para subjugar um antigo desafeto. Esse anseio fica mais nítido no descumprimento de Francisco Peixoto de Lacerda Werneck do decreto de 6 de julho de 1836. O decreto em questão impunha a autorização do presidente de Província para a mobilização de um destacamento superior a 20 homens. Mesmo com a existência desse decreto, o chefe da Guarda Nacional disponibilizou em 10 de novembro de 1838, uma força composta por mais de 150 homens para atender à solicitação do juiz de paz de Paty do Alferes, José Pinheiro de Sousa Werneck. 245 Após esse primeiro momento de análise das comunicações informando sobre a insurreição, passemos à narrativa do juiz de paz, Jose Pinheiro de Sousa Werneck, sobre a captura dos cativos. 245 Ibidem, p. 47. 90 Segundo o juiz, a mobilização para a captura teve seu início às 6 horas da manhã do dia 11 de novembro. O destacamento foi dividido em duas colunas: esquerda e direita. A coluna da esquerda ficou a cargo do major Jordão e do inspetor de quarteirão José Borges Damasceno, enquanto a da direita estava sob o comando do tenente-coronel Avelar e do próprio juiz de paz. 246 Durante a “caça” dos insurretos, coube à coluna da direita achar a trilha deixada pelos cativos e, posteriormente, encontrar 33 ranchos construídos para pernoitarem. Depois desse primeiro contato com os rastros dos sublevados, essa mesma coluna encontraria mais ranchos e os próprios escravos, após uma “dura marcha de seis léguas em matos agrestes”, ocorrida às 5 horas da tarde. 247 Quando do encontro, um cativo dera o aviso da chegada da tropa e, segundo o juiz de paz “um número de 150 valeram-se das suas armas de fogo e outras cortantes [...], fizeram uma linha, pararam e gritaram: atira caboclos, atira diabos [...]”.248 Dessa forma, foram atingidos quatro pedestres, sendo dois mortalmente e outros dois feridos, um gravemente. No ofício encaminhado pelo juiz de paz ao presidente de Província encontramos essa narrativa: [...] pusemo-nos em seguimento dos negros no dia 11 pelas 6 da manhã, e depois de uma penosa marcha de 6 léguas, pouco mais ou menos, em matos agrestes, encontramos, às 5 horas da tarde, os negros aquilombados à beira de um córrego, os quais, quando nos sentiram postaram-se, uma porção deles que se achavam nos ranchos, em um morro que nos ficava fronteiro, e dali nos receberam, dando-nos uma descarga de mosquetaria, à qual segui-se um forte tiroteio dos nossos, efetuando-se a diligência com morte de sete negros (vistos) e 22 presos, sendo parte deles chumbados; os outros se puseram em debandada total.249 Posteriormente a esse embate, verificamos uma perda de 29 escravos no total dos insurretos. Com a debandada foi deixada para trás toda bagagem, a qual fora apreendida e destruída. Mas antes de sua destruição, fez-se um levantamento que segundo o juiz de paz era composta de: 246 Ibidem p. 48. 247 Ibidem, p. 49. 248 Ibidem, p. 50. 249 Ibidem, p. 61. 91 [...] algumas armas latas de pólvora, uma porção de chumbo, muitos machados, foices grandes e pequenas, uma safra de ferreiro, ferramenta completa de carpinteiro, muitas facas, mais de quarenta caixas com roupas, muita comedoria, carneiros, perus, galinhas, que tudo se achava vivo. 250 Observamos que foram apreendidas algumas armas, talvez não a quantidade que se pensava inicialmente. O próprio juiz utilizou “algumas” para discriminar as armas de fogo do restante da bagagem, enquanto utilizou a terminologia “muitos” para as facas e machados. Comparando essas informações com as contidas no ofício destinado ao juiz de direito interino de Vassouras, Inácio Pinheiro de Sousa Werneck, o juiz de paz substituiu a terminologia “algumas” na hora de informar a quantidade de armas de fogo apreendidas por “diversas”. Essa simples substituição ocasiona um peso maior à quantidade de armas de fogo existentes, uma vez que o próprio não informava a quantidade que fora apreendida, justificada “[...] pelo grande trabalho e pouco espaço de tempo”.251 De acordo com o relato, o confronto iniciou-se às 5 horas da tarde e, após o tiroteio, os escravos foram perseguidos por mais ou menos uma hora 252, ou seja, deixando a entender que até às 6 horas da tarde todos ainda se encontravam dentro da mata. Todavia, se compararmos essa informação com a versão do tenentecoronel Avelar sobre a bagagem dos escravos, nota-se que não é citada a existência de armas de fogo: [...] mais de 20 arrobas de açúcar, [...] vinte galinhas, cinco perus, dois carneiros [...], grande quantidade de utensílios de cozinha, machado, foices, enxadas, cavadeiras, ferramentas de carpinteiro, de ferreiro, uma bigorna, quarenta a cinqüenta caixas com roupa fina e alguma engomada, grande quantidade de periódicos para cartuchame, folhas em que tinham trazidos pólvora, cento e tantas esteiras, numerosas quantidade de mantas de dormir, talvez 60$000 rs.253 O relatório do tenente é bem mais minucioso citando até a quantidade de açúcar, animais, periódicos e folhas utilizadas para o transporte de pólvora. Mas apesar do minucioso detalhamento, a existência de armas de fogo não foi informada, 250 Ibidem, p. 51. 251 Ibidem, p. 51. 252 Ibidem, p. 50. 253 Ibidem, p. 51. 92 e só viemos ter a certeza da existência, quando observamos o interrogatório de Miguel crioulo, que citou o número de 11 armas em poder dos escravos. 254 Ainda analisando as informações do tenente-coronel Avelar, verificamos que foi queimado tudo aquilo que não pôde ser carregado pelos “camaradas”, em função da aproximação da noite. Essa atitude tinha o objetivo de tirar todo e qualquer recurso dos cativos, se esses voltassem ao local do embate para recuperar algum objeto. Assim, com a destruição da bagagem os “camaradas” chegaram à fazenda do capitão Carlos de Almeida Jordão255 às “ave-marias”.256* Enfim, com o recuo da tropa para pernoitar, somente no dia seguinte fora realizada a retirada dos dois corpos dos pedestres mortos. Essa nova expedição estava composta por uma escolta de 60 homens, os quais, além de retirar os corpos, buscavam por mais cativos e encontraram dois feridos nas pernas. Em ofício encaminhado ao ministro da Justiça, o juiz de direito informava o resultado do embate do dia 11 de novembro e as consequências para ambos os lados. E, notamos, mais uma vez, a utilização de “algumas” para discriminar a existência de armas de fogo. Mas em nenhum momento nas comunicações das autoridades é afirmado o número exato dessas armas de fogo. Ao compararmos a quantidade de escravos com o número de armas informado por Miguel Crioulo (11), notamos que mais de 90% dos cativos não se encontravam armados. Assim, ponderamos sobre a inferioridade dos insurretos frente aos mais de 150 homens da força de captura, os quais, com certeza, se encontravam armados. Essa comparação é interessante, pois demonstra que o embate não fora tão difícil para a força de captura. Além dos escravos terem um menor número de armas de fogo, uma parte dos insurretos era composta por mulheres. Outro dado se refere à dispersão dos cativos, pois muitos estavam ocupados construindo ranchos para pernoitarem e outros caminhavam mais a frente realizando picadas para facilitar a caminhada. Pela relação dos objetos levados pelos insurretos, é possível levantar a hipótese de que a rebelião foi bem preparada. 254 Apud PINAUD, João Luiz Duboc. Insurreição negra e justiça. Rio de Janeiro: Ed. Expressão e Cultura – Exped Ltda., 1987. p. 49. 255 Fazenda em que pernoitaram. 256 SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 51. * Às 6h da noite. 93 No dia 12 de novembro de 1838, houve outra comunicação entre o juiz de paz, José Pinheiro de Sousa Werneck e o juiz de direito interino de Vassouras, Inácio Pinheiro de Sousa Werneck, informando que os escravos tinham tudo para estabelecer uma fazenda.257 E, aproveitando o momento, informava a quantidade de escravos envolvidos na fuga: “[...] sim, mais de duzentos”. 258 Na comunicação do capitão-mor Manoel Francisco Xavier, endereçada ao juiz de paz, José Pinheiro de Sousa Werneck, foi informado que oitenta e poucos escravos haviam fugido na primeira noite e, após o ataque à fazenda da Maravilha, esse total passou a ser de “cento e tantos”. 259 Por sua vez, o juiz de paz informava no dia 12 de novembro que o total de insurretos superava duzentos. Teria essa insurreição a participação de cativos de outros senhores? Essa dúvida é sanada com o interrogatório feito ao escravo Epifâneo, propriedade de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar,260 no processo de insurreição. Durante o interrogatório dos dois processos decorrentes da insurreição, os escravos ouvidos informaram que a quantidade em sublevação era mais ou menos “duzentos e poucos”. Esse total era a soma de todo o grupo que contava com a participação de cativos de outras fazendas. Por sua vez, na comunicação entre os Wernecks, juiz de paz (José Pinheiro de Sousa Werneck – e juiz de direito interino (Inácio Pinheiro de Sousa Werneck), era informada uma quantidade acima da constatada pelo próprio capitão-mor em relação a seus escravos: “Faltam ao capitão-mor 250 a 300 escravos de um e outro sexo [...]”. 261 Por que um aumento no número de escravos do capitão-mor Manoel Francisco Xavier? Estaria escondendo a participação dos cativos de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar? Ou seria uma maneira de justificar a mobilização da guarda nacional junto ao presidente de Província, que por sua vez comunicou o ocorrido ao ministro da Justiça? Em outro ofício endereçado ao ministro da Justiça, Bernardo Pereira de Vasconcelos, pelo presidente de Província Paulino José Soares de Souza, era solicitado: “[...] averiguar cuidadosamente a origem e causa da sua sublevação, e 257 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 51. 258 Idem. 259 Ibidem, p. 42. 260 Processo de insurreição, fls 32. CDH, USS. 261 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 52. 94 punir os seus autores.262 Esse pedido demonstra que Paulino José não acatou de imediato a justificativa dada para explicar a insurreição. A “anarquia” nas propriedades do capitão-mor Manoel Francisco Xavier foi utilizada tanto pelo juiz de paz, José Pinheiro de Sousa Werneck, quanto pelo chefe da guarda nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, como um dos motivos da sublevação dos cativos. Mas ao verificarmos a opinião sobre a insurreição do presidente de Província, Paulino José, diz que: “a sublevação não inspirava o cuidado que, de início, infundira ás autoridades locais”.263 No mesmo dia em que participou ao ministro da Justiça, Bernardo Pereira de Vasconcelos, as informações e atitudes tomadas frente ao sucedido, o presidente de Província, Paulino José, redigiu uma portaria encaminhada ao juiz de paz. Primeiramente, agradeceu todo o zelo e a forma como cuidou do evento, para em seguida, solicitar esse mesmo zelo para perseguir e aprisionar os escravos que não foram capturados no dia 11 de novembro. Tal solicitação soa como um “puxão de orelha” do presidente: “Agora, porém, cumpre que Vossa Mercê continue a empregar esse mesmo zelo e atividade em perseguir e apreender os escravos que se debandaram [...]”.264 Ainda, na mesma portaria, solicitou uma apuração mais minuciosa, a fim do Governo formar um juízo definitivo de todo o acontecimento. 265 O juízo do Governo só foi apresentado no relatório de 1839 e 1840: Se exceptuarmos alguns porquês desaguisados que tem ocorrido em vários municípios da província, nascidos de intrigas próprias de povoações pequenas, e do abuzo com que alguns juizes de paz se servem da terrível arma da pronuncia em satisfação de ódios e ressentimentos particulares, e bem assim os acontecimentos ocorridos em novembro próximo passado na fazenda do capitão mor Manoel Francisco Xavier, na freguesia do Paty do Alferes, cujos escravos em grande numero se insubordinarão e fugirão, aquilombando-se nos mattos onde forão perseguidos logo, e presos, sendo depois devidamente castigados, pode assegurar-se que toda a província tem gozado a mais profunda tranqüilidade.266 262 Ibidem, p. 60. 263 Ibidem, p. 45. 264 Ibidem, p. 68. 265 Ibidem, p. 68. 266 Relatório do presidente da província do Rio de Janeiro, o conselheiro Paulino José Soares de Souza, na abertura da 2ª sessão da 2ª legislatura da Assembleia Provincial, acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de 1839 a 1840. 2. ed. Niterói: Typ. De Amaral & Irmão, 95 Finalmente, o presidente de Província se colocava frente ao ocorrido afirmando que tudo não passava de intrigas e abuso da autoridade por parte do juiz de paz para solução de problemas particulares. Apesar de Paulino José Soares de Souza criticar a ação do juiz de paz de Paty do Alferes durante a sublevação, o seu tom é de censura a todos os juízes de paz que se utilizavam de a função em proveito particular. Ao se reportar à insurreição, o então presidente de Província tentava minimizar o ocorrido ao descrevê-lo da seguinte forma: “Se exceptuarmos alguns porquês desaguisados que tem ocorrido em vários municípios da província, nascidos de intrigas próprias de povoações pequenas”.267 A posição escolhida pelo juiz de paz desagrada tanto, que logo no início de seu relatório critica o juiz de Paty do Alferes por se utilizar de o poder a ele delegado para resolver questões de ressentimentos particulares. Ainda, utilizando-se de sua crítica para destacar a eleição desta mesma autoridade pelos mesmos partidos políticos “cujos excessos he mister reprimir”.268 Salientamos que, além de criticar o juiz de paz, Paulino José aproveitava para reforçar seu posicionamento a respeito do projeto de centralização do poder. O Alvo de suas críticas, o juiz de paz, era uma das peças do projeto federalista que militava pela descentralização do poder. Assim, Paulino José Soares de Souza ao mesmo tempo em que recriminava o juiz de paz de Paty do Alferes, questionava a efetividade do cargo objetivando atingir o projeto federalista. Por isso, durante todo o seu relatório se volta em críticas aos juízes de paz dos municípios, como observado nesta passagem: [...] e a falta de providencias de alguns juízes de paz e de meios facceis e promptos para os perseguir a tempo, são na minha opinião, alem de outras causas geraes de impunidade, os principaes motivos, porque sendo alias tão freqüente esse delicto, são tão poucas vezes punidos os seus autores. 269 1851. Disponível em: http://www.nd.edu/~kic/brazil/jain.html. Acesso em: 2 de julho de 2008. 267 Idem. 268 Idem. 269 Idem. 96 Em outra passagem, a crítica é sobre a eleição desses juízes: “[...] Se as eleições não deparão hum juiz de paz activo e intelligente, pouco ou nada aproveita a acção do juiz de direito, que não obra por si, e cujas funcções se limitão a recommendações muitas vezes extereis, em comarcas summamente extensas”. 270 Nota-se que o presidente iniciou seu relatório questionando e atacando o juiz de Paz de Paty do Alferes, ao mesmo tempo em que criticava os juízes de paz da província como uma forma de atingir o projeto federalista. Uma insurreição considerada de tão grande magnitude pelo juiz de paz, nunca poderia ter sido destruída com uma busca, como ocorrera. A princípio contava com mais de duzentos escravos que após o primeiro confronto sofreram uma baixa de 29 pessoas, sendo sete mortos e 22 presos. Diante dessa informação e da ausência de uma nova busca, ficam duas questões: todo o evento teria sido exatamente como informado ao presidente de Província? Sendo afirmativa a resposta, por que a ausência de outra busca após toda a mobilização de mais de 150 homens? 2.2 Repercussão da insurreição A insurreição escrava gerou grande repercussão nos periódicos da Corte. Algumas matérias informavam a população sobre o ocorrido que, segundo as autoridades, colocou toda a região em estado de alerta. De acordo com as mesmas, o medo era que a sublevação chegasse a outras fazendas. Mas lembremos que não houve ataque a nenhuma outra propriedade. Durante o mês de novembro de 1838, uma matéria em especial nos chamou a atenção. No dia 30, o jornal Sete d’Abril publicou, a pedido, um artigo de um fazendeiro com o pseudônimo “Um vizinho do capitão-mor, não influente no lugar”. O artigo visava pôr um ponto final nos rumores publicados no jornal O Chronista. Durante esse mesmo mês, o jornal havia informado que os efeitos da insurreição tinham aumentado em função das intrigas entre os fazendeiros. 271 Por sua vez, a matéria do Sete d’Abril dizia: Os escravos do capitão-mor Manuel Francisco Xavier são conhecidos, desde muito tempo, por desordeiros e levantados; têm dado já a morte a muitos capatazes e outros parceiros, e parece que mesmo bem perto da residência do 270 271 Idem. Periódico O Chronista Apud GOMES, Flávio dos Santos. Op. cit., p. 199. 97 senhor. Que vizinho influente, pois, poderia contribuir para semelhante acontecimento? É provável que esse vizinho influente também tenha escravos; e poderia querer tão funesto exemplo, ainda mesmo, supondo que se tratava de uma simples fuga? Os motivos devem ser procurados no tratamento que dá o capitão-mor a seus escravos, umas vezes afagando-os demais, outras lhes dando extravagantes castigos, sem que, por uma e outra coisa, tenha havido antecedente que o justifiquem; deixando matar a seus olhos os seus mesmos capatazes, sem tomar providência alguma. Se o capitão-mor tratasse de exercer uma polícia vigilante nas suas fazendas, castigando e premiando com circunspecção, certamente nem tivera sofrido semelhante desgosto, e nem hoje tão escandaloso fato seria imputado a seus vizinhos (grifo nosso). 272 No artigo, o autor chama a atenção para o fato de não haver interesse por parte de nenhum vizinho influente em contribuir para tal acontecimento (insurreição). Para o autor, o motivo da insurreição era a forma como o capitão-mor Manoel Francisco Xavier tratava seus cativos: “[...] umas vezes afagando-os demais, outras lhes dando extravagantes castigos [...]”. 273 Essa publicação objetivava responsabilizar o capitão-mor Manoel Francisco Xavier pela insurreição frente aos leitores da Corte. O artigo era uma forma de silenciar os rumores em torno das disputas locais e, ainda, apresentar o responsável. Dessa forma, a opinião pública julgaria e condenaria apenas o capitãomor, como se a insurreição tivesse contado apenas com os seus escravos. Lembremos a participação dos cativos de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar, 274 proprietário do escravo Epifâneo Moçambique, 275 considerado pelos próprios insurretos como um dos líderes. Este escravo foi citado nos depoimentos de vários cativos no processo condenatório, mas sequer fora indiciado. Mariana Crioula informou que quando chegou ao mato “[...] lá achara um preto de nome Epifâneo de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar, que já se achava com uma porção de pretos da casa de seu senhor, e que o dito Manuel Congo entregara ao sobredito Epifâneo a ela e as outras, a fim dele Epifâneo as governar [... ]”.276 Retornando para a publicação do jornal O Sete d’Abril, notamos a intenção de transformar a opinião pública em julgadora do capitão-mor Manoel Francisco Xavier, 272 O Jornal O Sete d’Abril. Apud Ibidem, p. 200 (grifo nosso). 273 Idem. 274 Ver primeiro capítulo. 275 Único escravo de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar preso, mas não indiciado. Epifâneo prestou depoimento no dia 23 de novembro de 1838 e, após esta data, não se encontra nenhuma referência deste cativo no processo de insurreição, apesar de ser apontado pelos próprios insurretos como um dos líderes. 276 Processo crime de insurreição, fls, 53v. CDH, USS. 98 o que seria para Barthes “o espírito majoritário, o consenso do pequeno burguês, a voz do natural, a violência do preconceito”.277 Funcionando como um sensor, a opinião pública serviria, ainda, para testar a forma de tratamento defendida pelo autor do texto. Segundo ele (autor), a melhor maneira seria: castigando e premiando com circunspecção. Procurando elementos “indiciários”278, que podem levar a uma compreensão mais ampla ou até mesmo levantar suspeitas sobre determinado evento, buscaremos discutir as particularidades apresentadas no texto publicado no periódico Sete d’Abril pelo vizinho do capitão-mor. Começando pelo próprio pseudônimo.279 O que estaria escondendo ao se posicionar como não influente? Seria este vizinho exatamente o contrário, ou seja, influente? O texto apresentado no periódico apresenta alguns posicionamentos do capitão-mor Manoel F. Xavier para com sua escravaria: “[...] umas vezes afagandoos demais, outras lhes dando extravagantes castigos, sem que, por uma e outra coisa, tenha havido antecedente que o justifiquem [...]”. Mas, o tratamento apresentado como sendo do capitão mor é uma descrição do autor do texto, que na escolha das palavras se posicionava em relação à forma de lidar com os escravos. Para ele, os escravos deveriam ser tratados exercendo uma polícia sempre vigilante ao mesmo tempo castigando e premiando com prudência. Mas como se aplicaria tal exemplo na prática do dia-a-dia dos escravos? Para o exemplo do castigo não faltam penalidades aplicadas aos escravos que, de alguma forma, se sublevavam. Mas como seria premiar um escravo? Na busca de indícios que possam responder como um escravo poderia ser premiado, analisamos o manual escrito pelo barão de Pati do Alferes, Francisco Peixoto Lacerda Werneck, direcionado ao seu filho recém chegado da Europa e sem nenhuma experiência de como lidar com os escravos. 280 Esse manual apresenta 277 BARTHES, Roland. Aula. Tradução Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix, 1977. p. 58. 278 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. Tradução Federico Carotti. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 279 Prática comum utilizada pela grande imprensa nas matérias pagas durante o século XIX. 280 Carta do barão de Pati do Alferes ao filho. Apud BRAGA, Greenhalgh H. Faria. Op. cit., p, 37. * Como uma conduta inercial, habitual e induzida, segundo Francis Bacon . In: THOMPSON, E, P. Op. cit., p. 14. 99 alguns modelos de premiação que, na realidade, tem como objetivo doutrinar o cativo para que não se torne insubordinado. Para o barão, o escravo deveria ter o domingo e dia santo e, ainda, ouvir a missa quando possível, desde que realizada na fazenda. O objetivo era doutrinar o escravo na passividade, utilizando-se principalmente da confissão religiosa como principal instrumento para alcançar o sucesso da obediência cega do escravo ao seu senhor. O fazendeiro, segundo o barão, deveria sempre que possível destinar aos cativos um pedaço de terra para que pudessem cultivar sua própria roça. Achava que o próprio fazendeiro deveria comprar a colheita do escravo para que não houvesse extravios e mau comportamento nas tavernas com o dinheiro arrecado. Ou ainda, uma possível barganha com terceiros. Mas,ao mesmo tempo em que doutrinava o escravo, não estaria o proprietário criando, por assim dizer, um costume*? No caso de uma não observância destes “direitos” isso poderia certamente levar o escravo a um estado de insubordinação. Ainda no manual do barão de Pati do Alferes destinado ao filho, é ensinado que o senhor não deve deixar o escravo passar por extremo aperreamento, cuja consequência seria uma inclinação para o “mal”. Em suas palavras “o senhor deve ser severo, justiceiro e humano”. A demasiada severidade ou frouxidão excessiva torna o escravo um inimigo de seu senhor. Aquele apenas deveria ser castigado quando cometesse alguma infração considerada como crime, sendo o castigo aplicado pelo senhor proporcional ao delito cometido. O que para Carlos Engemann equivale dizer “[...] que a postura senhorial poderia ser crucial na decisão coletiva de rebelar-se ou negociar a vida”.281 O manual deixado para o filho nos sugere uma relação de paternalismo do senhor para com os seus escravos. Mas, o próprio termo pressupõe uma relação de calor humano, conforme apresentou Thompson: “[...] o termo não consegue escapar de implicações normativas: sugere calor humano, numa relação mutuamente consentida [...]”.282 Então, como utilizá-lo na escravidão? Como explicar tanto o Brasil quanto os Estados Unidos que trilharam o caminho do paternalismo para controlar e civilizar o microcosmo da plantation?283 281 ENGEMANN, Carlos. Op. cit., p. 157. 282 THOMPSON, Edward Palmer. Op. cit., p. 30. 283 ENGEMANN, Carlos. Op. cit., p. 155 100 Na relação pai e filho, o pai tem consciência de seus deveres e responsabilidades para com o filho, enquanto o filho é submisso ou complacente na sua posição.284 Excluindo desta relação o calor humano, ela se torna aplicável na relação senhor escravo. Como? Voltando ao manual, encontra-se o reconhecimento dos deveres e das responsabilidades do senhor para com os seus escravos: “no domingo de manhã, devem vestir roupa lavada [...], o senhor deve ser severo, justo e humano, [...] o senhor deve fazer sua revista à enfermaria para animar os doentes e dar-lhes alívio [...] reservar um bocado de terras onde façam suas roças”. 285 Assim, durante a maior parte do século XIX, principalmente a partir do final da década de 1830, o Brasil “produziu senhores um tanto ciosos do trato com suas escravarias, não por benevolência, mas porque a sobrevivência desta como instituição dependia disto”. 286 Por que chamar a atenção para o manual escrito em momento posterior pelo barão de Pati do Alferes? Em função de alguns pontos que observamos estarem presentes nesse manual. Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, durante a insurreição, ainda não era detentor do título de barão de Pati do Alferes. Na verdade, Francisco exercia nessa época a função de chefe da Guarda Nacional. Portanto, encontrava-se envolvido diretamente na captura dos insurretos que contavam com a participação mais ou menos oitenta cativos287 de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar, seu cunhado.288 Voltemos à carta do vizinho. Nela, destacamos algumas passagens, como: “umas vezes afagando-os demais, outras lhes dando extravagantes castigos” e “[...] castigando e premiando”.289 Essas passagens apresentam pontos em comum com os posicionamentos apresentados no manual: “Nem se diga que o preto é sempre inimigo do senhor; isto só sucede com os dois extremos: demasiada severidade, ou 284 THOMPSON, Edward Palmer. Op. cit., p. 30 285 Carta do barão de Pati do Alferes ao filho. Apud BRAGA, Greenhalgh H. Faria. Op. cit., p. 36-37 (grifo do autor). 286 287 ENGEMANN, Carlos. Op. cit., p. 156. Conforme informação dos próprios escravos nos depoimentos no processo condenatório. 288 Maria Isabel de Assumpção, irmã de Paulo Gomes, era casada com Francisco Peixoto de Lacerda Werneck. Ver: SILVA, Eduardo. Barões e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. 289 O jornal O Sete d’Abril. Apud GOMES, Flávio dos Santos. Op. cit., p. 200. 101 frouxidão excessiva, [...]”,290 em outra parte é ensinado quando castigar o escravo: “o negro deve ser castigado quando comete crime: o castigo deve ser proporcional ao delito: [...]”.291 Não é a intenção afirmar que o responsável pela carta publicada tenha sido o então chefe da Guarda Nacional e vindouro barão de Pati do Alferes, e, sim, apresentar os indícios que propiciaram a análise no sentido da proximidade entre os dois autores, e que as divergências entre os senhores locais ganharam as páginas da imprensa da época. Ainda observando a repercussão da publicação do O Sete d’ Abril pelo senhor vizinho, o periódico O Chronista de 1º de dezembro de 1838, responde: O vizinho julga as seriedade do negócio pelo susto que incutiu em diversos municípios. Isto é verdade: as pessoas da Corte que tiveram notícias do movimento assustaram-se [...] e confessamos que fomos desse número; o governo provincial assustou-se e temeu pela segurança pública, e ainda teme, porque muito desses escravos se acham ainda no mato, podem formar quilombo, e todos nós sabemos o que são quilombos; até o governo geral assustou-se, e tanto que mandou um forte destacamento, que voltou imediatamente que chegou ao lugar do movimento. Ora, não queremos crer que o governo geral mandasse essa tropa unicamente para mostra-se, e a sua retirada indica que as cousas não eram tão feias como se pintavam, e que o negócio é todo da competência dos capitães-do-mato. As notícias exageradas, Senhor Vizinho, causaram o susto.292 O forte destacamento enviado pelo governo geral se refere à ajuda do corpo policial solicitada pelo presidente de Província, Paulino José Soares de Souza, e comandada pelo tenente-coronel Luís Alves de Lima e Silva, vindouro duque de Caxias. Essa força era composta por cinquenta praças de municipais Permanentes. A tropa no dia 14 de novembro já se achava na localidade da insurreição, mas não a tempo de combater os insurretos. Apenas trouxe mais boatos ao informar ao juiz de direito interino que os escravos insurretos estavam de conluio com os cativos da fábrica de pólvora,293 o que não se comprovou. 294 Restringiu, assim, a participação da tropa comandada pelo tenente-coronel Lima e Silva. 290 Carta do barão de Pati de Alferes ao filho. Apud BRAGA, Greenhalgh H. Faria. Op. cit., p. 37 (grifo do autor). 291 Ibidem (grifo nosso). 292 Periódico O Chronista. Apud GOMES, Flávio dos Santos. Op. cit., p. 225. 293 A fábrica de pólvora ficava localizada na região do Pilar no recôncavo da Guanabara, atualmente Município de Duque de Caxias 294 SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 53-54. 102 Dessa vez, a matéria publicada em resposta ao vizinho não influente, utilizou de a mesma “arma” apresentada anteriormente, o sensor da opinião pública. Portanto, O Chronista colocava um ponto final na discussão que iniciou ao noticiar o aumento das consequências da insurreição como fruto de intrigas dos fazendeiros locais.295 3 O Julgamento [...] que tem ocorrido em vários municípios da província, nascidos de intrigas próprias de povoações pequenas, e do abuzo com que alguns juizes de paz se servem da terrível arma da pronuncia em satisfação de ódios e ressentimentos particulares, e bem assim os acontecimentos ocorridos em novembro próximo passado na fazenda do capitão mor Manoel Francisco Xavier, na freguesia do Paty do Alferes, cujos escravos em grande numero se insubordinarão e fugirão, aquilombando-se nos mattos onde forão perseguidos logo, e presos, sendo depois devidamente castigados, pode assegurar-se que toda a província tem gozado a mais profunda tranqüilidade. 296 Analisando o relatório do presidente da província do Rio de Janeiro, 297 elaborado para abertura da 2ª sessão da 2ª legislatura da Assembleia Provincial, verificamos a apresentação de explicações sobre os acontecimentos ocorridos nos municípios, em especial na Vila de Vassouras – Paty do Alferes. O evento a que se referia era a insurreição de escravos. Nesse mesmo relatório era realizada uma dura crítica sobre o abuso no exercício da função pelos juízes de paz que se utilizavam do cargo para resolver problemas particulares. Verificamos que logo após a insurreição de 1838 foram abertos e concluídos dois processos, que segundo o estudo apresentado por Pinaud 298, não passaram de uma “vestimenta dada a uma decisão já direcionada”. 299 A decisão de culpar um único “responsável” pela insurreição foi o fator norteador na apuração dos fatos. Os julgamentos foram comandados pelo juiz Inácio Pinheiro de Sousa Werneck, que substituía o juiz titular. A substituição de um juiz era algo natural no 295 Periódico O Chronista Apud GOMES, Flávio dos Santos. Op. cit., p. 199. 296 Relatório do presidente da província do Rio de Janeiro, o conselheiro Paulino José Soares de Souza, na abertura da 2ª sessão da 2ª legislatura da Assembleia Provincial, acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de 1839 a 1840. 2. ed. Niterói: Typ. De Amaral & Irmão, 1851. Disponível em: http://www.nd.edu/~kic/brazil/jain.html. 297 Idem. 298 PINAUD, João Luiz Duboc. Op. cit. 299 Ibidem, p. 27. 103 século XIX e ocorria de acordo com os interesses dos senhores locais. Richard Graham indica que em apenas 25% das ocasiões contava-se com a presença do juiz titular,300 o que se transformava numa possibilidade de substituição em harmonia com o interesse em jogo. Outro fator contundente para confirmar o direcionamento da condenação, é a não aplicação do artigo 113 do Código Criminal do Império do Brasil, de 16 de dezembro de 1830, ao escravo Epifâneo Moçambique, apontado pelos insurretos como um dos “cabeças” da insurreição. Julgar-se-á cometido este crime, reunindo-se vinte ou mais escravos, para haverem a liberdade por meio de força. Penas – aos cabeças – de morte no grau máximo: de galés perpetuas no médio e por quinze anos no mínimo; - aos mais – açoutes. 301 Conforme o artigo 113, aos “cabeças” pelo crime de insurreição a pena era a morte. E então, como explicar a não condenação do escravo Epifâneo Moçambique, considerado pelos próprios cativos como o responsável pela fuga juntamente com Manoel Congo? Nos depoimentos apresentados pelas escravas no dia 31 de janeiro de 1839, quando perguntadas sobre os “cabeças” da insurreição, responderam: Mariana Crioula citou Manoel Congo e Epifâneo Moçambique como os cabeças: Rita Crioula também citou os dois anteriores; Lourença Crioula também os citou; Brisida Crioula acusou Manoel Congo e outros escravos; Joana Mufumbe acusou Manoel Congo como responsável pelo Primeiro disparo do confronto com a Guarda Nacional; Josefa Angola acusou Manoel Congo; Emília Conga Acusou Manoel Congo e Epifâneo Moçambique.302 Mas verificando o primeiro depoimento dessas mesmas escravas no processo de insurreição, concluído em 5 de dezembro de 1838, todas foram suspeitamente unânimes ao citarem o nome de Manoel Congo como um dos “cabeças”. Na relação 300 GRAHAM, Richard. Construindo uma nação no Brasil do século XIX: visões novas e antigas sobre classe, cultura e estado. Diálogos. Revista do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá, Maringá, p. 21, 2001. 301 RIBEIRO, João Luiz. No meio das galinhas as baratas não têm razão: a lei de 10 de junho de 1835 – os escravos e a pena de morte no Império do Brasil: 1822-1889. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 29. 302 Processo-crime de insurreição, segundo interrogatório da escrava Emília Conga, fl. 60 v. CDH, USS. 104 de nomes apresentada pelas cativas, encontramos ainda: João Angla, Vicente Moçambique, Manoel Pedro, Evaristo Benguela e Noberto Cabinda. Já nos depoimentos das cinco testemunhas utilizadas durante todo o processo de insurreição, em nenhum momento houve uma troca na ordem dos nomes apresentados como os responsáveis pela insurreição: Manoel Congo – rei – e Mariana Crioula – rainha –; Justino Benguela; Antônio Magro; Pedro Dias; Adão; Belarmino Congo; Miguel Crioulo; Canuto; Afonso Angola; Rita Crioula; Lourença; Brizida; Joana Mufumbe; Josefa Angola e Emília Conga.303 Com essas informações que corroboram para explicar como ocorreu a “vestimenta” dos processos, salientamos a prisão do escravo Epifâneo Moçambique, propriedade de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar, no dia 19 de novembro, e seu interrogatório no dia 23 de novembro de 1838, 304 quando citou vários escravos de propriedade do capitão-mor Manoel Francisco Xavier como “cabeças” da insurreição. Com o termo de conclusão da primeira fase dos depoimentos, findado em 15 de dezembro de 1838, o juiz de paz José Pinheiro de Souza Werneck indiciou todos os escravos capturados no artigo 113 do Código Criminal, ou seja, acusados pelo crime de insurreição, exceto o escravo Epifâneo Moçambique. Por quê? O artigo em questão considerava o envolvimento de vinte ou mais escravos em movimentos que buscavam a liberdade por meio de força. O próprio Epifâneo disse que se encontrava “a pe do quilombo em hum morro de frente cortando palmitos”.305 Observando o artigo que considera o crime de insurreição, todos os escravos deveriam ser indiciados, o que demonstra parcialidade na aplicação do mesmo na conclusão do juiz de paz José Pinheiro de Sousa Werneck. O processo de insurreição mostra que somente os escravos de propriedade de Manoel Francisco Xavier foram encaminhados para cadeia pública da vila em Vassouras,306 deixando claro um destino diferente para Epifâneo Moçambique. Na sessão realizada no dia 31 de dezembro de 1838, na sala do júri, o juiz interino Ignácio Pinheiro de Sousa Werneck ao indagar o réu Pedro Dias sobre a 303 304 Ibidem, fls. 6-15. Ibidem, fls. 32. 305 Processo-crime de insurreição, interrogatório do escravo Epifâneo Moçambique, fl. 32 v. CDH, USS. 306 Processo-crime de insurreição, fl. 34. CDH, USS. 105 fuga, demonstrava que considerava Epifâneo como um dos “cabeças” da insurreição: Proguntado o que fes o Epifânio quando chegou com Manoel Congo, respondeo que chegara e tomara conta do governo deles todos: Proguntado se pretendião [...] digo se Manoel Congo e Epifâneo disião que pretendião voltar para casa ou irem de huma vês, respondeo que não sabia [...]. 307 Essa mesma pergunta se repetiu ao réu Miguel Crioulo, 308 o qual afirmou que quem governava era Epifâneo e Manoel Congo. 309 Esse mesmo relato pode ser observado no depoimento de Mariana Crioula, Rita Crioula, Lourença Crioula e Emília Conga.310 As informações apresentadas, além de configurarem a parcialidade na aplicação do Código Criminal, demonstram o direcionamento do processo para a condenação dos escravos de Manoel Francisco Xavier. A condenação desses cativos seria uma forma de punir o capitão-mor Manoel F. Xavier pelos “problemas” trazidos a então vila de Nossa Senhora da Conceição de Paty do Alferes. Portanto, esse senhor estava sendo condenado não só pela insurreição, como também pelas suas atitudes durante a curta vida da efêmera vila de Paty do Alferes. Por se encontrar envolvidas em disputas senhoriais, as autoridades não sentiram a necessidade de uma apuração minuciosa dos fatos. Segundo Pinaud, o direcionamento do processo ocasionou: [...] a desnecessidade de efetiva apuração dos fatos e o contorno, através de atos nulos, de todas as exigências de segurança processual, na forma da lei então vigente [...]. dispensando, inclusive, as apurações preliminares, como levantamento do Quilombo, apreensão das armas utilizadas e dos objetos furtados, perícia na fazenda arrombada, etc.311 307 Processo-crime de insurreição, segundo interrogatório do escravo Pedro Dias, fl. 47. CDH, USS. 308 O mesmo escravo aparece com o nome de Miguel Viado durante o processo de Insurreição. 309 Processo-crime de insurreição, segundo interrogatório do escravo Miguel Crioulo, fl. 50. CDH, USS. 310 311 Processo-crime de insurreição. CDH, USS. PINAUD, João Luiz Duboc. Op. cit., p. 56. 106 O descumprimento do artigo 134 da lei processual, o qual exigia o exame de corpo de delito para infrações que deixassem vestígios, 312 não verificada no processo em questão, demonstra mais uma vez o não cumprimento da lei na elaboração do processo de insurreição. Uma outra infração durante o andamento do processo, fora a entrega dos dois libelos, um pelo crime de homicídio e outro pelo de insurreição, ao escravo Manoel Congo antes mesmo do próprio ter o seu curador. O que faria um escravo analfabeto com os libelos? Ele sem o seu curador apresentaria a contradição? Manoel Congo era conhecedor que teria de apresentar sua contradição dos libelos três dias antes do julgamento? Mesmo que o escravo fosse conhecedor dos trâmites jurídicos não seria possível a entrega da contradição dentro do período, pois Manoel Congo recebeu os libelos no último dia do prazo, ou seja, no dia 23 de janeiro de 1839. No libelo referente ao crime de homicídio, encontramos: P. que o reo Manoel Congo escravo do Cap. Mor. Manoel Francisco Xavier abuzando da bondade de seu Sr. [...] P. que, pelo dito dastes verifica-se que hindo a forsa armada os bater a fim de serem punidos com as penas da lei; o dito escravo. Manoel Congo despara huma espingarda no pedestre Constantino Francisco de Oliveira, que ali ficara morto. P. que nos melhores de Direito e a vista da forticima prova dos autos, hade o reo Manoel Congo ser condenado no grão máximo do atr. 192. do código Criminal.313 Já no libelo pelo crime de insurreição: P. q o R. Manoel Congo não só commeteo o Crime de morte, pelo qual foi sentenciado a pena última em outro processo q a este recto, e respeitoso Tribunal subio para ser julgado como o de insurreição, sendo d’esta hum dos principais cabeças [...] (grifo nosso).314 Estudando os dois libelos é encontrada mais uma incoerência cometida pelo juiz interino Inácio Pinheiro de Souza Werneck. De acordo com as informações contidas no libelo de insurreição, o escravo Manoel Congo já se encontrava condenado pelo crime de homicídio do pedestre Constantino Francisco de Oliveira. A condenação ocorreu antes do seu interrogatório, realizado somente no dia 26 de 312 Idem. 313 Processo-crime homicídio, p. 16 e 16v. CDH, USS. 314 Processo-crime de insurreição, p. 39v. (grifo do autor). CDH, USS. 107 janeiro de 1839.315 Neste mesmo dia aconteceu a nomeação do seu curador dr. Alexandre Joaquim de Siqueira: “Nomeio para curador do Reo Manoel Congo ao Snr. Doutor Alexandre Joaquim de Siqueira. Vassouras 26 de janeiro de 1839”. 316 Com a nomeação do curador e a entrega do libelo ao escravo no dia 23 de janeiro de 1839, não houve o cumprimento do artigo 254 317 do código que estipulava um prazo de três dias, pelo menos antes do julgamento para a defesa apresentar uma resposta ao libelo. Como entregar uma resposta três dias antes do julgamento se o curador fora nomeado no dia do julgamento?318 Se observarmos como ocorreu a entrega do libelo e a nomeação do curador, o escravo Manoel Congo não poderia ter sido condenado e, muito menos, ao grau máximo pelo crime de homicídio. E, verticalizando um pouco mais nossa observação, a decisão condenatória do júri no dia 20 de janeiro de 1839 não poderia ter sido acatada, mas, sim, anulada, pois o escravo ainda não havia recebido o libelo, menos ainda a nomeação de seu curador: Visto a decisão do jury de julgação condenno o reo Manoel Congo a penna de morte marcada no grão máximo do artigo 192 do Código Criminal, combinado com o artigo 4° da Lei de 10 de junho de 1835, indinização e Custas. Salla das Seçoins do Tribunal do Jury do termo de Vassouras em 20 de janeiro de 1839.319 Outro dado sobre a irregularidade da condenação pelo crime de homicídio se refere à data do interrogatório. Esse só ocorreu no dia 26 de janeiro de 1839. Portanto, como poderia ter sido condenado no dia 20 de janeiro? “P. q o R. Manoel Congo não só commeteo o Crime de morte, pelo qual foi sentenciado a pena última em outro processo [...]”.320 Lembremos que os libelos só foram entregues no dia 23 de janeiro, sem a existência de um curador. O curador, dr. Alexandre Joaquim de Siqueira, era um funcionário público de carreira que ocupou diversos cargos, como: juiz de direito, juiz municipal e de órfãos 315 Processo-crime homicídio, p. 17v. CDH, USS. 316 Processo-crime homicídio, fls. 17. CDH, USS. 317 PINAUD, João Luiz Duboc. Op. cit., p. 60. 318 Talvez a comparação com outros processos para termos a certeza de como era realizada a nomeação de um curador. Mas, houve o descumprimento do artigo 254. 319 Processo-crime homicídio, fls. 20v. 320 Processo-crime de insurreição, fls. 39v. 108 da vila Vassouras,321 entre tantos outros. Considerado um funcionário de segundo escalão e ligado aos saquaremas,322 esse bacharel em direito escreveria no ano de 1852 sua versão sobre a história de Vassouras. A publicação, entretanto, só aconteceria bem mais tarde, no ano de 1896, pelo jornal Vassourense. Intitulada Memória histórica do município de Vassouras, o bacharel tentava resgatar a história da fundação do município. A presente história fora publicada em partes pelo jornal em quatro edições. Em sua primeira parte, trazia a informação sobre a insurreição se restringindo a citá-la. Possivelmente, a ausência de um maior detalhamento estava ligada à sua participação questionável como curador do escravo Manoel Congo. Retornando aos processos, as questões que apresentamos demonstram claramente como caminhou a condenação do cativo Manoel Congo e de seu proprietário Manoel Francisco Xavier. Além de perder um bem de seu patrimônio, teve a condenação dos outros escravos a pena de açoites. Assim, o capitão-mor Manoel Francisco Xavier não contaria com o retorno imediato dos escravos ao trabalho, além de arcar com as custas dos processos e a alimentação da tropa que ficara em sua propriedade após o fim da insurreição. A permanência da tropa pode ser vista de duas maneiras. A primeira seria uma proteção à propriedade. A segunda, uma demonstração de impotência do capitão-mor Manoel Francisco Xavier frente à Justiça, ou melhor, aos que a representavam. Dessa forma, podemos entender a carta de Manoel F. Xavier encaminhada ao presidente de Província informando que: “a maior parte dos escravos que se evadiram já me acho de posse dele [...]”. 323 E, solicitando a retirada da tropa de sua fazenda: “[...] me parece não ser mais necessário sofrer o incômodo da Força Pública”.324 Além de ser o único senhor que perdeu escravos, uma vez que a insurreição contou com a participação de cativos de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar, Manoel Francisco Xavier era exposto à população como derrotado. 321 Jornal Vassourense de 26 de abril de 1896. Museu Casa da Era. Vassouras, Rio de Janeiro. 322 CANDIDO, Antonio. Um funcionário da Monarquia. Apud SALLES, Ricardo. E o Vale era escravo: Vassouras, século XIX – senhores e escravos no coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 209. 323 Apud SOUZA, José Antonio Soares de. Op. cit., p. 55 324 Ibidem. p. 56. 109 Ainda sobre os processos, analisamos o “sorteio” dos jurados que demonstrou mais um aspecto da articulação para a condenação dos cativos do capitão-mor Manoel Francisco Xavier. O “sorteio” dos jurados de acusação para o crime de homicídio ocorreu no dia 22 de janeiro de 1839 e contou com os nomes de 23 jurados, ficando de fora Manoel Joaquim das Chagas, considerado suspeito pelo juiz interino Ignácio Pinheiro de Souza Werneck. Este mesmo júri ficou sob a presidência de Manoel de Azevedo Barboza Werneck e foi composto por: João Borges Damasseno, Manoel de Azdo. Barbzª Verneck, Antonio Soares de Castro, Francisco Jose Marco de Assis, Pedro Correa e Castro Jr, Joze Vieira Maxado, João Jose Manco, Ignácio Gomes de Assumpção, Francº Ferreira Goulart, Joaquim Antonio de Andrade, Joze Francisco da S Per, Joze Antonio da Costa, Damco Je. Glzs, Ignácio Gomes de Aguiar, João Barboza dos Santos, João Jose de Can Peixoto, Jacinto Alves Barboza, Vicente Jose de Souza, Mel Ignco Barboza, Joze de Azdo Ramos, Joaquim Mascarenhas Salter, Ambrozio de Szª Lima, Ant° Mel. Gomes de Szª.325 Nesse mesmo dia aconteceu o “sorteio” do júri de acusação para o crime de insurreição que contou com 67 nomes. Mas chamamos a atenção para o “sorteio” dos mesmos 23 nomes, a exclusão da mesma pessoa e para a presidência de Manoel de Azevedo Barboza Werneck. Apesar de ocorrer o sorteio no mesmo dia, como dois processos distintos poderiam apresentar os mesmos nomes? E, por que Manoel Joaquim das Chagas foi considerado suspeito? Analisando a formação desse júri, notamos que um novo era formado. Os jurados de condenação para o crime de insurreição e homicídio eram escolhidos através de dois “sorteios”. Dessa vez, ocorreram em dias distintos em função da alegação de se tratar de processos paralelos quanto ao andamento. No dia 26 de janeiro de 1839, foram “escolhidos” pela “sorte” os jurados de condenação para o crime de homicídio: Jose Maria de Guadalupe, Antonio do Nascimento Costa, Manoel FranciscoAlves, Joaquim Joze da Silva, Domco Ant. [...] Montr, Luis Barbª dos Santos Verneck, Bernardo de Freitas Brandão, Joze Ant° Damazio, Luiz Querino da Rocha, Jozuhe da Costa Souza, Antonio de Souza 325 Processo-crime homicídio. fls. 13v e 14. CDH, USS. 110 Barreto, Camilo de Lellis Carmo, 326 tendo como presidente Jose Maria de Guadalupe e o jurado Luis de França excluído da composição do mesmo. Já em 31 de janeiro de 1839 aconteceu o “sorteio” dos jurados de condenação para o crime de insurreição. Algumas diferenças existiram na formação desses júris. A presidência desta formação ficava sob o controle de Antônio de Souza Barreto e sendo recusados os nomes de: Jose Maria Guadalupe; Lucidoro Francisco Xavier; Antonio Delfim Silva e Francisco de Paula Barreto. 327 A composição contou com os senhores: Antonio Gomes Aguiar, Antonio de Souza Barreto, Joaquim Joze da Silva, Domiciano Na° Souza Montr°, Luiz Barboza dos Santos, Manoel Francisco e Silva, Bernardo de Freitas Brandão, Lucidonio da Costa Souza, Camillo de Lellis Carmo, Luiz Quirino da Rocha e Antonio do Nascimento Costa.328 Nota-se que as pessoas ligadas ao capitão-mor Manoel Francisco Xavier foram recusadas. Lucidoro Francisco Xavier era irmão do capitão-mor, Antonio Delfim Silva foi o juiz que se declarou suspeito no processo de embargo e Luis de França, talvez, seja um dos padrinhos dos escravos de Manoel Francisco Xavier que no registro de batismo apresentou o nome de Luiz José de França. Na verificação das assinaturas dos jurados de condenação para o crime de insurreição, notamos a ausência do jurado Manoel Francisco e Silva. Assim, a condenação à morte de Manoel Congo e a açoites dos demais cativos do sexo masculino, exceto do escravo Adão que foi absolvido juntamente com as mulheres, contou com apenas 11 assinaturas. Após o término dos processos, o juiz interino Ignácio Pinheiro Souza Werneck, encaminhou ao presidente da Província um ofício no qual expunha sua opinião em relação à condenação dos escravos de Manoel Francisco Xavier e, em especial, do réu Manoel Congo. Neste ofício afirmava claramente a validade das provas encontradas nos processos e a legalidade da condenação à pena capital: [...] resulta que o reo Manoel Congo no ato de ir a força armada bater o quilombo na fazenda Santa catarina, matara com um tiro de espingarda a um pedestre de Manoel Constantino Francisco d’Oliveira, por este crime condenado à morte pelo Juiz e teve o reo por curador o doutor Alexandre Joaquim de Silveira, por mim nomeado a vista da pleníssima prova dos autos 326 Processo-crime homicídio, fls. 18. CDH, USS. 327 Processo-crime insurreição, fls. 40 v. CDH, USS. 328 Processo-crime insurreição, fls. 41. CDH, USS. 111 achou que foi justa a sentença [...] o mencionado reu por um dos cabeças de Insurreição [...] foi igualmente sentenciado a pena capital, bastante justa vista a exuberante prova dos autos, e do que resulta dos interrogatórios dos co-réus, seus parceiros [...].329 Nota-se que ao citar a nomeação do curador do réu, não informou que a mesma ocorreu três dias antes da condenação: “[...] teve o reo por curador o doutor Alexandre Joaquim de Silveira, por mim nomeado [...]”. 330 Com essa versão do ocorrido, recebia o presidente de Província o ofício. Mas ao contrário do que se esperava, ao menos para o juiz interino, o próprio Paulino José Soares de Souza deixaria sua opinião sobre o ocorrido no relatório de abertura da 2ª sessão da 2ª legislatura da Assembleia Provincial, acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de 1839 a 1840, no qual diz categoricamente que o sucedido fora intrigas próprias de povoações pequenas. 331 Além do relatório se referir diretamente à insurreição, não podemos deixar de situar o contexto político no qual fora produzido. Notamos que juntamente com sua opinião sobre o levante de escravos, Paulino José Soares de Souza aproveitara para demonstrar sua censura a todos os juízes de paz. Ao indicar os interesses particulares dos juízes de paz como responsáveis pela existência de conflitos, indiretamente sugeria que para manter a ordem era necessário um governo central que representasse o desejo de todo o território e não um governo fragmentado movido por interesses distintos. Dessa maneira, as disputas entre os projetos de federalismo e /ou de centralização demonstravam que o mundo da desordem não se restringia apenas aos pardos e pretos. Quanto à disputa intraelite existente na vila de Paty do Alferes, esta gerou uma desordem que paralisou o seu desenvolvimento e resultou em sua transferência. Esse conflito entre senhores apareceria no relatório de Província no ano de 1844: Em geral entregues aos cuidados e detalhes de sua lavoura, e do seu commercio mais ou extenso, os habitantes da Provincia, apenas divididos nas pequenas povoações por intrigas de famílias o verdadeiro cancro das nossas 329 Apud PINAUD, João Luiz Duboc. Op. cit., p. 61. 330 Idem. 331 Relatório do presidente da província do Rio de Janeiro, o conselheiro Paulino José Soares de Souza, na abertura da 2ª sessão da 2ª legislatura da Assembleia Provincial, acompanhado do orçamento da receita e despesa para o ano de 1839 a 1840. 2. ed. Niterói: Typ. De Amaral & Irmão, 1851. Disponível em: http://www.nd.edu/~kic/brazil/jain.html. 112 localidades ou por interesses meramente locaes, repellem com horror as inspirações da anarchia, as innovações perigosas, e esses princípios exagerados, partos de utopias alambicadas, verdadeiros desvarios do espírito humano, que infelizmente em nosso tirocínio político tendo achado eche e partido tem accendido o [...] da guerra civil em seu fúnebre cortejo em muitas Provincias co-irmãs, e crestado sua prosperidade nascente (Grifo nosso). 332 A vila de Paty do Alferes reproduzia o que estava acontecendo em diversas partes do imenso território do Império, com disputas entre as famílias da classe senhorial. A desordem na classe senhorial expandia-se pelos laços e vínculos de seus representantes. A família Werneck, de forte ligação com os futuros conservadores, também apresentava ligação com representantes da corrente liberal. Marianna Isabel de Lacerda e Almeida, filha do chefe da Guarda Nacional e vindouro barão de Pati do Alferes, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, casou-se com o liberal Francisco de Assis e Almeida, 333 que segundo Mauad, veio foragido para a região: “Francisco de Assis e Almeida, advogado liberal, tendo vindo foragido de Minas por causa das desavenças entre liberais e o poder central, fixa residência em Vassouras”.334 Assim, dentro do contexto da divisão intraelite, notamos laços parentais ou de compadrios tanto com liberais e conservadores numa mesma família. Olhando mais detalhadamente para essa união da família de Francisco Peixoto de Lacerda Werneck com um representante liberal, notamos que Francisco de Assis, antes mesmo de sua chegada à Vassouras, graduo-se em direito na Faculdade de São Paulo, onde se tornou amigo de Joaquim Teixeira Leite. 335 Observamos que a formação dos que se tornariam liberais e conservadores teve o mesmo centro de estudo. Segundo Adorno, a Faculdade de São Paulo foi o celeiro do mandarinato imperial.336 A formação da elite, a partir dos dois novos 332 Relatório do presidente de Província do Rio De Janeiro, 1844: Presidência de João Caldas Viana, p. 3 (grifo nosso). 333 MONTEIRO, Angelo Ferreira. Redes de sociabilidade em Vassouras no século XIX: o caso Benatar. Vassouras: Ed. Autor, 2007. p. 61. 334 MAUAD, Ana Maria. Imagem e Auto-imagem do segundo reinado. In: NOVAIS, Fernando Antonio; ALENCASTRO, Luis Felipe (orgs). História da vida privada no Brasil – Império: a corte e a modernidade nacional. Vol. II. 3. reimpresssão. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. In: MONTEIRO, Angelo Ferreira. Op. cit., p. 61. 335 MONTEIRO, Angelo Ferreira. Op. Cit., p. 62. 336 ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 237. 113 cursos,337 principalmente o da faculdade de São Paulo, salientou a valorização do individualismo.338 Pautando nossa a argumentação na informação trazida por Adorno da introdução do jus-naturalismo nos cursos de direito, buscamos o significado dessa corrente do pensamento jurídico. Para Bobbio, a significação resulta num Estado pensado a partir dos direitos do indivíduo, 339 consequentemente, esse Estado valorizará mais tais direitos em detrimento do coletivo. Dessa forma, os cursos de direito de Olinda e São Paulo formavam bacharéis mais voltados para o pensamento individualista e, talvez, por isso, a afirmação de Adorno de que não houve uma política voltada para a democratização da sociedade.340 Considerando-se a formação intelectual desses bacharéis e futuros políticos, notamos a valorização do interesse individual na vida política em detrimento de uma política mais ampla no sentido da coletividade. O próprio ministro Hermeto Leão, em momento posterior, como representante dos conservadores na Província fluminense, demonstrou que os interesses dos senhores proprietários de escravos e produtores de café se ligavam ao poder do Estado. Foi o próprio Hermeto Leão, tirando proveito da função de ministro da Justiça, que convidou a Paulino José Soares de Souza 341 para exercer, em 1832, a função de juiz na Corte. Paulino José Soares de Souza se formaria na Faculdade de São Paulo, que seguira o mesmo modelo de ensino 342 da Universidade de Coimbra, onde iniciou seus estudos. Além de contar em seu quadro docente com alguns dos professores 337 As duas primeiras faculdades de direito foram abertas em São Paulo e Olinda. 338 ADORNO, Sérgio. Op. cit., p. 239. 339 COSER, Ivo. Op. cit., p. 381. 340 ADORNO, Sérgio. Op. cit., p. 238. 341 Paulinho José iniciou o curso de direito em Coimbra, mas retornou ao Brasil em 1828 e retornou os estudos em 1830 já na faculdade de São Paulo. CARVALHO, José Murilo de (org.). Visconde do Uruguai. São Paulo: Editora 34, 2002. p. 12. 342 Mesmo seguindo o modelo citado, houve o abandono do direito romano, pois a ideia era formar não só juristas, mas, advogados, deputados, senadores e diplomatas. In: CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008 , p. 76. 114 do antigo centro de formação de bacharel em direito, vários brasileiros que lá estudavam (Coimbra) vieram transferidos. 343 Possivelmente, em função de sua formação em direito, sentia que o exercício da função de juiz de paz por pessoas leigas diminuía a importância da formação jurídica, pois o cargo agregava muitos afazeres jurídicos dos quais os ocupantes não tinham um conhecimento prévio e teórico. Além de criticar a ação do juiz de paz de Paty do Alferes, Paulino José considerava como negligente a forma como muitas pessoas exerciam tal função. 344 No entanto, apesar de enumerar várias críticas aos juízes de paz, reconhece o grande número de atribuições do cargo, o que para ele sobrecarregou uma função eletiva não remunerada e exercida por particulares. Com o conhecimento do tipo de formação acadêmica dos políticos envolvidos no processo do regresso conservador, podemos, por meio do diálogo com alguns estudos, entender um pouco mais a formação do Estado e a centralização do poder. Nesta pesquisa trouxemos dois movimentos escravos, conjuração de Valença e a insurreição de Paty do Alferes, que, de certa forma, demonstram a fragilidade do Estado em gestação. Além disso, salientamos o jogo de interesses da classe senhorial que chegou a iniciar vários outros movimentos de sublevação. Portanto, em nosso recorte temporal (1816-1840), ou seja, anterior ao regresso conservador, notamos que os interesses particulares estavam à frente de qualquer outro, o que ocasionou uma desordem senhorial. Ao analisar a construção do Estado-Nação, José Murilo no livro a Construção da ordem argumenta que a base desse processo foi a formação da classe senhorial na Universidade de Coimbra. E, somando a esse aspecto, traz ainda a ocupação no funcionalismo público como fator importante nesse processo de construção. Dessa maneira, possibilitou que os representantes da sociedade civil fossem ao mesmo tempo representantes do Estado. Com essa formação houve, segundo o autor, uma diminuição do conflito intraelite. Tal constatação serviu para a afirmação do estudioso de que quanto mais homogênea a elite, mais tranquila é a formação do Estado. Outro ponto utilizado é a 343 344 Ibidem, p. 76. Relatório de abertura da segunda sessão da segunda legislatura da Assembléia provincial do Rio de Janeiro para o ano de 1839 a 1840, fls. 3-4. 115 herança burocrática portuguesa, (base para a unidade), salientando que a formação em direito tinha como um de seus objetivos formar funcionários para o Estado. 345 Ainda na obra de José Murilo, observa-se o diálogo do autor com o prefácio escrito por Hermes Lima para o volume das obras de Rui Barbosa. Carvalho diz que para Lima a centralização favorecia a manutenção da escravidão. 346 Baseando sua argumentação em testemunhos de época, José Murilo afirma ainda que havia receio de revolta escrava. Nesse sentido, o medo era de uma revolta parecida com a ocorrida no Haiti. Os interesses na manutenção da ordem escravista podem ter colaborado para a unidade territorial, 347 mas não foram a peça central neste processo. Para o autor, o medo não era da fragmentação do Estado em gestação, pois caso ocorresse, poderia fortalecer o sistema escravista em função das Províncias em que a escravidão desempenhava uma maior peso econômico. 348 Por sua vez, na principal Província do Império, a região responsável pela produção do café demonstrava que os interesses particulares dos senhores da terra era um dos pontos que limitava, ou melhor, impossibilitava a homogeneidade da classe senhorial. Mesmo estando bem distante de ser considerada como uma classe homogênea é possível observar a formação de algumas alianças. A formação acadêmica comum dessa classe possibilitou o nascimento de uma forte ligação entre Joaquim Teixeira Leite e Francisco de Assis. O primeiro se tornaria representante da corrente conservadora, enquanto o outro um liberal. Outra forma de aliança era por meio do matrimônio. As famílias proprietárias o utilizavam para harmonizar alguns interesses comuns. O liberal Francisco de Assis, que se casou com a filha do chefe da Guarda Nacional, Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, Marianna Isabel de Lacerda exemplifica bem essa união. Nesse aspecto é bastante adequada a afirmação encontrada em Ilmar Mattos: “nada tão parecido com um conservador como um liberal no poder”; 349 ou uma 345 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombras: a política imperial. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p. 76. 346 Ibidem, p.18. 347 Idem. 348 Ibidem, p. 19. 349 MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. 5. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. p. 115. 116 quadrinha nordestina da época: “Por subir Pedrinho ao trono/Não fique o povo contente/Não pode ser boa coisa/servindo com a mesma gente”. 350 Conclusão Para entendermos a classe senhorial do Vale do Paraíba Fluminense da primeira metade do século XIX, foi necessário focarmos a pesquisa numa determinada localidade e compreender sua criação dentro do contexto político – e, assim, realizar a investigação sobre as disputas senhoriais. A localidade, objeto da pesquisa, foi a vila de Paty do Alferes. Nela observamos a presença de disputas intraelite. A primeira se deu em torno da construção da igreja, mas não foi só este fato que nos levou a aprofundar o nosso entendimento sobre a povoação. Seria impossível entender a classe senhorial sem alargar o nosso campo de análise. Logo, não nos limitamos apenas a Paty do Alferes. Buscamos, também, entender o processo de ocupação e criação de vilas no Vale do Paraíba Fluminense, após a instalação da Corte no Rio de Janeiro. Com a chegada da família real, houve a necessidade da produção de alimentos para atender a nova demanda da cidade do Rio de Janeiro. Assim, o povoamento e criação das vilas no Vale Paraíba fluminense visava a produção agrícola para suprir a nova procura. Logo, o trajeto que antes era usado para o escoamento do ouro produzido nas Minas Gerais, conhecido por Caminho Novo, passou a ser utilizado para abastecer de alimentos o novo centro de poder. Durante este processo de povoamento e criação das vilas, observamos que no povoado de Paty do Alferes, além da querela relacionada à construção da igreja, houve uma intensificação das disputas intraelite. Naquele momento, a manutenção territorial surgiu como o principal motivo. Os senhores envolvidos na criação da vila não aceitavam ceder parte de suas propriedades para beneficiar a construção da sede administrativa. Nessa disputa que se arrastou durante toda a existência da vila de Paty do Alferes, notamos que a manutenção territorial era a principal questão em torno das porfias senhoriais, as 350 Apud FAZOLI FILHO, Arnaldo. O período regencial. São Paulo: Ática, 1990. p. 47. Série Princípios. 117 quais adjetivamos como desordem senhorial. No entanto, a fundação da vila ocorreu em 1820, trazendo mais embates que buscavam agregar ao poder senhorial o poder administrativo da vila e suas vantagens. Identificamos durante a criação da vila uma busca pelo monopólio do poder local. Como consequência, a classe senhorial apresentou sua heterogeneidade. Portanto, com o conhecimento de que a manutenção territorial era a razão da disputa, passamos a buscar fatos e/ou acontecimentos em que as porfias senhoriais se fizessem presentes. E, por diversos momentos da existência da vila de Paty do Alferes, encontramos o bem público sendo apropriado pelo interesse particular. Mas em um campo de análise no qual não imaginávamos interferências destas porfias, encontramos a ação da desordem em que se achava a classe senhorial. A realização de batismos escravos foi o palco. Estudamos a realização do rito sacramental de três famílias envolvidas diretamente. Enquanto a Xavier, por intermédio do capitão-mor Manoel Francisco, buscava fortalecer os laços sociais e políticos com pessoas pertencentes à classe senhorial batizando seus cativos, observamos que as famílias Ribeiro de Avelar e Werneck tinham um posicionamento oposto, ou seja, procuravam os próprios escravos, como padrinhos, para batizarem os inocentes. No entanto, a influência maior da disputa senhorial ocorreu posteriormente à mudança da vila de Paty do Alferes para Vassouras em 1835. Neste ano, Manoel Francisco Xavier deixou de batizar seus cativos que só voltariam a receber o sacramento após sua morte em 1840. Além deste desdobramento no campo religioso, outro eixo de análise por nós apreciado foi o Judiciário. No embargo movido pela família Xavier contra Manoel Vieira dos Anjos, a desordem senhorial também se fez presente. Mas foi na apuração e julgamento da insurreição escrava de 1838 que sua influência se mostrou mais veemente. Com a sublevação escrava, as autoridades envolvidas realizaram uma farta comunicação, nas quais notamos que houve uma intenção de subjugar o capitãomor Manoel Francisco Xavier, proprietário da maioria dos escravos envolvidos. Os senhores que representavam a lei pertenciam à família Werneck, considerada pelo capitão-mor como inimiga. A consequência desse “monopólio” foi responsabilizar o capitão-mor Manoel Francisco Xavier pela insurreição, a qual contou com a participação dos escravos de 118 Paulo Gomes Ribeiro de Avelar, que em nenhum momento foi citado pelas autoridades. Portanto, através da vila de Paty do Alferes e de seus acontecimentos, a pesquisa apresenta a heterogeneidade da classe senhorial na primeira metade do século XIX, sem se limitar a uma história local. Assim, foi possível observar, em função da redução da escala de análise, parte do processo de construção do próprio Estado e a ação de “homogeneização das elites”, juntamente com toda a discussão em torno do federalismo e centralização política. Para além da importância econômica-política da localidade, o trabalho demonstra, ainda, que a massa de desordem não se restringia apenas aos escravos, pois esses em muitos momentos reproduziam o que seus senhores viviam. Em síntese, diríamos que a desordem se refere muito mais à classe senhorial do que aos escravos. 119 Anexo 120 121 122 123 Fontes. Abaixo-assinado da vila de Valença impresso pela Tipografia de Torres no Rio de Janeiro no ano de 1831. Gentilmente cedido por Antônio Carlos ( Mestre em História –USS). Alvará de Criação da vila de Paty do Alferes, 1820. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Constituição de 1824. Documento 103664145001. CDH, Centro de Documentação Histórica da Universidade Severino Sombra. Documento 103664051007. Centro de Documentação Histórica, CDH. Universidade Severino Sombra. Documento 103664073006. Centro de Documentação Histórica, CDH. Universidade Severino Sombra Documento 103664355023. Centro de Documentação Histórica, CDH. Universidade Severino Sombra. Processos crimes: Insurreição e homicídio (1838). CDH da Universidade Severino Sombra. Livro I de Batismo escravo. Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Paty do Alferes, Rio de Janeiro. 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